Godlin escrita por Amanda8Kane


Capítulo 1
Capítulo 1




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Quando há uma coisa na sua frente que, apesar de ser óbvia, tanto quanto um homem pulando de uma ponte — por estar só —, ou alguém desconhecida de tano dinheiro e balas — mamãe não gosta dessas pessoas —, são essa coisas, aquelas que deixamos escapar pelos nossos olhos, são aquelas que, um dia, seriam sua destruição.

Perguntava-me como a vida poderia ser pior, mas não de forma formal, completamente numa confusão, porque estava indo viajar. E não era para um lugar bom. Nem com quem eu queria ir. Mas de alguma forma deveria me ajudar a superar certas coisas. Como eu estar apaixonada por ele. De todas as formas possíveis. E tem outras, que incluem luvas pelo resto da vida e muita, muita, terapia.

Dei um beija na bochecha de mamãe, ela não sabia se chorava ou ria, mas desconfiava que seu rosto pudesse ficar contorcido de maneira estranha se ela continuasse a fazer tanta careta. Passei por Boby e o abracei apertado também. Escutei a buzina gritante do carro de Maia enquanto arrastava minhas malas para longe da casa, uma ótima olhada, observei quando a casa de deteriorava na minha frente. Não! De novo, não! Me recuso a passar por essa experiência outra vez!

Fixei os olhos na panturrilha do meu sapato de combate que ia até o joelho. Escutei os sons dos estragos a minha volta. Tive vontade de gritar. Chamar minha mãe para longe daquele lugar, agora! Exigindo que nunca mais entrasse lá.

Eu até tentaria explicar esses acontecimentos estranhos na minha vida, tentaria mesmo, mas é provavelmente que me trancassem no hospício e esquecessem que tinha chave. Como fizeram com vovó. Mas ela é outro caso, possivelmente, acho que ela não ficou maluca de verdade, apenas perdeu aquela sanidade que todos têm. Ah, menos eu.

— Vamos, Jane, temos que buscar o Nick ainda. — berrou, passando a cabeça para fora do carro e batendo as mãos no teto do carro.

Bah! E, eu achando, que o dia poderia ficar pior.

Foi quando eu o vi. Ele estava sentado no banco da praça ao outro lado de onde me encontrava, ele parecia entretido em analisar meu rosto e seu rosto estava escondido numa máscara de... de... ferro. Seus olhos azuis se mexiam a cada movimento meu, achei que poderia correr, mas provavelmente estaria facilitando as coisas para ele. E Deus! Como eu queria ficar longe dele.

Depois vi ELE! Saindo da porta da casa pretendendo os braços numa jaqueta de couro preta. Ele era tão descolado, que cheguei a achar que poderia ser macumba, tampouco em tão...Bah!

Aqui vou eu, tentar contar como a bosta de minha vida se torno tão doida que se perguntassem para qualquer pessoa no Oregon, se viu a doidinha, apontariam direto para minha casa.

Constrangida por ter sido pega olhando, novamente, para ele, abaixei a cabeça e arrastei os pés até dentro do Honda de Maia. Ele tinha olhos verdes que pareciam poder assistir minha alma, como se pudesse me despir com apenas um olhar, e isso incomodava. Muito. Mas eu sempre tento focar a mente no lugar mais seguro, sabe, quando não estou tentando mata-lo, estou tentando não beija-lo e tudo, nesse meio termo, é muito confuso.

— Tá tudo bem com você, Jane? — indagou Maia assim que joguei a mala dentro do porta malas.

— Melhor impossível. — respondi, seca.

— Bom dia, pessoal! — Alex sentou do meu lado no carro e me olhou estranhamente, como se esperasse algo. — Mia, ela está branca. E não é do jeito mortiça de sempre, até parece que viu um fantasma.

Você nem faz ideia.

— Estava perguntando agorinha sobre isso, mas ela disse que estava perfeita.

— Pessoal! Eu estou aqui. E estou muito bem, obrigado. Só estou com um pouco de sono. Não dormi muito bem essa noite. — menti — É difícil ter que acordar e dá de cara com coisas tão feias quanto vocês.

Mia bufou enquanto arrancava com o carro do meio fio, ela acenou para nossos pais depois proferiu vários palavrões quando sua saia ficou estagnada no banco. Eu me acomodei no banco confortável e coloquei o fone no último.

Alguma vez já pensaram que talvez sua vida, na verdade, não fosse sua? Como entrar no oceano de lava sabendo que iria se queimar, mesmo assim testando à teoria da curiosidade. Pôr fim você sempre morre. Era dessa forma com que me sentia, o dia de hoje começou horrível, achava que não poderia ficar pior conforme passasse. Olha eu errada de novo.

O vento enfurecido bateu nos meus dedos ruidosamente. Obriguei-me a puxar a mão de volta para dentro do carro e, sem nenhuma animação, perguntei:

— Já chegamos? — E essa não era a primeira vez.

— Alex, explica pra sua irmã, por favor! — Rosnou Mia apertando o volante tanto, que vi suas juntas se dilatou e ficar brancas.

— Maninha, você perguntar isso a cada dois segundos não vai adiantar nada. Sossega o facho e da uma cochilada, eu te acordo quando chegamos. — ele suspirou, depois cutucou minhas costelas. Os olhos verdes brilhando numa cor intensa.

Sorri. Ele levou isso como convite, porque, passou os braços a minha volta e lascou um beijo casto na minha testa. Sem nenhum motivo pra afasta-lo ou manda-lo ir tomar banho, apenas afundei nos seus braços e entrei num sono profundo. Outra forma de demonstrar minha insanidade mental. Quando voltei a acordar, ele me olhava sonolento enquanto mexia no celular. Imediatamente afastei-me do seu toque.

— Já chegamos? — Me ouvi perguntando outra vez.

Maia, que estava ao volante se inclinou para o lado e bateu a unha na minha cabeça. Sorrindo ela voltou a olhar a estrada. Eu conhecia muito bem aquele olhar, de garota sapeca que quer muito aprontar, mas me mantive quieta, por mais que quisesse falar, não conseguia achar exatamente o que iria dizer. Tá certo às vezes tenho os momentos paradisíacos. Isso era muitas vezes, na verdade.

Eu conhecia Maia há mais de dois anos, quando nós duas fomos enviadas para um acampamento de gordinhos. Eu emagreci. Ela, nem tanto. Apesar de gostarmos de achar que o mundo se tornou confuso depois que o chocolate diet foi criado. Mas voltando ao tópico de conhecimentos, eu amo ela demais — não, desse jeito não —, é como um amor de irmã. E falando em irmãos, tem o Alex, que está nos acompanhando nessa viagem, e eu o amo como nunca amei ou pensei em amar alguém. Vou avisando, nosso amor é quase doentio.

— O que está fazendo? — perguntei curiosa, para Alex.

— Calculando quanto tempo temos antes de ter que parar, o tanque já está quase vazio e uma tempestade se aproxima. Por quê?

— Mau agouro! — Era Nick. O insuportável namorado de Maia, que estava sentado no banco da frente com ela, segurando sua mão. — Temos que parar num hotel! Urgente.

— Ah, ele quer fazer coco.

Todos no carro caíram na gargalhada, incluindo eu. Era bom viver livremente essas férias. Com os amigos, com o sol, festejando quase todas as noites! Nós tínhamos um destino sim, mas ele estava longe de chegar e, já que estamos no carro, tínhamos que aprender a confraternizar com as pessoas ao redor, droga!

— Eu estou com fome. Quem vai me dar algo pra comer? De preferência que seja gostoso. — Bati os pés no banco da frente.

— Ai. Aí. Nick tem uma sacola bem aí no seu lado. Tomei a liberdade de comprar alguns hambúrgueres prevendo o comportamento de Jane. Pegue pra mim, querido. — Disse Maia, sedutoramente.

— Para de bater no banco, sua bárbara. — cuspiu Nick.

— Calma aí cara. Não precisa começar a ofender a essa altura do campeonato, certo? Jane, pare de bater no banco dele. Pronto. — Alex sempre tão passista. Ele inclinou pra frente apanhando a sacola com as mãos. Fez uma careta ao distribuir todos os mantimentos amassados que estavam dentro. Por fim, comemos um delicioso e amassado hambúrguer de frango com ketchup, o que quase me fez matar Maia, pois odeio esse negócio.

Podíamos ouvir os relâmpagos alto quando decidimos parar o carro no estacionamento de um hotel. Ele era tão pequeno que, precisamos ver a placa vermelha néon para sabermos que se tratava de um hotel mesmo. Já tinha garoa quando entramos na recepção, estávamos todos rindo igual a bobos ambulantes. Uma senhora de idade sorriu docentemente para nós, enrugando grande parte das linhas dos olhos, e mostrando os dentes amarelados por causa do café. Sem se importa com a gritaria ela começou mecanicamente:

— Hotel Asher. Boa noite. Como posso ajuda-los essa bela noite?

Como se fosse cômico um relâmpago rachou o céu com estrondo auditivo, fazendo todos pularem, especialmente ela. Será que não percebeu o temporal que se formou no lado de fora? Ou só estava se fazendo de loira burra?

— Dois quarto, por favor. — pediu Maia.

— Sinto muito. Estamos sem quartos essa noite. Apenas um. Mas nele tem duas camas e água quente, uma TV de rotação e lençóis limpos. Não necessariamente nessa ordem. Sim?

Nós nos entreolhamos confusos. Estava na cara que a mulher mentia. O estacionamento do lugar estava vazio! Não havia absolutamente nenhum carro, e também, aquilo era uma espelunca. No meio do nada. E há noite.

— Tem certeza? — perguntou Nick fazendo uma careta. Maia bateu com o cotovelo nas suas costelas. Com um sorriso implantado no rosto ela se inclinou no balcão, olhando o placar de anotações da velha, que rapidamente o tirou do seu alcance periférico.

Soltando o ar pelos dentes me peguei dizendo em alto e bom som:

— Ah, dane-se. Ficamos com o quarto. As meninas dormem numa cama e os garotos na outra. Pronto, resolvido.

— Me recuso. — protestou Nick — não quero dormi no mesmo quarto que essa maluca.

— Nick... — grunhiu Alex apertando meu braço com força. Óbvia forma de mostrar que sua paciência já estava acabando. Por algum motivo, nos quais ainda não tenho certeza, queria ver ele batendo no Nick até ver sangue sair dos seus punhos. Como eu disse, doentia.

— Já chega! Vocês dois, parem de brigar agora, e você Jane pare do olhar desse jeito assassino. O negócio vai ser o seguinte, eu e Jane dormiremos na mesma cama, sobre a outra vocês dois terão de se virar! OK. Estou cansada, meu cabelo está horrível, minha pernas doem e eu estou de TPM. É isso aí, Nick, nem tente me seduzir durante a noite, porque sou pior que um gorila!

Nick choramingou. Pagamos a conta com a senhora gentil e andamos na garoa enquanto procurávamos o quarto 129 sobre a luz fraca do celular da Maia. A porta vermelha era feita de madeira com esculpidos corpos vermelhos. Estremeci. Olhamo-nos quando Maia enfiou a chave na fechadura, com um suspiro coletivo, ela abriu a porta que dava direto para um quarto pequeno cheio de luz fraca. Duas camas ficavam uma do lado da outra. Havia um lustre para distribuição de luz. E também, um criado mudo.

— Perfeito pra mim! — exclama Mia correndo em disparada pelo quarto e pulando na cama.

— Vou pegar as coisas no carro. — anunciou Alex. Ele apertou minha mão uma última e andou adentrando a escuridão.

Examinei o quarto com os olhos críticos. Ele, em si, não é grande coisa. Muito simples por cinquenta dólares a noite, mas tem lá seu charme, e ele se chama televisão; não lembrava a última vez na qual tinha sentado para assistir televisão sem estar correndo.

Nick saiu para o banheiro no fim do corredor. Eu sabia que estava certa. Mia se espreguiçou suspirando na cama, seus olhos cintilaram quando olhou para o Nick, ela se levantou e foi atrás dele. Menos de cinco minutos depois voltou sem nenhuma cor no rosto.

— Mia, você está bem?

Ela balançou a cabeça meio sonolenta.

— Tem preferência por algum lado na cama?

— Não. Mia! Você está branca. O Nick disse alguma coisa? Por que se for eu vou matar aquele idiota...

— Pelo amor de Deus, Jane. Cuida da sua vida. Eu estou bem. Ele não fez nada.

— Não é o que parece. — Murmurei, passei a camisa branca por cima da cabeça, ficando de top preto. Mia sentou na cama tirando as sandálias que iam até seu joelho. Se não fosse tão perceptiva nem teria visto a marca na sua mão direita quando trocou de lado. E não era à marca amorosa. — Aquele cretino bateu em você? — soltei tempestuosamente.

Ela pulou da cama assustada.

— É óbvio que não! Que droga, Jane. Eu bati o braço quando estávamos na festa ontem, e acontece que eu nem queria estar nela, fui por ti. Então pare de crucificar o Nick. Que coisa!

— Eu... eu... Mia... Ahhh... Eu sinto muito. Ta bem. Só me deixe ver se precisa de gelo.

— OK.

Andei até ela puxando seu braço a encontro dos meus olhos. Tive que passar o dedo por cima da parte vermelha pra ter certeza de que não estava quebrado. Ela gemeu. Mas quando perguntei se doía na hora que mexia, ela só acenou em negativa. Aquilo estava mesmo feio, provavelmente precisava de gelo, e uma verificada de um médico. Como ela dirigiu o dia inteiro assim ainda me escapava.

— Voltei com as coisas!

— Procura gelo pra mim, por favor. — pedi. Virei para olhar nos seus olhos verdes e ele pareceu o recado de sigilo, porque logo em seguida saiu atrás de gelo na recepção. — Se você machucou na festa de ontem. Por que não me contou sobre ele hoje de manhã? Quando saímos para estrada? Eu poderia ter dirigido no seu lugar, poxa.

— Me desculpa, Jane. — ela me abraçou tão forte quanto seu 1 metro e cinquenta poderia trazer foças. Senti algo úmido na minha pele nua e escutei um pequeno soluço lhe escapar pela garganta. Ela estava chorando. Eu não sei por quê. Mas a única coisa que quero é conforta minha melhor amiga de alguma forma. Eu quero extrair esse sofrimento dela para meu corpo. Com um cordão puxar isso pra mim. Só que é impossível essa possibilidade, então só a guiei pra nossa cama e esperei que dormisse enquanto fazia cafuné nos seus cabelos.

— Vai ficar tudo bem. — sussurrei docentemente. Ela assentiu e fechou os olhos castanhos com força, logo escutei sua respiração ficar mais leve e as pálpebras parar de se mexer tão freneticamente. Dormiu.

Decidi ir procurar por Alex já que não havia voltado a tanto. Não sem antes dar uma passada no banheiro pra trancar a porta por fora. Há. Ele merece um pouco de desespero antes de ir para cama quentinha, à sorte dele é que estou num bom dia se não, tadinho dele. O ar estava abafado do lado de fora. A noite caia sem qualquer rastro de estrelas no céu, o que é apavorante, já que estou num lugar desconhecido.

Tropecei em uma pedra e me preparei mentalmente para o impacto no chão. Senti mãos me envolverem pela cintura me equilibrando no lugar. Eu sabia exatamente que toque era aquele. Alex. Abri os olhos e ele estava a centímetros de mim. Ele é meu irmão. Ele é meu irmão. Ele é meu irmão. Tenho tentado convencer minha mente disso há meses, mas é difícil pensar quando estamos tão próximos!

Vou explicar direito. Ele, verdadeiramente, não é meu irmão. Nós nos conhecemos quando éramos crianças, dês daquela época tínhamos uma ligação estranha que não compreendíamos. Na ajuda estranha do destino nossos país se casaram. Meu pai e sua mãe estavam apaixonados. O problema era que também estávamos! Entraram meu problema? Crescemos nos amando de uma forma muito estranha, e de repente, fomos jogados numa família juntos. Teve uma época na qual tentamos ignorar o que sentíamos, isso foi quando tínhamos dezesseis anos, no casamento da nossa "prima" por parte de mãe. Eu estava me sentindo deprimida e ele estava tão bonito de smoking, que acabamos nos beijando num corredor escuro enquanto havia uma salva de palmas no andar de baixo. E assim nos apaixonamos mais ainda. Bom, pelo menos eu me apaixonei. Convivendo todos os dias com Alex é difícil descrever o que ele sente só de olhar nos seus olhos compenetrantes.

O clima entre nós ficou esquisito depois do beijo, porque podíamos ver a ardência nos olhos do outro e sentir o desejo de mais crescendo. Queríamos muito mais. Lembro-me como se fosse hoje, há forma com que sussurrou meu nome como se sua vida dependesse dele, tão suavemente, tão quente, tão... Arght. Tão apaixonante. Os seus olhos na escuridão me analisando. Sua atenção totalmente em mim. Seu hálito fresco e com gosto de vinho da minha bochecha, suas mãos cobrindo as minhas, tudo, tudo perfeito demais. Aí como num conto de fadas escutamos passos vindos em nossa direção e imediatamente nos afastamos assustados. A conexão havia sido quebrada. Era meu pai trazendo notícias do casamento, disse que estariam aprontando a vã pra nos levar para casa há qualquer momento. Ele nem desconfiara do que havia acabado de acontecer. Também! Éramos ótimos atores quando se tratava de esconder nossos sentimentos, tínhamos crescido juntos, o que trouxe vantagens do conhecimento e confiança. Mas aquilo mudou tudo! Aquilo aniquilou qualquer chance de podermos conviver na mesma casa. Nossa família. Mostrou o quanto poderia ser destrutivo. Eu não namorei com ninguém na parte do meu colégio, ele nem deu bola para as garotas que chegavam se jogando nos seus braços.

Viramos bombas relógios prontas para explodir a qualquer colisão juntos. Por isso fingimos que nada aconteceu. Era melhor desse jeito, sem ninguém saber, sem ninguém julgando, sem pensarmos por algum instantes que poderíamos ter uma vida juntos. Isso não! Todos nos consideravam irmãos! Crescemos juntos. Tínhamos que ter criado aquele vínculo de irmãos, que brigam, de vez em quando se odeiam, não pensarmos em fazer o que pensamos. Deveríamos ter nojo do que pensamos! Ele deveria me proteger de garotos que pensavam o que ele pensa em fazer comigo! Isso é tão errado e tão bom ao mesmo tempo. É tudo tão confuso! Onde está a merda de vínculo agora?

— Jane... — ele sussurrou, respirou fundo e me largou no chão. Desviou o olhar para baixo, onde sua mão prendia forte no gelo quase derretido, e me deu um sorriso triste. — Tanto trabalho para nada.

Eu nem sabia do que ele estava falando, se era sobre nós — se é que existia um nós — ou sobre ter se desastrado em pegar gelo. Não ligava para nada. Estava me deliciando nos seus olhos verdes como nunca, porque estávamos sozinhos, não tinha restrições. E eu queria muito poder beija-lo. Droga! Como queria. Provavelmente esse desejo me mandaria pro inferno. Mas quer saber? Estaria-me lixando, se pudesse pelo menos o ter para mim...

— Gelo! Sim, sim, precisamos de gelo. — peguei o pacote da sua mão e voltei para o quarto. Ele me seguiu pelos calcanhares. Com delicadeza depositei o gelo na mão inerte de Mia, ela resmungou alguma coisa, mas ficou quieta. — Obrigado, Alex. Acho que está na hora de destrancar Nick do banheiro — bocejei, me espreguiçando — Faz isso por mim? Tenho que trocar de roupa, e não quero ganhar a fúria do bonitinho lá.

— Por que... — ele começou, mas logo desistiu vendo minha cara. Revirou os olhos e começou a andar para o banheiro, mas antes parou, deu meia volta e beijou de leve minha testa, sustentando os lábios na pele até soltar um suspiro pesaroso então se afastar. Minha pele formigou onde seus lábios tocaram, mas eu me mantive imóvel, chocada. — Boa noite, Jane.

Meio gagá balbuciei um boa noite e coloquei o pijama que achei dentro da mala vermelha. Ele já havia ido mesmo. Então deitei ao lado de Maia e fitei o teto branco meio mofado com uma incontrolável vontade de gritar, reprimi o sentimento igual fiz com os outros, amanhã seria um novo dia, tudo poderia mudar. Eu poderia mudar. E não iria precisar de Alex para isso, eu tenho certeza.

Antes de dormi naquela noite escutei alguém gritando e marcha furioso para dentro do quarto. Nick. Escutei vários sussurros então alguém afagou meus cabelos e se foi. Apostaria meu dedo que a parte do afago era um sonho muito bom que estava tendo, mas não pude deixar de sentir esperança, nem que fosse mínima.

Acordamos com a mulher da recepção batendo na nossa porta. Ela dizia que nosso tempo havia acabado e que se quiséssemos ficar mais, teríamos que pagar cinquenta dólares. Mia só faltou bater na cabeça da mulher com o abajur e eu, antes de tudo, olhei para os lados sonolenta para ver onde Alex dormiu noite passada. No chão embolado em várias roupas e algumas colchas ele jazia encolhido como uma criança resmungona. Tive tanta raiva de Nick. Alex tinha tanto direito quanto ele de dormi na merda daquela cama! Só com o pensamento minha cabeça ficou pesada e sonolenta, quase, como uma pessoa totalmente desnorteada que sou, deitei no chão ao lado dele. Mas não.

— Já estamos de saída, porra! — disse Mia rispidamente fechando a porta na cara da senhora. Com ódio acrescentou: — Exploradora.

— Como está o braço?

— Dormente por causa do gelo, mas bem melhor. Obrigado, Jane. Te amo.

— Ah, me ame e chame esse dois marmanjos enquanto vou tomar um banho.

Ela mandou-me um sorriso traiçoeiro. Peguei roupas limpas na mala e tomei um banho naquele chuveiro. Ele não era muito quente nem muito gelado, estava no meio. A água quente ajudou com jatos fortes nas minhas costas. Já limpa voltei a colocar às roupas então me olhei no espelho. Penteei os cabelos com os dedos e fiz um coque no topo da cabeça, estava bem, para alguém prestes a ter um ataque do coração! Como pude aceitar entrar nessa viagem? Droga, como pude ser tão estúpida? Eu. Vou. Acabar. Morrendo.

Voltando para o quarto todos eles já estavam quase prontos pra sair. Mandei um bom dia coletivo e enfiei as roupas dentro da mala azul, onde ficavam as roupas que deveriam ser lavadas na próxima vez que víssemos uma lavanderia. Antes de sairmos eu dei à verificada no pulso de Mia, que melhorou consideravelmente e pesarosa encarei a televisão. Bom, ela não varia a pena mesmo.

O Honda amarelo banana podre estava estacionado no meio-fio. Alex jogou as malas dentro do porta malas e sentou ao meu lado no banco. Sem jeito pelo que quase aconteceu noite passada pedi para que Mia me deixasse dirigir. Ela rosnou e mudou de lugar comigo, Alex parecia confuso quanto ao meu comportamento, mas se manteve quieto no banco, um pouco encolhido até, como se tivesse batido forte nele com um taco de beisebol.

— Só eu que achei a velha estranha? Ela parecia à irmã do Freddy Krueger! — Exclamou Mia.

— Não vi nada de errado na pobre senhora. — eu disse.

— Para mim era parecia bem suspeita. Ficou me olhando como se fosse me devorar. — Nick virou para encarar Mia e arregalou os olhos. — Já pensou fazer sexo com uma senhora?

— Você é um porco. — Alex jogou uma batatinha na cabeça dele. — Um porco tarado por velhinhas. Isso é doentio, cara, deveria se cuidar melhor.

— Ah, vai se ferrar vocês! Seus bobão.

— Pelo menos sabemos diferenciar verbos singulares do plural, analfabeto.

— Mia, vai o deixar falar assim comigo?

Olhei pelo espelho retrovisor e vi que Mia ria descontrolada. Nick ficou puto da vida no lugar. Mas ficou e isso é um super milagre para ele, tenho que admitir, achei que ele começaria a dar o maior caso por causa disso. À estrada ficou rocheja de repente, chacoalhamos várias vezes antes de o motor morrer por completo. Gemi colocando a mão no volante e enfiando a cabeça entre elas.

— Fala que isso pode ser concertado. Fala! — Brandei, batendo a cabeça nas mãos várias vezes de forma frenética.

Grasnei alto saindo do carro, estava enfurecida por não terem dado uma checada no carro antes de manda-lo diretamente para uma viagem desse nível. Abri o capô e várias lufadas de ar gelado bateram no meu rosto, junto a fumaça inebriante.

— Deixe que eu cuide disso. Entre no carro, Jane. — disse Alex atrás de mim. Como, em diabos, esse garoto consegue se materializar dessa forma quando quer? É o maior inoportuno!

— Acha que não sou capaz de mexer no carro só porque sou mulher?

— Não. Acho que não pode mexer no capô do carro pelo simples fato de você se a Jane. E a Jane não consegue ficar longe do perigo. Provavelmente estava prestes a colocar os dedos na chupeta.

— Talvez a Jane esteja mais esperta do que a última vez que me viu!

— A Jane não saberia o que é um cabo conversor nem que estivesse escrito no papel vermelho. Você encara o perigo como diversão! A Jane é muito louca!

— Pare de usar meu nome como se eu não estivesse aqui, droga! Aí. Isso ta quente. — gritei me afastando do capô do carro rapidamente. Meus dedos começaram a arder e eu me agachei para pegar uma pedra gelada no chão. Droga. Droga. Droga. Agora a Jane está ferida com assaduras! Que beleza.

— Me deixa ver.

— Não!

Meus lábios tremeram e eu sentei no chão fazendo manha de não o deixar chegar perto. Os dedos ardiam de verdade, então fiquei soprando eles esperando que fosse o suficiente para não deixar bolhas. Logo em seguida Mia saiu do carro procurando saber o que acontecia, ela analisou eu e Alex, desistiu de procurar algo e sentou do meu lado.

Alex olhou para os meus dedos como se quisesse dizer alguma coisa, mas desviou o olhar quando a porta se fechou novamente e Nick saiu de lá bufando. Os dois começaram uma conversa amistosa sobre o que deveriam fazer para conserta o carro, quiseram voltar pra o hotel imediatamente alegando que estaríamos mais seguros e poderíamos usar o sinal para chamar o guincho.

E é claro que estávamos sem sinal. Parecia cena de filme de terror, só faltava nosso amiguinho da serra elétrica. Aí sim seria a viagem perfeita. Como me deixei convencer a isso tudo, ainda me escapava. A música Halo da Beyonce começou a tocar do meu bolso, olhei para ele estupefata.

— Ah, não.

Só podia ser macumba!

— Ah, não! — Mia se inclinou sobre mim e pegou meu celular. — Tá bom, isso é esquisito. Eu avisei que sua mãe era bruxa ano passado quando ela jogou um gato do telhado, depois cantou até ele começar a se mexer. Mas magia de celular! Isso é nova, Jane.

Capturei meu celular de volta e o enfiei na orelha.

— Oi mamãe.

— Jane, querida, tentei te ligar a noite inteira. Onde esteve?

— Estava no hotel.

— Você está bem? Senti que estive meio confusa.

— A senhora não pode sentir isso! É estranho, mãe.

Dona Elisa esteve sempre com esse problema de achar que podia ler as emoções, mesmo à distância. Ela não era uma bruxa. Nem uma charlatã, já que não pedia nada em troca de uma leitura rápida de mão, na verdade é difícil pra mim diferenciar quando ela brinca ou fala a verdade. Imagine ter doze anos e ter várias pessoas entrando e saindo da casa com toda a empolgação de iludidos. Porque é exatamente o que eles eram. Iludidos. Levantei do chão e andei de um lado para o outro.

— Boby perguntou como Alex está. Vocês estão se dando bem? Pareciam prestes a se esganar quando partiram com o carro. Nós ficamos preocupados.

— Desnecessário. Somos anjos que caíram do céu, somos tão bons que se perguntassem o que significa sexo para gente provavelmente nem saberíamos. Ele... — girei e olhei para Alex que levantava a camisa pra limpar o suor da testa. Os seu tanquinho bronzeado estava suado por causa do calor. Olhei para os meus All-star constrangida. — Está muito bem. Mãe, como a senhora conseguiu sinal? Estou no meio do nada.

— E você pergunta isso pra mim.

Suspirei e revirei os olhos.

— Tem certeza que vocês dois estão bem? Eu vi o modo como se olharam antes de entrar no carro. Não era um sentimento muito amigável que vocês compartilhavam. — Aposto que não era.

Então, é só uma questão de tempo para ver quanto nos odiamos ou amamos. Sabia que alguma hora teríamos que colocar as coisas as claras, nos mostrar dispostos há mostrar alguma coisa um para o outro, mas não, estávamos enraizados tão forte no nosso mundinho onde as coisas entre nós são normais que, mesmo com os esforços, nem percebemos que tínhamos chamado atenção desnecessária. Haveria, talvez, um dia que pudéssemos fazer isso! Mas não hoje, nem dessa forma travessa. Tínhamos uma viagem toda para podermos esfriar a cabeça e pensar nas coisas com clareza, e íamos fazer isso nem que...


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