Cold Blood escrita por Miss America


Capítulo 9
Capítulo 8 — Trust Issues


Notas iniciais do capítulo

(Problemas de confiança)

Foi aqui que pediram capítulo de 9 mil palavras?

*Literalmente postando e saindo correndo*

Perdoem qualquer errinho gramatical.
Aproveitem!!! Beijos.

Músicas do capítulo:
Georgi Kay - Gof Of A Girl
Lorde - A World Alone
Foster the People - Pumped up Kicks (Bridge and Law Remix)
Machineheart - Shelter



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Erin desligou o carro e encarou a clareira em sua frente. Tentando livrar-se da tensão dos músculos, ela mexeu os ombros e concentrou em reunir toda valentia que possuía. Essa ideia maluca tinha surgido alguns minutos antes, quando ela estava pegando um atalho para chegar em casa. Pensando bem, de fato, ir para o meio da floresta não era muito inteligente, mas ela não ia demorar mais do que o necessário.

Sem fazer barulho, ela abriu a porta do motorista. O cheiro de terra molhada invadiu suas narinas e uma brisa quente quase a fez querer se encolher de volta dentro daquela espelunca e torcer para que o ar-condicionado funcionasse. Com um pulo, ela desceu da caminhonete e aterrissou na estrada de cascalho com os dois tênis em um baque surdo.

Em direção ao bagageiro, contornou a caminhonete e fez força para abri-lo. Assim que conseguiu desemperrar a porta, empurrou a lona que sempre ficava ali para proteger a bagagem em caso de chuva e olhou para os lados a fim de certificar-se de que estava sozinha. Quando teve certeza de que estava, pegou a pá que trouxera de casa e a colocou ao seu lado no chão, tirando o celular do bolso do suéter escolar.

— Ah, droga. — praguejou, quando o desbloqueou e viu que não tinha sinal. Ela suspirou e jogou a cabeça para trás. Teria que se guiar por conta própria.

Com o sol brilhando atrás de suas costas, Erin revirou os olhos e caminhou pelas árvores que contornavam a clareira com a pá junto ao corpo até encontrar uma em específica, em que um "A" dentro de um coração estava entalhado no tronco. Sem poder se conter, seu dedos foram de encontro às marcas, alisando-as antes dela deixá-las para trás e começar a contar os passos que seguia rumo floresta a dentro.

Um. Dois. Três. Um pássaro tomou voo, chacoalhando suas asas para longe. Seis. Sete. Ela pisou em um galho. Doze. Treze. O galho prendeu em seu cadarço e ela tentou chutá-lo para fora de seu campo de visão. Dezessete. Dezoito.

Estava chegando.

— Vinte. Vinte um. — murmurou, congelando no lugar.

Olhou a terra na sua frente, com a respiração descompassada. Para qualquer um que passasse ali, seria apenas mais um pedaço de chão, com galhos e folhas para todos os lados, mas não era para ela. Ela sabia muito bem o que tinha ali embaixo e sentia-se uma idiota por isso, com o coração bombardeando e uma sensação estranha na boca do estômago. Mesmo se preparando para aquilo desde que recebera a notícia do corpo da represa, estar ali, de novo, na mesma floresta onde tudo acontecera, era... aterrorizante.

Erin pegou a pá e, sem hesitar, começou a escavar. Depois de um bom tempo cavando e uma boa quantidade de terra jogada para fora do buraco, a garota olhou para o fundo dele, sem surpreender-se.

Como ela imaginava — e temia —, estava vazia.

*

— Catherine?

O sinal estridente do terceiro tempo bateu, mas não foi suficiente para despertar Catherine do seu estado catatônico. Ela remexeu-se na cadeira e continuou encarando a árvore de folhas amarelas do outro lado da janela, balançando todas em um ritmo de vai-e-vêm. Apenas quando os alunos ao seu lado se levantaram e fizeram barulho, como um bando de papagaios-kakapos, que ela acordou do transe em que se encontrava, começando a guardar suas coisas espalhadas pela carteira, quase de modo automático.

Jogando tudo na bolsa, a loira pegou sua garrafa de água e olhou para os lados, trocando o peso do corpo de uma perna para a outra, procurando por algum rosto conhecido. Ela estava distraída demais com a porção de coisas acontecendo todas ao mesmo tempo e nem percebeu que fora a única que restara na classe. Megan provavelmente estava matando aula treinando passos de coreografia sozinha na pista de gelo do ginásio. E, por mais que ela quisesse esquecer Lexi, seus pensamentos imediatamente foram para a loira de olhos verdes.

Se ela estivesse ali, como de costume, com certeza ela já teria encontrado a garota e entrelaçado seu braço no dela para contar que algum garoto do terceiro ano havia mandando mensagens para ela no meio da aula, convidando-a para sair.

Lexi sempre a esperava quando o sinal batia para a troca de horários. Ela nunca deixava as amigas sozinhas.

— Catherine?

Catherine deu um pequeno pulo no lugar, deixando a garrafinha que segurava entornar no blazer e molhá-la perto do emblema da escola.

— Perdão, não queria assustá-la.

— Tudo bem.

A garota afastou a água do corpo para evitar outro acidente e virou o rosto, encontrando os olhos acolhedores de Malcolm Langdon.

— O senhor me chamou? — sussurrou, perdida.

Malcolm continuava bonito e elegante — como sempre fora, o suficiente para arrancar suspiros das velhinhas da igreja —, apesar de ter pequenas olheiras ao redor das órbitas azuis e barba por fazer.

— Você ouviu o que eu disse? — ele levantou as sobrancelhas enruivadas por debaixo dos óculos. Seu semblante era uma mistura de preocupação com receio. Catherine piscou forte.

— Não, desculpe.

— Eu disse que sua dupla no trabalho é Zoey Shaw. — explicou, devagar. — É um resumo, para a próxima semana.

A loira sentiu sua cabeça girar. Esperou que ele estivesse brincando, mas o homem continuava com a mesma expressão. Ela olhou para a carteira que a nova companheira de trabalho geralmente sentava nas aulas de história, próxima a saída, e engoliu em seco. Dando uma espiada rápida no quadro por cima do ombro do professor, viu rabiscos em letras miúdas sobre Napoleão Bonaparte preenchendo toda a superfície negra da lousa. Sua cabeça girou novamente.

— E também disse que você pode ir lá em casa hoje, caso queira, para estudar com Sam. — ele continuou. — Você não prestou muito atenção na aula.

— Hã, claro. — sorriu a garota, voltando sua atenção para ele, envergonhada. — Sinto muito.

— Sua mãe... está bem? — Malcolm perguntou, antes que ela se virasse para ir embora.

— Bem. — a loira respondeu, aliviada por ser um assunto que ela poderia responder sem ter que pensar muito. — Atolada de trabalho, mas bem.

— E Mary Anne?

— Também.

— Que bom.

A loira assentiu. Malcolm todos aqueles anos havia sido seu segundo pai, já que o seu não estivera presente, ocupado demais com a nova família. Ela adorava ir para a casa de Sam e ficar conversando com ele sobre a última temporada de rúgbi dos Blues — já que, em casa, segundo sua mãe, gostar de rúgbi não era lá muito promissor para o seu futuro —, mas com os acontecimentos recentes tudo estava estranhamente fora do eixo.

— Ei, espere. — ele voltou a chamá-la e mexeu desajeitadamente os cabelos, parecendo não saber como começar. — Eu quero que você saiba que você é uma ótima amiga para Sam e... E também quero que saiba que perder alguém é uma dor... terrível, mas vai passar. Mesmo que seja difícil, uma hora vai.

Catherine concordou, sem graça. Deu um passo para trás, pronta para deixar a classe caso contrário começaria a chorar ali mesmo. Por que todos insistiam em falar de Lexi como se ela já estivesse morta?

Malcolm sorriu brevemente e virou-se de costas, começando a apagar o quadro.

— Senhor Malcolm? — ela parou, feito um cachorrinho treinado, no meio da porta, com metade do corpo para fora. A mancha de água no blazer fez uma brisa fria atravessar sua barriga.

— Sim? — o professor parou e virou-se para ela.

— Eu senti falta de conversar com o senhor.

Malcolm sorriu e acenou com a cabeça, como um agradecimento silencioso. Catherine sorriu de volta e girou os calcanhares em direção ao corredor dos armários.

*

Quando Sam percebeu, seus pés se moviam por vontade própria em direção ao gramado, na parte externa da escola, onde os jogadores do Santa Kennedy Settlers estavam treinando passos de hóquei na grama para começar os testes de seleção. Ela subiu às arquibancadas sem dificuldade e sentou-se na parte mais alta, com a mochila no colo e o celular em mãos, aberto no bloco de notas que ela tinha anotado as informações de sua pesquisa. Tinha tentado estudar química minutos antes, mas a sua mente vagava automaticamente para o corpo na represa, então ela resolveu focar-se em apenas uma coisa.

Quatro garotas que ela não reconheceu apareceram e sentaram-se próximas a ela, fazendo com que ela cobrisse o aparelho com as mãos, com medo de que elas lessem. As quatro eram morenas, mas somente uma tinha cabelo encaracolado e parecia ser mais velha que as outras, que deviam ser de anos inferiores. Ela não queria prestar atenção, mas foi inevitável. Duas delas iniciaram uma votação animada para eleger quais dos jogadores, que estavam treinando sem camisa, era mais bonito e musculoso.

Sam fez uma careta involuntária, mas não deixou de olhar para os rapazes para fazer sua própria análise pessoal. Ethan era mais bonito que todos eles.

— Por que eles treinam sem camisa, se vão jogar no gelo? — uma voz feminina soou, bem próxima ao seu ouvido, fazendo-a tomar um pequeno susto e bloquear a tela do celular. Seus olhos azuis focaram-se na garota ao seu lado. Era a de cabelo cacheado.

— Eu... — Sam franziu as sobrancelhas e olhou de novo para onde os garotos estavam, agitando seus tacos. — Eu queria ter uma boa resposta para te dar agora, mas a verdade é que eu não sei. Talvez seja masculinidade frágil.

A garota desconhecida sorriu. Era bonita, tinha maçãs do rosto salientes e um sorriso que preenchia todo o rosto, além de adoráveis olhos cor-de-avelã que ela não tardou a revirar:

— Ah, Deus, meninos são terríveis. Os daqui também abanam o rabo quando são elogiados?

Sam não conseguiu segurar o riso:

— Claro, eles até rolam no chão de barriga para cima pedindo carinho. 

A estranha riu de volta.

— Quando o treinador chegar, ele vai mandá-los vestir os uniformes. — informou a australiana, sem ter certeza de que estava certa. Ela não estava tendo certeza de muitas coisas naqueles dias. Tentou puxar da memória todos os jogos que tinha visto e o que os jogadores faziam depois de tomar um sermão do Sr. Campbell, o técnico, mas nenhuma das lembranças ajudaram. 

A única coisa que ela se recordava era que antes das partidas começarem ela e Kurt namoravam atrás das arquibancadas ou no vestiário, seu lugar preferido. Lá a banda de Santa Kennedy não ficava atrapalhando os dois com os trompetes, saxofones e aqueles pratos barulhentos.

Geralmente o sr. Campbell gritava por trás de seu grande bigode coisas do tipo "Husenburg, eu sei que você está aí" e socava a porta da cabine em que os dois estavam, enquanto ela ainda estava nos braços do namorado. Eles imediatamente se separavam e riam enquanto vestiam suas roupas de volta o mais rápido que conseguiam.

— Eu espero que pelo menos eles ganhem um petisco no final pelo esforço em exibir esses tanquinhos.

Sam deu de ombros.

— É o clichê do ensino médio.

A desconhecida estendeu a mão.

— Hazel.

Antes que a outra sorrisse e apertasse seus dedos contra os dela, ela completou:

— Fique tranquila. Eu não tenho câncer.

— Nem um namorado com uma perna a menos?

— Felizmente estou solteira.

— Bem-vinda ao clube. Bom, você já deve saber meu nome.

— Eu deveria?

Sam tirou uma mecha de seu cabelo da frente do rosto, colocando-a de volta atrás da orelha. Tinha esquecido momentaneamente que sem Lexi ao seu lado ela voltava a ser a filha do professor com sotaque engraçado, que era bonita, inteligente e legal, mas não o suficiente para conseguir fazer amigos e ser convidada para festas.

— Oh, não. Você é uma ex-estrela famosa e eu não a reconheci?

— Não. — ela riu. — Sou apenas Samanta, ou Sam... tanto faz. Uma menina comum de cidade pequena, nada famosa.

— Tudo bem, Samanta ou Sam tanto faz. — Hazel inclinou-se em direção a garota. — Me explique porque as garotas daqui são obcecadas por quem é de fora.

— Como assim?

— Bom, eu moro aqui. Há muito tempo. Mas estudava em Muriwai e passava mais tempo lá do que aqui, para ser sincera... Enfim, longa história totalmente desinteressante. — ela abanou a mão, como se o fato não fosse de relevância. — Desde que cheguei umas cinco garotas ficam grudadas no meu pé. Aquela ali até me convidou para os testes de líder de torcida. Parece que isso tudo é um Meninas Malvadas e eu sou a Cady.

Hazel apontou para um grupinho de garotas, distante delas, perto da linha de fundo do gramado. Sam não conseguiu ver o rosto de todas pela maioria estar de costas, mas a de cabelo preto com meio metro no meio delas com certeza era Megan Ahuana e a sentada de pernas esticadas na grama, mexendo distraidamente no que parecia ser seu telefone, era Catherine. Ela franziu o cenho e olhou para a novata. Não lembrava-se de ter visto o seu rosto em algum lugar e nem conseguia imaginar Megan conversando e sendo simpática com outra garota que não fosse a loira. Principalmente sendo simpática.

Enquanto Hazel ainda encarava o grupo de meninas, Sam teve um estalo de consciência, digitando uma rápida mensagem para Catherine. Deus, como ela não tinha pensado naquilo antes?

A loira deve ter recebido a mensagem nos mesmos segundos, pois não demorou para levantar a cabeça e encarar a amiga de longe antes de sussurrar algo a Megan, levantar e pegar sua bolsa, rumando em direção ao prédio da escola.

— Vocês já matriculou-se em alguma atividade extracurricular? — Sam perguntou a garota ao seu lado. Hazel fez uma expressão confusa, mas abriu a boca:

— Sim, no clube de deba...

— Que legal! — a australiana não a deixou terminar. — Eu também estou matriculada nesse. Te vejo lá. — e recolheu suas coisas, descendo as arquibancadas o mais rápido que seus pés conseguiam para não perder Catherine de vista.

*

Erin olhou para as suas mãos agarradas ao volante assim que estacionou em frente de sua casa. Por mais que agarrasse o tecido de couro com força, elas continuavam tremendo de um jeito assustador. De um jeito que Erin não queria que elas tremessem.

Por que ela estava assustada? Ela não devia estar. Sua mente viajou para longe enquanto ela encarava suas unhas, quebradas e sujas de terra. Após ver o buraco vazio, Erin gritou de frustração, como um animal machucado, largou a pá, ajoelhou-se em frente a cova e começou a cavar com as próprias mãos. Não tinha nada lá embaixo, ela sabia, mas queria acreditar que não. Queria acreditar que aquilo era tudo um pesadelo terrível.

Queria acreditar em alguma coisa.

Depois de um tempo, ela parou. Exausta. O buraco tinha aumentado relativamente de tamanho e seus tendões doíam. Ela ficou olhando a cova desocupada e pensou que assim como aquele buraco — aquele maldito buraco — ela também estava vazia por dentro. A última esperança que tinha esvaiu-se e ela, por falta de palavras melhores, tinha fodido com tudo.

Escorregou as costas até a terra cheia de galhos e folhas e deitou-se, abraçando as pernas e ficando lá, pouco se importando se ia voltar para casa encardida de terra. O vento tinha diminuído a força e os passarinhos pararam de cantar, como se lamentassem a situação. O lugar ficou calmo, mas não era assim internamente que Erin se sentia. Foi quando permitiu-se chorar. 

Agora, imersa no silêncio do carro, ela respirou fundo e passou as mãos no rosto. A rádio informava a previsão do tempo — sol forte para os próximos dias — e ela esticou a mão para desligá-la. Assim que o fez, tirou o cinto de segurança e escutou uma batida forte na janela ao seu lado, perto de sua cabeça.

— Porra, Dylan! — ela gritou, depois de pular de susto e virar o rosto, reconhecendo o garoto sem camisa de cabelo preto, acenando para ela do lado de fora. A morena socou de volta a parte do vidro onde o irmão estava encostado e abriu a porta do motorista com brutalidade. — O que você estava pensando?

De trás do gêmeo, apareceu mais dois garotos. Um estava sem camisa e o outro, com uma regata cinza. Todos os três encharcados, da cabeça aos pés. Deviam estar nadando no lago atrás do sobrado dos McCarthy.

Dylan sorriu e agitou o cabelo molhado na direção dela. Alguns pingos respingaram em seu rosto.

— Por que você está suja de terra? — ele perguntou, com a língua enrolada.

Erin o analisou rapidamente da cabeça aos pés, não precisando ligar os pontos para saber que ele estava fora de si. Bastou ela ver suas pupilas dilatadas que percebeu.

— Quer nadar com a gente?

Ela se esquivou do irmão, dando passos para trás enquanto encarava os outros dois garotos. Dylan perdeu um pouco o equilíbrio, mas conseguiu se segurar no lugar. 

— Qual é o nome de vocês? Vocês são do primeiro ano? — perguntou, revirando os olhos quando eles acenaram com a cabeça. — Pois bem, se vocês não derem o fora daqui agora eu vou chamar a mãe de vocês e se reclamarem eu chamo a polícia. Vou dizer que tem dois menores de idade bagunçando meu quintal.

Os dois amigos se entreolharam assustados, mas não tardaram em seguir as ordens da garota.

— E isso serve para você também, seu sem noção! — ela deu um soco em Dylan, bem onde uma pequena ferida, roxa e em formato de círculo, marcava seu antebraço. — Seu imbecil, você repetiu de ano, duas vezes! Quer repetir uma terceira, é isso, então? Vai ficar cheirado o semestre inteiro? É o terceiro dia de aula e você não foi nem no primeiro!

— Cacete, Erin! — ele gritou e colocou a mão onde fora a pancada. Estava pronto para começar a xingá-la, mas ela não continuou lá para ouvir. Passou reto pelo irmão, indo direto para o seu quarto e subiu o segundo lance de escadas.

Assim que alcançou a maçaneta da porta dos seus aposentos, parou e olhou para a porta atrás de si, onde era o quarto de seus pais. Hesitante, ela balançou a cabeça e abriu a porta do seu, jogando sua mochila de qualquer jeito na cama ainda de lençóis feitos, dando duas voltas na fechadura atrás de si com um suspiro preso na garganta.

O lugar estava do jeito que ela o tinha deixado: intocado. As paredes pintadas de um amarelo claro e os móveis de madeira escura eram para recebê-la de um jeito hospitaleiro, mas não era assim que ela se sentia ao entrar naquelas quatro paredes que insistia em chamar de quarto. Os pôsteres de bandas e a bandeira neozelandesa que ela tinha sorrateiramente roubado do Kai's continuavam na parede, com exceção de um pôster do Bon Jovi que ameaçava cair a qualquer momento.

A morena suspirou e olhou em volta, decidindo fazer uma coisa que não fazia desde criança. Caminhou em direção a sua janela e curvou-se sobre o batente, passando uma das pernas para fora e pisando em segurança para depois passar a outra.

Ela se acomodou de pernas cruzadas sobre as telhas do telhado da garagem, tomando cuidado para não fazer nenhum barulho. De onde ela estava dava para ver a fazenda dos vizinhos e o estrago que ela tinha feito quando fora estacionar. Havia marcas de pneus por toda a grama e com certeza sua avó iria achar ruim quando visse suas roseiras amassadas e a caixa de correio tombada para o lado.

A casa dos McCarthy era localizada em uma rua sem saída, longe da área urbana. Era única, diferente das casas dos Grimes e das outras casas no centro da cidade, vitorianas com tijolinhos e paredes tom pastel. Tinha dois andares e uma varanda lateral com uma cadeira de balanço e um sofá de dois lugares. Atrás da propriedade havia uma quadra improvisada com uma cesta de basquete e uma mesa de piquenique há muito tempo não usada.

Erin não podia negar. Quando pequena, ela amava morar no meio do nada. Sua versão de doze anos gostava do cheiro de ar fresco, dos barulhos que os grilos faziam de noite e, principalmente, das poças de lama que surgiam pela estrada quando chovia. Os únicos problemas eram a quantidade absurda de pernilongos, o frio que fazia durante o inverno e, claro, seu pai.

— Toc, toc. — uma voz masculina disse atrás dela enquanto ela encarava o céu ser pincelado em uma transição do azul para o laranja, pensando em toda a porção de coisas que vinham acontecendo.

Ela levantou o rosto e virou-se, vendo o irmão mais velho. Ele estava com o corpo para fora da janela do quarto que antes dividia com os dois irmãos mais novos na época que ainda morava com os pais e sorriu, levantando a perna para juntar-se a ela.

— Vovó está esmurrando a porta do seu quarto, só para você saber. Dylan disse que você bateu nele.  

 Erin revirou os olhos, limpando a poeira dos tênis distraidamente.

— Ele estava cheirado. 

— E você quis dar uma lição de moral nele baseada na violência. — Tyler riu, sentando-se ao seu lado e a aconchegando em seus braços.  

— Quando você voltou? — perguntou, com a voz abafada, sentindo o corpo do rapaz vibrar com uma risada debaixo de si. Ele a soltou e ela encarou seu rosto, não encontrando nenhuma mudança significativa. Ele continuava quase o mesmo, com a pele um pouco mais morena do que a dela, os traços marcantes e os longos cílios espessos. Tinha puxado dolorosamente seu pai.

— Ontem, de madrugada. Fiquei em um hotel na estrada e agora estou aqui. — o universitário informou e olhou para a caçula antes do sorriso desaparecer no rosto, dando lugar a uma careta. — Por que parece que você rolou na grama junto com Frodo?

Erin sorriu, pega de surpresa. Ele estava falando do mascote da família, um pastor-da-Nova-Zelândia, que devia estar fazendo o que mais gostava de fazer: correr atrás de coelhos pelos bosques a fora.

— Estava no jardim. — mentiu. Tyler continuou olhando-a. Erin reconheceu aquele olhar e sentiu o sangue congelar da cabeça aos pés.

— Papai me contou que você ainda está o ignorando. Eu sei o que ele fez, Erin, mas você não pode ser tão má com ele.

A garota soltou o ar que estava prendendo.

— Sim, eu posso e vou. Onde ele está agora, afinal? — um riso amargo saiu de sua garganta. — Aposto que enchendo a cara. É a única coisa que ele faz. — ela disse, surpreendentemente sem gaguejar e mordeu o interior da bochecha, vendo as hélices do moinho da fazenda dos vizinhos balançar a alguns metros de onde eles estavam. — Você devia fazer o mesmo.

— Você está sugerindo que eu o ignore? — Tyler procurou pela mão dela esquecida sobre as telhas. O telhado ainda estava morno por conta do Sol e ele logo a encontrou, entrelaçando os seus dedos nos dela. — Erin, ele ficou preocupado...

— Vamos mudar de assunto, Ty. Por favor. — ela o interrompeu. — Não quero falar sobre nada que o envolva.

O rapaz suspirou e por fim, assentiu, voltando-se para frente. O céu tinha apenas algumas nuvens e o garoto fez um carinho singelo na mão da irmã.

— O que aconteceu na represa? — ele perguntou depois de um tempo, ainda a acariciando, sem encará-la.

— Você sabe o que aconteceu. — ela murmurou, olhando para os seus dedos entrelaçados juntos. — Está em todos os jornais. Um maluco apareceu e achou que esfaquear o filho do xerife o faria ingressar no livro dos recordes. Foi uma aventura.

Ele pigarreou.

— Eu... — suspirou. — Eu sinto muito.

— Não foi culpa sua.

— Eu sei que não, mas... Se eu estivesse aqui... Não sei, eu poderia... Eu fico pensando, sabe? — Tyler murmurou, desconcertado, evitando encará-la. — Se eu estivesse aqui, talvez isso não tivesse acontecido... Nem isso, nem Dylan ter repetido de ano ou Max ter sido expulso depois daquela briga na escola... ele só tem treze anos... ou Isaac...

— Tyler, coloque uma coisa nessa sua cabeça de vento. — ela começou. Era teimoso como ele. — Nada disso é culpa sua, ok? Você não está errado em correr atrás de uma vida melhor que a nossa.

— Eu sei, mas...

— Mas nada. Eu consigo segurar a barra sozinha.

Tyler respirou fundo e ia desviar o olhar mais uma vez, porém fora impedido pelas mãos de Erin, que voaram em direção ao seu queixo e o fez encarar os seus olhos castanhos igualmente aos seus.

— Eu vou segurar a barra sozinha. — ela continuou, olhando-o nos olhos. — Mamãe vai acordar. Eu vou trabalhar, ficar rica, mudar dessa droga de cidade como você fez e levar ela, Dylan e Max comigo, mesmo que Dylan fuja na primeira semana. — o moreno riu nesta última parte, fazendo-a sorrir. — E a vovó vai voltar para Wellington, de onde ela nunca devia ter saído. Nosso pai que se dane.

— Você... ainda pensa nele?

A pergunta ficou no ar. Erin franziu o cenho.

— Em quem?

— Isaac.

A garota parou de sorrir e abaixou a cabeça.

— Muito. — soluçou, baixinho.

O rapaz concordou, triste. Segurou os pulsos da irmã e tirou as mãos dela de seu rosto, voltando a olhar para frente. Depois de um longo momento de silêncio, ele encarou-a de volta:

— Eu senti falta de conversar com você. E se serve de consolo, não acho que Dylan vá fugir na primeira semana.

Erin empurrou-o, de brincadeira.

— Acho melhor nós descermos ou algum de nós dois vai começar a chorar — o moreno apontou com a cabeça para a janela e começou a se levantar, ajudando a irmã a fazer o mesmo.

— Eu não choro.

— Exatamente. E é isso que me dá mais medo. — ele brincou, enquanto entravam para dentro. — Vovó vai fazer cordeiro para o jantar. É o seu preferido.

Erin fechou a janela atrás de si, travando-a.

— Era o meu preferido. Até eu descobrir que estava comendo bolas de pelo. — ela disse, franzindo o nariz como se estivesse com nojo. — Pode ir. Eu vou ficar aqui.

Tyler levantou as sobrancelhas e riu, colocando as mãos na cintura. A morena deu de ombros.

— Então quer dizer que você não vai jantar conosco nessa maravilhosa noite em que o seu irmão mais velho, vulgo o seu irmão preferido, está em casa?

— Uau, você conseguiu entender o que eu disse sem eu precisar explicá-lo! A faculdade definitivamente está fazendo bem para você. — ela brincou e colocou uma mão no peito, fingindo estar em choque.

Erin não conseguiu terminar pois o rapaz avançou em sua direção com os braços abertos e enlaçou sua cintura, erguendo-a no ar. Como ela não estava preparada para a brincadeira, não pode fazer nada quando ele a imobilizou e jogou o seu corpo por cima do ombro, abraçando suas pernas com um dos braços.

— Não, me solte! — ela gritou, chutando em todas as direções em uma tentativa falha de voltar a pôr os pés no chão.

— Você continua a mesma chata de sempre. — ele reclamou e beliscou a panturrilha da garota, carregando-a pelo quarto enquanto tentava desviar dos socos que ela tentava acertar em seus calcanhares, usando a mão livre para destrancar a porta do cômodo.

— E você continua o mesmo idiota com essas brincadeirinhas ridículas. — Erin devolveu quando ele a tirou dos ombros e a colocou de pé no corredor.

Antes que ela tivesse a oportunidade de protestar, Tyler em um movimento rápido trancou a fechadura atrás de si. Ficando em sua frente, ele a obrigou ter que saltar para roubar a chave de sua mão, que agora ele erguia acima da sua cabeça com o punho fechado.

— Eu sei que você não quer conversar sobre ele, então tudo bem — ele ergueu a mão que estava sem a chave, como se rendesse. —, não vamos conversar sobre ele, mas eu... a vovó, Dylan e Max... eles precisam de você... E a mamãe também. — o moreno suplicou, olhando-a no fundo dos olhos. A confissão inesperada fez Erin parar de pular e encará-lo, esquecendo-se momentaneamente de tudo o que estava acontecendo ao seu redor.

Tyler abaixou o braço e entregou a chave do quarto para ela.

— Você não pode ficar se escondendo no seu quarto para sempre. Não é o que Isaac gostaria que você fizesse.

Erin desviou os olhos antes de suspirar:

— Tudo bem, você ganhou. Eu vou. — murmurou, devagar. — Está feliz agora?

— Estou. Mas você precisa tomar um banho antes.

— Idiota.

O universitário ia abrir um sorriso, mas ela o interrompeu:

— E, só para você saber — imitou-o. —, meu irmão preferido é Max e não você.

Tyler levantou uma sobrancelha e Erin não entendeu, deixando um grito de exclamação quando o rapaz avançou novamente em sua direção e começou a fazê-la cócegas.

*

— Eu tinha esquecido como o café da máquina daqui é horrível. — Sam confessou, quando ela e Catherine sentaram-se em uma das mesas mais afastadas da biblioteca da escola, o melhor lugar que elas tinham encontrado para conversar em particular, já que Catherine não queria voltar para o banheiro.

A loira cruzou calmamente os tornozelos por debaixo da mesa. As prateleiras repletas de livros ao seu redor deixavam o ambiente claustrofóbico.

— Por que você me chamou aqui? — perguntou, sem hesitar, enquanto Sam ainda olhava distraidamente para o seu copo de papel com a bebida quente.

— Você está mais calma? — Sam dirigiu seu olhos para ela, preocupada, procurando por algum sinal. Catherine mordeu o lábio inferior e desviou o olhar para o chão de linóleo recém-encerado da biblioteca. Ela tinha comprado um café também, mas não estava com vontade nenhuma de tomá-lo e agora ele jazia frio na mesa a sua frente.

— Sua mensagem dizia que era importante.

Sam suspirou e pareceu entender que ela não queria conversar sobre o que acontecera mais cedo, pois foi direta ao ponto:

— Sim. É sobre Megan. — murmurou. Catherine piscou e, depois, levantou o olhar assustado em sua direção. Olhou-a como se tivesse acabado de ganhar um soco no estômago. — Ela roubou a sua vaga de capitã. — explicou. Catherine novamente piscou. — É a trágica história da figurante que quer vingança.

A loira deixou um sorriso aparecer por milésimos segundos em seus lábios antes de balançar a cabeça levemente de um lado para o outro.

— O que você... — ela parou si própria, inclinando-se na direção da amiga, falando com um tom de voz mais baixo:

— O que você quer dizer com isso?

A australiana suspirou mais uma vez e abriu a boca para falar, mas nada veio.

— Cath... — ela começou e pigarreou, depois de encará-la por alguns instantes, tocando a mão da garota por cima da mesa. O toque fez com que Catherine encolhesse os dedos. — Você gosta de filmes de terror, assim como eu. Você sabe como funciona.

— Sim, mas... — Catherine ficou atordoada. Ela puxou sua mão de volta e impulsionou a cadeira para trás, ficando de pé e andando em círculo antes de parar em frente às grandes janelas da biblioteca.

Dali dava para ver o estacionamento e, mais ao longe, o bosque que rodeava a escola. Suas mãos percorreram o caminho até o acessório que ela nunca tirava do pescoço: uma pequena gargantilha em formato de coração.

— Eu não consigo assimilar.

— Você ainda tem. — Samanta sussurrou, ao seu lado. Catherine precisou olhar para onde ela estava olhando para entender que ela falava do colar. Um presente de Lexi para as melhores amigas do mundo.

— Eu nunca tirei. — informou, vendo a morena assentir e sorrir tristemente. Os grandes olhos azuis petróleo dela voltaram estudar seu rosto.

— Eu sei que é difícil, mas você vai pensar nisso, pelo menos? Por favor, prometa para mim, Cath. Prometa por Lexi... Você pode estar correndo riscos.

— Você também. Com Ethan. — a loira disparou, antes que conseguisse se conter. Sam endureceu a expressão do rosto tão rapidamente que ela quase arrependeu-se.

— Eu pensei que a gente tinha descartado essa teoria.

— Sam...

— Você está deixando Erin contaminá-la com as paranoias dela.

— Paranoias? — Catherine parou no lugar, ofendida, e franziu o cenho. — Você acabou de me dizer que a minha melhor amiga está me mandando mensagens ameaçadoras, perseguiu minha outra amiga com uma faca e me trancou no banheiro.

— É... diferente.

— Não. Não é. — a outra insistiu, olhando para os lados antes de continuar. Nada de suspeito além dos livros de auto-ajuda. — Nossa vida não é um estúpido filme de terror, Sam. Se vamos suspeitar de todos, então que ele entre na lista também. Ele é o que mais tem motivo para fazer isso conosco!

Sam apertou os lábios.

— Ele é inocente.

— Erin pode estar terrivelmente certa. Quem garante que ele não descobriu o que fizemos e quer vingança? — uma sobrancelha loira de Catherine arqueou-se. — E... nós ainda não sabemos porque ele foi aquele dia no lago e Hector disse que foi ele que o atacou. Se sua teoria for válida, ele pode ser muito perigoso.

A morena jogou os ombros para trás e respirou fundo antes de dizer:

— Eu sei me cuidar.

Catherine olhou-a, com uma parte do seu interior enchendo-se de mágoa. Uma lembrança pipocou em sua mente: o dia que Alexia chamou todas suas amigas, exceto ela, para ir nadarem na piscina de sua casa e Catherine escutou, escondida atrás de uma das pilastras que dividia a garagem do quintal, que Lexi achava-na idiota por ser tão certinha.

Sam e Erin haviam concordado.

— Eu não prometo pensar no que você disse, mas vou tentar. — murmurou, com os olhos ardendo. Não tinha coragem de olhar Samanta nos olhos e por isso, focou seu olhar para os próprios pés, calçados com às meias quadriculadas azuis do uniforme e sapatos fechados.

— Cath, por favor.— ela sentiu a mão da garota parar em seu ombro. — Eu só estou preocupada com você. Megan merece o benefício da dúvida.

Ethan também, ela quis responder, mas ao invés disso apenas assentiu e mostrou os dentes. Queria que aquela conversa acabasse logo para ela ir ao shopping e conferir as novidades de verão da L'Occitane.

— Obrigada... eu acho.

Sam sorriu e afastou-se dela, pegando suas coisas espalhadas pela mesa.

— E... sobre Ethan, estou atenta. — ela voltou a falar. — Eu só quero fazer a coisa certa dessa vez. Não quero errar... de novo.

A loira assentiu, com um sorriso contido.

— Eu vou no Kai's... com o pessoal, e depois para a casa de Kurt. Eles querem fazer uma espécie de pré-festa antes de... — ela parou antes que falasse bobagem, esquecendo momentaneamente que Sam não era novata. Ela tinha estudado lá. Ela sabia como eram as coisas, como elas funcionavam. Não precisava de alguém para informá-la. — Bem, você sabe. Você quer vir?

Sam pensou antes de responder. O "pessoal'' era, em sua maioria, Kurt e seus amigos. Era o tipo de grupo que Lexi conviva, não por vontade e sim por interesse. Se você fosse amiga dos colonizadores, então você era popular. Funcionava assim e Sam não gostava dessa lógica. Kurt era sim um garoto legal — tirando os ataques de raiva, o ciúmes excessivo quando eles namoravam e, claro, ele ter sido um babaca com ela, que tudo isso junto somado culminou o término do namoro —, mas o resto do time era tão... fútil. Sam não sabia como Catherine conseguia almoçar com eles, mesmo que fosse de vez em quando.

E ela ainda não tinha o desculpado pelo soco em Ethan.

— Talvez eu apareça.

— Ok. Espero você, então. — Catherine deu um pequeno sorriso e inclinou-se para beijar a bochecha da morena, mas parou na metade do feito. Não sabia se eram mais tão próximas para terem tanta intimidade e ainda estava um pouco magoada. Ela sorriu, sem graça, e resolveu apenas acenar antes de ir embora.

*

Erin desceu as escadas do primeiro andar enquanto terminava de vestir um moletom da Universidade Comunitária de Hamilton — onde Tyler estudava economia — tentando não tropeçar no meio do caminho. Assim que alcançou o último degrau, ouviu som de murmúrios e encontrou-o junto com Max, sentados no grande sofá da sala em frente à televisão, jogando videogame. Em suas mãos, as manetes iam de um lado para o outro furiosamente conforme os movimentos do jogo de corrida exigiam.

— Eles amam jogar. — a garota escutou uma voz familiar por cima de seu ombro. Ela virou-se e encontrou a avó materna, com brincos de pérola e o cabelo vermelho-cereja perfeitamente arrumado.

Nem parecia que ela estava cortando um pobre cordeirinho em pedacinhos para assá-lo depois.

— Às vezes eu acho que Tyler cresceu só de corpo. Olhe só para ele, parece que tem a mesma idade que Max. Talvez eu devesse matriculá-lo de volta em uma creche.

— Você quer ajuda com o jantar? — Erin perguntou, receosa.

Cecelia desviou o olhar dos garotos e dirigiu as grandes órbitas esverdeadas para a neta, que encolheu os ombros. Ela aparentava ser muito mais nova do que era e lembrava demasiadamente a filha... Era difícil para Erin olhar para ela de vez em quando.

— Você me ajudando com o jantar? Ok, você está passando mal? Se sim, vá a farmácia e se vire. Tenho mais coisas para fazer.

A morena revirou os olhos:

— Estou tentando ser legal, Cecelia.

Chamar Cecelia McCarthy de "vó" era cometer uma heresia e por isso ela fazia questão de ser chamada pelo nome. Para não ser vítima de um homicídio, Erin seguia a regra. Cecelia fazia parte daquela porção de avós modernas, que mantinham um corpo de academia, iam a encontros com caras vinte anos mais novos, mentia a idade, ainda usava jeans de cintura baixa e comprava cigarro escondido.

— Estou vendo. Tenho olhos. Venha, me ajude a cortar os legumes. — pediu e tirou o avental da cintura, entregando-o para a neta. Erin o pegou e amarrou-o assim como vira na avó, dando uma última olhada nos irmãos entretidos antes de segui-la em direção a cozinha.

Ela empurrou a porta que dividia os cômodos e a primeira coisa que viu foi uma chaleira cor-de-abóbora no fogão. Em seguida, sentiu cheiro de café recém-feito e franziu as sobrancelhas. Assim com ela, sua avó odiava café. Olhou em direção a geladeira e parou imediatamente no lugar ao encontrar sua madrasta — ou melhor, namorada de seu pai — encostada nela, com uma xícara fumegante presa entre os dedos.

— Olá, Erin.

— O que você está fazendo aqui? — ela devolveu. Deu um passo para trás, sentindo esbarrar em algo que não parou para ver o que era. Estava ocupada demais encarando as duas mulheres em busca de uma justificação.

— Erin, Phoebe está aqui para jantar conosco essa noite. Finja que é educada. — Cecelia sorriu, fazendo com que o canto de seus olhos enrugassem. A garota balançou a cabeça para os lados, levantando os lábios em um sorriso incrédulo quando ela colocou uma mão em seu braço, tentando acalmá-la.

— Ele está na cidade? — indagou, com o queixo tremendo. Seu sorriso se desfez. Cecelia e Phoebe se entreolharam. Como não obteve resposta, perguntou mais alto:

— Me respondam! Ele está na cidade?

Ela escutou a televisão ser desligada e o som do jogo de videogame cessar-se no mesmo instante. Não bastou um minuto para que Tyler aparecesse ao seu lado, com Max em seu encalço, escondido atrás do armário de vasilhas, apenas observando a confusão com seu par de olhos curiosos.

— Você está falando... de seu pai? — Phoebe perguntou, compreensiva, colocando a xícara que segurava na bancada atrás de si calmamente. Seus olhos castanhos olharam-na com cautela.

— Ele não é meu pai. Não mais. — Erin rosnou, sentindo um nó de escoteiro formar em sua garganta.

— Erin...

Cecelia chamou o neto mais novo e o pegou pela mão, convencendo-o de que era melhor ele subir para seu quarto, não antes de lançar um olhar fulminante para a única neta mulher.

Tyler tentou apaziguar a situação assim que foram deixados a sós e puxou a irmã, mas ela soltou-se de seu aperto com raiva.

— Você mentiu para mim? — ela olhou em seus olhos.

Ele engoliu em seco antes de responder:

— Sim... me desculpe. Ele está na cidade. Foi ele quem me deu carona.

Erin encarou-o com firmeza. As palavras cortaram seu coração como facas afiadas.

— Eu não acredito...

— Erin, você não pode ignorá-lo por toda a sua vida.

— Ele está tentando fazer as pazes com você. — Phoebe interferiu, com um tom de voz brando, aproximando-se da garota. — Ele realmente sente muito pelo que fez, Erin, e quer consertar as coisas agora... ainda mais pelo momento que você está passando.

A morena teve vontade de rir.

— Isaac está morto. Sentir não vai adiantar nada. — ela começou, irônica. Sua garganta agora queimava. — Ele devia tentar fazer as pazes é com a mamãe, que está deitada na porra de uma cama sem ter noção que está sendo chifrada como uma vadia interesseira que nem você.

Phoebe recuou, mas não demonstrou estar ofendida. Sua expressão era incompatível. Tyler desviou o olhar, constrangido, e chamou sua atenção:

— Isabella...

Erin sentiu seu estômago embrulhar-se e mordeu o interior das bochechas.

Isabella. Seu primeiro nome, em uma singela homenagem à mãe. Tyler só chamava-na assim quando estava muito nervoso ou... ou magoado. Erin não queria magoá-lo e, no fundo (bem lá no fundo), nem a Phoebe. Aquilo tudo não era culpa deles. Antes que alguma lágrima caísse, entretanto, ela virou às costas, apressou-se para destrancar a porta da sala e a bateu com força quando saiu. Precisava tomar ar fresco.

O rapaz escutou o estrondo e levou ambas as mãos aos cabelos, frustrado. O ambiente ficou silencioso até que ele suspirou e disse:

— Eu vou falar com ela.

— Tyler, não. — Phoebe negou com a cabeça e o impediu. — Deixe ela sozinha.

Um vinco formou-se no meio de sua testa.

— Me desculpe por ela, Phoebe... Ela... Eu...

— Tudo bem. — a madrasta sussurrou, esfregando a palma da mão nos ombros do rapaz em um gesto carinhoso acompanhado de um sorriso acolhedor. — Entendo o que ela está passando. Sei que é difícil. Deixe ela um pouco sozinha.

*

Catherine agradeceu quando Peter colocou em sua frente uma porção de fritas com queijo. Como tinha chegado atrasada, todos os jogadores de hóquei do time já estavam lá e ocupavam as últimas duas mesas do restaurante ao som de um remix de Pumped Up Kicks. Ela teve que sentar num lugar mais distante, sozinha.

— Eu já decidi quem eu vou chamar para sair. — ouviu Megan dizer assim que se aproximou, com um copo de milk-shake em mãos e Sheila Bravo como acompanhante. Catherine olhou seu próprio reflexo no porta-copos e depois direcionou suas órbitas azuis para as batatas-fritas, sem fome. 

— Você... — ela começou. Ia perguntar se Megan não tinha outra coisa para fazer a não ser paquerar garotos, mas desistiu. Estava cansada de discutir e até pouco tempo atrás, quando os seus problemas não se resumiam a receber mensagens com seus segredos, ela era assim também.

A morena ignorou-a e continuou conversando com Sheila. Catherine suspirou e fingiu estar interessada na conversa das duas até que o seu celular apitou e ela o tirou do bolso. A possibilidade de ser uma mensagem do anônimo estralejou em seu peito, porém ela leu a notificação e viu que tratava-se meramente de um e-mail.

Deixando o ar que estava prendendo escapar aos poucos, desbloqueou a tela e pediu Megan licença. A gótica fez uma careta e revirou os olhos, mas acabou por arrastar as pernas para o lado para deixá-la passar.

Caminhando em direção ao balcão do bar para ninguém atrapalhá-la, a loira sentou em um canto mais afastado e abriu a mensagem.

O remetente era o Miss Santa Kennedy. Eles deviam ter respondido o e-mail que ela havia mandado, horas atrás, perguntando o que tinha de errado em sua inscrição para ela ter violado as regras. Sorriu, aliviada.

Prezada Catherine Gilbert. Pedimos sinceras desculpas pelo incômodo.

Abaixo, em tamanho 12, suas informações estavam listadas conforme pedia o formulário de inscrição. Ela começou a ler, sentindo-se tonta. Aqueles dados não eram dela. Direcionou os olhos para o campo onde localizava-se o endereço de onde deveria ser o endereço de sua casa.

Rua Swanson, número 41.

Seu corpo gelou da cabeça aos pés. O número 42 era da casa dos Langdon. Isso só podia significar que...

— Catherine? — ela deu um pulo. Kurt estava no banco ao seu lado, com os olhos azuis elétricos analisando seu rosto. Olhava-na com preocupação. — Está tudo bem?

Ela pensou em mentir, mas quando deu por si, já estava largando o celular no balcão de madeira como se ele desse choques ou fosse tóxico e levou às mãos a testa.

— Não. Preciso sair daqui. — empurrou o banco que estava sentada para trás e sem deixar Kurt questiona-la, percorreu pelas mesas até a porta de saída nos fundos do estabelecimento.

*

— Oi, estranho. — Sam murmurou, quando parou em frente a antiga garagem dos Grimes. Ethan estava lá, de costas para ela, mexendo na sua moto.

— Ei, ruiva. — ele deixou o automóvel de lado, sem parecer estar surpreso. Um sorriso pequeno formou-se em seu rosto.

Apenas quando ele se virou por completo e a luz o iluminou que ela viu que ele estava sem camisa e rapidamente focou o olhar nas pequenas orquídeas que a Sra. Grimes costumava cultivar agora em vasos esquecidos em meio ao concreto. Eram laranjas, sua cor favorita.

— O que você veio fazer aqui? — o garoto perguntou, enquanto caminhava até uma espécie de cabideiro pregado na parede e puxava de lá uma regata cinza, passando-a sobre a cabeça.

— Nada. Estava estudando e resolvi passar aqui. — a morena deu de ombros e continuou a olhar para qualquer coisa que não fosse os músculos do rapaz tensionando para vestir a blusa. Trocou o peso de uma perna para a outra e buscou em volta um lugar que não estivesse empoeirado. Encontrou um espaço na bancada repleta de ferramentas que ela não sabia o nome e tomou um impulso para ajustar-se ali, cruzando as pernas. — Vou te observar consertando essa... coisa. — ela entortou a cabeça para o lado, fazendo uma careta.

— É um motor. — Ethan riu.

Ela levantou as sobrancelhas.

— Exatamente. — ela não deu-se por vencida. — Foi o que eu disse.

Ele repuxou um dos cantos dos lábios e andou com passos calculados até ela. Ficou tão próximo que Sam pode sentir seu cheiro, uma mistura de menta com suor. Por um breve momento seu coração bateu descompassado e sua mente divagou, pensando que talvez ele iria surpreendê-la com um beijo. Ethan passou o braço por trás de seu corpo e pegou uma chave-inglesa, recuando em seguida.

Sam respirou fundo. Metade de si decepcionada por ele ter se distanciado tão rápido quanto veio e a outra metade brava consigo mesma por sentir-se decepcionada. Estava confusa. Não sabia o que estava sentindo. Se alguns meses atrás dissessem para ela que ela estaria dividindo um ambiente com Ethan Williams como estava agora, ela iria chamar a pessoa de louca. Ethan era cheio de... escuridão.

Bem, era, no passado. Aquela aura sombria que o contornava tinha desaparecido. As coisas haviam mudado depois do jantar em sua casa. Ele não era mais perigoso. Era diferente de todos os garotos que ela tinha conhecido e, meu Deus, ela tinha conhecido vários. Em Santa Kennedy não havia muitas opções. Para ela, todos os rapazes de Santa Kennedy eram iguais: tímidos e de sorriso fácil, do tipo que ajudavam senhorinhas a atravessar a rua, mas bastava você elogiar os seus cabelos ou dizer o quanto os carros deles eram maneiros que seus egos inflavam feito um balão de ar.

— Agora, tente de novo e seja sincera. — Ethan balançou a ferramenta no ar. — O que você veio fazer aqui?

— Eu fui sincera. — ela ergueu o queixo.

Uma risada nasalada escapuliu do garoto e ele voltou-se para a moto.

— Você não pode ficar aqui.

— E por que não? — a garota franziu o cenho, segurando um riso. — Estou te atrapalhando?

— Você me desconcentra.

A morena instintivamente abaixou a cabeça. Suas bochechas esquentaram, mas por sorte o loiro ainda estava virado de costas para ela e não viu quando ela fechou as pálpebras e bateu a cabeça de leve na parede atrás de si.

Quem tinha virado um garoto-típico-de-Santa-Kennedy agora era ela.

— E você precisa parar de flertar comigo.

— Eu não estou flertando com você. — Ethan sorriu, de lado. — Você que está flertando comigo.

Ela revirou os olhos, decidindo que iria ignorá-lo.

— Ok, culpada, eu menti. — confessou, querendo mudar de assunto rápido antes que um sorriso titubeasse sem sua permissão pelo seu rosto. — Eu tenho um motivo. Dois, na verdade. É que... eu não quero vê-lo brigado com Kurt.

Ethan parou no meio de seu próximo movimento.

— Kurt tem muita influência lá na escola, principalmente por ele ser o capitão do time. Ele é o Wayne Gretzky daqui. — ela tentou argumentar, vendo os ombros do garoto subirem e descerem com suavidade. — Tudo o que ele manda, os outros garotos obedecem. Brigar com ele só vai piorar sua situação.

— Você está pedindo que eu finja que ele não me chamou de maníaco e me socou no rosto? — dessa vez ele riu, com ironia.

— Não, eu só... É complicado.

A australiana suspirou e olhou para as próprias mãos. Quando treinara a conversa na sala estar de sua casa parecera muito mais fácil.

— Só não faça nada, ok? Eu vou conversar com ele e fazer pará-lo de implicar com você. Prometo.

Ethan largou a chave-inglesa no chão. O barulho do metal contra o cimento ecoou entre as pequenas paredes do lugar.

— Você não precisa fazer isso.

Sam mordeu os lábios:

— Eu quero, Ethan. — murmurou e então, pensou melhor. Ela queria mesmo? Ter que encarar Kurt de novo depois do que ele tinha feito com ela?

— Mas não precisa. — ele insistiu, sua voz com um resquício de irritação. — Eu não ligo para o que eles pensam sobre mim.

Ela ficou em silêncio por um momento. Queria saber o porquê e como ele conseguia levar a vida do jeito que levava, não se preocupando com as opiniões alheias. Tinha cara de ser tão simples. Ela às vezes notava que dava importância demais para as coisas. Era insegura, apesar de odiar ser e mentir para si afirmando que não era. Quando não tirava um A+ em uma prova difícil ou quando não conseguia fazer decisões simples do dia-a-dia, como escolher um livro para ler ou uma foto para revelar e pendurar no seu mural de recordações... ela sentia-se frustrada, e Lexi sempre dizia para ela que a sua insegurança não iria levá-la a lugar nenhum.

E também havia uma parte do seu interior que estava remoendo de curiosidade.

— Por que não?

— Porque quando você liga para o que as pessoas pensam sobre você — ele começou —, você vive as expectativas delas e eu não quero viver sob a sombra da expectativa de ninguém.

A morena levantou as sobrancelhas, espantada.

— Isso foi... profundo. E, caramba, inteligente.

A verdade era que ela nunca tinha ouvido algo que encaixasse tão bem no momento em que ela estava vivendo. Queria imprimir aquela frase e colar no espelho do seu banheiro ou talvez — só talvez — ela devesse fazer camisetas com os dizeres. Seria legal desfilar com elas por aí e esquecer que tinha alguém a perseguindo pelos cantos com o passatempo preferido espalhar seus segredos.

— Então, é isso? — Ethan sorriu, no entanto dessa vez fora um sorriso de verdade, infantil, como o que ele deu quando eles estavam no balanço no quintal dos Langdon. Foi inevitável Sam não sorrir de volta, apesar de não entender muito bem o que estava passando na cabeça do loiro.

— O quê?

— Somos amigos agora?

Ela riu, tamborilando os dedos no balcão em que estava sentada.

— Depende. Você quer ser meu amigo?

O garoto a encarou, sério. Sam esforçou-se para desviar os olhos, mas era impossível e logo o seu par de oceanos fitaram os âmbares do loiro. O olhar dele era arguto e tão intenso que ela não conseguia não encará-lo. O ambiente ficou silencioso até que ele sorriu de lado e se pronunciou:

— Depende.

Ela prendeu a respiração novamente, torcendo para não ficar vermelha de novo.

— Psicologia reversa não vai funcionar comigo. Sou inteligente demais para cair. Apenas... — ela abanou a mão para ele, sem coragem de voltar a olhá-lo. — Continue consertando seu motor.

Ethan deu de ombros e com o mesmo sorriso de criança que preenchia-lhe toda a face, voltou a fazer o que estava fazendo. Sam mordeu os lábios inferiores e o olhou, de cima a baixo. 

Pensou em perguntar porquê ele tinha ido embora da sua casa sem que ela terminasse de cuidar dos seus machucados. Ou se fora ele que jogara o disco de hóquei contra a janela da sala. Ou, pior, se era ele que estava por trás de todas aquelas mensagens de chantagem.

Ao invés disso, ela engoliu em seco, balançou as pernas bronzeadas no balcão e fez outra pergunta:

— Você tem alguma coisa para fazer hoje à noite?

*

Catherine encostou o quadril em um carro aleatório estacionado em frente ao posto de gasolina na rua paralela ao Kai's. Tinha começado a escurecer e ela abraçou os próprios braços, olhando para trás assustada quando ouviu passos.

— Antes que você pergunte se estou te seguindo, esse é o meu carro. — Kurt anunciou, apontando para o veículo que ela estava escorada. Catherine acalmou o coração e desapoiou-se do automóvel, mas o garoto emitiu um som de desaprovação e a tranquilizou. — Não, tudo bem. Pode ficar.

A loira voltou a mesma posição de antes e Kurt parou ao seu lado.

— Você está tremendo. — ele disse, tirando o casaco do time que vestia do corpo e colocando-o nos ombros da garota, que agradeceu.

O moreno sorriu de volta e chutou uma pedrinha imaginária no chão.

— O que aconteceu para você ficar aborrecida lá dentro?

— Eu não estou aborrecida. Estou... confusa. — ela respondeu, sem saber o certo o que dizer. Olhou para o rosto do rapaz e sorriu, sem graça, oscilando a cabeça para si mesma. — Desculpe. Sei que você só está querendo ajudar.

Kurt assentiu e tateou os bolsos, tirando de um deles um isqueiro e um pacotinho quadrado branco sem rótulo.

— Quer um? — ofereceu.

Ela piscou.

— Isso é...? — ela arregalou levemente os olhos.

— Não. É cigarro comum. — ele riu. Para provar que estava falando a verdade, abriu o pacote e tirou um cigarro de lá, mostrando-a.

— Não sabia que você fumava.

O rapaz deu de ombros.

— Ajuda a espairecer, esquecer os problemas... essas coisas.

Catherine olhou para a mão do jogador que suspendia em sua direção. Em um outro dia qualquer — qualquer outro dia —, ela teria imediatamente respondido que não e começaria a citar os malefícios de ser um fumante, mas naquele momento a palavra "não" pareceu incerta, como se tivesse sido apagada de seu dicionário.

— Eu nunca fumei.

— Tudo tem a sua primeira vez. — Kurt sorriu e entregou um para ela, que o pegou. Não estava nem aí caso seu pulmão ficasse preto. Com a mão desocupada, inclinou-se na direção dele para que ele o acendesse e deu uma tragada curta, tentando agir com naturalidade, como as mães ricas faziam nos seriados americanos que ela via na televisão.

Aconteceu o contrário. Ao invés de elegante, Catherine engasgou-se e tossiu, como um velho com tuberculose, entregando o cigarro de volta para o moreno. Ele pegou e o prendeu entre os lábios, abrindo um sorriso que Catherine nunca tinha reparado o quanto era tão bonito.

— É horrível. — admitiu, sendo interrompida por uma tosse.

Kurt riu.

— Você se acostuma uma hora. — ele tragou e virou a cabeça para o lado, soltando a fumaça para longe dos dois.

Ambos permaneceram em silêncio. Catherine encolheu-se mais para dentro da jaqueta do rapaz, podendo sentir o cheiro de seu perfume, pensando em como tinha o subestimado durante todos aqueles anos. Sempre o vira como o namorado de Sam, capitão dos Santa Kennedy Settlers, que de vez em quando fazia as coisas de cabeça quente. Ela nunca tinha pensado nele como estava pensando ali naquele momento: como um garoto comum, preocupado com as pessoas ao seu redor e que, assim como ela, tinha problemas e tentava esquecê-los a todo custo. Talvez ele estivesse igual ela, afinal. No meio de seu próprio furacão de problemas pessoais, tentando se agarrar a algo para não ser levado pelo vento.

Ela sorriu internamente para si mesma, decidindo que gostava da companhia dele. 

Ficou encarando as estrelas brilhando no céu até que escutou um barulho de carro se aproximando em alta velocidade. A única luz próxima era a do poste da rua a alguns metros dos dois, mas mesmo assim ela teve certeza de que a caminhonete que passara zunindo por eles era azul e era Erin que estava no volante.

O rapaz soltou uma exclamação, com o maxilar travado. Ele olhou para ela e sorriu, nervoso, desviando os olhos:

— Ela deve estar precisando de mais de um cigarro. — murmurou, com a voz tremida por causa do maço preso entre os dentes, levando as duas mãos aos cachos cor de chocolate naturalmente bagunçados. — De vez em quando eu não a entendo.

Catherine franziu levemente as sobrancelhas. Não sabia que os dois eram próximos ao ponto dele ter opiniões sobre a garota, mas mesmo assim tentou balbuciar alguma coisa que ajudasse na situação e a deixasse menos desconfortável:

— Ela é uma pessoa... complicada. Você precisa ter paciência... Acho que você precisa ter paciência com todo mundo, na verdade.

Kurt contorceu os lábios em um meio sorriso e Catherine soprou ar pelas bochechas. Não queria pensar em Erin e em como o moreno de repente de uma hora para a outra ficara daquele jeito, estranhamente tenso ao seu lado. Ao invés de continuar com a conversa, esfregou as palmas das mãos e desencostou-se do carro do jogador:

— Acho melhor entrarmos. O pessoal deve estar nos esperando para a festa.

O jogador de hóquei deu uma última tragada no cigarro antes de olhar para a escuridão, onde Erin passara feito um tiro. Jogou a bituca no chão e a apagou com o tênis para depois acompanhar Catherine em direção ao bar que a morena em seus pensamentos trabalhava.


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Notas finais do capítulo

Como vocês puderam ver, eu ainda estou viva, porém lotada de matéria atrasada no cursinho. Forças a mim mesma.

O Tyler não é um amorzinho, gente? Eu amo ele. É um dos meus favs masculinos e eu estava ansiosa para mostrar ele a vocês.

Não sei quando terá novo capítulo, mas espero que vocês não desistam de mim. Já falei e volto afirmar: eu não desisti e nem vou desistir de CB.

Beijossss de novo! Não se esqueçam de comentar ♥



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