A comida que antes soltava vapor já estava fria, mas não parecia incomodar a ruiva que continuava comendo lentamente. Passava das 2 da manhã, e ela não se sentia cansada o bastante para dormir, na verdade, sua vontade era ir até o escritório e começar uma busca desesperada por Jeremy Curtis, contudo, ela sequer sabia por onde começar.

“Você anda muito distraída ultimamente.” A voz rouca do marido a assusta.

Ela não havia notado sua aproximação, o que era raro.

“Alguns problemas no trabalho.” Ela comenta dando de ombros.

O homem caminha até o balcão e se senta na frente dela em silêncio.

“Desculpe se te acordei.” Ela diz por fim.

“Não me acordou.” Ele tamborila os dedos sobre o balcão de mármore. “Você quer conversar sobre isso?” pergunta embora saiba que provavelmente ela irá recusar e mudar de assunto.

Natasha não falava muito sobre o trabalho, assim como suas colegas. Parecia haver algum tipo de acordo secreto entre elas que as proibia de falar sobre qualquer coisa na presença de outras pessoas.

“Estamos trabalhando num caso que a cada minuto parece ficar mais complicado.” Ela começa e Steve arregala os olhos surpreso “Uma conta de um mafioso que mat... mandamos pra cadeia a alguns anos, voltou a ser movimentada e a única pessoa que poderia ter alguma informação sobre isso sumiu.”

“Mas que tipo de informação você esperava que ele tivesse?”

“Ele podia saber quem movimentou essa conta.” Natasha responde “na verdade, esse caso parece ter ligação com outro, mas não posso te contar nada sobre ele. É sigiloso.”

“Sempre é.” Ele comenta com um sorriso de canto “Eu fico me perguntando... você não acha perigoso o seu trabalho?”

A pergunta faz Natasha engasgar com a comida.

“Calma! Respira!” Steve fala dando tapas nas costas da mulher.

“Tô bem!” ela exclama levemente vermelha, bebendo agua em seguida. “Perigoso? Porque você acha perigoso?” questiona.

“Eu vejo nos jornais o tempo todo o que acontece com jornalistas, advogados ou qualquer outra pessoa que trabalhe na área criminalista.” Ele esclarece “elas deletam alguém importante e alguns dias depois... Bum! Aparecem mortos.”

Natasha solta uma risadinha nervosa. A princípio ela havia dito ser apenas advogada, mas depois a ideia de ser também criminalista, veio a calhar.

“Você tá exagerando...”

“Não, não estou e você sabe disso!” fala sério “você mesma acabou de dizer que a conta de um mafioso que VOCÊ ajudou a colocar na cadeia voltou a ser movimentada. Já parou pra pensar que talvez seja lá quem tiver feito isso, pode querer se vingar de você? Pode tentar te matar?”

“E é por isso que eu não converso sobre assuntos do trabalho com você!” ela exclama “você fica paranoico!”

“Não estou sendo paranoico, estou sendo realista. Nat, eu me preocupo com você. Você é minha esposa e eu não conseguiria dormir tranquilo sabendo que você está em perigo. Você entende isso?”

A culpa cai como um iceberg sobre a cabeça da ruiva. Quantas vezes ele havia ido dormir enquanto ela se arriscava? Enquanto ela colocava sua vida e segurança em perigo?

“Lembra quando você sofreu o acidente de carro?” ele pergunta e Natasha o encara “eu ainda consigo sentir todo o terror que tomou conta de mim naquela noite. Eu tinha tanta certeza que ia perder você.”

“Mas não perdeu.” Ela sussurra com a boca seca “foi um acidente Steve. Acontece com todo mundo.”

“Eu não quero saber de ‘todo mundo’ eu quero saber de você.”

“Não há perigo Steve.”

“Mas se houver...”

“Não há” Natasha começa a negar mas Steve ergue a mão pedindo que ela espere.

“SE houver, eu quero que você me prometa que cairá fora. Não importa quanto dinheiro ou prestigio você possa ganhar, você vai abandonar o caso.”

Natasha suspira frustrada. Eles já haviam tido aquela conversa antes, sobre o perigo e coisas do gênero, mas Steve nunca havia pedido algo como aquilo. Será que ele estava tendo um mau pressentimento?

“Eu prometo.” Ela concorda e Steve arregala novamente os olhos surpreso.

“Quem é você e o que fez com minha esposa?” questiona ainda intrigado. Natasha não era do tipo que concordava tão facilmente.

“Engraçadinho.” Ela comenta desdenhosa “eu prometo cair fora se o suposto perigo ameaçar a nós dois. Caso contrário, pode esquecer.” Ela completa e Steve fecha a cara.

“Nat...”

“Não há perigo Steve, confia em mim.” Ela pede embora saiba que não deveria fazer aquilo.

“Eu confio.” Concorda por fim.

“Vamos dormir.” Ela fala e começa a ajeitar a cozinha.

“Eu tenho mais uma pergunta.” A voz de Steve está apreensiva, o que faz um arrepio percorrer a espinha de Natasha.

“Claro.”

“É por isso que você não quer ter filhos?”

Natasha engole em seco. Como ele havia chegado aquela conclusão?

“Porque você acha isso?” ela continua de costas para ele, enquanto lava o único prato demoradamente.

“Você não se importa em estar na linha de fogo, mas se importa se outra pessoa estiver. Você tem medo de ter filhos e ficar vulnerável?”

“Um pouco.” Ela admite “Eu teria que me afastar do trabalho e passar mais tempo em casa e você sabe o quão agitada eu fico quando estou em casa.”

Durante o período de recuperação depois do ‘acidente’ ela quase surtará por ter que ficar duas semanas em casa.

“É, seu sei.” Concorda.

“Minha mãe... ela não queria ter filhos, mas meu pai queria muito e ela cedeu ao desejo dele, mas não foi fácil como ele pensou, quer dizer, as poucas lembranças que eu tenho daquela época são do meu pai me levando ao médico porque ela odiava hospitais e choro de criança, meu pai indo as reuniões da escola porque ela achava uma perca de tempo aquela conversa toda.”

“Você não é sua mãe” Steve afirma.

“Eu sei disso, mas eu não aguentaria falhar Steve. A última coisa que eu disse para minha mãe antes dela nos deixar foi ‘eu te odeio’ e eu não aguentaria ouvir uma coisa dessa. Não vindo de uma pessoa pela qual, teoricamente, eu estaria disposta a dar minha vida.”

Natasha abaixa a cabeça e respira fundo. Diferente do sentimento de culpa que a inundou a pouco tempo atrás, agora ela se sentia mais leve. Desde que a crise no casamento havia começado, aquela era a primeira conversa realmente sincera sobre o assunto ‘filhos’ na qual ela havia dito a verdade.

“Acho que demos um grande passo essa noite.” Steve afirma se posicionando na frente da mulher, pousando as mãos nos ombros dela “eu fico muito feliz que finalmente você se abriu um pouco sobre isso.”

“Eu não sabia como...”

“Eu te amo, okay? E por mais que eu queira, não é uma decisão individual, somos um casal e vamos resolver todos os nossos problemas como um.”

Natasha encara os olhos azuis do marido e se permite relaxar. Ela deixa o lado agente secreto de lado, abandona sua máscara de frieza e insensibilidade, esquece todos os golpes e formas de matar que conhece e apenas deixa a calmaria e segurança que o marido lhe proporciona dominar sua mente e corpo.

“Você promete?” ela pergunta olhando intensamente nos olhos do marido.

“Eu prometo.” Afirma.

“Eu também te amo.” Ela sussurra o abraçando.