Colorless escrita por Nekoclair


Capítulo 1
Parte 1


Notas iniciais do capítulo

Primeiramente, parabéns Gin! o/ Sim, este é o seu presente, e eu me pergunto quanto tempo vai demorar até você ficar sabendo dele. Eu na verdade queria que ele ficasse em segredo até chegar a carta na sua casa, mas ao mesmo tempo eu TENHO que postar hoje. u.u
De resto, espero que este texto agrade não somente a minha cara Gin, mas a todos. Eu usei um tema que vejo bastante no tumblr, com algumas adaptações. Espero que gostem.
Boa leitura!



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Era uma manhã como qualquer outra quando o despertador tocou. Como sempre, não me levantei de imediato; era esse o tamanho da minha falta de vontade. Sobre meus ombros pareciam ter dez quilos a mais, que me imploravam para que eu ficasse deitado por mais alguns minutinhos. Mas eu não podia me dar a esse luxo, por isso, com um suspiro, juntei minhas forças e me forcei a sentar na beirada do colchão.

Não foi surpresa descobrir o travesseiro molhado. Não era sempre, mas vez ou outra eu era atormentado em meus sonhos pelo meu passado, de jeito que eu já estava acostumado a acordar nesse tipo de situação. Limpei as laterais do rosto como pude, mas estava ciente de que teria que lavá-lo para me tornar uma pessoa realmente apresentável.

Arrastando os pés durante todo o trajeto, abri a porta do banheiro acoplado ao meu quarto e me posicionei diante à pia. Meu reflexo no espelho parecia cansado, mais do que de costume. Girei a torneira e lavei meu rosto, apesar de saber que isso seria apenas uma solução temporária para o meu problema, considerando o quão ruim estava o meu estado. Eu precisava de um descanso da minha vida.

Sem mais me demorar, caminhei de volta ao quarto a fim de me vestir. Parei diante à escrivaninha, onde eu havia deixado separada a minha roupa na noite anterior, distraindo-me com os tons cinzentos que coloriam os tecidos. Que cores seriam? Ou seriam aquelas mesmas as suas tonalidades? Depois de alguns segundos, porém, balancei a cabeça a fim de me livrar daqueles pensamentos. Eu não tinha tempo para fantasias. A vida era daquele jeito, acinzentada, e ponto. Sem perder sequer mais um minuto, vesti-me e desci as escadas. Quando cheguei na cozinha, encontrei-a vazia, o que já era esperado.

Aproximei-me do fogão e pus a água a ferver. Segui então para a mesa, que organizei com um par de xícaras e alguns talheres. Terminei o café e o coloquei na garrafa térmica. Eu o levava à mesa, junto de algumas bolachas, quando meu pai deu as caras. Seus olhos estavam ainda mais cansados que os meus e seu cabelo totalmente despenteado.

Sem dizer sequer uma palavra, ele se sentou e se serviu do café quente. Aproximei-me e sentei na sua frente.

– Bom dia, pai.

Ele apenas balançou a cabeça, dando-me uma resposta silenciosa, e eu sabia que teria que me contentar com aquilo.

As coisas andavam difíceis desde que minha mãe foi embora e, por mais que negasse, eu sabia que meu pai não estava tão bem quanto dizia estar. No começo, ele xingou e amaldiçoou não só minha mãe, mas toda a sua geração. Por fim, contratou um detetive para descobrir o motivo de sua fuga, o que acabaria por ser o seu maior arrependimento.

Saber que fora trocado por outro foi um choque grande demais, que o levou a infartar e a ir parar no hospital. Depois de três meses internado, enfim retornou há pouco menos de uma semana. Tenho tentando levar as coisas como posso, mas a faculdade não me deixa tempo livre suficiente para cuidar dele e de meus estudos, simultaneamente. Realmente não sei o que vou fazer.

Nunca fui muito próximo de meu pai. Desde minha infância, ele sempre foi alguém que deu mais importância ao trabalho que à própria família, e talvez seja esse um dos motivos de minha mãe ter partido. Porém, eu nunca o odiei por ser tão ausente. Eu entendia suas razões e, inclusive, eu me achava muito parecido a ele nesse aspecto. Antigamente, eu pensava que acabar como ele não seria uma surpresa, mas, recentemente...

Balancei a cabeça, desejando me livrar daqueles pensamentos indesejados. Como se coisas tão sonhadoras como amor verdadeiro e almas gêmeas pudessem realmente existir. Idiotices. Eu tinha a contraprova perfeita bem diante dos meus olhos.

Com os pensamentos assentados, terminei meu café e esperei meu pai terminar o dele. A seguir, apanhei as xícaras e as lavei, deixando-o sossegado enquanto lia o jornal. Subi as escadas e apanhei minha mochila e meu celular, que eu havia deixado carregando. Só me pronunciei novamente quando já me aproximava da porta de casa.

– Estou indo.

O senhor olhou em minha direção e acenou com a cabeça. Com isso, parti para o mundo cinzento que me aguardava.

.

Uma coisa desagradável sobre a natureza humana é a sua necessidade de socializar. Eu não gostava de me envolver com os outros, mas isso não significava que eu apreciava a total solidão. Eu gostava de ter meu espaço pessoal respeitado e, por mais que eu não odiasse sua companhia, Gilbert não parecia entender isso.

– Ei, Rod, você está vendo alguma coisa?

– Que tipo de coisa?

– Você sabe... Alguma coisa diferente... – Ele faz uma breve pausa, com a intenção de causar suspense. – Cores, ou algo assim!

Com um suspiro, o afasto de mim, não aguentando mais o seu peso sobre o meu ombro. Estávamos sentados lado a lado no jardim da faculdade, esperando que desse o horário da próxima aula.

– Eu já te disse que você tem a pessoa errada, Gilbert.

Ele nada disse por alguns instantes, mas então senti suas mãos me jogando no chão. Por um momento, me preocupei com a terra e a grama que sujavam minha roupa, mas logo vi que eu tinha outras coisas para me preocupar. Os olhos de Gilbert pareciam prontos para me devorar.

– Você realmente acha que eu me enganaria sobre algo assim? Eu esperei muito tempo por isso, por você. Eu tenho certeza de que você é a minha alma gêmea!

Aquelas palavras mexeram comigo, deixando-me sem jeito. Virei o rosto, não mais aguentando o encarar. Sua teimosia me incomodava e me deixava desconcertado.

– Não há cores, Gil! – Insisti, por fim.

– Tenho certeza de que há motivo para isso! – Foi a sua réplica.

– Por que você tem tanta certeza de que sou eu?!

– Porque sim! – Seus olhos pareciam mais do que determinados, eles mostravam uma certeza cuja origem eu desconhecia. – No momento que te vi percebi que nascemos para ficarmos juntos!

A confiança presente em suas palavras me intrigava. Era incômoda.

– Você fala e fala sobre sermos almas gêmeas, mas você sequer sabe o que isso implica?! – Irritei-me, por fim, não mais aguentando a sua atitude de sabe-tudo.

– Significa que eu te amo, Roderich!

E pronto. Ali estava a sua resposta.

Com meus olhos presos aos seus, cinza no cinza, senti meu corpo ser tomado por um calor que eu nunca havia sentido. Enfurecido, livrei-me de seu aperto e me pus em pé. Sem olhar novamente para o garoto de cabelos claros, afastei-me para o mais longe que pude, ignorando seus chamados. Não demorou até que ele começasse a me seguir.

– Ei, Rod, espera…

– Me deixa em paz! – Dei um tapa na mão cuja intenção era me segurar o braço.

Um tanto estupefato com minha reação violenta, ele não mais tentou me seguir, o que muito agradeci. Eu realmente precisava ficar a sós por um momento; eu precisava me acalmar. Não desejando ser visto naquele estado, refugiei-me no banheiro até que eu retomasse o controle das emoções que deveriam ser minhas, mas que cada vez mais estavam sob o controle de Gilbert.

Droga.

.

Tudo começou no primeiro dia de aula; foi um daqueles dias.

Acordei no meio da madrugada com o travesseiro ensopado, o sonho ainda latejando em minha cabeça e as memórias mais nítidas do que nunca. Os gritos, os xingamentos, as palavras grosseiras… A realidade e o detalhismo sempre me faziam questionar se realmente fazia tanto tempo assim que minha mãe partira. Às vezes, eu me perguntava se eu não estaria confundindo as coisas e que talvez fosse mesmo um acontecimento fantasioso; mas então eu me lembrava de meu pai deitado na cama do hospital, entubado e enfraquecido, e percebia o quão estúpido eu estava sendo por pensar daquele jeito.

Eu sempre soube que não havia amor na relação de meus pais. Foi um casamento arranjado pelos meus avós – que nunca mais vi, diga-se de passagem – e tudo que os unia era a situação financeiramente estável que tinham juntos. Aquilo, porém, não foi suficiente para impedir minha mãe de cometer a maior heresia condenada por aquela casa: se apaixonar.

Apesar de toda a falsidade, eu nunca a odiei e, sinceramente, apesar do ambiente familiar não ser dos melhores, ele também não era dos piores. Ela sempre se esforçava para que as coisas não ficassem por demais desconfortáveis, e fazia tudo que podia para ser a melhor esposa possível. Ela tentava compensar a ausência de meu pai e trabalhava duro todos os dias. Porém, nunca consegui perdoá-la pela traição. A ideia dela ter caído de amores por alguém também me parecia hipócrita, considerando sua resposta à minha inocente pergunta, muitos anos antes:

– Escute, Roderich, essa coisa de alma gêmea não existe. É apenas uma tolice que a sociedade insiste em acreditar. Assim como o amor. Não importa o que lhe digam, apenas tolos acreditam nesse tipo de idiotice, entendeu?

Quem é o tolo agora, mamãe?

Por causa de tudo isso, condenei o amor. Decidi que ele era um sentimento por demais problemático e decidi jamais aceitar a sua existência. Eu nunca me incomodei com a vida acizentada que eu levava mesmo. Quem precisava de cores, quando eu podia ter uma vida equilibrada e a cabeça no lugar?

O problema é que almas gêmeas implicam em duas pessoas, e que não necessariamente compartilham do mesmo tipo de pensamento. E foi mais tarde naquele dia que conheci aquele que se intitulava meu par.

– Sou Gilbert, e tenho certeza de que você é a pessoa que esperei a vida inteira para conhecer.

Suas palavras foram tão inesperadas quanto a sua aproximação. Entretanto, por um momento, pensei não ter sido aquela a primeira vez que eu havia ouvido seu nome. E apesar de eu ter certeza de que era a primeira vez que nos encontrávamos, eu tinha a leve sensação de que ele não me era um total desconhecido. Todavia, eu não tinha tempo sequer para cogitar aquela situação, por isso, disse que ele estava enganado e o deixei falando sozinho. Mas Gilbert era insistente e, antes que eu desse por mim, sua presença ao meu lado, ou me seguindo pelos corredores, tornou-se comum.

O problema começou aí.

Gilbert nunca parou com sua insistência. Repetia e repetia, sempre, todo dia, as mesmas palavras: “Rod, está vendo alguma coisa?”, ou então, “Tenho certeza de que é você.”. Ele me falava sobre cores e de como não podia esperar para ver mais tonalidades do que aquelas que – palavras dele – eram totalmente sem graça. Ele me contava as histórias que sua avó o havia contado quando ele era pequeno, sobre como ela e o seu avô haviam se apaixonado da maneira mais bizarra possível e como fora a melhor coisa que aconteceu em sua vida.

Suas palavras saíam tão entusiasmadas de seus lábios e seus olhos brilhavam tanto quando ele falava desse tipo de coisa que eu não podia deixar de pensar que talvez Gilbert tivesse alguma razão. E então eu percebia o que eu estava pensando e o ignorava por um ou dois dias para por a cabeça no lugar. Porque eu não tinha direito de sequer pensar daquela maneira, afinal eu havia condenado o amor como uma desgraça. Tudo que me restava era sentir ciúmes daquelas experiências e considerá-las uma exceção à regra.

Mas até quando eu conseguiria fazer isso?

.

– Ei, Rod, você está aqui?

A voz de Gilbert ecoou nas paredes do banheiro, trazendo-me de volta à realidade. Seu tom preocupado quase me convenceu a me revelar, mas eu realmente não queria vê-lo naquele instante. Algo muito estranho estava acontecendo comigo e eu sentia que, naquele momento, o que eu precisava era ficar um pouco sozinho.

– Vamos, eu sei que você está aí – ele bateu duas vezes contra a superfície de madeira que nos separava. – Você devia pensar em esconderijos novos se realmente não quer ser encontrado. Um menos infantil seria uma boa, só dizendo. Não acha que esta meio velho pra chorar no banheiro?

– Não estou chorando – repliquei, irritado. – E quero ficar sozinho. Vá embora.

– Não quer não. Abre essa porta.

Fiquei em silêncio.

– Eu prometo que não vou falar mais nada, então abre essa porta. – Ele bateu com mais força contra a porta. – Roderich!

Por algum motivo, obedeci. As feições de Gilbert, que inicialmente foram de surpresa, logo se tornaram preocupadas. Ele deu um passo para frente e trouxe minha cabeça para seu peito. De princípio, não esbocei qualquer reação, simplesmente por não entender exatamente o que estava acontecendo. Porém, pouco demorou até que eu começasse a me debater.

– Gil, me solta! – Apesar de todo meu esforço, ele se negava a me soltar.

– Até parece que eu vou te soltar! Você tem noção da cara de choro que você tem, agora? Quem você acha que eu sou?

Suas palavras me causaram surpresa, mas pareciam ser justamente o que eu precisava. Antes que eu desse por mim, já havia aceitado que não conseguiria fugir do seu aperto. Acomodei-me melhor e, ao ver que eu não mais queria me libertar, seus braços me apertaram com ainda mais força. Sua cabeça se apoiou no topo da minha, o que era incômodo e agradável, simultaneamente. O que diabos eu estava fazendo?

– A aula – mas ele me interrompeu antes que eu pudesse seguir com minhas palavras.

– Quem se importa com a aula?! Chega de aula por hoje pra você.

– Mas – ele tornou a me interromper.

– Você acha que vou deixar alguém te ver nessa situação lamentável?!

Silenciei-me. De tão perto, era impossível não sentir o cheiro do seu perfume; era doce. Uma escolha estranha, pensei, considerando a sua personalidade animada e um tanto egocêntrica. Senti-me sorrir de leve, mas, quando dei conta do que fazia, impus espaço entre nós, imediatamente. Minha face queimava de um jeito que não me agradava; o sentimento era pior que o de uma febre.

Estava cada vez mais claro que as coisas não podiam continuar do jeito que estavam.

– Vamos para outro lugar – eu disse, sem mais delongas.

Gilbert, que ainda parecia tentar entender o que havia acontecido, encarou-me confuso. Depois de alguns segundos, interpretei seu silêncio como um pedido para uma explicação.

– Precisamos conversar.

– Okay. – Ele acenou que sim com a cabeça e nada mais disse.

Ele segurou minha mão e me conduziu pelos corredores. O sinal tocou, fazendo Gilbert acelerar seus passos, desejando nos tirar do meio daquela multidão o mais rápido possível. Pouco depois já estávamos de volta ao jardim, sentados junto de uma árvore um pouco distante dos bancos. Ambos permanecemos em silêncio, talvez por nenhum de nós saber bem como iniciar aquele assunto tão delicado.

Acima de nossas cabeças, o céu jazia cinza. Sob nossos pés, o gramado acizentado estendia-se até colidir com o concreto. As pessoas conversando, os pássaros cantarolando, os insetos rastejando pelo chão... Algumas coisas mais claras, outras mais escuras, mas inevitavelmente todas pertencentes a um mesmo espectro de cor. Era uma visão à qual eu já estava acostumado, afinal as coisas eram assim desde minhas lembranças mais antigas. Mas, por algum motivo, eu sentia falta das tais cores.

Mas como posso sentir falta de algo que nunca conheci? Isso me incomodava.

Suspirei e me rencostei na árvore. Fechei os olhos e respirei fundo, sentindo meu peito estufar-se de ar, e depois se esvaziar lentamente. Quando olhei novamente para o céu, encontrei nada além de trevas.

– Meu neto.

Sobressaltei-me, percebendo então que estava sentado no colo de uma senhora de cabelos muito claros. Sua cadeira rangia e produzia o único som agora audível no local; o canto dos pássaros e o murmúrio das conversas haviam desaparecido por completo.

– Meu neto – ela chamou, novamente. Ela tinha um sorriso delicado desenhado nos lábios.

Por algum motivo, respondi.

– Sim? – Estranhei minha própria voz.

De repente, as peças foram se juntando.

A súbita mudança nos meus arredores. A mulher que, fosse quem fosse, certamente não era minha avó. O fato de eu me sentir na pele de outro; provavelmente, ou melhor, certamente eu era esse tal neto... Tudo não passava de um sonho, e por não ser real não necessariamente as coisas tinham que fazer sentido; porque realmente não faziam.

Mas qual o ponto de sonhar com pessoas que você sequer conhece?

Em meio à toda aquela situação confusa, a minha única certeza era nunca ter conhecido alguém com um olhar tão gentil e com uma voz carregada de maior carinho do que essa senhora. Sua presença era reconfortante e eu não me importaria de passar mais algumas horas no calor dos seus braços. De resto, eu ficava mais confuso a cada segundo.

Quando ela voltou a se pronunciar, porém, deixei minha confusão de lado para me focar cem por cento nas palavras que ela me transmitia.

– Sei que as coisas devem estar difíceis, mas elas vão melhorar. Quando algo nos é tirado, certamente receberemos algo em troca, um dia. Então não chore. – Ela passou os dedos por debaixo de meus olhos, limpando as lágrimas que ali se acumulavam.

Surpreendi-me ao ver que eu chorava. Desde quando? Por quê? A única coisa que eu sabia era que, agora que tinha conhecimento de meu próprio choro, meu peito se apertava com um sofrimento que eu desconhecia a origem. Novamente, eu não entendia o que acontecia. Aquele era um sonho muito confuso, e que fazia eu me sentir muito, muito triste.

– Um dia, você vai encontrar a sua outra metade, a sua alma gêmea, e você e essa pessoa vão se amar e serão felizes juntas.

Por alguns segundos, limitei-me a encarar a velha senhora. Eu me sentia conflituado, razão e emoção batendo de frente no meu subconsciente. A pergunta, porém, saiu automática, como se não dependesse de mim.

– Como vou saber que é a pessoa certa?

Ela levou a mão aos meus cabelos e os afagou, enquanto ria brevemente.

– Você vai saber.

– Mas como? – Insisti, numa teimosia que me era estranha.

– Cores.

– Cores?

– Sim.

– Como assim?

– Bem... Como explicar... – Ela permaneceu pensativa por um tempo. – Certo. É o seguinte: o mundo tem muito mais tonalidades do que as que você enxerga. Há o vermelho, o rosa, o azul... As coisas não são todas pretas, brancas ou os trinta e quatro tons de cinza que seus olhos te mostram.

– Ainda não entendi.

Ela bagunça ainda mais os fios de meu cabelo, mas sem dizer qualquer outra palavra que pudesse aliviar minhas dúvidas sobre essas tais cores.

– Quando acontecer você vai entender, Gilbert.

Pisquei duas vezes, duvidando dos meus ouvidos.

– Gilbert?

.

– Roderich?

Abri os olhos de uma vez e a claridade foi a primeira a me dar boas vindas. Meus olhos se fecharam por um momento, não aguentando tamanha luminosidade. O segundo a me cumprimentar foi Gilbert.

– Roderich? – Ele chamou novamente e só então eu percebi que era comigo que ele falava.

– Sim?

Ele franziu as sobrancelhas.

– Tudo bem? Você meio que dormiu e eu não quis te acordar, mas de repente você começou a falar e eu fiquei preocupado que estivesse tendo um pesadelo. Você não acordava de jeito nenhum.

– Eu estava falando? – Perguntei, em meio a um suspiro. Espreguicei-me, meu corpo reclamando da má postura.

– Bem, sim.

Olhei para ele e ele virou o rosto. Gilbert parecia incomodado e seu rosto não me parecia estar na tonalidade de sempre. Levei minha mão ao seu rosto, mas o que descobri não foi o início de uma gripe. Dei uma breve risada.

– Você esta envergonhado de alguma coisa? Qual o problema?

A falta de uma resposta, porém, fez crescer em mim uma suspeita, que ocasionou numa raiva que não consegui conter.

– Espera! Gilbert, o que você fez?! Não me diga que você fez alguma coisa enquanto eu dormia!

– O quê?! – Ele me encarou com clara indignação. – Eu não sou esse tipo de pessoa! Eu nunca te atacaria enquanto dorme!

– Você acha que eu não sei o quanto você quer me beijar?

Antes que eu sequer desse conta do que estava acontecendo, Gilbert me encurralou contra a árvore, seus braços esticados um de cada lado de meu corpo. Seus olhos pareciam intrigados, e seu rosto estava dentro da minha área de conforto.

– Eu quero fazer coisas muito além de te beijar, idiota. Eu te amo, afinal de contas.

Inevitavelmente, estremeci perante sua confissão. Eu sentia o calor em minha face aumentar e não consegui evitar de levar minhas mãos ao local onde meu coração batia acelerado. Gilbert, em contrapartida, apenas suspirou, descrente, e voltou a relaxar. Ele se afastou.

– Dá para parar com esse comportamento de donzela? Esta está longe de ter sido a primeira vez que te digo dos meus sentimentos.

– M-Mas – eu desejava o contestar, mas as palavras simplesmente não vinham. E quando ele voltou a se pronunciar, a minha situação só piorou.

– E se você não quer que eu fique embaraçado, simplesmente não chame pelo meu nome enquanto dorme.

Eu me via sem alternativa além de olhar para as minhas mãos, que se mantinham inquietas sobre meu colo. Eu me sentia horrível e motivos haviam de sobra. Sobretudo, eu não acreditada no que ele dizia; não conseguia. Entretando, minha face queimava ainda assim.

Gilbert se limitava a me observar, calado. Depois de alguns instantes, ele soltou um suspiro exagerado, a fim de me chamar a atenção. Subi os olhos para encontrar os seus, ainda incerto sobre que expressões eu deveria apresentar.

– Escuta, eu não fiz nada. Eu realmente não fiz nada. Não sei que visão você tem de mim, mas eu não sou esse tipo de pessoa. Então – Gilbert se silenciou por um momento, e eu podia ver claramente o seu nervosismo – abra bem os seus olhos e veja quem eu realmente sou, e depois se apaixone por mim.

Sinto que esqueci de respirar por um momento, pois de repente me vi sem ar. Eu sentia os dedos das minhas mãos se mexerem, acariciando a grama cinzenta que cobria o chão. Meu olhar continuava grudado ao seu, mas isso era apenas porque eu não conseguia separá-los.

A minha sensação era de ter um dicionário inteiro entalado em minha garganta. Por fim, cuspi o que me veio primeiro à mente.

– Não posso. Amor, almas gêmeas… Eu não acredito. Não existe. Não pode existir. Os meus pais... Então, eu…

Ele ouvia atentamente cada uma de minhas palavras, mesmo que elas não fizessem tanto sentido quanto eu gostaria. Ele me deixou falar até que elas se esgotassem. Depois disso, Gilbert se aproximou e se sentou ao meu lado. A distância entre nós era agradável, pois não era nem pouca, nem muita. Estremeci ao sentir sua mão envolver a minha, mas a deixei ficar; seu calor não era de todo ruim.

– Sabe, os meus pais morreram quando eu era bem pequeno, num acidente de carro, por isso, eu não tenho lembrança nenhuma deles. Não sei se eles eram felizes ou não. Não sei se eles se amavam. Tudo que posso fazer é acreditar nas palavras de minha avó, e ela sempre me disse que éramos uma família muito alegre. Não vou dizer que acredito fielmente em tudo que ela me diz, pois algumas coisas simplesmente soam perfeitas demais, mas eu prefiro dar uma chance a essa realidade otimista do que viver com um pé atrás.

– Gil…

– Sei que não posso te fazer ver o mundo da mesma forma que vejo, mas eu gostaria que você pensasse um pouco nas coisas que eu te disse. Quero que pense sobre o significado do amor e, sobretudo, sobre nós.

Sem dizer sequer mais uma palavra, Gil se levantou. Limitei-me a vê-lo acenar e partir. Suas costas ficavam cada vez mais distantes e pouco demorou até que ele sumisse naquele mundo cinza que, de repente, me parecia tão exorbitantemente grande.

Fui para casa, apesar do Sol ainda estar longe de alcançar o horizonte. Quando adentrei porta adentro, fui recebido pelo olhar surpreso de meu pai, que até então lia um livro sentado no sofá da sala. Ele certamente não me esperava ver tão cedo, e tampouco eu havia planejado chegar àquela hora. Ficamos numa silenciosa troca de olhares, eu de repente bem preocupado que ele fosse se irritar com o fato de que estava obviamente matando aula. Todavia, o que se seguiu foi bem diferente do que eu imaginava.

– Aconteceu alguma coisa?

Minhas sobrancelhas se arquearam, surpresas. Eu estava ciente do quão incoerente era a minha reação, mas não pude evitá-la por ter sido pego desprevenido. Era estranho ver meu pai se preocupar comigo, uma vez na vida. Não que não fizesse sentido; eu era seu único filho e também tudo o que restou de sua família, afinal. Ainda assim, não deixava de ser estranho.

– Roderich?

Pisquei duas vezes, percebendo então que eu havia me perdido nos meus pensamentos. De volta à realidade e sob a mira de seus olhos, me vi obrigado a dar uma resposta. O problema era: O que responder?

– Eu não estava me sentindo muito bem. Achei melhor vir para casa descansar.

Meu pai inclinou um pouco a cabeça, suas feições pensativas. Já que mentir não era meu forte, eu me perguntava se ele havia visto através da minha mentira. Minhas mãos tremiam um tanto e, a fim de as esconder, levei-as às minhas costas.

– Você realmente não me parece muito bem. Vá se deitar que eu vou buscar o termômetro.

– Não é necessário! – Eu disse, imediatamente, mas logo percebendo que eu havia cometido um erro.

O senhor cruzou os braços e franziu as sobrancelhas. Ele se levantou e eu tive que me segurar para não recuar em resposta. Ele parou a poucos passos de mim.

– Roderich, tem alguma coisa que você gostaria de me dizer?

– Não. Não aconteceu nada.

– Certeza?

Fiquei em silêncio.

– Estava preocupado com você e – mas ele logo me interrompeu.

– Rod! Apenas diga de uma vez!

Meu corpo todo estremeceu e minha boca secou. Por maior que fosse a minha vontade de dizer qualquer coisa que fosse, nenhuma palavra saia de meus lábios. Não demorou até que eu começasse a soluçar, lágrimas mornar fugindo dos meus olhos. Cobri meu rosto com as mãos, apesar de saber que isso não adiantava em nada. Eu tinha que sair dali. Eu não podia fazer isso com ele. Entretanto, meus pés haviam criado raízes e se fixado ao chão.

Para a minha surpresa, o que recebi não foi um tapa na cara ou alguma agressão do tipo. Os seus braços circundaram o meu corpo e me trouxeram para perto de si. Era estranho ser abraçado por meu pai depois de tanto tempo e ver que eu já havia alcançado a sua altura. Realmente faziam anos, muitos anos…

– Desculpe – foi tudo que pude dizer, por entre soluços. O choro não parava.

– Tudo bem. Não é sua culpa.

– Eu não queria. Juro que não queria.

Ele se afastou um pouco e me segurou pelos ombros. Seus olhos acinzentados tinham um brilho determinado e as suas expressões estavam sérias.

– Não, Rod, escuta, eu quero que você me faça um favor. É importante, okay?

Tudo que pude fazer foi anuir a cabeça, de repente bastante nervoso. Meu pai nunca havia me pedido algo até então.

– Eu quero que você vá até essa garota e seja sincera com ela.

– Hum?

– Não a deixe escapar, okay? Não cometa o mesmo erro que eu.

Encarei ele por alguns instantes, meus lábios entreabertos enquanto eu repetia suas palavras em minha cabeça várias e várias vezes.

– Você não está falando da minha mãe, está?

Foi quando suas mãos me soltaram que percebi que estava certo em meu palpite. Sem querer apressá-lo, esperei até que ele voltasse a se pronunciar, o que demorou quase um minuto inteiro. Ele suspirou fundo antes de começar.

– Sim. Ela era uma vizinha, amiga de infância e colega de classe. Eu amava muito ela.

– Mas, então a mamãe… – Dei uma breve pausa, sentindo a raiva crescer em mim. – Você traiu a minha mãe?!

– Claro que não!

– Então é por isso que ela foi embora! Como pode? Como teve coragem? Você – ele, porém, me interrompeu com um puxão na gola da minha camisa. Ele estava bastante exasperado.

– Roderich, me escuta! Ela – ele deu uma breve pausa, suas feições se contraindo numa dor que eu não via a origem – ela morreu. Nós tínhamos dez anos, nem isso.

O senhor respirou fundo e deu dois passos para trás. Ele levou a mão ao peito e olhou para o chão, e então de volta para mim. Eu não sabia o que dizer depois daquela revelação.

– Rod...

– Desculpa.

– Roderich…

– Eu não sabia – desculpei-me, novamente, sentindo-me envergonhado pelas minhas acusações. Eu sequer conseguia mais olhar em seu rosto.

– Roderich, pelo amor de Deus, chame uma ambulância!

Dito isso, meu pai deu mais alguns passos para trás e se sentou na poltrona. Ele estava suando e sua mão apertava com força o tecido da sua camisa social. Demorei alguns segundos para reagir, enfim percebendo o que estava acontecendo.

– Meu Deus. O telefone.

Sem perder mais tempo, abri minha mochila e apanhei o celular. Disquei o número da emergência e expliquei o que estava acontecendo. Depois de dar o endereço e de receber algumas informações, aproximei-me do senhor que não parecia nada bem. Peguei um lenço e comecei a limpar o suor gelado que se acumulava cada vez mais em seu corpo.

– Vai ficar tudo bem. Eles já estão a caminho.

Meu pai apenas anuiu e recostou a cabeça contra a poltrona, sua respiração pesada. Pouco depois a ambulância chegou e os paramédicos o levaram, deixando-me para trás para pegar os documentos necessários. O zumbido da sirene se negou a cessar mesmo quando o carro já estava longe.

Depois de juntar todos os papéis que eu julgava minimamente importantes, tranquei a porta e me adiantei até uma via movimentada algumas quadras distante de minha casa. Entrei num taxi e informei o destino ao motorista, que se apressou em pisar no acelerador. Apoiei nas costas do banco, que eu desejava que não fosse tão desconfortável. Nada daquilo estava me ajudando a relaxar.

Trazendo o celular à mão, passeei pelos meus contatos até alcançar o nome que não me saia da cabeça. Eu me perguntava se Gilbert estava em aula. Ou teria ele ido para casa? Apertei o aparelho com mais força, espremendo-o entre meus dedos. Quanta hipocrisia seria eu dizer que queria vê-lo, agora?

Fechei os olhos e respirei fundo, decidindo que agora não era o melhor momento para me preocupar com esse tipo de coisa. Eu precisava dele, era simples assim. Sem mais pestanejar, mandei uma mensagem, curta e sincera.

Eu provavelmente me arrependeria depois, mas… Quem nunca?

.

O hospital era uma ambiente consideravelmente familiar à minha pessoa; foram, afinal, meses e meses de visitas praticamente diárias. Eu apenas não pensava voltar tão cedo.

Sentado em uma cadeira na sala de esperas, eu evitava olhar para as atendentes. Era desconfortável e eu queria que elas parassem de me encarar, sinceramente. O que eu menos precisava era de seus olhares de pena. Isso não melhorava nem um pouco o meu humor.

A fim de evitar qualquer contato visual, eu analisava as paredes ao meu redor, que eu conhecia tão bem quanto as linhas presentes nas palmas das minhas mãos. Não é que eu tivesse prazer em observá-las, mas era melhor do que olhar para o chão. E tudo era tão branco que eu não podia evitar de me acalmar, mesmo que somente um pouco. Tonalidades claras me acalmavam desde sempre. Imediatamente me lembrei da figura pálida de Gilbert, e de como a tonalidade de seus cabelos lembrava a das paredes daquele hospital.

Serão a mesma cor?

Balancei a cabeça ao ver os pensamentos que me invadiam a cabeça. Não era hora para isso. Olhei para o aparelho celular que ainda estava sendo esmagado pelas minhas mãos. Ele ainda não havia me respondindo… Abaixei a cabeça e suspirei, cansado e um tanto decepcionado.

– Senhor Edelstein?

Levantei ao ouvir meu sobrenome e me encaminhei ao médico que me aguardava junto à porta que levava à parte interior da UTI. Ele segurava uma folha sulfite, que me entregou assim que teve a oportunidade.

– Aqui estão alguns cuidados que você terá que ter com seu pai a partir de hoje. E troquei a medicação para ter certeza que não haverão mais problemas.

– Certo… – Subi o olhar da folha para o médico – E como ele está? Quando poderá voltar para casa?

– Ele está bem. O atendimento foi feito em tempo, o que ajudou bastante. Você não tem que se preocupar. E ele deve receber alta em uma semana, mais ou menos – o médico concluiu.

Tudo que pude fazer foi sorrir aliviado.

– Eu – dei uma pequena pausa – vou poder vê-lo hoje, ou?...

– Desculpe, mas acho melhor deixá-lo descansar. Mas amanhã você está livre para vir e fazê-lo companhia o dia inteiro.

– Certo.

Apesar de um tanto decepcionado, dei meia volta e encaminhei-me para fora do hospital. Eu já atravessava a porta quando vim de encontro a Gilbert, sua respiração acelerada como a de alguém que havia corrido muitos quarteirões de distância. Quando me viu, envolveu-me imediatamente por seus braços, sem se importar se aquele era o melhor lugar para aquele tipo de demonstração de afeto.

– Ei, Gil! – Eu já ia começar com meus protestos quando ele me apertou com mais força, e então eu vi que era melhor deixar ele falar primeiro.

– “Preciso muito te ver agora. Estou no hospital.” – ele disse, o ritmo da sua respiração ainda não totalmente em ordem. – Por que diabos você me mandou uma mensagem dessa?! Eu pensei que tinha acontecido alguma coisa com você! Você tem noção do quão preocupado em fiquei?

Só então percebendo o motivo de tudo aquilo, não pude evitar de me sentir culpado e gaguejar, as letras se embaralhando em minha boca e formando palavras desconexas. Porém, Gilbert logo voltou a se pronunciar, livrando-me do problema da mensagem de conteúdo insuficiente.

– Mas isso ainda não quer dizer que esteja tudo bem – ele se afastou e me segurou pelos ombros, as suas expressões sérias e seus olhos grudados aos meus. – Foi o seu pai, não é? Como ele está?

Olhei para o chão e suspirei, todo o meu cansado vindo à tona naquele momento. Segurei-o pela mão e o conduzi para fora do prédio, pois estávamos começando a chamar atenção e eu definitivamente não queria fofocas sendo ditas pelas minhas costas, pelo menos não no próximo mês. Gilbert me seguiu, apesar de um tanto incerto sobre ser aquela a coisa certa a se fazer.

– Ei, Rod, tudo bem mesmo simplesmente ir embora?

– Ele está descansando. O médico me disse para voltar amanhã.

– Ei, – Gilbert apertou minha mão, que ainda não havia soltado a dele, e apressou seus passos para caminhar ao meu lado – eu posso vir com você?

Parei imediatamente, e ele me imitou. Olhando para seus olhos, não era difícil ver a sua determinação. Ele havia se decidido, e eu duvidava ser capaz de o fazer mudar de ideia. Ainda assim, eu temia os seus motivos, por isso, achei melhor perguntar:

– Por quê?

Ele levantou suas sobrancelhas, como se não entendesse o motivo daquela pergunta.

– Para ver se ele está bem, é claro!

– Mas vocês nem se conhecem.

– É uma ótima oportunidade, então, – ele abriu um sorriso provocativo – para conhecer o sogrão.

Apesar de sentir minha face quente e meu coração acelerado por aquelas palavras, suspirei o mais dramaticamente que eu pude e balancei a cabeça em reprovação.

– Não seja tolo.

Mas tudo que consegui do outro foi uma risada espalhafatosa. Descontente com aquela provocação, decidi interromper o contato que nossas mãos ainda mantinham, mas Gil frustrou meus planos apertando a minha com força, em uma atitude de rebeldia. Ele então voltou a andar, arrastando-me junto; foi por pouco que não tropecei em meus próprios pés.

– Gil, espere! – Pedi, mas ele sequer me olhou por cima dos ombros enquanto nos guiava pelo caminho que levava à minha casa.

Vendo que eu havia sido deixado sem opção, simplesmente continuei a caminhar, sua mão me puxando e eu por pouco acompanhando seus passos. Ele bem que podia andar mais devagar… Mas eu muito duvidava que uma reclamação fosse sequer ser levada em consideração, por isso, deixei que meu olhar caísse ao chão e prossegui em silêncio.

Todavia, o chão se tornava uma visão entediante depois de certo tempo, de forma que pouco demorou até que minha atenção subisse por suas pernas e pousasse em suas costas, que me pareciam mais largas do que eu me lembrava. Sua camiseta era de uma tonalidade clara e acompanhava as linhas de seu corpo, as quais eu me via acompanhar com os olhos, até alcançar sua nuca e então tornar a descer. O físico de Gilbert podia não ser o de um atleta, mas certamente ele tinha bem mais músculos do que eu – que certamente estava precisando ganhar alguns quilos. Voltei a olhar para o chão, de repente bem desconfortável com o fato de eu tê-lo “secado” daquela maneira. Eu começava a duvidar do meu próprio autocontrole…

– É ali, não é?

– O quê? – Levantei os olhos, logo encontrando os seus.

Pisquei algumas vezes, confuso, e então olhei ao meu redor. Estávamos parados na minha rua e ele apontava para uma casa um pouco abaixo da minha. Finalmente entendendo o que se passava, foi minha a vez de nos guiar até a casa correta. Enfiei a mão livre no bolso e apanhei a chave, que enfiei na fechadura a fim de destrancá-la. Virei de jeito a estar novamente frente a frente com o garoto que me acompanhava. De repente, me vi incapaz de ignorar as mãos que permaneciam unidas, mas optei por não falar nada; não é como se fosse desagradável, apenas um tanto constrangedor.

– Você quer entrar um pouco? – Perguntei, por fim, mais pela etiqueta do que pela minha própria vontade. Não sei se eu estava em condições de recebê-lo, não quando eu estava tão consciente de sua presença.

Ele não respondeu de imediato, parecia um tanto indeciso sobre o que dizer.

– Não acho que seja uma boa ideia… – Ele coçou a cabeça e recusou, finalmente. Não foi difícil entender o significado daquela resposta.

– Idiota! Você por acaso só pensa nessas coisas indecentes?! – Mas no meio da minha reclamação a minha irritação já havia sido substituída por constrangimento. Eu mentiria se dissesse que tais pensamentos também não passearam pela minha mente; mas eu nunca admitiria isso, obviamente.

Não conseguindo disfarçar o embaraço, olhei para os meus pés, desejando, mais que tudo, que eu tivesse as minhas emoções de volta sob meu controle. Entretanto, ao notar uma sombra se aproximar, voltei a olhar para cima, e o que encontrei foi Gilbert perto, extremamente perto. Ele me beijou. Foram os três segundos mais longos que já presenciei e, mesmo depois dele se afastar, a sensação dos seus lábios permaneceu nos meus; eles eram quentes e… nada de especiais. Foi estranho, na verdade. Bem diferente do que eu imaginava que fosse. Mas, ainda assim, foi suficiente para que meu coração acelerasse a mil e espancasse meu peito com uma força que nunca antes eu havia sentido.

– Não vou me desculpar. – Dito isso, ele fez menção de se afastar. Foi quando ele largou minha mão que segurei a sua, com as minhas duas. Olhei em seus olhos, de repente sem dúvidas.

– Gil, eu – mas ele me interrompeu com outro beijo. Desta vez, um mais longo. Ele levou sua mão para detrás de meu pescoço e eu me vi perguntar sobre onde eu deveria então levar as minhas. Entretanto, ele se afastou antes que eu tivesse tempo de fazer qualquer coisa.

– Se você ficar me dando tantas oportunidades eu posso acabar indo mais longe do que você gostaria.

– Escuta, eu preciso falar uma coisa.

– Não, você não precisa – ele disse e naquele momento eu vi toda a minha audácia ser abalada.

– Mas!... – eu ia protestar, mas novamente não deu tempo, pois ele me interrompeu; dessa vez com palavras, somente.

– Quando o seu pai sai do hospital?

Eu não disse nada por alguns segundos, mas logo vi que era melhor simplesmente respondê-lo.

– Em uma semana.

– Então no último dia você pode contar com a minha presença para ajudar vocês com tudo que for necessário. – Eu fiz menção de me pronunciar, mas ele levantou uma das mãos em um pedido silencioso para que eu deixasse ele continuar. – Quero que se preocupe somente com seu pai agora.

Abaixei a cabeça e enfim soltei sua mão, reconhecendo que seu pedido tinha lógica. Na verdade, não tinha nem porque ser diferente. Mas, ainda assim… Gilbert deve ter entendido os conflitos que eu tinha em mim, pois afagou meus cabelos e sorriu um daqueles seus sorrisos cheios de provocações.

– Você sempre pode compensar essa semana com uma vida de declarações.

E dito isso ele partiu.

Não falei mais com Gilbert naquela semana. Fosse nos corredores ou na própria sala de aula, nenhuma palavra foi trocada. Quando nossos caminhos se cruzavam, ele se limitava a me oferecer um sorriso antes de desaparecer atrás de alguma parede. Não foi a melhor das experiências, mas foi tudo que eu precisava para por meus sentimentos em ordem e perceber uma coisa: O mundo era cinza, e nunca isso me incomodara tanto.

Não há cores, Gil. Por quê?

.

Na sexta-feira acordei cedo, como de costume. A manhã seguia monótona e, como em toda aquela semana, eu sentia que havia voltado no tempo. Era estranho voltar a ser o único morador daquela residência, que nunca me pareceu tão fria. Era solitário. Depois de tomar uma xícara de café e comer um pedaço de pão com manteiga, apanhei minha mochila e me apressei porta afora. Aquele era o dia em que meu pai receberia alta, enfim.

Ignorando totalmente o fato de ser dia de semana, parti em direção ao Hospital. Eu nunca gostei da ideia de faltar nas aulas, pois isso só trazia problemas, mas se tinha uma coisa que eu tinha certeza era que ainda era cedo demais para Gilbert e meu pai se conhecerem, e, já familiar com a teimosia do meu colega de turma, eu sabia muito bem que nada que eu dissesse o faria voltar atrás na sua decisão. Eu não tinha dúvidas que ele já estava a minha espera no portão da faculdade...

Ou era isso que eu pensava.

– Gilbert, o que está fazendo aqui? – Não faltou surpresa nem em minhas palavras, nem nas expressões que imediatamente tomaram meu rosto quando bati os olhos no familiar vulto cinzento.

Caminhei mais rápido até alcançar a porta do hospital onde o garoto me aguardava. Ele se mantinha parado, apenas acenando e sorrindo.

– Bom dia pra você também.

– O que pensa que está fazendo?

– É, esses dias também foram difíceis para mim. A saudades era imensurável!

– Gilbert!

Eu chegava ao fim da minha paciência quando ele enfim me respondeu seriamente.

– Ah, vamos, Rod! Você é super previsível! Acha mesmo que eu não sabia que você viria direto só para que eu não viesse junto?

– Se sabia que eu não queria você aqui, por que veio?

– Porque eu te amo, e você precisa de mim – ele explicou, seu tom monótono, como se estivesse cansado de se repetir.

Sem interesse em prolongar aquela discussão mais do que desnecessária, ele arrancou a mochila que eu levava das minhas costas e a jogou por cima de seu próprio ombro. Gilbert caminhou para dentro, não me deixando alternativa além de o seguir, ainda não assentido com a sua atitude.

– Gil!

Mas apesar de todas as minhas reclamações, ele não mostrou qualquer intenção de mudar de ideia. Ele estava decidido e nada o faria mudar de ideia, e eu odiava não estar tão desagradado com isso quanto eu deveria. Não que eu fosse um dia admitir, mas era bom não estar sozinho uma vez na vida naquele maldito Hospital.

– Rod, acho melhor você falar com a recepcionista. – Ele parou, de repente.

Respondi silenciosamente, com um aceno discreto da cabeça, e tomei a dianteira. Adiantei-me até a bancada e cumprimentei a mulher de nome desconhecido, mas cujo rosto em já tinha gravado na memória há bastante tempo. Ela sorriu educadamente e, quando viu minha companhia, sorriu mais largamente; mas achei melhor relevar sua atitude, fosse lá o que ela significava. Eu realmente já tinha preocupações demais para uma única vida.

Passei as informações que ela me pediu e apanhei o crachá que ela me ofereceu. Quando fui chamar Gil para que ele pegasse o dele, encontrei-o bastante agitado, claramente ansioso. Sorri de leve e empurrei a indentificação contra seu peito antes de sair andando em direção aos elevadores. Enquanto esperávamos a sua chegada, não pude evitar de provocá-lo um pouco.

– Ainda dá tempo de ir embora, se tiver mudado de ideia – eu tinha um sorriso cínico nos lábios.

Entretanto, ele imediatamente balançou a cabeça, com mais força do que o necessário. Quando ele olhou em minha direção, percebi que, apesar de tudo, sua determinação não se abalara.

– Eu preciso fazer isso, Rod – ele respondeu, firmemente.

Ambos então nos calamos e eu me vi incapaz de manter o olhar erguido. O elevador logo chegou e o adentramos sem perder tempo. Apertei o botão do sexto andar e de repente me senti bem desconfortável. Meus olhos pousaram no chão, e o que viram foi o piso frio e as pontas do meu sapato. Cinzas, inevitavelmente cinzas.

Não pude conter a pergunta que se seguiu.

– Ei, Gil, você está vendo alguma coisa?

O garoto cerrou um tanto os olhos, como sempre fazia quando estava confuso.

– Que tipo de coisa?

– Não sei. – Fiz uma breve pausa. Uma pequena parte de mim, ainda lúcida, implorava para que eu me calasse enquanto ainda era tempo. – Cores, talvez.

Gilbert nada disse por alguns instantes, bem provavelmente duvidando de seus próprios ouvidos. Todavia, ao concluir não ser esse o caso, ele olhou para o teto e suspirou. Ele parecia chateado, não que isso fosse estranho. Aparentemente, eu não era o único preocupado com isso.

– Talvez o mundo simplesmente seja assim mesmo: Cinza, e sem graça. – Gilbert disse, por fim. – Só pode ser isso, porque eu tenho certeza que é você. Eu nunca me enganaria sobre algo assim.

Ele nada disse por alguns instantes, mas então senti sua mão esbarrar contra a minha e depois envolvê-la. Não reagi, pois, assim como ele, eu precisava daquilo; eu compreendia o motivo daquele gesto. Gil desejava confirmar a minha presença ao seu lado, pois isso trazia uma confiança inexplicável de que tudo daria certo se ficássemos juntos, ou algo assim.

Quando as portas do elevador se abriram, ele soltou minha mão. Eu guiava o caminho pelos corredores esbranquiçados, que eram como labirintos aos visitantes de primeira viagem. Pouco demorou até alcançarmos o quarto em cuja porta se lia o nome Edelstein. Por alguns instantes, limitamos-nos a encarar a superfície de madeira acizentada, ambos provavelmente com o mesmo pensamento em mente.

Olhando para o meu acompanhante, não foi difícil ver que ele havia se acalmado um pouco. Antes que eu pudesse falar qualquer coisa, porém, Gilbert acenou com a cabeça para que eu não mais me demorasse e, com isso, enfim abri a porta.

Meu pai se encontrava sentado numa poltrona, ao lado da cama do Hospital. Ele tinha o jornal em mãos e ele só percebeu que não estava mais sozinho quando me pronunciei.

– Bom dia.

Ele ergueu os olhos e focou sua atenção na minha pessoa. Pela primeira vez, eu me vi questionar se ele também via o mesmo mundo monocromático que eu; mas aquele não era o melhor momento para perguntas, sobretudo sobre assuntos como esse, que provavelmente seriam sempre delicados para ele.

– Olá, Rod.

Aproximei-me dele e apertei sua mão, apesar de não saber se aquela era uma ação apropriada. Bem, já era mais do que antes, pelo menos. Mas sua atenção logo se desvinculou de mim e foi parar perto da porta.

– Você seria?

– Gilbert – ele se apresentou, dando alguns passos até parar ao meu lado e então repetir meu gesto, apertando a mão do senhor. – Sou colega de classe do Roderich. Prazer.

– O mesmo.

Ele olhou de mim para Gil, várias vezes. Eu começava a me sentir desconfortável quando ele voltou a se pronunciar.

– Fico feliz que meu filho tenha arrumado amigos. Ele nunca foi muito bom nessas coisas.

– Pai! – Protestei, sentindo meu rosto quente de vergonha.

– Mas é verdade, Rod! Você é um desastre! – Gil disse com uma risada.

– Vocês dois não sabem do que estão falando – resmunguei, enquanto caminhava em direção ao armário. – O médico daqui a pouco aparece, então vou arrumar logo as coisas para depois irmos para casa de uma vez.

Enquanto eu colocava a roupa suja em uma sacola e enfiava o resto dentro da mala, Gilbert apareceu de repente ao meu lado, sobressaltando-me. Sem qualquer anúncio, ele começou a enfiar parte da roupa que eu tinha arrumado numa pilha dentro da bolsa. Só percebi que havia me distraído o observando quando ele me chamou.

– Rod, onde eu coloco essas coisas? Rod?

– Ah, hum – era sempre embaraçoso ser visto encarando. Eu dava graças a Deus por estar de costas ao meu pai, senão certamente ele veria que nossa relação era um tanto mais complexa do que uma simples amizade. – Coloque ali, nessa bolsa menor.

– Okay – Gilbert disse, abrindo um sorriso que eu nem precisei perguntar o que significava. Ele adorava quando eu perdia a compostura, e isso não era novidade.

Eu fechava a mala quando o médico entrou porta adentro. Ele vestia um jaleco branco, mas de resto suas roupas tinham diversos tons acinzentados. Ele se aproximou e nos desejou um bom dia.

– Que bom que o senhor está melhor. senhor Edelstein. Feliz por ir para casa?

– E como, doutor. Mas me deixe pedir uma coisa: Eu gostaria que me liberasse para trabalhar. Eu realmente não aguento ficar em casa. Como um companheiro médico, você deve entender o que sinto.

O homem pareceu pensar por um momento antes de responder àquele pedido que não me pegou nem um pouco de surpresa. Meu pai nunca gostou de ficar trancado em casa, sempre foi assim. Ele gostava de trabalhar, pois isso o fazia se sentir realizado. Fazia-o se sentir vivo.

– Acho que tudo bem se for apenas a parte de consultório… Mas nada de muitas horas por semana. Seu coração não é mais o mesmo, afinal.

O senhor sorriu, claramente satisfeito.

– De resto, alguma precaução ou coisa do gênero? – Perguntei.

– Nada diferente da última vez. Nada de muito esforço, tomar cuidado com bebidas alcoólicas por causa dos medicamentos, ir a um cardiologista a cada seis meses… – Ele contava nos dedos enquanto falava. – Essas coisas.

– Certo – um sorriso tomou conta das minhas feições, agora mais tranquilas.

– Bem, então é só isso. Passar bem, e espero não tornar a vê-lo por um tempo, senhor Edelstein.

– O mesmo.

E dito isso me vi sozinho novamente, com meu pai e Gilbert. Ninguém dizia qualquer palavras, e fui eu a quebrar aquele silêncio.

– Vamos, então? – Os dois acenaram que sim com a cabeça e não mais nos demoramos naquele quarto.

Já no térreo, Gilbert se separou de nós por um momento, indo a procura de um táxi. Estar a sós com meu pai era estranho, sobretudo considerando onde havíamos parado nossa conversa. Mas, ao mesmo tempo, era agradável saber que eu não mais ia ter que ficar sozinho naquela casa tão fria.

– Acho que temos todos os seus remédios em casa, mas quer passar na farmácia?

– Não precisa. Qualquer coisa eu ligo e eles trazem. Mas não me deixe esquecer de marcar uma consulta no cardio, assim que chegarmos em casa. E vamos comer fora, hoje. Eu preciso de uma comida decente depois de uma semana preso nesse Hospital.

– Não. Eu fiz compras ontem. Vamos comer em casa.

– Não seja tão pão-duro, Rod...

– Mas eu já comprei comida! Não tem nada a ver com o preço!

– Sei… – Meu pai rodou os olhos, ironicamente.

Eu já estava pronto para me defender quando ele voltou a se pronunciar.

– O lugar pouco importa, só não se esqueça de chamar o Gilbert para nos acompanhar.

– O Gil? – Não pude evitar de me sentir um tanto confuso.

– Claro. Ele é ela, não é?

Suas palavras vieram calmas e em um tom de verdade absoluta e indiscutível. Por mais que eu soubesse que eu devia contestá-lo, eu não conseguia. Limitei-me a olhar para o chão, totalmente envergonhado. Como se lendo meus pensamentos, ele continuou a falar.

– É tão óbvio. Vocês ficam nessa troca de sorrisos e olhares silenciosos e querem que eu não perceba?

O meu constrangimento apenas aumentava a cada palavra que ele dizia. Eu não sabia se queria que Gil se adiantasse ou se não viesse nunca; não sei qual das alternativas era melhor nesse tipo de situação. Uma mão afagou meus cabelos, fazendo-me erguer o olhar do chão.

– Você deve amar muito ele – suas palavras vieram gentis, mas, por algum motivo, não consegui ficar feliz com elas.

– Não sei. Talvez não o suficiente.

Ele confundiu-se, e me perguntou o significado daquelas palavras.

– Eu não as vejo, nem ele.

– O quê?

– Essas tais cores, sejam lá o que elas sejam.

– Cores… – Meu pai murmurou e subiu o seu olhar. Imitei-o e ambos então encaramos o céu cinza que cobria nossas cabeças.

Apesar de um tanto receoso, não consegui conter a pergunta.

– Você as vê?

Perante minha pergunta, ele se limitou a balançar a cabeça, negativamente.

– Ela morreu muito cedo. Não deu tempo de eu fazer qualquer coisa além de encantar-me com seus sorrisos todos os dias. Éramos novos demais para sequer saber o que era amar. Não pudemos unir nossos corações.

Arrependido de ter perguntado, decidi que era melhor eu ficar em silêncio até que Gil retornasse. O que eu menos queria naquele momento era entristecê-lo quando eu sequer tinha palavras de consolo para o oferecer. Mas como todo bom pai, ele logo leu meus pensamentos.

– Não se preocupe. Nada disso me chateia. Tudo aconteceu há tanto tempo...

– Mas – ele me interrompeu.

– Mesmo com sua mãe, se não demos certo é porque não era para dar. Mas eu espero que ela seja muito feliz. Claro que inicialmente me senti traído, mas o que me chateou mais foi ela não ter sido sincera comigo. Não que eu fosse abrir mão dela, também. Ela era especial para mim, mesmo que eu não a amasse como ela merecia ser amada.

– Pai…

– Eu tenho certeza de que o seu problema é nossa culpa. Você não consegue não ficar com um pé atrás por causa de tudo que você presenciou na sua infância. Mas, me escute. Ame o Gilbert, e nunca pense por sequer um segundo que algo não está certo.

– É estranho ouvir essas palavras saindo da sua boca – admiti. – Não te incomoda nem um pouco que ela seja um ele?

Perante minha pergunta, ele piscou algumas vezes e então sorriu. Nunca eu havia o visto tão sorridente; eram tantos sorrisos num só dia. Enquanto ele escolhia suas palavras, meus coração batia acelerado por antecipação.

– Não vou dizer que não me incomoda nem um pouco, mas – ele dá uma pequena pausa – quem sou eu para falar qualquer coisa. Desde que ele te faça feliz, pouco importa. Além disso, se ele fizer alguma coisa com você, eu não preciso me conter ao puní-lo com todas as minhas forças.

Por algum motivo, as suas palavras não pareciam nem um pouco exageradas, e isso me fazia sentir preocupado… por Gilbert. Mas era bom ter o apoio de meu pai.

– Ei, vamos! O taxi! – Olhando em direção à origem da voz, o que encontramos foi Gilbert balançando os braços a fim de chamar a nossa atenção. Um carro se encontrava parado ao seu lado, e mais do que provavelmente era o nosso taxi.

Apanhei as mochilas que havia largado no chão e seguimos até ele. Quando o alcançamos, porém, meu pai virou para nós e disse que iria sozinho.

– Por quê? – Não tinha como eu não estar confuso.

– Vocês tem coisas a conversar. Acho que uma caminhada fará bem, mesmo que não seja lá muito longa. Não tenham pressa para chegar, apenas não se atrasem para o almoço.

– Eu também? – Gilbert perguntou, confuso, apontando para si mesmo.

– Sim! Quero ver os dois lá em casa, à uma… Ou melhor, ao meio-dia. Já que alguém não quer sair para comer, que ele não atrase o almoço. – Ele então fechou a porta do taxi, nos deixando estupefatos.

Antes que pudéssemos dizer qualquer coisa em resposta, ou reclamar de termos de ir andando, o taxi partiu. Com um suspiro, desculpei-me pela atitude de meu pai, mas Gilbert não pareceu ligar.

– Tudo bem. Mas, ahm, me diz…

– Sim, ele sabe sobre a gente – eu disse, sequer deixando ele terminar a pergunta.

Gilbert, por um momento, não soube o que dizer.

– Você contou para ele?

– Não… Ele disse que era óbvio.

– Eu disse que você era previsível! Eu disse! – Gilbert riu, caçoando da minha pessoa.

– Ele não disse que foi só eu!

– Bem, eu com certeza sou bem mais discreto.

Balancei a cabeça, sabendo que discutir com ele – e com sua teimosia – em nada adiantava. Ele não aceitaria que estava errado; nunca, nem em um milhão de anos. Era assim que ele era. Caminhando um ao lado do outro, não demorou até que ele segurasse minha mão. Apesar de minha resistência, ele não me largou.

– Gil, estamos no meio da rua!

– E daí? Se eu quero segurar a sua mão, eu vou segurar a sua mão.

– Mas – ele acelerou os passos, quase me fazendo tropeçar. Suas intenções eram me calar.

– Nem é a primeira vez. Não sei porque você se incomoda tanto.

– Não é que eu me incomode…

– Então pronto.

Ele apertou minha mão com força e seguimos andando, os nossos passos um pouco mais rápidos do que eu gostaria. Olhando para o cenário cinzento, foi inevitável lembrar da conversa que eu havia acabado de ter com meu pai. Olhei em direção a Gilbert.

– Desculpe.

Ele parou imediatamente de andar e olhou-me, preocupado.

– Pelo quê?

– É minha culpa.

– O quê?

Ele não parecia entender onde eu estava querendo chegar, e com motivo. Eu tinha que admitir que não estava sendo exatamente claro.

– As cores.

– Por que seria sua culpa?

– Porque, por mais que eu goste de você, eu não consigo não me sentir um tanto receoso com tudo isso.

Gilbert sorriu e me abraçou, seus braços me envolvendo antes mesmo que eu desse conta. Com a cabeça grudada ao seu peito, eu podia ouvir seu coração bater acelerado. Entretanto, por mais agradável e confortável que fosse, eu não conseguia não me rebelar com toda aquela demostração de afeto em público. Dessa vez, Gilbert me soltou.

– Eu te amo, Rod. De resto, nada importa.

Não importava quantas vezes eu ouvisse aquelas poucas e bobas palavras, a minha reação sempre seria a mesma. Meus olhos haviam caído ao chão e meu rosto queimava, mesmo eu não estando febril.

– Eu também te amo – respondi, envergonhado, mas feliz por tê-lo finalmente dado uma resposta.

Ele sorriu largo. Seu rosto se aproximou do meu e ele me beijou. Seus lábios eram quentes. Quando nos separamos, meu coração batia mais rápido do que antes. Ficamos numa silenciosa troca de olhares, apenas por alguns segundos, e foi numa pequena fração desse tempo já limitado que vi algo estranho brilhar em seus olhos. A surpresa aparentemente não foi só minha.

– Isso...

– Cores!

Gilbert agarrou-me pelos ombros e me chacoalhou. Por um momento, pensei que ele me derrubaria, mas isso não aconteceu, e mesmo se acontecesse não sei se me importaria; não agora, não neste momento. Eu nunca havia o visto tão feliz. Um sorriso cruzava seu rosto de ponta à outra e seus olhos acizentados brilhavam de euforia.

Mas, apesar disso...

– Rod, você também viu?

As coisas não estavam como deveriam estar: coloridas. Por que isso estava acontecendo?

– Sim, mas elas desapareceram assim que dei conta delas.

– Bem, então somos dois... Mas elas apareceram!

– Mas elas sumiram… – Eu me repeti, olhando para o chão. Ele não percebia que elas aparecerem era uma questão menor do que elas terem tornado a desaparecer?

Ele me agarra o braço e sou forçado a olhar para cima novamente. Gilbert me encarava com determinação no olhar e não estava nem um pouco abalado. Mas eu não era tão forte assim.

– Mas elas apareceram – ele insistiu.

– Mas...

– Rod, por favor, pare de se preocupar! Podemos fazer elas aparecerem novamente, tenho certeza! Confie em mim.

Apesar de toda a minha vontade de concordar com ele e dizer que sim, que eu acreditava que seríamos capazes disso, nada saiu dos meus lábios trêmulos. Entretanto, eu sabia que o silêncio estava longe de ser uma resposta apropriada, por isso, lancei-me em sua direção sem pensar duas vezes. Pego de surpresa, ele me segurou pelos ombros para evitar que ambos caíssemos no chão. Apesar de um tanto confuso de início, ele logo compreendeu as minhas intenções quando encostei minha cabeça justo à curva do seu pescoço. Ele desceu suas mãos dos meus ombros para as minhas costas e depois para a minha cintura. A sensação de estar envolto por seus braços era realmente ótima, mesmo que embaraçosa.

Ele aproximou seus lábios do meu ouvido.

– A cor dos seus olhos é linda – ele murmurou, causando-me um arrepio.

Meu coração batia acelerado. Quando levantei o rosto e olhei em sua direção, ele me beijou antes que eu tivesse tempo de dizer qualquer palavra. Daquela vez, ele manteve o beijo até que nos víssemos sem fôlego.

Ele me largou e segurou apenas a minha mão, e eu entendi a mensagem. Era hora de irmos. Fomos para a minha casa e, quando lá chegamos, encontramos meu pai na sala, no seu sossego de sempre. Ele acenou ao nos ver fechar a porta e seguiu Gilbert com um olhar afiado. Ao dar-se conta de estar sendo observado, ele coçou a cabeça, acenou sem graça e acelerou os passos que me seguiam até a cozinha, quase me atropelando durante a sua fuga. Apesar da minha vontade de rir da situação, contive-me.

O almoço daquele dia seguiu tranquilo, e os dos outros dias também. Gilbert às vezes se juntava a nós, outras vezes não. Mas, sem dúvidas, a sua presença em minha casa pouco demorou para se tornar habitual.

Eu o amava, e ele me amava, também. Mesmo presos em um mundo preto e branco não duvidaríamos nunca disso. Ficaríamos unidos, a espera da chegada de um arco-íris.

– Hey, Rod, agora você acredita que nascemos um para o outro e que almas gêmeas existem? – Ele me perguntou, um dia.

– Não – respondi, sem pensar duas vezes. – Mas acredito na capacidade das pessoas de conquistar as outras.




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Notas finais do capítulo

Eu espero muito que vocês tenha gostado, especialmente você, Gin. Eu queria trabalhar com uma trama menos dramática e uma soulmate foi tudo que consegui pensar. E eu seeeiii que, normalmente, as cores veem quando eles se veem pela primeira vez, mas eu pensei em usar a ideia de um jeito um pouco diferente. Resumindo, nenhum dos dois pode ter dúvidas no coração que o impeçam de acreditar no sentimento que carregam pela outra pessoa; senão, o mundo continua cinzento.
E eu estou escrevendo já uma parte 2 para esta história. Eu não sou tãao cruel assim para deixar as coisas como estão. Por isso podem esperar por mais, e pela real conclusão. Vou tentar terminar até o Natal, porque ai o presente já tá feito. *pisca pra Gin*
Fiquem a vontade para me deixar reviews, mesmo que seja pra criticar o fato deles estarem totalmente OOC ou para dizer que o rolo todo do pai do Rod é uma completa bullshit (eu sei que é, foi falta de ideia melhor).
De resto, espero vê-los em breve. Estou louca para atualizar as minhas fics, só não sei de quais eu vou desistir (sim, eu sei que prometi nunca desistir de nenhuma, mas não tem jeito -sorry). MAASS eu tenho que acabar uma outra one que estou devendo para uma certa pessoa, e isso já há bastante tempo. ^^'
Bem, obrigada por tudo. Bye bye~



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