Cisne Negro escrita por Gerome Séchan


Capítulo 6
A Lenda de Camelot - Parte 1


Notas iniciais do capítulo

- Capítulo gordinho porque tem BASTANTE diálogo. Não desanime da leitura!
— O arco A Lenda de Camelot será baseado na versão das lendas arthurianas tal como narradas no livro As Brumas de Avalon.
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Personagens: Arthur Pendragon | Merida | Dark Emma | Rumplestilskin | Mary&David | Belle | O Aprendiz



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A estrada principal era tão larga que tinha quatro vias. Duas conduziam à capital de Camelot, enquanto as duas restantes levavam a todos os cantos do reino. Merida conduzia o grupo por uma bifurcação menos usada que passava por um antigo vilarejo. Segundo ela, o trajeto alternativo pouparia tempo. Mas na verdade, Merida queria era evitar o pagamento de pedágio.

—Já está mais do que na hora do rei Arthur baixar uma lei para acabar com a cobrança abusiva. Mês passado tive de pagar cinco moedas de prata. Quando eu vim aqui há seis meses para consertar meu arco, não paguei nem vinte moedas de cobre! –ela reclamava, cortando os galhos que estavam no caminho com mais agressividade do que o necessário – Isso é culpa daquele barão gordo. Meu pai não gosta dele; nunca gostou. Na seca do ano passado, ele aumentou o preço do galão de água. E na geada que queimou a colheita de trigo, ele cobrou uma moeda de prata por cada viga de milho guardada em seus estoques privados. Se Arthur não o tivesse nomeado Ministro do Comércio por causa de um favor que ele fez para seu pai durante a guerra, ninguém aceitava esses abusos calado.

Belle e Rumple trocaram um olhar, pensando a mesma coisa sobre o desabafo da moça. Como toda filha única, ela era muito apegada à figura do pai.

A mulher se arriscou a fazer uma pergunta.

— E o que sua mãe pensa sobre a cobrança de pedágio? Ela já visitou Camelot com você?

Imediatamente, Merida parou de caminhar, mantendo as costas virada para o grupo. O tom de voz dela se tornou duro e seco.

— Ela nunca me levou para um passeio na capital.

A ruiva apertou o passo, marchando desta vez. Belle estranhou a mudança repentina de humor. Alguma coisa a respeito da mãe lhe incomodava. Ela ia fazer outra pergunta, mas Rumple tocou em sua mão, dando a entender que parasse.

— É melhor evitar tocar no assunto. Por enquanto. – ele aconselhou em voz baixa.

...

Merida prosseguiu pelo restante do trajeto em silêncio numa atitude que contrariava sua habitual tagarelice. O Sol morria no horizonte, e com o fim do entardecer, a mudança de clima no ermo fazia sua respiração produzir espirais de vapor.

Rumplestilskin soltou um grito curto e pediu para que o grupo parasse por um minuto. A queda de temperatura afetava os nervos em seu pé machucado, provocando dores. Ele precisava de um momento para se recompor.

— Está bem, mas nós temos de continuar logo. A vigília fecha os portões da capital à meia-noite. Além disso, não é bom ficar no ermo durante a noite.

— Qual o problema? O que acontece à noite? Tem lobisomens por aqui? – Mary perguntou.

— Não. Salteadores. – a resposta era autoexplicativa.

Merida sacou seu arco, vigiando os arredores. Ela não queria ser pega de surpresa. Belle ficou sentada ao lado de Rumple enquanto Mary e David conversavam em pé a uma distância. Em determinado momento, Mary foi se juntar a Merida.

A arqueira ruiva se virou assustada para a mulher, mas baixou o arco logo em seguida.

— Nossa! Você está sempre pronta para o combate, hein?

Ela devolveu um meio sorriso. Merida se orgulhava muito de sua presteza. Afinal, tinha sido seu pai quem lhe ensinou a manejar o arco, dentre outras habilidades. Saber se defender, caçar, ser forte e sobreviver sozinha, sem depender de nada, nem ninguém. Em suma, a ser livre de verdade.

— Se você quer viver numa região onde só tem mato e montanhas para onde quer que se vá, é preciso estar preparada. Camelot é o reino mais bem protegido que existe, mas além das fronteiras não há segurança nenhuma. Depois da guerra, os soldados foram dispensados do serviço.

— Eles foram dispensados? Sem mais, nem menos? – Mary disse, estarrecida.

— A guerra tinha acabado. O reino estava endividado. Uther precisava diminuir gastos ou aumentar os impostos. Entre economizar e arriscar sofrer uma revolta popular, ele ficou com a primeira opção. Você vê, soldados não sabem fazer outra coisa, apenas matar. Por isso os desempregados viraram bandidos de estrada. Eles esqueceram todo o juramento feito no exército e agora só querem saber de arrancar o dinheiro dos viajantes desavisados. Arthur pode ser um rei competente, mas nem ele pode proteger seus súditos o tempo inteiro. –ela esclareceu.

Mary estranhava um monarca ter um nome tão difícil.

— Esse rei que você mencionou...não o Arthur, o pai dele...Ul...Ultra

— Uther Pendragon. Conquistador de reinos, favorito dos deuses, imbatível em combate e um governante com mão de ferro. Exaltado em toda Camelot e além-mar. – a ruiva esclareceu.

— Uau. Que bela coleção de títulos. O que significa Pendragon?

— Pequeno dragão. Por isso o brasão da família real tem a forma da besta. Uther era conhecido em vida como o dragão por sua força e astúcia. Seu filho Arthur recebeu a alcunha de herdeiro do dragão por causa disso. Muito é esperado dele. Há uma profecia feita pelos druidas a respeito do único herdeiro de Uther. – explicou Merida.

—Espera, você disse druidas? Mas... eu pensei que Arthur tivesse o apoio da Igreja Católica.

— E ele tem. Mas ele também tem o apoio dos bardos e sacerdotes da religião antiga. – Merida insistiu.

— Como isso é possível? Um rei não pode servir a duas religiões.

Mas Merida deu de ombros.

— Eu sei tanto quanto você sobre a coroação dele. Isso é política. Sabe como é. — Mary sacudiu a cabeça devagar, entendendo muito bem a situação.

— Considerando os feitos do pai, Arthur tem uma reputação bem grande para corresponder à altura.

— É o que o reino todo pensa, moça. – Merida concordou – Arthur tem uma missão árdua pela frente. Uther conquistou territórios, mas a parte difícil ficou com o filho: administrar um reino cheio de lordes e damas loucos para tirarem vantagem do legado do pai. Camelot parece o reino perfeito, fácil de administrar. Mas leve em conta que nem todos os seus aliados são pessoas honradas e confiáveis e você tem um rei isolado. Uma presa fácil de uma conspiração.

Mary leu nas entrelinhas do que ela estava dizendo.

— Você acha que Arthur tem inimigos entre amigos?

— Se ele tiver UM amigo dentre os nobres, será um milagre. Arthur está cercado de bispos e cardeais que espionam para as casas nobres. É bom ele manter Merlin bem perto dele, se não quiser perder a coroa. Aquele bardo é o único com algum desejo sincero de ajudá-lo.

O coração de Mary deu um salto. Então Merlin estava de fato em Camelot. Se eles chegassem logo no castelo, poderiam contar-lhe tudo que aconteceu e quem sabe conseguir respostas para o que causou a destruição de Storybrooke. E mais importante, saber o que era a Maldição Final.

Um sentimento de apreensão tomou conta dela de repente quando ela pensou em Emma. Sua filha tinha sido completamente transformada pelas Trevas. Mary ainda se culpava por ter abandonado a filha à própria sorte. Emma vivera vinte e oito anos sozinha neste mundo, sem amor, sem uma família, mudando de lares num ciclo de abandono sem fim. Para todos os efeitos, ela era a presa perfeita para as Trevas. Se ao menos elas tivessem passado mais tempo juntas...

Merida ouviu um choro baixo e se virou, assustando-se ao ver a mulher limpando algumas lágrimas que teimavam em desabar.

— Ei. O que houve?

Mary negou com a cabeça, respondendo que não era nada.

— É que... em algum lugar, a minha filha precisa de mim e... eu não tenho como ajudá-la agora. –ela disse entre soluços.

O espírito impetuoso de Merida sossegou um pouco ao ouvi-la.

— Como ela se chama? –ela perguntou em tom suave, pedindo à mulher que se sentasse ao seu lado.

— Emma. Emma Swan.

— Swan. Quer dizer cisne. O símbolo da pureza.

— Sim.

— Que lindo sobrenome!

Mary então lhe contou um pouco sobre a maldição da filha e o ataque a Storybrooke. Muita coisa Merida não compreendeu, mas isso não importava. A mulher estava sofrendo pelo destino trágico da filha. E não havia nada que ela pudesse fazer para salvá-la. Mary estava de mãos atadas e não tinha condição de salvar a pessoa que mais amava no mundo.

O coração de Merida se agitava em seu peito ouvindo aquela confissão. Em algum lugar no ermo estava uma pessoa da família a quem ela havia sido obrigada a deixar para trás a fim de garantir a própria sobrevivência. Alguém a quem ela prometeu salvar e libertar de uma terrível maldição, maldição esta que fora culpa sua em primeiro lugar...

As duas mulheres ouviram gritos mais adiante e o clamor de espadas. Uma luta acontecia há poucos metros de onde eles estavam.

Merida pediu que a outra fizesse silêncio e avançou pela mata, escondendo-se por detrás dos arbustos. Mais adiante na trilha, a dupla avistou o que só poderia ser obra de algum feiticeiro: criaturas feitas de metal e sombras atacavam um pequeno grupo de cavaleiros. E pelos uniformes que trajavam, Merida os reconheceu como sendo parte de um destacamento do exército real.

...

Raios furiosos atingiam a cúpula, sem provocar um arranhão na superfície.

Desde a partida dos sobreviventes de Storybrooke, o mago havia observado Emma tentar de tudo para quebrar a redoma mágica. Mas nenhum de seus esforços garantiria sua liberdade. As Trevas haviam usado a Maldição Final e concedido a Emma pleno domínio sobre seus poderes, os poderes que seu mestre Merlin haviam lhe ensinado. Mas ele sabia que nada disso importava. Emma jamais seria capaz de se libertar da prisão.

O mago tinha plena consciência de que estava encarcerado com ela para todo o sempre naquela jaula. Se ele tivesse uma solução alternativa, ele jamais teria apelado para uma medida desesperada. Mas desde que seu mestre havia condenado as Trevas a sempre encarnarem em uma alma humana, o mago sabia que um dia ele teria de se sacrificar para garantir que a última encarnação do Mal jamais retornasse ao mundo. Uma solução final para impedir a concretização da profecia sobre a vinda do Avatar da Ruína e a destruição dos mundos situados nas muitas dimensões do universo.

— Você pode tentar quantas vezes quiser. Esta dimensão foi criada pelo meu mestre muitas eras antes de você encarnar no primeiro humano. Ele havia antevisto todo o mal que você causaria, Avatar e devotou sua existência a lhe impedir quando a hora chegasse.

Emma se virou e agarrou o velho pela garganta usando-se de um feitiço. O homem possuía um aspecto cadavérico agora que ela havia sugado a maior parte de sua energia. Seu rosto e braços continham cortes e hematomas, onde ela havia infligido as piores torturas. Não para convencer o mago a revelar algum segredo ou satisfazer sua vontade; apenas para descontar sua frustração.

— Seu maldito! Você mandou o chapéu para longe sabendo que eu precisava dele.

Faíscas saíram de seus dedos e liberaram uma descarga violenta que eletrocutou sua vítima. Os gritos de dor eram uma sinfonia que lhe provocava um mórbido prazer. O homem agonizou por longos instantes até recuperar o fôlego.

— Você nunca vai fugir daqui. –ele disse em voz fraca.

— Toda magia pode ser desfeita. –ela apertou seu pescoço com mais força- Qual é o segredo para desfazer a redoma?

— Eu eliminei a única chance de você escapar da sua prisão. Você vai morrer aqui... comigo. – ele concluiu.

O ódio que ela sentia se acumulou e as veias em seu pescoço pulsavam. Com um gesto impulsivo, Emma jogou sua vítima contra a parede da cúpula, onde ela se chocou com força. Lágrimas encharcavam as faces do mago, se precipitando na calçada. O homem sofria terríveis dores. Sem seus poderes, ele nada podia fazer para diminuir seu sofrimento. Suas costas estavam muito machucadas e ele não conseguia mais se mover.

— Tem de haver um jeito de fugir desta jaula! - Emma gritou, voltando sua atenção para a redoma.

Prostrado no chão em uma pose desconfortável, o mago lutava em vão contra a chegada inevitável de seu fim. Ele havia conseguido. Ele havia feito exatamente como seu mestre havia lhe ordenado desde a época em que ele era somente um aprendiz; trancafiado o último receptáculo das Trevas na Dimensão Inviolável, onde as Trevas permaneceriam encarceradas até o Fim dos Tempos e o mundo renascesse livre de sua influência. Mas sua missão ainda estava longe de haver terminado...

Sua mente começou a divagar, como acontece com todos que se encontram às portas da morte. Em seus instantes finais, um nome brotou de seus lábios em um sussurro.

Henry...

Emma se virou para aquele velho odioso e o que ela testemunhou a seguir lhe deixou sem palavras.

O corpo do mago adquiriu forma etérea e se converteu em espírito. Uma vez transformada, sua essência atravessou a redoma e desapareceu no horizonte.

Emma se desesperava ao ver que seu inimigo havia triunfado. Ela agora estava sozinha, abandonada naquela dimensão estranha.

Sua raiva se converteu em magia e se expandiu ao seu redor feito um domo de pura treva. O domo cresceu e pressionou as paredes da redoma, mas ainda assim não foi capaz de rompê-las.

Uma ideia repentina lhe ocorreu. Talvez ela estivesse encarando seu dilema de forma errada. Talvez romper a redoma não fosse necessário...

—Ele virou um espírito. Um espírito... –ela repetiu, ficando em pé onde o mago havia falecido.

Seus lábios se contraíram em um enorme sorriso. A resposta estava bem na sua frente.

— Meu corpo não pode deixar esse inferno de prisão...mas nada me impede de visitar outros mundos com a mente.

As Trevas já haviam tentado várias formas de possessão antes. Era o que os padres da Idade Média chamavam de possessão demoníaca. Nem todas foram bem sucedidas; a vítima precisava aceitar sua presença. Caso contrário, a pessoa enlouquecia e morria poucos dias depois. Talvez, se Emma disfarçasse sua identidade, seu hospedeiro não ofereceria tanta resistência.

Se ela pretendia levar seu plano adiante, teria de escolher alguém com habilidades mágicas iguais ou parecidas com as dela. Caso contrário, ela não seria capaz de invocar nem metade de seu poder.

Quem era o maior usuário de magia antes de Emma? E daquele mago miserável, claro?

A resposta estava na ponta da língua.

— Está na hora de fazer uma visita ao Senhor Gold.

...

Merida puxou Mary para um canto, escondendo-se de vista. No caminho para Camelot, ela tinha avistado criaturas parecidas.

— Ninguém sabe de onde elas vieram. Os viajantes que passaram pela fronteira me disseram que são aparições feitas de trevas. Tem algum bruxo rondando a região e atacando todo mundo que segue viagem pelo ermo. –ela explicou.

Um medo instintivo tomou conta de Mary e ela se apressou em voltar para onde David estava. Merida ainda a chamou de volta, mas ela não lhe deu ouvidos. Ao chegar de volta ao acampamento, para seu alívio, ela viu que ninguém estava sendo atacado. Seu marido reparou na vermelhidão de seu rosto e na sua falta de fôlego.

— O que aconteceu?

— Dois cavaleiros. Atacados. Adiante. – ela disse, apontando para a trilha enquanto controlava o nervosismo.

Ele perguntou quem estava atacando, mas Mary não tinha palavras para descrever.

— Eu não sei, era...era algo sombrio. Algo nascido das trevas.

— O quê?

Rumplestilskin se levantou e pediu a Mary para explicar direito. A descrição das criaturas batia com uma forma de magia familiar, uma que ele tinha testemunhado ser usada algumas vezes por feiticeiros poderosos, mas menos experientes.

Ele abriu um sorriso condescendente.

— Não é a Emma que está por trás disso.

A tranquilidade com que ele deu aquela declaração não a convencia.

— Acredite, se fosse a Emma, ela não apelaria para um feitiço tão banal. Se ela quisesse matar um destacamento inteiro do exército, ela usaria um feitiço muito mais direto; de preferência, um que não deixasse rastros.

— E tal feitiço sequer existe? –David questionou.

— É claro. Eu mesmo o usei várias vezes. – Rumple respondeu como se isso fosse a coisa mais óbvia do mundo - Ninguém sequer saberia que os cavaleiros estiveram nesta floresta. – ele insistiu, dando o assunto por encerrado.

Quando Rumplestilskin voltou a se sentar, David perguntou se ele pretendia deixar as coisas como estavam.

— E o que você quer dizer com isso? –ele perguntou com a mesma serenidade de sempre.

— Os cavaleiros. Eles estão sendo atacados!

Rumple ergueu as sobrancelhas, dando a entender que perguntava o que ele ou o restante do grupo tinha a ver com isso.

Mary não conseguia acreditar na frieza dele.

— Nós vamos simplesmente deixá-los morrer?

— Não. Nós vamos evitar que nós sejamos mortos sem razão! Caso vocês tenham esquecido, nós não viemos a Camelot para bancarmos os heróis. Viemos para encontrar Merlin e achar uma maneira de derrotar a Maldição Final. Só isso. – ele argumentou.

— Não acredito nisso.

— Essa luta não é nossa. Nós nem sabemos contra quem aqueles cavaleiros estão lutando! –ele insistiu.

Para sua maior frustração, Belle fez suas as palavras de Mary.

— Você vai mesmo deixar aqueles homens serem chacinados por uma força sombria? Sabendo o tipo de mal que as Trevas podem causar a uma pessoa inocente?

Rumple afundou o rosto em uma das mãos. Linhas voltaram a aparecer em sua testa. Justo quando ele estava dando seu melhor para evitar recorrer a magia, sua própria esposa insistia que ele caísse no erro que mergulhou sua vida numa espiral de morte e insanidade. O destino parecia que estava de brincadeira com ele.

Ouviu-se um grito de guerra e o som de flechas zunindo pelo ar. O nome de Merida automaticamente lhes sobreveio e todos se mobilizaram para ir ajudar na batalha, com Belle tendo de puxar um Rumplestilskin relutante consigo.

...

Quando eles alcançaram ao campo de batalha, Merida já estava disparando suas flechas nas criaturas, que avançavam nos cavaleiros sem parar. A ruiva circulava pelo campo com rapidez, com sua longa cabeleira de cachos sacudindo conforme ela corria. Seus inimigos não tinham a menor chance. Uma vez na mira, suas flechas sempre encontravam o alvo. Ela era como uma labareda, veloz e letal, fazendo vítimas em seu caminho.

— Eu posso ficar aqui o dia inteiro fazendo isso! – ela exclamou do alto de uma rocha, alvejando mais uma criatura antes de sumir de vista.

Mary e David hesitaram antes de sacar suas armas. A aura negra que as criaturas emitiam fazia as Trevas parecerem inofensivas.

— Rumple?

— É. Definitivamente tem magia negra envolvida nisso. – ele confirmou.

— Não importa. Essas coisas devem ter um ponto fraco. Não dá para ficar aqui e assistir aqueles pobres coitados lutarem por suas vidas. – David disse, apanhando a espada de um cavaleiro morto.

Sem hesitar, ele avançou na primeira criatura, fendendo-a de cima a baixo com a espada em riste, e mais outra. As flechas de Mary Margaret vieram zunindo logo em seguida, vitimando aquelas que ousavam se aproximar demais do seu marido.

As criaturas pareciam se multiplicar, vindo de direções diferentes da mata. Rumplestilskin mandou Belle ficar longe do epicentro da batalha e invocou uma redoma mágica para protegê-la. De sua parte, ele fazia o possível para minimizar o dano aos combatentes lançando os poucos feitiços de cura que ele conhecia.

Um grupo de criaturas avançou em sua direção e ele foi obrigado a se teleportar para longe. Ele repetiu o mesmo feitiço duas, três, quatro vezes, mas elas o perseguiam pelo campo.

Elas estão sendo atraídas pela minha magia. - ele pensou.

Distraído com a movimentação dos inimigos, ele não viu quando uma das criaturas colidiu contra seu corpo ao ser golpeada por um dos cavaleiros. Seu peso pressionou sua perna defeituosa e ele se teleportou de novo antes que o membro fosse esmagado.

Na confusão, Rumplestilskin se perdeu de Belle. A movimentação frenética pelo campo tornava impossível procurá-la. Ele se transportou para um ponto longínquo e encontrou sua amada sendo cercada por um grupo que não parava de avançar. A redoma foi estilhaçada com um feitiço de uma das criaturas.

— Não! Deixem ela em paz!

Belle brandia um bastão apanhado do chão, um que estava ao lado de uma das criaturas mortas. Com uma habilidade que Rumple nunca a tinha visto ostentar, a mulher mantinha seus agressores longe, desferindo golpes precisos em seus rostos. Mas os inimigos eram numerosos demais. Ela se distraiu por um momento e um deles agarrou a ponta de sua arma, arrancando-a de sua mão.

O medo de Rumplestilskin converteu-se em fúria e ele soltou um urro de guerra, invocando magia negra pela primeira vez em um longo tempo. Runas vermelhas brotaram do chão sob os pés das criaturas. As maldições serpentearam no ar e se enroscaram em seus corpos, tragando-as para um buraco que servia de canal para o submundo.

O uso da magia teve seu preço e Rumple sentiu seu corpo queimar, como se um fogo invisível consumisse suas entranhas. Belle lançou um olhar desesperado a ele de volta. Ela havia implorado para que Rumple evitasse usar o que restava de seus poderes ao máximo. Se a parte humana dele fosse corrompida pelo poder sombrio, então não sobraria nada do homem que um dia ele foi.

As flechas de Mary Margaret alvejaram o restante das criaturas que estavam perto dela e Belle correu pelo campo, indo até Rumplestilskin. Do outro lado, as criaturas tombavam no solo, derrotadas por um golpe mortal para ressuscitarem logo em seguida. Somente aquelas vitimadas pela espada do cavaleiro com a bainha prateada não retornavam do reino dos mortos.

— Cuidado! – Merida mirou seu arco na direção do cavaleiro.

Duas flechas voaram emparelhadas e alvejaram o rosto e o pescoço de uma criatura que se aproximava por trás.

O cavaleiro lhe agradeceu com um breve aceno e aproveitou para dar uma cabeçada em um inimigo que estava distraído. Sua espada longa dançava em sua mão, e a cada criatura que ela fendia, a lâmina emitia um brilho sutil, deleitando-se com a derrota de seus inimigos.

— Por Camelot! Pelo reinado! Vida longa ao rei Arthur! – brandiu o cavaleiro que lutava ao seu lado.

As palavras de exaltação pareciam motivar o dono da espada prateada a investir com mais vigor contra as criaturas. Flechas zuniam pelo campo, abrindo o caminho para ele avançar contra o restante dos inimigos. Quando o último deles foi fendido pela espada, um rio de sangue escorreu da lâmina e ela voltou a reluzir, tão limpa quanto antes da batalha começar.

Merida encarava a arma com fascínio.

— A sua espada... ela é mágica, não é?

O cavaleiro abriu um sorriso bem humorado, voltando a embainhá-la.

— Não diga isso perto de Merlin ou ele vai ficar muito chateado.

A menção do nome chamou a atenção dos demais. Um a um, eles se aproximaram do cavaleiro.

— Você conhece o mago Merlin?

O homem ajeitava seus trajes debaixo da armadura quando Merida reparou no anel que adornava seu anular. Ali, ela reconheceu a insígnia do dragão.

Na mesma hora, ela se emocionou e fez questão de se ajoelhar em reverência.

— Oh, meu deus! Você....você é ele! Sua Majestade!

David fez um o quê, completamente perdido.

— Você é Arthur Pendragon? – Mary perguntou.

O cavaleiro confirmou com um aceno de cabeça.

— Este é Percival, meu braço direito e um dos honrados cavaleiros da minha corte.

Todos o cumprimentaram, fazendo uma mesura polida, ainda que um tanto que sem graça por não conhecer o cumprimento formal adequado perante um rei.

Arthur se virou para a garota ruiva, que mantinha o rosto abaixado enquanto se ajoelhava.

— E você, jovem? Tão nova e uma guerreira tão feroz em batalha. Como se chama e de onde vem?

Nervosa, ela respondeu: — M-Merida, Sua Majestade. Viajei desde as Terras Ermas para vir a Camelot. Soube que os visigodos vêm dando trabalho às suas tropas na fronteira sul. Minha esperança era me alistar no exército real e colocar minha habilidade com o arco e a flecha à disposição de Sua Majestade. –ela disse, enrubescendo e gaguejando muito.

Arthur ficou admirado com a resolução dela e respondeu que ela era bem-vinda a se juntar às tropas. Em seguida, ele agradeceu ao grupo pela ajuda em derrotar as criaturas.

— Desde que Merlin partiu em sua última visita a Avalon, venho recebendo relatos de ataques destas...coisas de todas as partes do reino.

David achou que não estava ouvindo direito.

— Avalon? A Avalon das lendas?

— Avalon é mais do que uma simples lenda. Eu estive lá. Foi lá que prestei o juramento sagrado, às margens do lago secreto. E pelas mãos da Grande Sacerdotisa, recebi minha espada, conquistando o direito de empunhá-la, assim como fizeram meus antepassados. –ele disse, removendo-a da bainha e apresentando-a aos presentes.

— Esta é Excalibur. Forjada de um mineral caído dos céus muito antes de Avalon existir, ela foi transmitida aos maiores governantes da Bretanha pelas mãos dos Grandes Sacerdotes da Ilha Sagrada. E agora, é minha vez de empunhá-la em nome dos deuses antigos.

A lâmina da espada continha tamanha pureza que seu brilho prateado chegava a ferir os olhos de quem a encarasse por muito tempo. Ela parecia ser feita do metal mais duro na face da Terra. Não havia têmpera em nenhum reino capaz de produzir um fio tão fino e uma textura tão resistente. As luvas que o rei usava eram forjadas do mesmo metal, pois ferro nenhum era capaz de proteger suas mãos de uma espada tão afiada.

O rei voltou a embainhá-la e continuou seu relato.

— Enquanto Merlin não voltar da viagem, eu preciso resolver alguns problemas pessoalmente. Não era o que ele queria, ele me avisou para permanecer na capital, mas o dever me chama.

— Quando ele retorna? Você tem alguma ideia?

Ele respondeu que o mago deveria já estar de volta. Fazia vinte dias desde que Arthur partiu do castelo. O bardo não demorava mais que dez dias para ir e voltar de Avalon.

Arthur lançou um olhar preocupado a um ponto distante, interrompendo a conversa.

— Aquele é o amigo de vocês, não é? Pelos deuses, eu podia jurar que ele não parece nada bem.

O grupo se virou para olhar. Do outro lado do campo, Belle estava agachada ao lado de Rumplestilskin. Seu rosto estava contraído em uma expressão de dor, ele agonizava prostrado no chão e sua mão apertava a da esposa como se sua vida dependesse disso.

— Qual o problema com ele? – Mary perguntou.

— Rumple usou magia negra para impedir as criaturas de me atacarem. Eu pedi para que ele não fizesse isso! Mary, eu não sei o que está acontecendo! – A aflição era visível em sua voz.

— Eu não sabia que vocês mantinham um feiticeiro das trevas como companhia. – Arthur disse em tom de reprovação.

Nenhum deles quis comentar a respeito. Em vez disso, todos os olhares se voltaram para o homem outrora conhecido como senhor Gold. Sua aparência havia sofrido uma sutil transformação. Os cabelos haviam encrespado um pouco, perdendo a textura lisa e a cor castanha. Seu rosto empalideceu e parecia mais enrugado do que antes. A textura agora lembrava vagamente a de um réptil. A mão que segurava a de Bella agora tinha unhas escuras.

As dores passaram e Rumplestilskin finalmente abriu os olhos. A íris havia perdido o suave tom castanho. Dois orbes de aspecto inumano se pronunciavam sutilmente no olhar ainda reconhecível de Gold.

— Não... não pode ser. –Belle repetia- Ele está revertendo à sua forma original. Ele está voltando a ser Rumplestilskin!


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Notas finais do capítulo

MUITO obrigada aos quinze leitores que vêm acompanhando Cisne Negro e mais ainda a extrabutton, Deschain, Emillandia e Brasileiríssima pelos comentários! No próximo capítulo, o destino de Rumplestilskin será definido, um cisne se encontrará novamente com um rival irritante e a feiticeira mais temida da história fará sua aparição oficial.