A Dona do Castelo escrita por snow Steps


Capítulo 1
Capítulo 1




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E lá estava eu, tomando a decisão mais importante da minha vida. Talvez a única decisão que eu realmente tenha tomado por si só.
Muitos motivos me levaram a tê-la, e esperava não me arrepender tão cedo. Queria sentir o gosto, nem que por alguns dias, de fazer algo que de fato me orgulharia e que não me levasse ao caminho do fracasso.
Sim, a maioria dos rumos que minha vida tomava se dirigiam ao fracasso, involuntariamente. Morava em uma pensão velha de paredes emboloradas que cuspia baratas, junto ao meu pai e irmão mais velho, sendo minha mãe falecida há alguns anos por causa da temida tuberculose. Meu pai era um patético operário que trabalhava 15 horas por dia e que ganhava uma miséria a qual mal podia pagar um pedaço de pão dormido a nós, sendo que sua saúde ia de mal a pior. Meu irmão, bem, um verdadeiro canalha que me traiu com a minha namorada, a qual jurava ser eu seu único amor.
Comprovei isso em seus olhos ao vê-la na cama com ele. Sim, comprovei que eu era um imbecil por ter acreditado numa utopia de amor verdadeiro em pleno cenário de desgraça e morte por todos os cantos, onde as pessoas tiravam vidas por uma moeda de troca. E caso permanecesse ali estaria fadado a um futuro como este: tornar-me um operário medíocre e aturar o homem de meu próprio sangue que me roubou a única coisa que eu tinha esperança de me fazer feliz.
Não, de fato, não havia mais nada a se fazer ali.
Tranquei cuidadosamente a porta da pensão cujas dobradiças já estavam podres, e apanhei minha pequena mala de couro esfolado a qual havia sido herdada por gerações anteriores. Nela estava meus singelos pertences: quatro camisas surradas e duas calças desbotadas, além de um relógio de pulso e uns trocados para garantir minha sobrevivência para bem longe dali.
Fui andando rapidamente entre as ruelas daquele pobre bairro, cheio de pensões e casebres que abrigavam trabalhadores que se apinhavam em número proporcional a uma família de ratos. O céu da noite era de uma cor cinza, alastrando a fumaça acumulada para toda a cidade feito um miasma tóxico, ao longe as chaminés das fábricas que exalavam a doença humana da exploração.
Um calafrio perpassou pela minha espinha por tanta rejeição e ódio à mediocridade que me cercava. Era necessário fugir dali.
Sim, eu estava fazendo a coisa certa.
Ao mesmo tempo que ganhava confiança na minha decisão, a balança se equilibrava com um outro peso que também ganhava força: meu medo. Eu não tinha nenhuma forma de sustento, nem alguma renda guardada ou um lugar para onde ir.
Afinal, o que realmente eu estava tentando fazer? Tornando-me um mendigo? Se bem que, em tempos como aquele, um mendigo poderia viver de forma equivalente à situação que o operário se encontrava.
Temeroso por dentro, continuei a andar cortando as ruelas de pedras que cheiravam a esgoto, com as luzes se estendendo como pequenos pontos amarelos que me levavam a um caminho sem destino.

Minha mão suava segurando fortemente a alça da pequena mala, sendo a única coisa no mundo que agora eu possuía. Sozinho e com frio, comecei a lembrar de Katherine, da forma como colocava as mãos em meu rosto e as deslizava até meu peito, beijando-me ardentemente. Ela era jovem e considerada bela, embora a pobreza tivesse lhe tomado o brilho do olhar e rachado seus lábios evertidos. Os cabelos em caracóis sempre estavam em movimento, e roubavam a atenção dos trabalhadores que caminhavam para as fábricas antes do sol despontar no horizonte. Porém, a sua parte a qual mais gostava era de suas mãos: mesmo com as palmas ásperas e com calos devido às alavancas que rodava o dia inteiro, o toque delicado de seus dedos finos e graciosamente tortos me levavam à outa realidade.
Respirei fundo, uma respiração dolorida e sofrida carregada pelo cheiro ocre, de alguém que ainda não aprendera a viver sem a pessoa que ama.
Cheguei à rua principal, silenciosa e totalmente vazia. Mesmo que não se pudesse ver nenhum indício do amanhecer, era natural que alguns operários já estivessem saindo de suas casas para enfrentar o cárcere cotidiano. Mas não havia a presença de ninguém ali, exceto a das ratazanas grotescas que se enfiavam pelas frestas dos becos. Parei e olhei para os dois lados. E agora?
Parado em meio à rua, sozinho e sem destino. Eu era de fato, um fracassado.
O que eu havia pensado? Que bastaria sair de casa e tudo se resolveria após? Era muita inocência de minha parte. Encarei minha maleta, e senti como se meu sonho estivesse trancafiado dentro dela, entre as roupas velhas que o impregnavam com seu desgaste.
Um inglês com apenas 17 anos, sem nenhum futuro traçado, sem nenhuma realização com a qual pudesse se orgulhar. Observei a madrugada fria que parecia rir de mim também, esbofeteando-me com seu ar gélido.
Com a mais crua repulsa, dei meia-volta para a ruela que me faria retornar à humilde pensão. Meus passos eram pequenos, querendo chegar lá somente uma semana depois de tão lento que iria.
Sentia-me envergonhado, inútil.
De cabeça baixa, fui observando minha sombra desprezada. De repente, surgiu mais uma sombra, logo atrás de mim. No mesmo instante, virei-me de supetão, e me deparei de olhos arregalados com uma figura masculina encurvada que se cobria com um longo sobretudo escuro e um chapéu coco preto.
Ele ergueu cautelosamente seu rosto, permitindo que a fraca luz do poste pudesse revelar metade de seu rosto idoso que tinha olhos profundos e cansados, além de um nariz carrancudo que lhe dava um ar sinistro.
_ Quem é você? - Perguntei instintivamente, não evitando o timbre do medo.
O velho homem deu um meio sorriso de dentes gastos e amarelados, como se estivesse familiarizado com a pergunta. Ergueu o chapéu elegantemente, mostrando os cabelos ralos e grisalhos penteados cuidadosamente para o lado, fazendo-o ter uma aparência mais inofensiva. Deu alguns passos à frente, fazendo-me recuar na mesma proporção. Com uma mesura bem treinada e comedida, declarou:
_ Eu sou a sua esperança.


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