Fogo e Gasolina escrita por Didilicia


Capítulo 10
Cap 10 - NOVAMENTE REI


Notas iniciais do capítulo

Obrigada por acompanharem essa história, que neste capítulo chega ao fim.
Bjs, até a próxima!



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Amanhecia.

Depois que acordou, ainda muito cedo, Úrsula continuou deitada. Ela podia sentir os efeitos da masculinidade do capitão naquele aposento. A respiração ofegante, o coração disparado. Pegou o travesseiro que era dele e sentiu o cheiro ainda presente na fronha. Ela girou sobre si mesma na cama, perturbada, mudando de posição. Úrsula descobriu que estava esfregando o pulso onde ele havia posto suas mãos, a sensação da noite passada ainda perdurando. Enfiou as unhas nas palmas das mãos para lutar contra a dor aguda dentro de si.

Ouviu passos na escada, e levantou rapidamente, abrindo a porta do quarto. Pensou que pudesse ser ele... arrependido, voltando para ela.

Estava enganada.

Ele não voltaria. E ela precisava pensar o que faria agora.

...

Herculano estava no Porto. Passara o resto da noite remoendo se seguia o impulso do seu coração de voltar para o hotel em busca da duquesa, ou se seguia sua razão, e permanecia com o plano de voltar para o Sertão brasileiro, ainda que isso custasse perceber que ela nunca o havia amado de verdade.

O capitão foi até o balcão e tentou pedir dois bilhetes, mas o seu português nordestino não era compreendido pelo vendedor. Ele fez alguns gestos e foi então que conseguiu a passagem. Nada de sua aparência lembrava o rei do sertão: ele vestia um sobretudo preto, calça social da mesma cor. Seus sapatos brilhavam e a cartola... Bem, esta ele dispensou.

O vento gelado da manhã batia no rosto dele, que esperava junto ao Cais. Em breve estaria longe daquela cidade – que ele não podia negar, era bonita sim – mas não era sua “casa”. Mas o que Herculano lutava mesmo para controlar, era a aflição de saber que ficaria longe de Úrsula para sempre.

A imagem da mulher de cabelos avermelhados e olhos de serpente ficavam dançando na sua cabeça. Sua lembrança parecia obsessão. No caminho para o Porto, passou por um canteiro de flores silvestres e imaginou sentir o cheiro dela. Olhando para o Sol que nascia no horizonte, lembrava do modo como seu cabelo castanho pegava fogo na luz.

– Úrsula – falou Herculano, em voz alta, e teve vontade de arrancar fora a língua. Xingou ferozmente a lembrança que vivia com ele e destruía sua paz de espirito. Podia ouvir a voz dela e sentir sua pele de alabasto. Podia sentir o gosto da sua boca e o cheiro doce e delicado da sua pele. Principalmente, podia ver as linhas suaves e orgulhosas do seu corpo deitado naquela cama.

– Diacho! Minha cabeça tá cansada de saber do rosário de maldades dela... Mas é o coração... o coração que teima em gostar dessa diaba!

Errado ou certo. Torto ou direito. Das coisas do coração, o capitão bem sabia: não vale nada o que a cabeça sabe.

...

– Rei Augusto, acreditamos que encontramos o paradeiro da duquesa e do cangaceiro.

Augusto levantou-se num misto de animação e raiva.

– Finalmente! Onde estão??

– Numa hospedaria – o guarda entregou o endereço num pedaço de papel – Parece que eles têm gastado grandes quantidades do dinheiro do Reino por lá.

– Vamos até lá agora! Quero os dois presos!! Capitão Herculano também tem dívidas a serem pagas com o Reino de Seráfia!

O informante deixou a sala pronto a cumprir as ordens da majestade, que também ia deixar a sala, mas foi impedido por Maria Cesária.

– Augusto, me desculpe se insisto, mas o capitão Herculano sempre foi um bom homem. Se ele está ajudando Úrsula a fugir é porque deve gostar muito dela. Eu mesma vi que ele tinha grande apresso pela duquesa.

– Vem comigo – Augusto conduziu sua rainha para ir com ele e os guardas – No caminho eu te explicar o que tá acontecendo...

...

Seu quarto vazio oferecia um frio consolo. A consequência daquelas cenas era sempre a mesma. Os nervos de Ursula estavam a flor da pele, seu estomago parecia cheio de nós de tensão. Ela andava de lá para cá, sobre o tapete oriental em tons bege, verde e azul, como uma tigresa enjaulada.

As lembranças distantes tomaram conta de sua mente e ela relembrou o capitão, quando lá em Brogodó, ela tentou convencê-lo a encontrar o tesouro e fugir com ela:

– INÍCIO DO FLASHBACK -

“Se Augusto e Petrus me pegarem, Herculano, eles vão me mandar pra Seráfia, eles vão me trancar numa masmorra!”

“Pro mesmo lugar onde tu mandou teu marido. Pai da tua filha, preso numa máscara de ferro. Tu devia ter pensado nisso antes de ter feito as maldades que fez. Mas não se aperreie. Ninguém vai lhe fazer mal. A duquesa do meu lado tá salva”.

“Se você quer mesmo me salvar e se você quer me proteger, vamos pegar o tesouro de Seráfia e fugir desse fim de mundo!”

– FIM DO FLASHBACK -

.

Os olhos da duquesa encheram-se de lágrima. Ao lado do capitão ela se sentia segura. Agora ela estava sozinha e mesmo sem querer admitir em voz alta, sabia que corria um grande perigo.

Fechando os olhos, a lágrima escorreu por seu rosto enquanto imagens de outra memória longínqua nublou sua visão:

– INÍCIO DO FLASHBACK –

“Herculano, você vai perder tudo! Você vai perder o tesouro e você vai me perder! Augusto vai me mandar pra Seráfia! Será que você não me entende?”

“Cale a sua boca! Fecha essa matraca! Eu já lhe prometi proteção, não prometi? Ninguém vai lhe tirar daqui”

“Você é tão procurado quanto eu, Herculano. E se te prenderem, heim? Se te pegarem?! Que que eu faço?!”

“Nenhum macaco vai botar a mão em mim... E se eu fugir tu foge junto... e se eu morrer tu morre comigo... que mulher de cangaceiro, não se aparta do seu homem nem na hora da morte”.

– FIM DO FLASHBACK –

Ela abriu os olhos e enxugou o rosto com a costa da mão. Imediatamente ela sabia o que tinha que fazer. Arrumou uma pequena mala, terminou de vestir-se e saiu do quarto em direção à recepção. Acertou as contas, colocando mais uma vez, tudo na conta de Duque Petrus, e antes de sair, deixou escapar seu destino.

– Estou indo passar uma temporada na Itália... Veneza, dizem, é uma bela cidade.

Sozinha, ela ficou parada logo depois da porta da hospedaria. Chamou um cocheiro, que guardou sua mala e abriu a porta pra ela. Ela forneceu um endereço a ele que, sem demora, seguiu para o destino.

Desde muito cedo, Úrsula havia descoberto que seu desejo era despertado tão facilmente quanto sua ambição. Nem precisava gostar do homem que estivesse beijando, se para obter alguma vantagem isso fosse necessário. Bastava fechar os olhos. Mais cedo ou mais tarde, porém, tinha que abri-los, e raramente gostava do que via.

Aquilo não era resposta para sua solidão, nem resolveria seus problemas. Os braços masculinos ofereciam apenas um esquecimento temporário, e as jóias, o dinheiro... um luxo momentâneo de prazer. Ela ansiava por algo mais... Algo que encontrara com capitão Herculano.

Um quarto vazio parecia-lhe melhor que uma paixão vazia. Por isso a duquesa havia tomado sua decisão e estava agora em busca da única pessoa capaz de preencher todos os espaços.

...

Alguns poucos instantes depois que Ursula deixara o local, Rei Augusto, Maria Cesária e alguns guardas chegaram na hospedaria onde ela e o capitão estiveram vivendo desde que chegaram a Paris. Augusto entrou primeiro e foi direto à recepção.

– Bom dia meu senhor. Estou à procura de um casal que está aqui hospedado. Ela se apresenta como Duquesa Úrsula de Bragança.

– Ah... sim! A duquesa deixou nossa hospedaria hoje pela manhã.

– O que?! Não acredito que os perdemos! – ele passou a mão no cabelo, fechou os olhos por um instante e então voltou-se novamente para o recepcionista – Ela disse aonde ia?

O homem pensou um pouco.

– Ela citou Veneza. Disse que passaria uma temporada na Itália.

Rei Augusto tornou a falar com os guardas.

– Parece que a nossa busca continua... Úrsula conseguiu escapar outra vez.

...

Herculano estava embarcando no navio que o levaria de volta ao Brasil. Entregou o bilhete de entrada, e guardou no bolso o bilhete extra que havia comprado na esperança de que a duquesa arrependida o seguisse na viagem de volta. Já ia subindo as escadas quando alguém esbarrou em seu ombro.

– Desculpa! – ele falou virando-se para ver quem lhe tinha esbarrado. – Duquesa!? – ele guase não a reconheceu vestida com um vestido em musseline, cintura abaixo dos seios, de um perolado que o capitão jamais a tinha visto usar, já que ela era acostumada a cores mais escuras. Seus cabelos em ondas estavam parcialmente soltos, presos na lateral apenas com um ornamento simples.

– O capitão aceita companhia?

– O que tu faz aqui?! – e a olhou de cima a baixo – e essas roupas? Cadê teus vestidos cheios de pano??

Ela ia responder sorrindo, mas foram interrompidos pelo rapaz que recolhia os bilhetes.

– As passagens, por favor.

O capitão e a duquesa olharam para a fila que já se formava atrás de si, aguardando que eles entrassem no navio. Ele tirou o bilhete dela do bolso e entregou ao homem, que os deixou entrar.

Acomodaram-se junto a grade de proteção, enquanto o navio iniciava sua trajetória afastando-se do cais. A duquesa tirou de dentro do vestido, entre seus seios, um bilhete com destino a Itália. Olhou, sorriu e rasgou ao meio. Depois atirou os pedaços de papel ao mar.

– Tu pode agora me explicar porque decidiu vir?

Ela olhou para o capitão com o sorriso ainda no rosto. Aos poucos foi se desfazendo o riso e seu olhar adquirindo um brilho especial. Ele conhecia bem aquele olhar.

Ela tinha aprontado.

O navio já tinha se afastado bastante das terras francesas e rumava em direção ao cruzeiro do sul. Na bilheteria, Augusto e dois guardas da Corte de Seráfia abordaram o vendedor e o questionaram se uma tal duquesa Ursula de Bragança havia comprado um bilhete para Itália.

– Sim. Vendemos o bilhete. – ele mostrou o comprovante. – Partiu há poucos minutos.

– Desgraçada!

A duquesa juntou os braços em torno do pescoço de Herculano. Aproximou-se para um beijo que ele recebeu sem protestar.

– Eu vim por você. Vim porque entendi que só ao seu lado me sinto protegida, amada e completa. Vim porque não posso aceitar você longe de mim, meu capitão!

– Tu vai abandonar toda a vida de luxo pra ficar mais eu no cangaço?

– Já abandonei!

– E Rei Augusto? Ele não vai te deixar em paz.

– Augusto vai pensar que estou em Veneza. Eu “plantei” todas as pistas para que ele acredite nisso – ela riu – daria tudo pra ver a cara dele ao descobrir.

– Tu é uma cobra, num é mermu? – ele segurou o queixo de Ursula com uma mão e elevou até ficar a altura de seus olhos – E essa roupa? A duquesa tá diferente – ele sorriu gostando do que via.

– Se estamos indo para o cangaço, de nada me adiantam os meus lindos vestidos. – Foi a vez dela de olhar as roupas dele – Já o meu capitão... parece que gostou do estilo almofadinha.

– Tu aceita ser minha rainha? – perguntou.

– Sim capitão! Em Paris, ou no Cangaço, na saúde, na doença, na riqueza e – ela pensou um pouco e sorriu antes de terminar a frase – e na pobreza... – ela brincou.

– Não exatamente na pobreza.

– O que? Como?

Herculano tirou de dentro do bolso interno do terno uma pedra preciosa do tamanho de um limão.

– Herculano!!! – Ursula se admirou e seus olhos ainda tinham o mesmo brilho da esmeralda que ela via quando ela olhou pra ele – De onde veio isso??

– Tem muito mais de onde veio essa. – ele começou a explicar - Quando eu te segui no navio a caminho pras tuas terras...

– FLASHBACK NO NAVIO A CAMINHO PARA PARIS –

Herculano passou pelos guardas e notou que estava próximo das cabines onde a família Real estava. De relance, ele ouviu a voz do Rei Augusto dando ordens para um de seus assistentes de confiança.

– ...Vamos levar de volta para Seráfia o que é nosso.

– Sim, majestade. Não se preocupe. Está muito bem escondido.

– Ótimo! Certifique-se pessoalmente que continue assim.

O capitão ficou atento àquelas palavras e decidiu no mesmo instante seguir o rastro do rapaz pelos corredores do navio. O que ele descobriu fez seus olhos brilharem.

– FIM DO FLASHBACK –

Ele então continuou contando.

– Eu segui os guardas do Rei e descobri onde o tesouro de Seráfia estava escondido. Peguei uma parte e trouxe comigo.

– Herculano!! Este tempo todo em que estivemos em Paris – ela estava surpresa – você estava com uma boa parte do tesouro!?

– É... – ele sorriu.

– Porque não me disse?

– Porque eu precisava ter certeza do teu amor. E agora eu tenho.

– Porque roubou Augusto?

– Ah... – Ele sorriu sem graça e olhou pra ela. Sua mão fez um carinho no rosto macio da duquesa – Porque um rei, mermu que seja do Cangaço, tem que tratar sua rainha como ela merece.

– E eu tô merecendo? – ela perguntou maliciosa, acariciando o peito dele.

“A gente vai ver quando chegar lá no Sertão” – pensou, sorrindo. Ele segurou o rosto dela com as duas mãos e a beijou com paixão, feliz, pois a duquesa agora estava em seus domínios outra vez.

~Fim


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