Maddie Em Ação escrita por Uma Qualquer


Capítulo 2
Aquele bullying maroto


Notas iniciais do capítulo

Quem precisa de Whey quando se tem acarajé?



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Todo conquistador precisa de força militar para assegurar o domínio de seu império. E, se os inimigos tinham exércitos, a Maddie tinha o Koba. Um garoto alto, grande e forte demais para a sua idade, e um temperamento explosivo e violento demais para alguém com a sua massa muscular. E Maddie o tinha sob seu total controle.

Como podia isso? Boa pergunta. Para encontrar a resposta, teremos que voltar no tempo, até o ano em que os caminhos de Koba e Maddie se cruzaram. E é isso que vamos fazer agora.


A primeira série era o berço dos monstros da escola.

A coordenadora nunca esqueceu do dia em que reuniu aquela turma de crianças deslocadas na mesma sala. Promessas de anos de vadiagem a fio, estampadas naquelas carinhas sem futuro. Os pais de Koba, que tinham se mudado para a cidade meses antes, não se incomodaram em largar o filho caçula na pior escola que havia por perto. Não só por não poderem pagar por uma escola melhor, mas porque não achavam que o garoto valesse o gasto. Como a maioria dos alunos se encontrava na mesma situação, Koba estava em casa.

E por algum motivo que a coordenadora nunca soube, ele estava sempre a ponto de explodir.

Na primeira semana Koba mandou dois amiguinhos para o posto de saúde local. No mês seguinte, um garoto precisou ser hospitalizado (fratura no braço). Então, mais um mês depois, Maddie chegou à escola.

Era como juntar um grande gato siamês e um camundongo albino na mesma sala. Por causa das advertências e suspensões, Koba adivinhava que não podia pesar a mão ao encostar naquela menina raquítica e miúda. Mas isso não o impedia de grudar chiclete em seus cabelos longos, estragar seus cadernos e tingir a blusa da farda dela com o lanche do recreio. Até onde a coordenadora lembrava, foi o período mais criativo de Koba desde que chegou à escola. Ele, que estava acostumado a resolver tudo com os punhos, tinha que se desdobrar para infernizar a vida da novata sem mandá-la para a UTI no processo.

Quanto a Maddie, aturava a perseguição com uma calma inabalável que assombrava a todos. Em seus primórdios na escola, a pequena ditadora ainda não tinha dito a que veio. Pouco falava, na verdade. Andava pelos cantos, quieta e observadora, os cabelos pingando suco (cortesia do Koba). Até que um belo dia, ela parou de ir à escola.

A coordenadora foi à casa da garota, já prevendo um desastre. Ser perseguida em seus primeiros dias na escola nova devia ter sido demais para a cabecinha da garota. Para sua surpresa, encontrou Maddie em perfeitas condições mentais. A garota explicou com desenvoltura que esteve adoentada por virose nos dias anteriores, e chegou até mesmo a sorrir quando afirmou estar pronta para voltar no dia seguinte. Na época, ela até que era uma menininha agradável.

O resto, como dizem, é história. Poucos registros existem daquele acontecimento, e mesmo a coordenadora não sabe ao certo o que houve. Entre os alunos da sala, que em sua maioria estavam ali desde aquela época, a versão mais aceita dos fatos é a que se segue.

Koba estava furibundo como sempre, perturbando a aula, o professor, os coleguinhas e qualquer um que passasse no corredor. Os companheiros já estavam se acostumando a ter um garoto irritadiço e com um parafuso a menos entre eles, de modo que procuravam não irritá-lo ainda mais nem ficar em seu caminho. E foi exatamente o que a Maddie não fez, assim que bateu o sinal do recreio.

– Tá no meu lugar– o garoto bufou ao encontrar Maddie no banco do pátio onde ele costumava ficar. Os bancos podiam abrigar pelo menos seis alunos, mas Koba precisava dele inteiro vazio, para poder descansar toda a sua raiva do mundo.

As crianças que passavam por ali não se atreviam a parar para olhar. Aquele impasse provavelmente terminaria com a ambulância na porta da escola outra vez. Os alunos cochichavam entre si, imaginando que a virose devia ter fritado os miolos da menina.

Ela aprumou-se ao ver o brutamontes. Então abriu a lancheira em forma de foguete sobre seu colo. E antes que Koba se enervasse com o descaso da garota, um aroma pungente lhe invadiu as narinas.

Azeite. Camarões. Fritura.

– Eu sei– Maddie ergueu o rosto para ele, com toda a calma do mundo. –Vim pra cá porque achei que você fosse querer.

Ela estendeu um embrulho a Koba, que piscou devagar, estarrecido. Então, como um rottweiler arrependido, aceitou o pacotinho e sentou-se ao lado da garota. Comeu em silêncio, meio cabisbaixo, e só depois de terminar ele voltou-se para Maddie, o rosto brilhando de azeite.

– ...Como você sabia que eu gosto de acarajé? –indagou numa vozinha sumida.

Maddie suspirou e entregou um guardanapo para que ele se limpasse. –Ouvi falar algumas coisas sobre você, Kobayashi. Sobre como detesta sushi, e não gosta de artes marciais.

– Eu prefiro luta livre– ele comentou enquanto se limpava.

– Verdade que não sabe nenhuma palavra em japonês?

– Bom, acho que o meu nome conta como uma palavra.

– E qual seu personagem preferido de desenho?

Ele fez uma bolinha com o guardanapo, pensativo. – Acho que o Hulk.

– Sério? Você não gosta de Naruto?

Koba soltou uma risada cavernosa, que estrondou os bancos próximos, assustando a todos. Não porque nunca tinham ouvido o Koba rir, mas porque era um negócio assustador mesmo.

– Um ‘ninja’ que se veste de laranja e todo mundo sabe o nome dele? Não, valeu. Prefiro o cara verde. E aquele lá da aranha radioativa.

– Puxa– Maddie deu um sorrisinho. –Pois eu jurava que você era japonês, sabe.

Os olhos oblíquos dele se estreitaram no rosto largo.

– Meus avós são. Até onde eu sei, eu nasci aqui mesmo.

– Hmm. E como é ter que fazer coisas de japonês, mesmo não sendo um?

– Então, é um porre! – Era surpreendente ver Koba naquela familiaridade, falando alto e gesticulando como se Maddie não tivesse sido seu alvo até poucos dias atrás. – Meu vô quer que eu aprenda a desenhar aquelas letrinhas japonesas. Minha mãe vive fazendo peixe cru em casa, e meu pai não me deixa assistir a WWE. Eu tenho que ir escondido no vizinho pra poder ver a Wrestlemania... Mas o pior nem é isso!

– E o que é? –Maddie indagou, genuinamente interessada.

Koba suspirou muito fundo, antes de desabafar.

– Aquela turma ali– apontou com o queixo rombudo. Um agrupamento de garotinhos de óculos os espiava de longe, dispersando-se assim que se viram descobertos. –Eles nunca viram alguém de olho puxado não? Ficam pegando no meu cabelo e tirando foto da minha cara. Teve um que trouxe uma roupa de Naruto e queria que eu vestisse!

– O nome é ‘cosplay’– um garotinho sussurrou, mas ao ser fuzilado pelo olhar de Koba, sumiu numa nuvem de fumaça.

– Foi por isso que você quebrou o braço dele?

– Não, não foi esse. Foi um garoto que achou que podia sentar no meu banco.

Maddie assentiu tranquilamente. – Moleque abusado. Devia pelo menos ter trazido um acarajé pra você, não é.

– Pois é– Koba balançou a cabeça, consternado. – Então, valeu pelo lanche. E por me escutar. Ah sim, não vou mais mexer contigo, pode ficar tranquila.

– Esquece isso– ela abanou a mão em pouco caso. –Mas o que você vai fazer daqui pra frente? Vai continuar aceitando que os outros lhe digam como você deve ser?

– Não...! –Ele piscou lentamente. Aquela ideia parecia lhe ocorrer pela primeira vez. –Não. Tô de saco cheio de viver frustrado e descontar nos outros. Eu quero ser quem eu sou e bater nos outros por nenhum motivo em especial.

– Muito bem. Se você está determinado mesmo, posso te ajudar.

– Sério? –Koba exclamou, os olhos pequenos brilhando de gratidão.

– Claro. Afinal de contas, você é a força que eu não tenho, e eu sou o cérebro que você não tem. A partir de hoje, conte comigo para lhe levar ao caminho da liberdade.

Ele parecia chocado. Em sua mente, Maddie devia ser o anjo da guarda enviado especialmente para ele.

Os que assistiam também estavam chocados, em ver aquela massa de músculos oriental se dobrar diante de um espirrozinho de gente.

– E... E o que eu tenho que fazer?

Maddie sorriu triunfante. – Um dia eu vou dominar essa escola. Até lá, seja meu súdito e me ajude em minha missão.

Koba parecia fazer algum esforço para entender, mas desistiu a meio caminho. Ajoelhou-se diante de Maddie, e foi assim que ela o ordenou como seu primeiro cavaleiro.

Conta-se que depois disso, se seguiu uma série de vandalismos por parte do aluno Kobayashi, que para iniciar sua jornada de libertação, saiu destruindo todos os outros bancos da escola. Ao menos é o que consta no relatório feito pela coordenadora. Os bancos já estavam pichados e meio quebrados havia séculos, então era hora de cobrar da prefeitura alguns reparos. Quem diria que a presença de Koba poderia trazer algum benefício para a escola.

Claro, usar o mau comportamento de um aluno como pretexto era sacanagem, mas havia um garoto com o braço na tipoia que também sabia como era ser sacaneado. Desse modo a coordenadora achou que ela e o Koba estavam quites.

Agora, ele estava por conta da Maddie.


Koba foi a primeira e uma das mais importantes peças de Maddie na sua estratégia de dominação da escola. E retornando ao nosso tempo atual, oito anos depois do incidente do acarajé, ele continuava a ajudar nos momentos cruciais.

Como na primeira reunião dos representantes estudantis daquele ano.

Era época de crise econômica, e o conselho estudantil já abria o ano com o cofre no vermelho. Ivan, como sempre, estava pressionando os representantes em busca de soluções. Era parte de suas obrigações como presidente: aprovar decisões e fazer pressão nos membros. O que significava que ele não movia um dedo para resolver qualquer coisa.

Isso geralmente tirava Maddie do sério, mas não naquele ano. Ela esperou a tesoureira estabelecer a meta de arrecadação para cada turma, assistiu a tudo calada e deixou a reunião sem dizer um pio, o que era um milagre.

– Será que a Maddie tá bem? – os outros indagavam entre si.

Ivan sabia que ela estava mais do que bem. Quando aquela garota fechava o bico, é porque estava maquinando alguma coisa.

Mas ao contrário do que ele imaginava, na reunião seguinte, Maddie não chegou com o melhor plano de ação de todos. Ela chegou com um envelope bem gordo.

– Essa é a cota da minha sala– disse, enquanto a tesoureira conferia o dinheiro. –Se os outros representantes estiverem tendo problemas, posso arrecadar o bastante pra vocês também.

– “Arrecadar”? –Ivan indagou desconfiado. – Como exatamente você “arrecadou” esse dinheiro todo em tão pouco tempo?

– Então– Maddie o ignorou, encarando o resto do grupo. –Conseguem juntar dinheiro sozinhos ou eu faço isso pra vocês?

Ninguém mais conseguia juntar o dinheiro sozinho, então a Maddie fez isso para eles. E então, na reunião seguinte, o cofre do conselho já estava pronto para suprir as necessidades dos representantes pelo resto do ano.

Não que Ivan se importasse muito com o método. Mas ele estava curioso pra saber quem a Maddie havia extorquido pra conseguir o dinheiro em menos de duas semanas. Será que tinha chantageado alguém da câmara de vereadores? Ou o próprio prefeito? Maddie era boa em descobrir os podres das pessoas, Ivan não ficaria nada surpreso se o chefe da cidade estivesse na palma da mão dela naquele momento.

Mas a verdade era absurdamente mais simples.

Quando a reunião dos conselheiros acabou no dia seguinte, ele esperou todos saírem da sala e encostou a Maddie na parede.

– Descobri seu “método de arrecadação”– disse ele triunfante. –Vindo de você, era tão óbvio que não sei como não tinha adivinhado.

– Mesmo? –Ela deu um sorrisinho de petulância. –E o que foi que você descobriu?

– Koba, o seu pau-mandado. Vi ele extorquindo uns garotos da Vera Cruz na saída do colégio.

– E?

– Óbvio, não? Você conseguiu sua meta mandando o Koba roubar os alunos das escolas particulares.

– Não seja injusto– ela reclamou. – Não tem nada de errado num bullying fora do nosso território.

– Oh sim, isso é muito justo.

Ivan encarava a garota, ameaçador. Mas poucas coisas no mundo intimidavam a Maddie.

– E o que vai fazer? Vai contar pros outros membros? Eles vão adorar saber que conseguimos pegar a grana dos playboyzinhos da cidade. Podem até me dar um prêmio por isso.

– É, eu sei disso. Roubar dos ricos pra dar aos pobres. É uma justiça social tremenda. Mesmo que você tenha usado um oriental de dois metros de altura pra intimidar alunos indefesos.

– Poxa, você está quase me comovendo com a sua empatia. Terminamos aqui?

Ele lhe sorriu, um sorriso demoníaco, que sabia que a deixava rangendo os dentes.

– Estou ansioso pra ver o que mais você vai aprontar esse ano, Maddie.


Era meio dia e boa parte dos alunos já tinha ido para casa almoçar, mas sempre havia alguns que preferiam lanchar no T-Rex. O Jonas, que gostava de variar o feijão com arroz. A Paulinha, porque o pai era um desastre cozinhando. E o Koba, sabendo que só teria sushi e outras coisas saudáveis em casa. Estavam dando conta de alguns sanduíches quando a Maddie se juntou a eles.

– Você sempre sai acabada dessas reuniões– Paulinha lhe estendeu um cachorro-quente. –Espero que lidar com o Ivan não tire o seu apetite.

– Jamais– ela resmungou. – Frustrações me dão mais fome ainda.

– Posso dar um jeito nele se quiser– Koba se ofereceu prontamente.

Maddie sorriu. –Não, você está invicto de suspensões há oito anos. Não vale a pena se queimar por causa de um vermezinho prepotente...

Koba até que tinha feito progressos, ela refletiu. Continuava sendo o terror dos novatos, ostentava com orgulho suas notas baixas em matemática e andava por aí com sua camisa favorita do John Cena, mas ao menos a ambulância nunca mais foi chamada na porta da escola. De modo geral, sua fúria estava sob controle e os outros alunos tinham um pouco de paz.

A única coisa que preocupava Maddie era uma novidade na mochila do Koba. Um button de alguma coisa chamada Attack on Titan reluzia ali para quem quisesse ver. Estaria ele finalmente se interessando pelo país de seus avós? Ou aquele era o primeiro passo para o Koba se tornar um otaku?

Maddie jamais saberia, e jamais perguntaria. Koba estava praticamente domesticado, mas ela gostava demais de seus ossos para arriscar a integridade deles.


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Notas finais do capítulo

Seinassessi nadisi ni YÊGAR!!!
Não, a Maddie não é uma personagem moralmente correta. Pouquíssimas pessoas nessa história são.
E bullying não é legal. Mas isso você já sabe, eu espero!
Obrigada por lerem até aqui! Comentem, comentem!
Té maisinho :***



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