Um pequeno contratempo escrita por magalud


Capítulo 5
Capítulo 5




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/639394/chapter/5

– Eu não sou bebezinho!

– Claro que não, Severinho – disse Mamãe Campbell.

– Meu nome é Severo! – ele continuou protestando.

– Posso chamar você de Sev?

Ele odiava aquilo, mas concordou. Tudo era melhor do que a outra humilhação suprema.

Eles estavam na loja de departamentos, escolhendo roupas para ele. Severo estava profundamente indignado porque sua mãe adotiva tinha escolhido um pijama de ursinhos. Ele achara aquilo muito pouco dignificante.

Mamãe Campbell não se fez de rogada e sugeriu:

– Quem sabe então esse com anjinhos?

Severo a encarou comum de seus olhares penetrantes, mas quando se tem quatro anos, eles não são tão efetivos. Terminou concordando com os anjinhos no pijama. Mas não abriu mão de participar ativamente da escolha de tudo que foi comprado para ele: blusinhas, camisas, calças compridas, bermudinhas, roupãozinho, cuequinhas e meias, tênis, escova e pasta de dente, toalha de banho – outra briga: "Ursinho Puf não!" – pratinho, copinho, roupa de cama, um cobertor, além de vários brinquedos.

Eles terminaram voltando para casa de táxi, de tanta coisa que tinham comprado. Severo concluiu que se os Campbell não eram exatamente ricos como os Malfoy, pelo menos eles eram bem de vida.

Mamãe Campbell ia colocando as compras nos lugares, e Severo ia gravitando ao lado dela, excitado com tudo de novo que via. Se alguém o observasse atentamente, diria que ele estava feliz. Não tanto com tudo que tinha sido comprado, mas estava feliz por ter sido recebido dentro de uma casa de gente que se preocupava com seu futuro, que o consideravam parte da família, mais do que simplesmente o abrigar, vestir e alimentar. Naquele momento, o pequeno Severo de 4 anos de idade se esqueceu completamente de que era um professor de Poções odiado, com um mau-humor típico de seus 37 sofridos anos, uma alma torturada em seus próprios desígnios. Mas naquele momento, só o que havia era o pequeno Sev, com 4 anos, amado como o Severo Snape de antes jamais tinha sido. As memórias daquele outro Severo estavam ficando cada vez mais e mais longe.

Por isso ele foi chegando perto de Mamãe Campbell. Ele queria sentir os braços dela a envolvê-lo de novo, sentir o carinho e a proteção daquela mulher que no momento dobrava pijaminhas com anjinhos na gaveta da cômoda.

– Mamãe?

– Sim, Sev?

– Você agora é minha mamãe?

Ela parou o que fazia e ajoelhou-se para ficar da altura dele.

– Sim, querido, sou sua mãe. Você agora tem uma família.

– Eu gosto de você, mamãe – ele se atirou nos braços dela – Obrigado por me adotar.

Jane Campbell abraçou seu mais novo filho com lágrimas nos olhos. Ela, que se afeiçoara quase imediatamente a Severo, sentia o calorzinho gostoso do pequeno corpinho tão frágil que ela iria cuidar dali para frente. Beijou-lhe a cabecinha e disse:

– Agora quem sabe você me ajuda, porque daqui a pouco seu irmão David vai chegar em casa. É importante que vocês se dêem bem.

– David é criança grande, não é, mamãe?

– Ele tem nove anos.

– Será que ele vai gostar de mim?

– Ora, ele foi visitar você lá no orfanato, lembra? Vocês brincaram juntos. Aqui não vai ser diferente.

Severo observou com apreensão quando David chegou em casa.

– Oi, mãe.

O garoto tinha os cabelos castanhos como os do pai. Jane era mais alourada, com um cabelo claro com algumas mechas bem amarelas. Ninguém ali se parecia com Severo, exceto pela pele branca.

– Oi, querido. Você viu quem está em casa? Seu novo irmão. Diga olá.

– Oi.

– Oi – respondeu Severo.

Mamãe Campbell disse:

– David, você quer mostrar seu quarto para Severo?

– Tá, mas não pode mexer em nada.

– Não mexo, não.

Os dois garotos subiram, e Jane Campbell sentiu o coração inchar de alegria. Ela tinha dois garotos. Todos disseram, os médicos principalmente, disseram que ela jamais teria uma casa cheia, mas agora havia dois meninos dentro de casa – apesar de seu problema de saúde e da incapacidade de ter mais filhos. Seu sonho estava realizado.

Severo olhou para cima, pois tudo estava tão mais alto em relação a seu quarto. Havia uma pequena TV, pôsteres no quarto, brinquedos em muito maior quantidade do que no seu quarto, uma cama legal, uma escrivaninha.

– Puxa! Que legal!

– É, mas não pode mexer.

– O que é aquilo?

– É o Yu-Gi-Oh. Você não conhece?

– Não. Eu já vi aquilo – apontou para a televisão – mas não sei para que serve.

– Não sabe para que serve uma televisão?!

– Não.

– Puxa! Você devia ser muito pobre.

Severo se corrigiu:

– É que eu morava longe da cidade. Não tinha carro também.

– Como conhece futebol?

– A gente jogava no orfanato. Eu sempre perdia. Você me ensina?

– Tá. Você tem bola?

– Mamãe me deu uma.

– Então pega a sua bola e vamos lá para fora.

Severo obedeceu e David entrou no quarto:

– Puxa, tudo aqui mudou. Mamãe ficou arrumando esse quarto durante dias!

– Nós fizemos compras hoje.

– E o que você ganhou?

– Roupas e brinquedos. Até uma toalha.

– Nossa, tudo isso?

– É que eu não tinha nenhuma roupa fora aquela que eu usava.

– Cara, você era pobre mesmo!

– É, acho que sim.

– Vem, vamos lá para fora.

Severo pegou a bola e os dois desceram as escadas correndo. David disse:

– Mãe, a gente vai brincar lá fora.

– E o seu dever de casa?

– Posso fazer depois do jantar?

Ela colocou a mão na cintura, franzindo o cenho:

– Você tem que fazer o dever, David.

– Eu faço depois. O Sev quer aprender a jogar futebol.

Ela olhou para o pequeno, que estava com a bola novinha em folha na mão e disse, indo para o outro cômodo:

– Fiquem aí um instante. Só um instantinho!

Severo não entendeu direito o que estava acontecendo, mas ficou parado até que ela voltou com uma caixinha preta na mão, que colocou no rosto. David resmungou:

– Ah, mãe!

– Esse momento tem que ser registrado! – protestou a mulher – Diga xis, Sev.

Ele não entendeu:

– Por quê?

Então uma luz cegante pipocou bem no seu rosto, e ele ficou um segundo totalmente cego e desorientado.

– O quê...? O quê?

– Tadinho. Ele não está acostumado com flash.

David cochichou:

– Mãe, ele não sabe para que a televisão serve. Acho que também nunca viu uma máquina fotográfica.

– Oh, pobrezinho – Mamãe Campbell se ajoelhou e abraçou Severo – Você está bem, meu amor?

– Acho que sim – disse ele, agora enxergando grandes pontos luminosos – O que foi aquilo?

– Uma foto, querido. Depois papai mostra no computador como ficou.

David disse:

– É uma câmera digital.

Aquilo causou muito pouca impressão a Severo, que não sabia o que era câmera, quanto mais digital. Ele perguntou:

– Podemos ir brincar agora?

– Deixa eu ver se estão bem agasalhados. Hum, tudo bem. Mas eu vou chamá-los para tomar banho antes do jantar. E procurem não quebrar nenhuma janela.

– Oba, vamos lá!

Os dois saíram correndo para o jardim e ficaram batendo bola. Às vezes Severo literalmente batia na bola com as mãozinhas, de tão frustrado que ele ficava por não conseguir acertar o chute. David também não era bom jogador, mas ele era melhor do que Severo. Os dois caíram, correram, pularam e brincaram a valer. Durante o jogo, David falou que o melhor time de toda a Inglaterra era o Manchester United, aparentemente por ter alguém chamado Becker ou Beckham no time. Ele deveria jogar muito bem. Severo procurou assimilar seus novos conhecimentos.

Quando eles pareciam no melhor da brincadeira, Mamãe Campbell saiu da casa e disse:

– Está na hora do banho!

David reclamou:

– Ah, mãe!

– Sem reclamações! Os dois, já para dentro!

Severo correu para dentro, com medo de levar bronca, mas Mamãe Campbell disse:

– Querido, não se esqueça de trazer sua bola nova para dentro.

Ele voltou, pegou a bola e entrou para dentro de casa.

– E limpe os pés!

Ele voltou, limpou os pés no tapete e subiu correndo. Tinha toda a energia de uma criança de 4 anos, e Mamãe Campbell sorriu satisfeita. Ela já amava Sev de todo o coração. Era seu garotinho.

Mas na hora do banho...

– Eu posso tomar banho sozinho!

– Eu sei, querido, eu só estou aqui para ajudar.

– Não precisa ficar.

– Como eu disse, só para ajudar.

– Você vai me ver pelado!

– Eu sou sua mãe. Eu posso ver você pelado.

– O papai também vai me ver pelado?

– Quando eu não estiver, papai vai ajudar você a tomar banho. Além disso, papai também é menino, ele tem um pi-pi igual ao seu.

Por um instante, Severo teve saudade de seu pênis adulto. Não que ele fosse narcisista ou algo semelhante, mas realmente aquele pênis de lápis de uma criança de quatro anos retirava toda a sua autoridade e auto-imagem de si mesmo.

Tudo isso desapareceu de sua mente quando a Sra. Campbell terminou de retirar a camisa que ele vestia.

– Oh! – Com uma voz cautelosa, ela se aproximou dele – Sev, querido,o que é isso nas suas costas?

Ele tentou olhar para trás e viu: as marcas de uma vida inteira de abusos, fosse nas mãos de seu verdadeiro pai ou nas mãos de Lord Voldemort. As costas tinham vergões vermelhos de flagelação mágica e chibatadas com ponta de varinha.

Ele abaixou a voz e disse:

– Meu pai me batia. Outras pessoas também.

– Eles batiam em você? Por quê?

Ele deu de ombros, incapaz de dizer que às vezes o Lord das Trevas simplesmente gostava de ver alguém se contorcendo de dor. Seu pai também tinha um traço masoquista, e desde pequeno ele sofrera os abusos nas mãos dele.

Jane Campbell fez Severo olhá-la bem nos olhos (que aliás estavam vermelhos e com lágrimas) e disse:

– Sev, escute a mamãe e escute bem. Aqui ninguém vai bater em você, entendeu? Ninguém. E se alguém algum dia encostar em você para machucá-lo, você deve falar imediatamente comigo ou com o papai. Isso é muito importante, Sev. Eu não vou deixar ninguém te machucar nunca mais, entendeu?

Ele a abraçou, dizendo:

– Está bem, mamãe.

O banho foi divertido, e Mamãe Campbell sugeriu que ele levasse alguns bonequinhos para o banheiro. Severo perguntou quem eram alguns daqueles bonecos, e ela sugeriu que ele perguntasse a David depois. Havia alguns muito estranhos, e ele ainda teria que absorver o conceito de super-herói para poder entender direito o que era um X-Men.

Depois do banho, ele vestiu seu pijaminha de anjinho e desceu onde o papai já tinha chegado e estava vendo o jornal na televisão. Instintivamente, Severo sentiu o pavor.

Pai era uma palavra que sempre lhe metia medo, e na sua desorientada psique que oscilava entre os 4 e os 37 anos, ele tinha receio daquela figura paterna que poderia ser nova fonte de abuso e sofrimento. Mas mamãe tinha dito que ninguém iria machucá-lo nunca mais... Por via das dúvidas, ele ficou na cozinha com Mamãe Campbell, bem longe do papai.

Durante o jantar, ele foi servido por uma generosa quantidade de comida, e convidado a repetir, o que ele não conseguiu. Mamãe Campbell reclamou que ele estava "muito magrinho" e disse que "nem queria imaginar" o que serviam no orfanato. Sev comentou que a comida não era muito boa e eles não podiam repetir. Aquilo só impeliu Mamãe Campbell a colocar mais comida no seu prato.

Assim que terminou o jantar, David foi lembrado de que tinha dever de casa a fazer e subiu para o seu quarto. Sev ficou no chão da sala, onde pegou uma parte do jornal que papai estava lendo. Folheou as páginas (era o caderno de cidades) e ficou entretido com as notícias de uma grande cidade trouxa. O jornal era de um lugar chamado Surrey, e é claro que ele não esperava encontrar nenhuma notícia do mundo bruxo. Mas por uns instantes ele voltou a ter seu self de 37 anos, analisando as notícias e imaginando se alguma coisa no mundo trouxa poderia ajudá-lo a voltar para o mundo bruxo.

Foi quando ele se deu conta de que papai e mamãe o encaravam. Instintivamente, ele se pôs de pé, imaginando o que ele tinha feito de errado.

– Querido, você mexeu no jornal do papai?

– Eu só estava lendo... Eu não estraguei nada.

– Não, claro que não. Mas você pode mesmo ler?

– Eu sei ler, mas não sei se consigo escrever – disse ele sinceramente, olhando para as mãozinhas pequenas e sem grande coordenação motora fina.

Papai apontou:

– E o que está escrito aqui?

– "Prefeito discute taxa de iluminação pública".

Os dois se entreolharam, espantados.

– Mas você não deveria saber ler. Onde aprendeu?

– Meu pai me ensinou – e era verdade: Severo tinha sido educado em casa até receber a carta de Hogwarts.

Mamãe Campbell disse:

– Muito bem, isso é bom saber. Amanhã vamos à livraria para comprar uns livros mais adequados à sua idade. Hoje foi um longo dia, e é melhor você dormir agora.

Severo franziu o cenho. Estava um pouco cedo, mas ele tinha tido um dia cheio. Resolveu não protestar:

– Tá bom.

– Bom garoto. Dá boa noite pro papai.

– Boa noite, papai.

Papai Campbell beijou-lhe o alto da cabeça:

– Boa noite, meu filho. Estamos muito felizes por tê-lo em casa finalmente.

Aquilo o tranqüilizou um pouco mais. Talvez aquele pai fosse diferente do seu pai verdadeiro, afinal. Talvez ele não abusasse dele.

Mamãe Campbell o levou até lá em cima e o colocou na cama, enfiando-o embaixo das cobertas. Ela disse:

– Amanhã vamos à livraria comprar lindos livros de história para você.

– Vou gostar. Eu gosto de livros, mamãe.

– Que bom. Por hoje, posso contar uma historinha antes de você dormir?

– Uma historinha? Ela é pequenininha?

– É uma história para crianças de sua idade. Crianças de sua idade não sabem ler.

Ele deu de ombros:

– Sabe, mamãe, às vezes eu não me sinto tão criança assim.

Mamãe Campbell olhou para aquele rostinho e viu o tanto de sofrimento que ela julgava que ele passara. Mal podia ela saber que havia muito mais.

Ela disse:

– É, mas uma criança sempre sente cosquinha!

E passou a correr as mãos no corpinho de Severo, rindo alto. Severo assustou-se.

A sensação era diferente de qualquer coisa que ele jamais sentira na vida. Era uma espécie de dor, mas não era dolorida, e ele se contorceu, rindo, suas células táteis explodindo de sensações, pois aquelas mãos pareciam saber exatamente onde tocar para suscitar aquelas sensações nele. Ele riu alto, como jamais rira na vida.

Ninguém nunca tinha feito cócegas em Severo Snape.

Após uns poucos minutos, contorcendo-se todo, ele ofegava feliz, e Mamãe Campbell também parecia muito feliz. Ela o abraçou, e Severo pensou que ele tinha sido mais abraçado naquele dia somente do que em toda sua vida.

– Mamãe, por que você me adotou?

– Eu queria mais um filho, de preferência um menino. Mas eu tenho um probleminha de saúde que me impede de engravidar. Isso quer dizer que eu não posso ter mais filhos.

– Por isso você foi no orfanato? Para escolher um menininho?

– Sim, e aí nos disseram que tinha um menino muito lindo, recém-chegado, que não tinha papai e mamãe. Nós imediatamente viemos vê-lo. E assim que eu o vi, meu amor, eu sabia que queria levá-lo para casa.

– Você é a melhor mamãe do mundo. Obrigado por me adotar.

– Não há o que agradecer. Agora deite-se porque está na hora da historinha!

Mamãe Campbell o colocou de novo debaixo das cobertas, apagou a luz e deixou só um abajurzinho ligado, enquanto ela contava a historinha do Trenzinho que Fazia Pi-uí.

Vencido pelo cansaço e os ternos cuidados maternais, Severo pegou no sono e jamais conseguiu saber o final da história do Trenzinho que Fazia Pi-uí.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Um pequeno contratempo" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.