Medos escrita por Rafú


Capítulo 2
Capítulo 2 - Querer


Notas iniciais do capítulo

OIZINHO! Sentiram minha falta? Quero agradecer os comentários. Adoro saber a opinião de vocês. Bem, boa leitura. Espero que gostem.



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“Foram necessários cinco, dez, quinze anos para que eu concordasse.”
A Esperança
Epílogo – Página 418

Fui acordada com uma carícia no braço no outro dia de manhã. Me virei enquanto me espreguiçava e encontrei os olhos azuis de Peeta junto com um leve sorriso.

– Você disse que ia comigo para a padaria hoje. – afirma ele.

– Eu disse? – pergunto com a voz dengosa e sonolenta.

– Disse. Por causa da Delly, lembra?

– Lembro. Eu já vou descer.

Ele deixa um beijo na minha testa e sai do quarto. Levanto da cama e arrasto os pés até o banheiro.

Não brigamos por causa dos quadros ontem. O assunto morreu no próprio ateliê. Nós apenas descemos e preparamos o jantar. Mesmo assim, permaneceu um silêncio perturbador durante a refeição.

Acabei tendo um pesadelo com aqueles quadros. Mas, por mais que tentasse lembrar como foi o pesadelo não conseguia. Este pesadelo, é um daqueles que você sabe que teve, sabe que foi ruim, mas por algum motivo estranho, não lembra o que aconteceu nele. Mesmo assim, ele deixa um certo sufoco no seu peito.

Tomei um banho e desci. Peeta já havia preparado o café-da-manhã e eu sentei a mesa junto com ele, aproveitando a refeição.

– Estou ansioso para ver Thomas. – fala Peeta quando já estávamos saindo de casa.

– Seria estranho se não estivesse. – comento.

Caminhamos, aproveitando o dia radiante que fazia. Podia-se ouvir os pássaros cantando nas árvores próximas. O Distrito estava no seu movimento matinal comum. Em pouco tempo, chegamos à padaria. Entramos e ajudei Peeta a abrir todas as janelas. Logo, ele começou a preparar os pães.

Em pouco tempo os funcionários foram chegando. Fiquei pelo balcão, ajudando a atender os clientes.

Eu sei o quanto Peeta gosta de me ver na padaria. Mas eu não gosto tanto. Claro que é um lugar bastante acolhedor. É ótimo sentar e sentir o cheiro de pão fresquinho, dos doces sendo feitos ou até das misturas de odores das variedades de tortas. Mas é um lugar que possui gente demais.

E a grande maioria sabe quem eu sou. Sabe que sou Katniss Everdeen, a garota que conseguiu destruir o governo opressor de Snow. E, aparentemente, é só isso que sabem de mim.

Esquecem que eu sou um ser humano. Não sou uma máquina que foi construída com o propósito de destruir Snow. Eu nunca havia planejado isto.

Mas mesmo depois de quinze anos, é só sobre isto que as pessoas me relacionam. Além do fato de ser a esposa do padeiro do Distrito 12.

– Olá, Katniss. – alguém me puxa dos meus pensamentos.

Olho para a garota que sabe meu nome, porém eu não sei o dela. Algo muito comum com a qual já me acostumei.

– Oi. – falei.

Atendi ela rapidamente e ela se foi.

Peeta aparece algum tempo depois no balcão.

– Você consegue dar conta aqui ou precisa de ajuda? – ele pergunta.

– Não. Está tudo bem.

– Eu não sei o que Sophia está fazendo que não apareceu ainda. – resmunga Peeta.

Sophia é a balconista da padaria. Tem cerca de quinze anos, mas é bastante esforçada no que faz.

– Não se preocupe. Está tudo sob controle aqui. – o tranquilizo.

Ele sorri e volta para a cozinha assim que um dos funcionários o chama.

Antes que eu pudesse notar, estávamos chegando perto da hora do almoço.

Os funcionários já haviam ido embora. Sophia ligou e avisou que não poderia ir hoje, pois não estava muito bem. Já íamos sair quando o telefone voltou a tocar. Me apressei antes de Peeta e o atendi.

– Oi. É a Delly. Posso falar com Peeta?

– Oi, Delly. É a Katniss.

– Katniss, oi. Só liguei para avisar que já estamos chegando.

– Tudo bem. Vamos esperar vocês aqui na padaria.

– Tudo bem. Tchau.

– Até mais.

Coloco o telefone no gancho e viro para trás, notando Peeta a me cuidar.

– Quem era? – pergunta ele.

– Delly. Ela disse que Thomas e ela já estão chegando.

– Vamos esperar então.

Fechamos a porta da padaria e esperamos sentados nos degraus da sacada. Em pouco tempo avistamos Delly e Thomas de mão dada com ela há alguma distância.

Peeta se levantou já sorridente e Thomas soltou a mão de Delly, correndo para Peeta.

– Tio Peeta! – o garoto gritou se atirando no colo de Peeta.

– Mas olha só como você cresceu, Mister Thom. – falou Peeta.

Delly se aproximou logo em seguida.

– Thomas, quantas vezes tenho que dizer para não sair correndo na minha frente? – ela xinga o garoto.

– Desculpa, mamãe. – o garoto fala com cara triste.

– E aí, Delly? Como vai? – Peeta pergunta quando Thom pula alegre para o meu colo.

Delly e Peeta se abraçam enquanto Thom me enche de beijos na bochecha.

– Estou bem, padeiro.

Se fosse outra mulher abraçando Peeta eu ficaria irritada. Mas com Delly é diferente. A amizade deles é tão pura e fraternal que não tem jeito de eu sentir algo contra o abraço deles.

– Tudo bem, Thom. Eu também estou feliz em ver você. – falo para o garoto que continua a beijar minhas bochechas.

Delly e Peeta interrompem o abraço e riem.

– Ok, Thom. – fala Delly puxando o garotinho e o colocando no chão – A tia Katniss já entendeu o quanto você a ama. – Delly me abraça também – Como vai, querida?

Não sou uma pessoa que gosta muito de contato humano. Com exceção de Peeta, não gosto de gente me tocando e abraçando e me beijando. Mas Delly tem um abraço tão reconfortante que não consigo rejeitá-la e a abraço de volta.

– Vou bem. – respondo a sua pergunta.

– Viu, mamãe? Eu falei que ia dar mil beijos na tia Katniss. – Thomas fala, fazendo gesto com as mãos, animado.

– Eu vi sim. Deu mais de mil beijos. – afirma Delly.

– Nós íamos para casa. Vamos indo? – fala Peeta, pegando minha mão.

Começamos a caminhar lentamente enquanto Peeta levava a mala de Delly em uma mão e com a outra segurava Thomas.

Consegui imaginar uma das crianças que Peeta desenhou no lugar do pequeno Thom. Mas logo sacudi a cabeça, a fim de tirar isto da mente.

Mantemos uma conversa agradável durante o percurso.

– Pensei que vocês fossem chegar de manhã. – comento.

– E nós íamos. Mas o trem atrasou e... Enfim, você sabe como é. – respondeu Delly.

– Sim. – concordei.

Mas não sabia de nada. Já faz um bom tempo desde que saí do Distrito 12 pela última vez. E nunca peguei um trem atrasado.

Durante dez anos, Peeta e eu devíamos passar de Distrito em Distrito para comemorar o Dia do Governo Paylor. Este é basicamente o dia em que tomamos a Capital das mãos de Snow. Nós concordamos em fazer isto até o momento em que decidiram fazer um monumento no centro da Capital. O monumento mostrava várias pessoas que ajudaram a formar o novo governo. Pessoas vivas e pessoas mortas... Bem, eu simplesmente surtei em público ao ver as estátuas de Finnick, Cinna e Prim. Não só eles. Mas também de todos os vitoriosos dos Jogos Vorazes, o que incluía Peeta e eu. Foi aí que Peeta deu um basta e afirmou que nunca mais faríamos isto. E eles aceitaram, pois não erámos mais obrigados a nada.

Finalmente chegamos em casa.

– Eu vou preparar o almoço. Quer me ajudar, Mister Thom? – pergunta Peeta.

– Quero. Quero. Quero. – afirma o garoto aos pulos.

– Katniss, pode levar a mala de Delly lá pra cima?

– Posso. – respondo pegando a pequena mala de Delly.

Ela costuma vir e ir no mesmo dia.

– Eu vou subir com a Katniss. Não atrapalhe o tio Peeta, Thomas. – adverte Delly.

– Não se preocupe, Delly. Thom vai ser meu ajudante hoje.

Delly e eu subimos. Deixo a pequena mala na cama do quarto de visitas.

– E então? – pergunta Delly com um sorriso malicioso no rosto.

– Então o quê? – pergunto confusa.

– Quando vão ter o de vocês?

Droga! Delly sempre entra neste assunto.

– O nosso o quê? – pergunto abrindo a janela, fingindo não saber do que ela falava.

– Você sabe. Um bebê. Já passou quinze anos, acho que já passou da hora de ter um Mini-Peeta correndo pela casa.

Delly era uma das únicas pessoas para quem eu podia me abrir. Eu sabia que qualquer coisa que eu contasse a ela, ela manteria em segredo. Não contava nem a Peeta.

– Nós não vamos ter um “Mini-Peeta correndo pela casa”. – afirmo me sentando na cama.

– Por que não? – pergunta Delly em choque se sentando ao meu lado.

– Porque o medo é muito maior do que eu.

– Bobagem, querida. Eu também tinha medo. Quer dizer, quando descobri que estava grávida de Thom, entrei em pânico. Afinal, é um serzinho crescendo dentro da gente. Mas isso logo passa.

– Mas não é este tipo de medo que eu tenho, Delly. É um medo muito pior.

– E qual é este “medo muito pior”? – ela perguntou ironicamente.

– Não sei bem. Eu tenho medo que tudo volte ao que era antes. Tenho medo que os Jogos voltem. Que a miséria volte. Que Snow volte.

– Mas Katniss, Snow morreu há anos atrás. Isto é impossível.

– Eu sei. – eu afirmo impaciente – Mas ainda tenho medo que ele sofra. E ainda somos conhecidos como os amantes desafortunados na Capital. Ainda sou conhecida como o Tordo por muitas pessoas. Já parou para pensar em como esta criança vai ter que lidar com isto? Ela vai estar sempre sob o ataque das pessoas, querendo conhecer o filho dos amantes desafortunados. – coloco tudo para fora. Delly me olha séria por alguns segundos, mas solta um pequeno sorriso e logo após uma baixa risada – Mas qual é a graça? – pergunto irritada.

– Será que você não nota, Katniss? – ela pergunta sorrindo.

– Notar o quê? – pergunto nervosa e confusa.

– Você não nota que está tentando proteger alguém que nem ao menos conhece... Nem ao menos existe!

As palavras dela me congelam. Eu nunca havia pensado nisto. E agora notei. Entendi o que Delly quis dizer. Eu não quero um bebê, pois seria o melhor para ele não existir. Não estou pensando em mim, mas nele. Nunca pensei algo do tipo: “Ah! Não quero um bebê porque vou ficar gorda e vou vomitar o tempo todo.” Mas sempre pensei em algo como: “Não quero ter um bebê porque ele vai ter um grande fardo para carregar devido a minha fama ou porque pode haver outra edição dos Jogos Vorazes, e o nome dele pode estar na Colheita.”

Este tempo todo pensei no bem de uma criança que não tenho e não no meu bem. E no meio disto arranjei desculpas esfarrapadas do tipo: “Não estou pronta.”

– Eu... Não... O quê? – gaguejei, sem saber o que falar.

– Você o ama, mesmo sabendo que ele não existe. E aí está o motivo de você poder ter um filho. Você seria uma mãe incrível. E Peeta seria um pai maravilhoso. Já notou o cuidado que ele tem com Thom? Imagina se fosse filho dele? Meu Deus! Peeta seria o pai mais incrível do mundo.

– Isso não importa. Nós não vamos ter um filho.

– Isso não depende só de você, Katniss. Eu tenho certeza que Peeta quer ter um filho. Ou estou errada?

– Não. Você está certa. Mas eu não quero. Não posso.

– Mas e ele, Katniss? E Peeta? O que ele quer também importa. Ele é metade do casamento de vocês. E a opinião dele também é relevante nisto.

– Não é mais.

– Como assim?

– Ele desistiu.

– Desistiu?

Delly era uma pessoa boa para conversar, mas às vezes se mostrava muito lerda e isto me irritava.

– É, ele passou todos estes anos me pedindo um filho mas eu sempre neguei. Nós já tivemos muitas brigas por causa disto. Então, ontem eu falei com o doutor Aurelius, só que ele não conseguiu me ajudar. Depois que coloquei o telefone no gancho tive uma crise de choro. Peeta chegou da padaria e me viu ali no escritório, me acalmou e depois disse que desistiu. Ele disse que se não conseguiu me convencer durante estes quinze anos, então não vai conseguir mais.

– Ele desistiu... – Delly sussurrou parecendo surpresa.

– É.

– Isto é estranho. Desistir não é uma característica de Peeta. Eu lembro de quando éramos adolescentes e ele dizia que um dia conseguiria se casar com você. Eu apenas ria da cara dele... E veja aonde ele chegou! Eu acho que ele se sentiu culpado por ter visto você chorando por causa deste assunto. Quer dizer... Katniss, Peeta ama você mais do que qualquer coisa. Ele apenas cansou de colocar tanta pressão em você. Você acabou mostrando para ele o quanto esta história de filhos está perturbando você. Então ele desistiu... Ele desistiu por você.

Era só o que faltava para aumentar meu nível de culpa. Eu já estava me sentindo culpada por ter feito Peeta desistir do maior sonho da vida dele. Mas agora, depois de tudo isto que Delly falou, estou me sentindo dez vezes pior. Sendo assim, não consegui segurar as lágrimas que começaram a surgir e escorregar pelo meu rosto.

Delly já ia dizer algo, que provavelmente seria um consolo, mas Peeta e Thomas invadem o quarto entusiasmado.

– Meninas, o almoço já está servido... Katniss, o que houve? – Peeta solta à mão de Thom e se ajoelha a minha frente.

Tento disfarçar e aceno a cabeça negando alguma coisa que nem eu sei o que é. Mas as lágrimas insistem em cair.

– Nós estávamos falando sobre um assunto qualquer e sem querer começamos a falar sobre a Prim. Katniss só ficou um pouco emocionada. – Delly me socorre, vendo que se eu tivesse que abrir a boca para falar algo, aquele choro aumentaria.

Peeta, que passou a prestar atenção em Delly, voltou a me olhar e segurou minhas mãos.

– Está tudo bem, Katniss. – ele me consola.

– Vem, filho. Vamos lavar as mãos e descer. – Delly se levanta e pega a mão de Thomas.

– A tia Katniss está triste? – o pequeno garoto pergunta com a cara visivelmente preocupada.

– A tia Katniss vai ficar bem. Vamos. – Delly o puxa para fora do quarto.

Peeta se senta ao meu lado e me abraça, fazendo um carinho com a mão em meus cabelos.

– Está tudo bem. Você não precisa mais chorar por isso. Lembra que ela deve estar em um lugar muito melhor agora. Um dia voltaremos a vê-la. – Peeta me consola.

“Ah, Peeta! Não é pela Prim que estou chorando. É pelo fato de ter feito você desistir do seu sonho.” Pensei em dizer isto em voz alta. Mas sabia que choraria mais se transformasse meus pensamentos em palavras. Além do mais, os braços de Peeta eram tão seguros que ele não precisava de palavras para me tranquilizar, apenas um simples abraço seu fazia eu me sentir melhor.

– Tudo bem. – falei para mim mesma.

– É. Tudo bem. – Peeta concordou.

Ele me soltou e levantou. Me levantei junto e enxuguei o rosto com as mãos.

– Nós... Nós deixamos Delly e Thomas sozinhos. – eu falo com a voz ainda embargada.

– Tudo bem. Eu vou descer e você pode passar no banheiro e lavar o rosto. – eu concordei com a cabeça. Peeta sorriu e beijou minha testa – Eu te amo.

Ele se foi, me deixando sozinha. Passei no banheiro, como Peeta sugeriu, e lavei o rosto. Desci e ouvi da sala a conversa animada que vinha da cozinha. Tratei de colocar um sorriso convincente no rosto antes de adentrar a cozinha.

– Sobre o que estão falando? – pergunto me sentando à mesa, vendo que meu prato já estava servido.

– Sobre o dia em que Peeta e eu matamos aula. – Delly ri – Foi tão divertido.

– Foi... Até minha mãe nos achar perambulando sozinhos pelo Distrito. – Peeta emenda.

– Ah, sim! Ela gritou tanto com a gente que chamou a atenção de todo mundo que passava.

– Mas o pior foi quando voltamos para casa. Apanhei tanto que sinto a dor até hoje. – Peeta ri.

Eu rio por fora, mas me faço uma pergunta por dentro. Peeta teve uma mãe tão carrasca, que batia nos filhos e raro era ver quando os tratava com carinho. E se ele tratasse nossos filhos da mesma forma?

Ele poderia ter ficado com algum trauma e este comportamento ter passado para ele.

Ou talvez não.

Talvez seja o bom pai que o pai dele foi. O padeiro que foi me ver no dia da Colheita e meu deu biscoitos. Um pai cuidadoso, bondoso e carinhoso.

– Vocês dois juntos deviam ser terríveis. – rio com eles.

– Não éramos tanto. Peeta é que adorava se meter em encrenca. – Delly se defende.

– O quê? Eu que adorava me meter em encrenca? Quem é que havia roubado um dos pintinhos do vizinho e escondido no armário? Acho que não foi eu, né? – Peeta se protege também.

– Meu Deus, Delly! Você escondeu um pintinho dentro do armário? – eu pergunto rindo ao imaginar a cena.

– O pior foi quando a mãe dela achou o pobre bichinho lá dentro... Morto! – continua Peeta.

– Ah! Mas ele era tão fofo. E eu sei que se pedisse para o vizinho ou para os meus pais, eles não iriam me dar. – afirma Delly.

Continuamos o almoço com a conversa animada, acompanhada de muitas risadas. Comemos uma torta de framboesa de sobremesa. Thomas se lambuzou todo com a torta e ainda comeu mais de uma fatia.

Depois de ajeitarmos a cozinha, voltamos para a padaria. Thomas virou o centro das atenções de todos os funcionários. Ele foi o ajudante particular de Peeta. Ganhou até um avental, que ficou muito maior que ele.

Fiquei escorada no batente da porta da cozinha, já que Sophia havia melhorado e veio trabalhar, e assisti Peeta e Thomas rindo enquanto sujavam um ao outro de farinha.

Mais uma vez imaginei um das crianças desenhadas por Peeta no lugar de Thomas. E me permiti sorrir naquele momento com o pensamento.

Thomas pulou do banquinho em que estava e correu na minha direção, mostrando o pedaço de massa que possuía nas mãos. Eu me abaixei, para ficar a altura dele.

– Olha, tia! O meu biscoito vai ter formato de carro. – ele explicou todo sorridente enquanto me mostrava à massa que não se parecia nada com um carro.

– Estou vendo. – falei sorrindo - Está muito lindo. Obra de um artista.

Ele sorri mais ainda com meu elogio e volta correndo para Peeta enquanto grita:

– Ela achou lindo!

Continuo observando os dois com meu sorriso bobo no rosto até Delly parar ao meu lado.

– Olha para os dois. Confessa que Peeta daria um pai incrível, Katniss.

– Eu sei, Delly. Ele daria sim.

– Então? Está esperando o quê?

– Estou esperando este medo passar.

– Este medo nunca vai passar se você o deixar continuar a crescer dentro de você.

Eu suspirei alto e me virei para ela.

– O que me sugere então?

Delly sorriu e se aproximou um passo a mais de mim e sussurrou tão baixo que eu quase não ouvi:

– Arrisque-se.

Logo após ela saiu, me deixando com meus pensamentos. Deixei de observar Peeta e Thomas e caminhei até o escritório. Me sentei na cadeira de rodinhas atrás da mesa e me atirei para trás, encarando o teto.

“Arrisque-se”. Seria seguro me arriscar? E se eu me arrependesse depois? E se o medo só aumentasse? Arrisque-se. A resposta de Delly rodava minha mente. E eu estava tentada a seguir o conselho dela. Peeta nunca me negou nada durante estes quinze anos. Eu poderia tentar retribuir. Poderia tentar. Poderia mesmo. O que custava?

“Este medo nunca vai passar se você o deixar continuar a crescer dentro de você.” Será que estou mesmo deixando este medo crescer dentro de mim? Bem, estou com medo da possibilidade de perder algo que eu nem tenho ainda.

Mas o que Delly, doutor Aurelius, Haymitch e até mesmo Peeta me falaram está correto. Não existe mais Snow. Não existe mais Jogos Vorazes. Não existe mais miséria. E nunca mais existirá nada disto novamente em Panem.

Sendo assim, não há nada a temer. Nada! Apenas deixei o passado ficar em mim por tempo demais. Mas está na hora de deixa-lo lá atrás, onde deveria estar este tempo todo.

Eu posso fazer isto. Eu posso dar um filho a Peeta. Ele sonha tanto com isto. Nós podemos ter um bebê.

Um sorriso invade meu rosto com esta perspectiva de vida que surgiu em frente aos meus olhos. Os quadros de Peeta se tornarão realidade. E eu sei que posso fazer isto.

Alguém abre a porta e eu me endireito na cadeira ao notar que era Peeta.

– O que está fazendo aqui sozinha? Está tudo bem? – pergunta Peeta preocupado.

– Eu só... Eu tive um pouco de dor de cabeça. Só precisava de um pouco de silêncio. – menti.

Não iria falar com Peeta sobre minha decisão na padaria. Esperaria chegar em casa, após deixarmos Delly e Thomas na estação.

– E por que está com este sorriso? – Peeta pergunta sorrindo junto.

Droga! Eu estou sorrindo?

– Eu só estava me lembrando de uma coisa engraçada. Nada demais.

– Tudo bem. Vamos embora? Todo mundo já foi.

– O quê? – me viro e vejo pela janela a escuridão parcial começando a tomar conta. Quanto tempo passei aqui dentro? – Já está escurecendo?

– Sim. E ainda temos que deixar Delly e Thomas na estação, então... Vamos logo.

Caminhamos até a estação de trem com a mesma conversa divertida que havíamos mantido o dia todo. Mas minha cabeça estava longe da conversa. Estava pensando na forma que contaria a Peeta a minha decisão.

Eu poderia ser direta e contar de cara. Ou poderia fazer todo um discurso e contar devagar sobre minha decisão. Peeta esperou tanto por isso que acho que vou optar pelo discurso.

Chegamos à estação. Peeta e Delly se abraçam para se despedir. Eu me abaixo à altura de Thomas e o abraço.

– Foi muito bom ver você, Thomas. Vou sentir sua falta. E vou sentir falta de todos os beijos que você me deu na bochecha. – rio com ele, fazendo cócegas em sua barriga.

– Foram mil beijos! – ele me corrige.

– Foram mais de mil beijos. – o contradigo.

Eu me levanto e abraço Delly enquanto Peeta se despede de Thomas.

– Ah, Mister Thom! Vou sentir tanta a sua falta... – começa Peeta.

– Eu vou arriscar. – sussurro para Delly ainda abraçada nela.

Noto ela me abraçar com mais força e soltar um som que parecia um gritinho reprimido de alegria.

– Vai mesmo? – ela pergunta, se afastando mas me segurando pelos braços e mirando seus olhos em mim. Sorrio e aceno a cabeça, dando uma resposta positiva. Ela aumenta o sorriso e sussurra no meu ouvido – Quero ser a primeira a saber quando o Mini-Peeta passar a existir.

– Você será. – prometi a ela.

Delly e Thomas embarcam e esperamos o trem partir. Eles acenam uma última vez antes de entrar na locomotiva.

Peeta e eu giramos nos calcanhares e caminhamos de volta para nossa casa com a companhia da noite silenciosa.

Não sou nada boa com palavras. Como vou começar meu discurso sobre querer ter um filho? Não faço a mínima ideia, mas preciso pensar logo.

– Katniss? Está me escutando? – Peeta estala os dedos na minha frente.

– Oi? O que disse?

– Você está no mundo da lua hoje. Eu perguntei o que você vai querer para o jantar.

– Ensopado de carneiro. – respondi rapidamente.

– Com ameixas secas. – riu Peeta – Nós comemos isto semana passada. Não pode pedir outra coisa?

– É uma ocasião especial.

– Por que é uma ocasião especial?

Droga! Eu falei aquilo em voz alta? Era para ser apenas um pensamento. Mesmo com meu deslize, deixei um singelo sorriso crescer no meu rosto.

– As coisas às vezes mudam para melhor. – respondo.

Peeta me olha confuso.

– Isto não responde a pergunta, sabia?

– Eu preciso conversar com você depois do jantar.

– Podemos conversar sobre o que você quiser agora. – fala Peeta – Está com algum problema?

– Não mais. – sorri mais ainda.

– Você está me assustando. Katniss, é sério. Me fala porque você está assim.

– Assim como? Eu estou normal.

– Não! Não está. Primeiro encontro você sozinha no escritório da padaria com um sorriso no rosto. Agora está falando coisas que estão me deixando confuso e continua a sorrir.

Eu ainda estou sorrindo?

– Conversamos depois do jantar. – afirmo.

– Não! – ele para de caminhar e eu me viro para ele. Ele passa os braços pela minha cintura - Me diz o que está acontecendo.

– Eu vou dizer tudo depois do jantar.

– Me diz agora. Ou não faço o ensopado de carneiro.

– Se você não fizer o ensopado, eu não conto nada para você.

Peeta abriu a boca para responder, mas logo fechou sem dizer uma palavra e semicerrou os olhos.

– Isto não é justo. – afirma ele – Vamos logo para casa então.

Ele abraçou minha cintura como se eu fosse capaz de sair correndo.

Eu não faria isto.

Eu acho...

Sem mais nenhuma conversa durante o trajeto, chegamos em casa. Peeta subiu para tomar um banho enquanto eu fui adiantar algumas coisas do jantar. Deixei a cozinha com ele quando voltou com os cabelos ainda úmidos pingando na camisa.

Subi e decidi optar por um banho de banheira ao invés de chuveiro. Enchi a banheira com água, adicionei alguns óleos e sais e entrei. Meu corpo inteiro relaxou e eu apoiei a cabeça na beira da banheira.

Peeta entrou alguma hora no banheiro e sentou na beirada da banheira. Eu estava com os olhos fechados, mas Peeta não costuma ser muito silencioso com seus passos. Abri um dos olhos e sorri para ele, antes de voltar a fechá-los.

– Oi. – disse.

– O ensopado está no fogo.

– Isto é bom.

– Você vai me contar agora o que está se passando por esta sua cabecinha avoada?

Eu ri ainda com os olhos fechados.

– Depois do jantar.

Peeta bufou mas não discordou de mim.

– Eu chamo você assim que estiver pronto.

– Ok. – respondo.

Ouço seus passos saírem para fora do banheiro. Afundo mais dentro da banheira aproveitando ao máximo a água. Isto até ela ficar fria.

Saí e vesti uma camisola confortável que ficava um pouco acima dos meus joelhos. Não esperei Peeta me chamar e desci para a cozinha. Ele estava arrumando a mesa e eu o ajudei. Em pouco tempo, estávamos comendo o ensopado. Assim que terminei, peguei meu prato e fui até a pia lavar. Peeta devorou a comida toda de uma vez, curioso para saber o que eu tanto escondia dele.

Lavei a louça devagar e sem pressa. Ainda não havia pensado na forma que iria dizer a minha decisão para Peeta. Teria que usar o improviso mesmo. Assim que terminei, eu me virei para ele, me escorando na pia. Ele se levantou da cadeira e a colocou no lugar.

– Vamos para a sala então? – perguntou ele.

Suspirei longamente e acenei com a cabeça andando em direção ao sofá com os braços cruzados. Sentei e ele se sentou ao meu lado. Apoiou uma das pernas encima do sofá, ficando de frente para mim.

– Tudo bem. – falei para mim mesma, tentando saber como começaria isto.

– O que está acontecendo? – Peeta sussurrou ao ver que parei de falar.

Me virei para ele e fitei o universo que havia nos olhos de Peeta.

– Eu sempre tive medo. Em toda minha vida. Ao menos, desde a morte de meu pai. – comecei insegura – Tive medo de morrer de fome, tive medo de ser sorteada na Colheita, tive medo de a Prim ser sorteada. Tive medo de morrer nas duas arenas. Tive medo de Snow. Tive medo da guerra. Eu carreguei todos estes medos até hoje. Por quê? Bem, isto é algo que queria saber também.

– Não há mais porque ter medo de nada. – Peeta me interrompeu.

– Eu sei. Eu descobri isto hoje. Eu sempre tive medo de Snow voltar, mesmo sabendo que ele está morto. Eu sempre tive medo dos Jogos voltarem a fazer crianças inocentes se enfrentarem em um campo de batalha. E, acima de tudo, sempre tive medo do nome dos nossos filhos estarem na Colheita. Sempre tive medo de ter que assistir a morte deles.

– Isto nunca iria acontecer.

– Eu sei que não. Mas aquela vozinha... Aquela minúscula voz baixa, me dizia que não iria dar certo. Me dizia para continuar a ter meus medos. E eu sempre ouvi aquela voz. Sempre me deixei me levar por ela. Mas, a partir de hoje, eu dissipei aquela voz inútil da minha cabeça. Snow está morto. Os Jogos Vorazes nunca mais passarão a existir. As arenas foram destruídas. Não há mais Colheitas anuais. Não há mais fome nem miséria, muito menos a injustiça. E, principalmente, não tem motivos para eu não querer ter um filho com você.

Parei por um momento e observei Peeta. Olhei para ele tentando saber se ele sabia sobre o que era o assunto que eu falava. Se ele sabia aonde esta conversa iria chegar.

Ele me encarou de volta inexpressivo e concentrado ao mesmo tempo. Mas acho que ele compreendeu o que eu disse no segundo seguinte. Sua expressão mudou diversas vezes. Começou com confusão, passou para surpresa e, por fim, seus olhos brilharam com a descoberta do que eu propunha.

– O que você está querendo dizer é que... – ele parou, talvez achando que tenha ouvido errado.

– Eu quero ter um filho com você, Peeta. Eu quero te dar este presente. Quero dar uma recompensa por tudo o que você passou e por tudo o que você já fez por mim.

Peeta abre um sorriso, mas ainda parece não acreditar. Acho que eu reagiria da mesma forma se estivesse no lugar dele.

– Você quer me dar um filho? – ele perguntou em dúvida.

– Sim. – eu disse com um sorriso.

– Você quer... – ele parou e olhou para um lugar fixo e desmanchou o sorriso do rosto.

– Peeta?

– Recompensar tudo o que eu fiz? – ele se perguntou – Espera... Você... Você não quer um filho.

– O quê? Claro que eu quero. Por que você acha isto? – pergunto surpresa.

– Você não quer. Você só quer me recompensar. Não está fazendo isto por nós. Está fazendo isto por mim. – ele se levanta.

– O quê? É claro que estou fazendo isto por você, Peeta. Mas estou fazendo isto por mim também. Eu quero um bebê. Sim, quero recompensar você por tudo o que me proporcionou durante estes quinze anos. Mas também quero ter esta criança.

– Não! Eu falei que preferiria não ter esta criança, se for para você tê-la sem querê-la. – ela me dá as costas e caminha para as escadas.

Eu seguro seu braço antes que ele alcance o primeiro degrau e ele se vira.

– Mas eu quero, Peeta. Por que não acredita em mim? – eu abraço seu pescoço, aproximando nossos rostos – Eu quero um filho. Vamos ter um filho. Por favor, acredita em mim. Eu quero de verdade. Eu conversei com Delly mais cedo e ela me mostrou que não há motivos para não ter um. Ela abriu meus olhos que eu mantive fechados por todos estes anos. E eu estou pronta. Estou finalmente pronta para isto. Então, por favor, não dê para trás agora. Não faz isto, porque eu sei o quanto você sonha com esta criança.

Ele me olha por certo tempo e afunda a cabeça em meu pescoço.

– Você tem certeza? – ele pergunta com a voz abafada em meus cabelos.

– Certeza absoluta. – afirmo sem receio. – Eu quero arriscar.


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Notas finais do capítulo

O que acharam? Ela quer um filho! Uhhhuuu!
Comentem, meu amores. Sexta que vem tem mais.
Beijocas da Tia Rafú para vocês. ;)