Esnobando o Amor escrita por Clara Gomes


Capítulo 2
Prefácio.




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Era um dia ensolarado em São Paulo, perfeito para brincar. Caio e eu estávamos na escolinha, e a aula já estava acabando. A atividade era fazer algumas continhas de mais e menos, e nós fazíamos juntos. Até que o sinal para irmos embora tocou, e nós fomos para a saída correndo, junto com as outras crianças. Quando chegamos ao pátio, logo visualizamos Gerson, meu motorista e o pai do Caio. Corremos até ele alegremente, como era bom ser criança.

– Papai! – gritou Caio correndo até ele e o abraçando fortemente.

– Oi tio Gerson! – cumprimentei com um sorriso enorme no rosto, e ele estendeu o braço me convidando a abraçá-lo também. Pulei nele e o abracei, e ele ficou com um braço nas minhas costas e o outro nas costas do Caio, em um abraço triplo.

– Olá meus pestinhas. – falou em meio ao abraço – Vamos para casa? – perguntou quando nos separamos.

– Vamos! – respondemos Caio e eu juntos, a animação exalando nossos corpos.

Gerson sorriu e pegou nossas bolsas, e caminhamos juntos para o carro, eu e meu melhor amigo de mãos dadas.

Entramos no carro e nos sentamos no banco de trás, e Gerson colocou nossas bolsas do nosso lado e entrou no banco do motorista.

– E como foi o dia hoje? – perguntou enquanto já dirigia.

– Ah, foi bem legal. – respondi dando de ombros.

– Hoje nós começamos a ver a tabuada pai... e a Elisa já aprendeu a do dois! – exclamou Caio, olhando para mim com um sorriso.

– Verdade? – questionou o motorista fingindo estar interessado, enquanto fazia uma curva.

– Sim, fala para ele Elisa, como é a tabuada do dois! – pediu meu amigo, e eu me animei toda, adoro mostrar o quão inteligente eu sou.

– Duas vezes um é dois, duas vezes dois é quatro, duas vezes três é seis, duas vezes quatro é oito, duas vezes cinco é dez, duas vezes seis é doze, duas vezes sete é quatorze, duas vezes oito é dezesseis, duas vezes nove é dezoito e duas vezes dez é vinte. – falei toda exibida.

– Olha, muito bem, mas acaba aí? – elogiou e perguntou Gerson.

– É, acho que sim. – respondi pensativa, pelo menos foi até aí que aprendemos.

– Na verdade não. Os números são infinitos, então a tabuada também é. Mas isso vocês vão aprender mais para frente. – explicou o homem, deixando nós dois confusos.

– Ai que difícil tio Gerson, eu acho que não quero sair da terceira série não! – exclamei confusa.

– Hahaha difícil? Vocês não viram nada... – indagou o motorista entrando na garagem de nossa casa, eu nem tinha percebido que já tínhamos chego em casa.

Logo Vera, a nossa empregada, mãe do Caio e esposa do Gerson, veio correndo até nós, antes mesmo de Gerson apertar o botão para fechar o portão.

– Que tal se nós formos almoçar fora hoje hein? Podemos brincar no parque também! – sugeriu a mulher entrando no carro e sentando-se no banco do passageiro.

– Mas nós ainda estamos de uniforme mamãe... – disse Caio olhando para nossas camisetas.

– Não tem problema meus amores, podem ir assim mesmo. – respondeu a mulher virando-se para nos olhar.

– Então ta né. – falou dando de ombros.

Gerson então deu ré no carro e foi dirigindo, enquanto Caio e eu tagarelávamos no banco de trás. Quando de repente começamos a discutir sobre quem seria a polícia e quem seria o ladrão, e aquilo foi se tornando uma discussão cada vez maior que quando vimos estávamos gritando. Mas a parte mais estranha, é que a Vera não disse um piu para ficarmos quietos. Isso fez até o motorista estranhar, e ele olhou para Vera sem entender, e a mesma encarava o porta-luvas à sua frente e parecia estar desligada do mundo.

– Vera? – chamou o homem já preocupado, ao parar em um semáforo, fazendo a mulher acordar.

– Oi? – perguntou baixinho ao acordar de seu transe, e recebendo um acenar com a cabeça como resposta do motorista, apontando para nós do banco de trás – Ah, crianças, por favor, menos. – continuou calmamente, e nós dois nos calamos, surpresos com a calma dela. Ela aparentemente estava em outro mundo, e nada do que acontecia ali parecia realmente importar para ela.

Mesmo assim continuamos quietos até chegarmos a nosso destino, afinal apesar de tudo nós a respeitávamos muito.

– Aqui estamos. – afirmou Gerson estacionando numa praça linda – Quem quer almoçar e depois brincar a tarde toda?!

– EU! – gritamos Caio e eu juntos, sorrindo animadamente.

– Então vamos lá almoçar. – indagou antes de descer do carro e abrir a porta para nós dois, que descemos voando do carro – O restaurante é logo ali. – apontou para uma pequena construção, não era um restaurante 5 estrelas mas não era um muquifo, era apenas simples, afinal provavelmente Gerson e Vera que iriam pagar.

Caio e eu saímos em disparada até o restaurante, enquanto os mais velhos ficaram para trás.

– Venham logo! – gritei para os dois quando chegamos à porta do restaurante. Vera parecia muito preocupada e Gerson estava preocupado com sua esposa.

Os dois caminharam até nós mais rapidamente, nos alcançando rapidamente. Eles conversavam sobre alguma coisa, mas ao se aproximarem pararam de conversar e nos levaram até o interior do estabelecimento. Era um restaurante self-service, então Vera ajudou ao Caio e a mim a nos servirmos e depois foi junto com seu marido pegar sua comida. Almoçamos em silêncio, vez ou outra eu e meu melhor amigo trocávamos algumas palavras e risadas. Quando todos nós terminamos, Gerson foi pagar enquanto Vera ficou conosco do lado de fora, eu e ele procurando algo para nos divertirmos.

– Agora quem quer brincar?! – perguntou o homem saindo do restaurante e se aproximando de nós três.

– EU! – berramos novamente transbordando alegria.

– Então sigam-me os bons. – falou gesticulando com a mão para seguirmo-lo, puxando a fila até a praça. Caminhamos até chegarmos ao parquinho, e Caio e eu partimos direto para os brinquedos. Brincamos por um tempo até avistarmos uma sorveteria.

– Papai, nos leva na sorveteria? – pediu Caio depois de correr até seus pais, que estavam sentados num banco em frente o parquinho.

– Claro, vamos. Vem com a gente Vera. – concordou e chamou levantando-se.

– Ta bom. – disse a mulher levantando-se também e nos seguido até a sorveteira.

Compramos nossos sorvetes, o meu de danoninho e o dele daquele azul, como sempre. Tomamos os sorvetes sentados em uma mesa na sorveteira, e voltamos ao parque quando acabamos.

Caio e eu continuamos a brincar, enquanto Gerson e Vera pareciam ter uma conversa muito séria. Foi num momento de distração olhando para os dois que o Caio pôs o peso em seu lado da gangorra e me fez ir lá para cima, mas no caso eu estava despreparada, então eu praticamente voei do brinquedo e colidi fortemente com o chão.

– Elisa?! – chamou o garotinho descendo da gangorra e correndo até mim. Eu já chorava ruidosamente, afinal tinha ralado meus joelhos, meus braços, minha barriga e uma parte do meu rosto, e estava doendo muito – Mãe! – gritou para os adultos responsáveis por nós, que vieram correndo ao nosso encontro.

– Ai meu Deus Elisa o que houve? – perguntou Vera se ajoelhando ao meu lado e examinando meus ferimentos.

– E-eu cai d-da g-gangorra. – respondi entre soluços.

– Está tudo bem, vamos levá-la para casa. Gerson me ajuda aqui a levá-la para o carro. – indagou a mulher preocupada, secando algumas lágrimas que corriam em meu rosto.

Gerson me pegou no colo e me levou para o carro, me colocando no banco de trás. Vera veio e sentou do meu lado, enquanto Caio sentou do outro e o motorista foi para seu acento e deu partida no carro, indo diretamente para casa.

– Shh, vai ficar tudo bem meu amor. – dizia Vera tentando me acalmar, acariciando meus cabelos e vez ou outra secando minhas lágrimas.

De repente Caio, que estava encolhido em seu canto, aproximou-se de mim.

– Desculpa Elisa, foi sem querer... – murmurou com a voz carregada de culpa.

– Não foi sua culpa não Caio. – respondi tentando sorrir.

Ele sorriu e passou seu braço nas minhas costas, me dando um abraço meio de lado. Me aconcheguei em seu pequeno peitoral e fechei os olhos, e a última coisa que senti foi ele beijando minha testa, e logo adormeci...

– Cristina, por favor!

– Por favor nada Rodrigo!

Abri meus olhos lentamente e logo reconheci que estávamos em casa, mas ainda dentro do carro, e Vera tinha um olhar preocupado e assustado, assim como Gerson. Olhei para Caio e ele parecia confuso e assustado, e me olhou de volta sem entender nada.

– O que está havendo? – perguntei com a voz ainda um pouco sonolenta.

– Nada meu bem, vamos ficar no carro só mais um pouquinho ta? – mentiu e pediu Vera, tentando fingir uma voz e um semblante calmo.

– Não! Por que o papai e a mamãe estão gritando? – questionei já sem um pingo de sonolência na voz, de maneira um pouco desafiadora.

– Não é nada não... Elisa! – exclamou quando eu passei por cima de Caio, abri a porta e sai correndo.

Ao entrar pela porta da sala, encontrei minha mãe com todas as suas malas perto de si, a maquiagem toda borrada e as lágrimas desciam por seu rosto, assim como as de meu pai.

– Cristina, por favor, não vai embora! Me dá mais uma chance, por favor! – pediu meu pai com a voz arrependida, me deixando confusa.

– Não Rodrigo, não tem mais chance nenhuma não. Você me TRAIU! T-R-A-I-U! Não tem como eu perdoar isso, e muito menos continuar morando na mesma casa que você! – berrou minha mãe em resposta.

– Pelo menos deixa minha filha Cristina, por favor!

– Sua filha? Sua filha? SUA FILHA? Você fez com a mão né desgraçado! A Elisa é MINHA FILHA, e eu não quero que ela viva com um homem sujo como você! Um adúltero filho de uma puta! Você não vale nada Rodrigo, N-A-D-A! – bradou agora apontando o dedo na cara dele, e até cuspindo de raiva.

– Mamãe o que está acontecendo? – perguntei na maior inocência, de maneira assustada. Eu já tinha capitado o que estava acontecendo, mas não queria acreditar.

– Filha, deixa o papai explicar...

– Não Elisa, não dê ouvidos a esse canalha! – cortou-o minha mãe, se aproximando de mim.

– Deixa o papai falar! – gritei me afastando dela, e me aproximando do meu pai – O que houve papai?

– É que sabe filha, o papai precisava saciar algumas necessidades masculinas particulares entende, mas sua mãe não aprovou muito...

– NECESSIDADES MASCULINAS PESSOAIS? Agora traição é uma “necessidade masculina pessoal”? Conta outra Rodrigo, nem uma criança de dois anos acredita nessa! – rebateu minha mãe ironizando, cada vez ficando mais zangada.

– Você já ouviu aquela expressão que “quem não tem amor em casa, vai procurar em outros braços”? Foi exatamente isso o que eu fiz...

– E você não tem amor em casa né Rodrigo? O que você acha que é amor hein? O que você vivia com aquela lá? É que era ela que ficava até tarde te esperando né, que ficava morrendo de preocupação quando você estava viajando, que esteve com você antes da sua fortuna, e que pior, te ajudou a erguê-la! Era ela né Rodrigo?!

Todos nós ficamos em silêncio por longos segundos. Meu pai com uma cara de cão arrependido. Minha mãe tinha dito tudo, e parece que o fez acordar para a vida.

– Você fez mesmo isso papai? Você traiu a mamãe? – questionei chorando, e olhando profundamente para ele.

– Filha eu... – começou a tentar se explicar, mas eu fiz que não com a cabeça, incrédula. Não estava acreditando nisso. Meu coração pareceu se quebrar em mil pedaços, e foi a primeira vez que eu fiquei realmente com raiva.

– Vamos Elisa. – chamou minha mãe tristemente, mas no fundo com um arzinho de vitória. Caminhei até ela rapidamente e a abracei, chorando muito – Oh meu bem, o que aconteceu com você? – perguntou analisando os machucados em meus braços.

– Eu caí da gangorra mamãe. – respondi também olhando os ferimentos, já tinha até me esquecido deles.

– Filha, você está bem? – perguntou meu pai preocupado aproximando-se.

– É claro que não né Rodrigo! Agora eu vou levá-la para um lugar com o clima mais agradável, e que eu possa cuidar dos machucados dela! – exclamou minha mãe me pegando no colo e virando-se para a porta – Vera – falou surpresa ao ver a empregada na porta – Peça para Gerson vir pegar minhas malas, por favor.

Vera simplesmente assentiu e saiu do cômodo, e minha mãe a seguiu. A última imagem que eu vi antes de sair foi a de meu pai, passando as mãos nos cabelos negros e lisos e bufando decepcionado.

Saímos no quintal da frente e minha mãe me pôs no chão, e foi conversar com Vera num canto. Eu estava desolada, até que Caio veio até mim.

– O que está acontecendo Elisa? – perguntou em uma mistura de curiosidade, preocupação e medo.

– Meu pai traiu minha mãe Caio. Nós vamos embora... – respondi tristemente, abaixando a cabeça.

– Pra onde? – perguntou agora também triste.

– Não sei... – respondi suspirando.

– Hey, não fica assim, vai ficar tudo bem, você vai ver... Isso é só uma crise. – afirmou levantando minha cabeça com o dedo em meu queixo e fazendo-me encara-lo.

Sorri de leve e nós nos abraçamos, o abraço dele foi sempre tão reconfortante...

– Aqui estão suas malas senhora. Agora a senhora quer que eu a leve a algum lugar em particular...? – indagou Gerson aparecendo com as malas.

– Sim, me leve para o apartamento da minha irmã. – respondeu minha mãe secando uma lágrima – Obrigada Gerson.

– À disposição. – falou levando as malas para o carro.

– Nós vamos para a casa da tia Luisa mamãe? – perguntei me animando um pouco. Lá morava minha prima Mariana, e ela, Caio e eu éramos “os três mosqueteiros”, éramos amigos inseparáveis.

– Sim filha. – respondeu minha mãe me olhando.

– Aí Caio, você vai poder ir nos visitar sempre, eu e a Mariana! – exclamei sorridente e ele concordou.

– Senhora, as malas já estão no carro. – avisou Gerson reaparecendo no local.

Caminhamos todos em silêncio até a garagem, todos tristes.

– Bom, adeus Vera. – falou minha mãe abraçando a mulher e chorando.

– Tchau Cristina, se cuida. – respondeu a mulher em meio ao abraço.

– Eu acho que eu também vou ter que me despedir. Tchau Caio! – disse me jogando em seus braços, e ele me apertou contra si.

– Tchau pequenininha, até mais! – falou me abraçando “fortemente”.

Quando nos soltamos ele continuou com seus braços em volta de mim, e nós trocamos um selinho inocente, entre amigos. Eu sorri e ele sorriu de volta, tirando de vez seus braços de mim.

– Tchau tia Vera! – exclamei e corri até ela e pulei sobre ela.

– Tchau meu amor, juízo hein. – indagou me abraçando em seu colo.

Quando nos separamos, minha mãe e eu entramos no banco de trás, enquanto Gerson entrou no do motorista. Caio e Vera acenavam do lado de fora, e minha mãe e eu apenas chorávamos. Quando de repente o garoto veio correndo na direção da minha janela e bateu no vidro. Gerson parou imediatamente o carro e eu abaixei o vidro.

– Tó Elisa, é para você não se esquecer de mim. – falou o menino me entregando um cordão com um pingente em formato de asa que ele sempre usava. Eu sorri em agradecimento.

– Eu nunca vou te esquecer... – disse enquanto o motorista acabava de tirar o carro da garagem.


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