Os Cânticos de Prime escrita por MMenezes


Capítulo 10
A Meretriz I [1.0]




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O homem tinha cheiro de estrada, cerveja e suor.

— Arana, Arana — dizia ele ofegante enquanto lhe penetrava.

Era robusto, com uma barriga saliente e uma manta de pelos espessos cobrindo seu peito e seu sexo. Os cabelos eram grisalhos e duas entradas para a careca se abriam acima de sua testa. Ele viera no auge da noite e pagara o preço para tê-la até o amanhecer.

— Isso, isso — respondeu ela apertando as coxas em torno de seus quadris. — Vai, assim.

— Arana.

Arana, quem será ela? Muitos vinham até ela desejando estar com outras, antigas amantes, sonhos nunca conquistados, desejos escondidos. Era a terceira noite que ele vinha à ela, e ainda não descobrira quem era a dona desse nome. Mas isso não devia importar, homens eram sujos e sempre viam as mulheres com olhos cobiçosos. Iesabel não se importava de ser chamada por outro nome, estava ali para dar prazer, recebendo o seu preço poderiam chamá-la por qualquer nome, fosse Iesabel, Arana ou puta.

O homem agarrou seus seios com suas mãozorras, aperto-os com força enquanto a penetrava. Gemeu, gritou; e dessa vez não foi de fingimento. O suor dele pingava em seu rosto. Ele a agarrou pelo cabelo e cochichou uma besteira em seu ouvido antes de virá-la e montá-la por trás.

— Arana — repetia ele como um amante apaixonado.

Iesabel não se envolvia, não se deixava enredar pelo prazer trazido pelo trabalho, fazia o que tinha que ser feito, na cama vestia sua máscara de puta e era a puta pelo qual os homens pagavam, mas nada daquilo lhe dava real prazer. Mas dessa vez sentia-se prestes a desabar, como raramente acontecia. Seus braços tremiam, sua respiração ficava cada vez mais ofegante e ele a penetrava com força, com carinho e com força novamente. Carinho. Puxava seu cabelo, dava leves tapas em suas ancas, então falava seu nome.

— Arana, Arana, minha gostosa Arana.

Então após um último fôlego ele parou, deslizou as mãos por suas costas até alcançar seus perfeitos seios e os acariciou com ternura. Saiu de dentro dela e rolou para o lado, ofegante e satisfeito.

Iesabel cansada deitou-se ao seu lado, também ofegante, satisfeita e culpada. Não devia sentir prazer, não era esse seu trabalho, era paga para dar e não para receber, era o que madame Idára sempre lhe dissera. Mas ela não está aqui para saber, talvez esteja atrás da porta, mas não aqui dentro.

De todos os quartos do bordel, o seu era o único com uma cama de santareira com colchão de penas e um dossel de seda carmesim que brilhava à luz das velas.

— Você é minha garota mais preciosa, os homens que pagarem por você merecem tê-la em um bom quarto — dizia madame Idára.

Além da cama e do dossel, no quarto tinha ainda uma penteadeira com espelho, um armário onde guardava seus perfumes, tintas e até alguns livros — ainda não havia aprendido a ler, mas assim que aprendesse leria todos os livros que havia ganhado de seus admiradores —, ao canto do quarto havia uma mesa com um cesto de frutas que estava sempre cheio. Na parede junto a porta um cabideiro onde seus clientes as vezes penduravam suas roupas.

— Meu senhor deve tê-la amado muito, era uma mulher de sorte — disse Iesabel envolvida entre lençóis.

— Não fale dela — respondeu ele ríspido.

Tola, pensou, nunca deve-se falar sobre as mulheres nos corações deles, ela sabia disso muito bem, mas havia se deixado levar. Tentou se desculpar aninhando-se em seu peito, sentindo seus pelos fazerem cócegas em suas bochechas. Desceu a mão por entre as coxas suadas dele e acariciou seu membro úmido.

— Perdoa-me meu senhor, isso não me diz respeito — disse acariciando o membro do homem, que voltava a se enrijecer. — Deixe-me me reconciliar.

— Não — respondeu ele tirando a mão dela de si e virando para um lado.

Não, por favor não, madame Idára me castigará por isso.

— Perdoa-me meu senhor, perdoa-me — ele não era um senhor, mas era bom que assim chamasse a todos, os homens se sentiam maiores do que eram quando chamados por títulos que não possuíam.

Uma agulhada de desespero começou a penetrar seu peito. Seu trabalho era agradar, nunca causar enfado. Madame Idára a castigaria por isso. Tinha que agradá-lo, era seu dever. Mas o homem já dormia em sono pesado, bramindo sobre o próprio peso.

— Durma meu senhor, durma e se esqueça de mim.

Foi a primeira vez que alguém pagara por ela por toda um noite. Era a terceira noite seguida que aquele homem pagava seu preço, mas a primeira vez que pagara por toda uma noite.

— Ela é a minha mais dispendiosa garota meu senhor — havia dito madame Idára. — Tem mesmo o ouro para pagar pela noite dela?

Se ele tinha ou não, Iesabel não sabia, mas ele pagara. Achou que seria mais fácil dar prazer a um só homem do que a vários, mas se enganara, o homem viera disposto a fazer valer o dinheiro. Era um bom homem, a machucara apenas duas vezes, mas fora uma dor gostosa. Afagou sua barba suas bochechas queimadas de vento, sob um olho três verrugas, no queixo uma cicatriz escondida em meio a barba rala e por fazer. Não seria um homem feio se tivesse outro tipo de vida.

Provavelmente era um mercador; Iesabel aprendera a sentir o gosto dos homens com o passar do tempo. Ele tinha cheiro de terra da estrada e vinho da estalagem da frente. Apenas homens a muito tempo longe de casa teriam capacidade de tomar aquela bebida insípida. As mãos eram duras e calejadas de tanto segurar em rédeas. O rosto era corado pelo sol. Os olhos cansados e tristes de alguém sozinho por tempo demais. Mas no fundo era gentil e amoroso, era um bom homem.

Ele sempre a abraçava após satisfeito, mas dessa vez dormira para o lado, indiferente. Eu não devia ter perguntado por ela, realmente não devia. Estaria em seu abraço apertado se tivesse mantido a boca fechada, poderia se sentir amada, mesmo que por um momento, mesmo que como fantasia. Aconchegou-se as costas do homem ao qual ela nem mesmo sabia o nome, envolvendo-o em seu braço.

— Durma meu amor.

***

Sonhava um sonho bom, mas esqueceu-o assim que acordou com o som dos pereguinhos bicando sua janela. Se levantou, tomando cuidado para não acordá-lo e abriu a janela enxotando-os.

— Saiam, saiam — disse fazendo os pequeninos pássaros voarem ao céu laranja do alvorecer.

Já era manhã e o tempo com o cliente se findava. Queria que ele pagasse por ela por mais tempo, por mais uma manhã, um dia, uma vida. Fora a primeira vez que um homem pagara por ela por toda uma noite, era bom pertencer a um homem só. As lamparinas do céu já haviam se apagado. O ar gélido da manhã enchia o quarto e um galo cantava em alguma fazenda próxima. Sorriu como uma menina que ganhara sua primeira boneca, quando um pereguinho persistente viera se enrolar em seus cachos.

— Não, saia — disse sorrindo divertida. — Sai.

Era um passarinho tão frágil e pequeno — menor que seu polegar — que se fizesse um gesto muito brusco poderia quebrá-lo em mil pedacinhos. Desenrolou-o de seu cabelo com cuidado e devolveu ao céu antes que ele a bicasse.

À suas costas, ouviu o homem se levantando. Ele amarrou o cordão da calça, vestiu sua camisa marrom e saiu pela porta sem olhar para ela uma última vez. Instantes depois Madame Idára se precipitou para dentro do quarto toda sorridente.

— Já está preparada? — ela perguntou. Vestia o tradicional vestido lilás de sempre e trazia ao redor do pescoço àquelas horríveis pedras baratas que ela ostentava como ouro.

— Para o que minha madame?

— Ora para o que. Há homens lá embaixo que esperaram por toda a noite para terem com você — ela arrumava os lençóis da cama. — Me ajude, não vamos deixá-los esperando mais.

Não, não. Eram a noite que ela se vendia, os dias pertenciam à ela própria, era tudo que tinha para regozijar-se, não podia tirar isso dela.

— Não sou a única puta nesse lugar, mande-os para outras — explodiu. Ficou arrependida no mesmo instante.

Madame Idára fez uma careta descrente, de quem não acreditava no que ouvia, então veio em sua direção como uma flecha. A mão dela estalou em seu rosto como uma chicotada. O ardor crescia rapidamente onde os longos dedos a haviam atingido.

— Não me faça repetir menina. Penteie esse cabelo e abra estas pernas e não me responda mais desta maneira.

Com o rosto abaixado, Iesabel apenas anuiu. A mulher então saiu do quarto e a deixou a sós. Nunca devia retorquir a matrona, era a primeira regra que aprendera, sabia que pagaria por sua petulância. Burra, burra, burra.

Lavou o rosto em uma bacia d’água que uma outra garota trouxera e deixara sobre a mesa. Olhou-se no espelho de prata junto da penteadeira e como sabia que aconteceria, quatro linhas vermelhas enfeitavam seu rosto em auto-relevo. Passou uma pomada que guardava para essas situações e disfarçou um pouco a marca. Seus olhos estavam cansados e suas coxas mais ainda. Passou um pó nas olheiras e mordeu um morango para adoçar os lábios. No sexo, espirrou um pouco de água com especiarias. Penteou os cabelos desgrenhados com um pente lilás e usou uma parte do cabelo para esconder a marca no rosto. Meio misteriosa não?, pensou, forçando um sorriso para seu próprio reflexo.

Logo dois homens surgiram à porta. O ferreiro, um homem atarracado e de braços grossos, e outro, um fidalgo que nunca vira antes, alto e carregando um sorriso malicioso olhando toda sua nudez. Madame Idára sabia como agir contra a insolência, já sabia disso, não devia tê-la respondido daquela forma.

Soltou um suspiro e se dirigiu à cama remexendo o quadril. Homens adoram isso. Reclinou-se sobre os lençóis e deitou a cabeça sobre o travesseiro, erguendo as pernas e as abrindo no ar mostrando-se por completa. Homens adoram isso. Não olhou para eles, esperava que fizessem logo o que pagaram para fazer e se fossem. Então eles vieram e tomaram juntos.

Além da janela, pereguinhos voavam livres ao céu ensolarado da manhã.

 

 

 

 

 

 

 

 

 


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