"Não me pergunte

O que você sabe que é verdade

Não tenho que lhe dizer

Eu amo seu precioso coração

Eu estava em pé

Você estava lá

Dois mundos colidiram

E eles nunca poderiam nos separar".

 

Paloma Faith - Never Tear Us Apart

Capítulo XXII – Esperança

֎

O silêncio presente na sala de transmissão do castelo era pensado e incomodo. Sentada ao meu lado, eu podia sentia a tensão de Ally e seu desconforto. Não estava sendo um dia fácil e com toda a correria das notícias do dia, ela não havia tido tempo para descansar. E como é teimosa, insistiu em realizar a reunião com todos os seus aliados para informar sobre os recentes acontecimentos em Krósvia e a chegada da LP na capital.

Os líderes dos países vizinhos aparecem no telão a nossa frente exatamente no horário marcado. Todos já haviam sido previamente informados sobre os assuntos que seriam tratados, então era visível a preocupação presente nos olhos dos reis, rainhas e do parlamento de Krósvia, que também participaria dessa reunião.

Observo cada um dos rostos sérios presentes na sala, esperando o pronunciamento de Ally. Lawrence, Prince, Manu, tio Theo, Tyler, Oliver e Juliana ocupavam as cadeiras ao redor da mesa que estava virada para o telão, onde eram exibidas a transmissão ao vivo de dos reis Richard e Victória de Westleife, Joseph e Cecília de Retrívia, Arthur III de Agriont, Trevon de Bethord, Enrique de Kenedias, Raphael de Boise, meus pais e o Primeiro-Ministro de Krósvia, Alexander Frazier.

Batidas na porta ecoam na sala e, com a autorização de Ally, Dez entra na sala carregando um envelope pardo. Ele cumprimenta aos reis que apareciam na tela com uma breve reverência e se aproxima de nós, com o rosto esboçando uma expressão nada animadora. Troco olhares com meu melhor amigo e não preciso de muito tempo para entender o que estava acontecendo. Mais problemas haviam aparecido.

— Aqui está o relatório mais recente dos casos confirmados em Krósvia. O número passa de mil crianças em todo o país. – Informa Dez para que apenas Ally e eu ouvíssemos.

— Está falando sério? – Sussurro, surpreso. – Como isso é possível. Até algumas horas atrás, nós tínhamos apenas oito casos confirmados e uma morte.

— Infelizmente sim. – Responde Dez, crispando os lábios em seguida.

— Deixe-me ver o relatório. – Pede Ally, tão incrédula quanto eu. Dez entrega o envelope a minha esposa e Ally rapidamente o abre, lendo brevemente o relatório sobre os casos de LP em Krósvia. Ela suspira e me passa o relatório para que eu lesse.

O país havia registrado mil e dezoito casos de LP nas últimas vinte e quatro horas, com trezes crianças vindo a óbito. A bactéria estava se espalhando em uma velocidade impressionante e, segundo o relatório, tudo se devia ao inverno rigoroso que o país está enfrentando, já que a LP é mais suscetível a transmissão em baixas temperaturas.

— Droga! – Resmungo, frustrado. Encaro minha esposa e ela batucava as unhas sobre a mesa de forma pensativa. – O que faremos?

Ally corresponde ao meu olhar com intensidade. A mente brilhante de minha esposa parece trabalhar freneticamente em busca de uma resposta que eu sabia que não era fácil de encontrar. Ela suspira e apoia os cotovelos sobre a mesa, enquanto encosta a testa em suas mãos entrelaçadas. Todos a observam com atenção, tentando entender o que estava acontecendo.

— Entregue o relatório a Oliver. – Pede Ally em um sussurro. Assinto e estendo os papéis ao cientista, que o pega sem dizer nada. O homem analisa rapidamente os dados e posso ver que ele não estava realmente surpreso com a situação.

— A bactéria está sofrendo novas mutações e está ficando cada vez mais forte. – Comenta Oliver, suspirando. – Se não tomarmos uma atitude agora, o número de crianças poderá ser ainda maior.

— Dez, entregue uma cópia desse relatório para cada um presente aqui e envie para os nossos aliados. – Ally orienta, voltando a atenção ao ruivo.

— Sim, Majestade. – Responde Dez, pegando o celular em seu bolso.

Ele se afasta para realizar as ordens de Ally. O silêncio volta a se fazer presente. Não sabíamos o que fazer. Minha esposa batuca suas unhas sobre a mesa, enquanto era encarada por todos, Por fim, ela suspira e observa o telão com nossos aliados.

— A situação tem sido pior do que esperávamos. – Ally começa a falar, fazendo os presentes a encararem com preocupação. – Já que a bactéria é transmitida pelo ar, a única alternativa é obrigar o uso da máscara, declarar quarentena, com fechamento do comércio não essencial e fechar as fronteiras. Pelo menos até encontrarmos uma forma mais efetiva de combater a LP.

— Acredito que essa é a única alternativa. – Concorda meu pai, visivelmente frustrado.

— A partir de hoje, já colocamos em prática essas medidas. Deixaremos a entrada de visitantes apenas em casos de extrema importância. – Informa Joseph e os outros representantes assentem.

— Eu retornarei ainda hoje para Elohim. O país ainda não apresentou nenhum caso, mas do jeito que as coisas estão indo, é só uma questão de tempo. Por isso, retornarei e tomarei as mesmas medidas de segurança. – Informa meu tio, suspirando em seguida. – Isso vai afetar a vida das pessoas muito mais do que podemos contabilizar. Tanto econômica quanto socialmente, teremos um grande problema. Não será fácil acalmar nosso povo.

— Vamos precisar pensar em medidas de emergência para conter a fome e proteger as famílias menos favorecidas que já serão atingidos com ainda mais intensidade que os mais ricos. – Comenta Raphael com seriedade.

— O dr. Oliver já tem alguma ideia de como remediar ou retardar os avanços da doença? – Questiona Arthur, acendendo um cigarro.

— Encontramos medidas que retardam o avanço da doença. Nos casos de descobrimento precoce da LP, é possível salvar a criança, mas ainda não conseguimos controlar as sequelas daqueles que estão sobrevivendo. – Explica Oliver, frustrado. – Vimos algumas melhoras com algumas fórmulas, mas ainda é muito cedo para testar em humanos. Não sabemos quais seriam as consequências.

— Não temos muito tempo. Se continuar com o nível de contaminação com taxas tão altas e ainda tendo tantas mutações na LP, é possível que ela não atinja apenas crianças e passe a contaminar idosos e adultos. – Destaca Enrique, deixando todos ainda mais apreensivos.

Encaro minha esposa e ela parecia perdida em seus pensamentos. Os representantes dos países aliados a Krósvia passam a discutir possíveis medidas e o que esperavam para o futuro. Todos estavam assustados e temiam as consequências da pandemia.

Ally estava exausta e isso me preocupava. Não dormimos nada essa noite e havia sido desgastante realizar o pronunciamento. Em poucas horas, iremos nos encontrar com o antigo membro da Fire Scars para entender mais sobre o passado de nossos inimigos. Toda essa carga combinada com a gravidez de risco de minha esposa estava deixando-a cada vez mais abatida.

— Por enquanto, vamos tomar essas medidas de segurança e confiar em nossos cientistas. Eu entendo que todos estejam alarmados, mas precisamos manter a esperança pelo bem da nossa população. Não adianta em nada perdemos a cabeça. Precisamos de soluções e não de mais motivos para nos desesperar. – Digo, atraindo a atenção dos presentes da reunião. – Nós temos a vantagem de sermos aliados. Eu tenho certeza de que se unirmos nossas forças, conseguiremos ao menos amenizar os efeitos da LP.

— Austin tem razão. Precisamos manter a calma e agir de forma racional. – Concorda Trevor, suspirando.

— Vamos encerrar a reunião de hoje e realizar os nossos pronunciamentos sobre as novas medidas que tomaremos. Vamos decretar o estado de emergência e conscientizar a população sobre a importância de se protegerem. – Informa Ally. – Voltaremos a nos reunir daqui uma semana novamente para analisar os resultados.

— Certo. Qualquer novidade sobre os avanços das pesquisas, por favor, informe-nos, Ally. – Pede Richard e Ally assente.

— Não se preocupe. Dez enviará diariamente os relatórios dos avanços das pesquisas para vocês. Caso também consigam algo com os seus pesquisadores, peço que também compartilhem comigo. – Orienta minha esposa.

Após se despedir dos líderes dos países aliados, a reunião é encerrada. Tio Theo se despede, informando que precisava se encontrar com a esposa para conversar a respeito de um retorno a Elohim. Assim, permanecem na sala apenas Ally, eu, Lawrence, Prince, Manu, Dez, Tyler, Oliver, Juliana e o Primeiro-Ministro de Krósvia, que continuava em chamada de vídeo.

— O que faremos agora, Ally? – Pergunta Prince, observando a irmã com preocupação. – Você está bem?

— Sim. Apenas estou cansada. – Garante, suspirando. Ela bebe um pouco de água e encara o irmão. – Bom, Alexander, eu vou deixar você responsável por preparar o texto das novas medidas e realizar o pronunciamento. Eu preciso resolver algumas coisas urgentes junto com o Austin, então não poderemos participar dessa vez.

— Como desejar, Majestade. – Responde o Primeiro-Ministro, fazendo uma leve reverência. – Eu irei me retirar agora, mas estarei à disposição para qualquer necessidade.

— Obrigado, Alexander. – Agradeço e ele assente. O homem se despede e encerra a ligação, deixando que a reunião agora continuasse apenas com os moradores do castelo.

— Aproveitando que a reunião terminou, voltarei para as minhas pesquisas. – Informa Oliver, dando um sorriso cansado.

— Nos mantenha informados. Não vamos estar aqui, mas qualquer novidade sobre a LP, pode nos contatar pelo celular. – Orienta Ally e o cientista concorda.

— Boa viagem e tome cuidado, Ally. Lembre-se que você precisa de repouso. – Pede o homem, mas era evidente em sua expressão que ela acreditava que suas palavras seriam completamente ignoradas pela minha esposa.

— Não se preocupe. – Responde a mulher, dando um fraco sorriso.

— Ainda acho arriscado você viajar, quando sua saúde se encontra tão frágil. – Reclama Prince, encarando a irmã com repreensão.

Troco olhares discretos com Ally. Não estava sendo fácil manter segredo de Prince, Manu e Tyler sobre o nosso encontro com o antigo membro da Fire Scars. Felizmente, Dez havia conseguido a nossa participação em um evento em Córdia, onde o rei de Domynic estaria. A desculpa usada seria a que iriamos para o país tentar trazer Leon para o nosso lado, sem que o irmão e a cunhada de minha esposa desconfiassem que nos encontraríamos com Scott Marchard.

Obviamente, nós realmente participaremos da festa. É uma boa chance de conhecer o rei de Domynic e tentar tirar qualquer informação sobre sua aliança com Victor Dobyne e Taynara, mesmo pensando que não seria algo tão fácil assim.

— Não comece. – Retruca Ally, bufando. – Vocês sabem muito bem que eu ainda não posso me afastar por completo das minhas obrigações. Além disso, todos possuem suas obrigações no momento. Os únicos que podem ir a Córdia para conversar com o rei Leon Tolstoy somos Austin e eu. Então, estou contando com vocês para cuidar de Krósvia, enquanto estamos longe.

— Não se preocupe, Ally e Austin. Nós não deixaremos que nada de ruim aconteça. – Garante Tyler, sorrindo confiante.

— Obrigado, Tyler. Agora nós precisamos preparar alguns documentos antes de viajar. – Respondo, recebendo o olhar de Ally, que eu sabia que significava que deveríamos nos apressar. – Juliana, nós temos quanto tempo antes de partir?

— Um pouco mais de duas horas. – Responde a espiã, encarando-me com seriedade. – Estou preparando uma comissão de segurança secreta, para que não tenhamos nenhuma surpresa durante a viagem. Também preparei uma equipe de médicos para o caso de emergência.

— Excelente. Por favor, consiga que a parte da equipe médica fique em sigilo. Eles devem se misturar com os seguranças. Não queremos expor a gestação ainda. – Pede Ally e Juliana assente.

— Como quiser. – Fala a garota, levantando-se. – Eu também preciso resolver os últimos detalhes da viagem.

— Quando pretende revelar sobre a sua gestação? Sua barriga já está bem evidente. Não vai conseguir manter isso em segredo por muito tempo. – Comenta Manu, encarando a cunhada com curiosidade, quando Juliana deixa a sala.

— Eu gostaria de esconder o máximo possível. Claro que a notícia de um novo herdeiro a caminho faria a nossa população muito feliz, mas se descobrirem que se trata de uma Gestação Ectópica, temo causar ainda mais pânico na população. – Explica minha esposa, suspirando. – Felizmente, estamos no inverno, então as roupas de frio ajudam a disfarçar a barriga. Acredito que consigo esconder até o próximo mês.

— Vocês já pensaram nos nomes? Tem alguma ideia do sexo? – Questiona Lawrence e posso ver seus olhos cheios de expectativas.

— Ainda não tivemos tempo para pensar sobre isso. Sinceramente, na situação que nos encontramos, a criança nascendo com saúde e Ally tendo um parto tranquilo, eu ficarei realmente feliz. – Respondo, sorrindo para minha esposa.

— Acho que será uma menina. – Fala Ally, pensativa. Em seguida ela dá uma risada fraca e entrelaça seus dedos nos meus. – Mas como Austin disse, eu fico feliz que venha com saúde. Não estamos em posição de sermos muito exigentes.

— A saúde de vocês é o nosso maior desejo também. – Afirma Prince e posso ver em seus olhos o leve desespero por pensar na situação da irmã.

— Vamos ficar bem. – Garante Ally, levantando-se. – Agora vamos, amor? Eu preciso de um banho e ainda quero dormir um pouco antes de irmos, já que não preguei os olhos nenhuma vez essa noite.

— Claro. Vamos lá. – Concordo, levantando-me também.

Como todos estavam ocupados com as suas obrigações, principalmente, porque Ally e eu iremos nos ausentar por cinco dias, acabamos nos despedindo de todos naquele momento. Não sabíamos se teríamos tempo quando fossemos partir. E como Ally disse, precisávamos descansar antes de partir.

A viagem não seria tão longa, mas como sempre, a população sempre se reunia no aeroporto para se despedir de nós quando nos ausentávamos do país. Ainda havia os paparazzis que ficavam em cima de nós e a recepção no local onde chegávamos. Também tinha todo o desgaste das festas de recepção dos líderes dos países que nos recepcionavam.

Sendo sincero, estava um pouco receoso de não conseguir nos encontrar com o antigo membro da Fire Scars em sigilo. Mesmo Ally garantindo que Juliana é extremamente confiável e conseguiria que escapássemos sem problemas dos olhos da mídia, eu ainda tinha medo de algo dar errado.

Não estamos em uma situação boa. Temos tantos problemas para resolver e ainda precisamos ter cuidado com a gravidez de Ally. Minha esposa deveria estar de repouso, mas continua a se envolver em problemas. Também tenho medo dessa mutação da LP acaba afetando a ela e o bebê.

Eu sentia como se uma bomba relógio estivesse em minha cabeça, pronta para explodir a qualquer momento com tamanhas preocupações. Há meses não tenho dormido direito. É como se toda a ansiedade que eu sentia quando estava prestes a ir para a guerra pela primeira vez, voltasse a me assombrar, mas com ainda mais brutalidade.

De fato, estamos prestes a ir para uma guerra. Não era uma novidade para mim. Eu tenho experiência em campo de batalha e em comandar as tropas. Tenho treinado diariamente para confrontos à longa distância e estudado estratégias. Aprendi a como liderar e tenho companheiros confiáveis, que também possuem experiência em lutas.

No entanto, diferente das outras vezes em que tivemos que lutar, dessa vez, minha esposa está grávida e eu tenho um filho pequeno. Também temos uma bactéria que tem enfraquecido a população mundial e destruído o psicológico de todos com as mortes de vidas inocentes. Além disso, estamos enfrentando Taynara e Victor Dobyne, pessoas perigosas o bastante para termos certeza de que não será uma batalha fácil.

É por isso que, mesmo sabendo que talvez esteja esperando demais dessa conversa com Scott Marchard, eu havia decidido acreditar que talvez ele tenha as respostas que precisamos para colocar um ponto final nessa guerra, antes que o pior realmente venha a acontecer.