Ascensões & Quedas escrita por Deschain


Capítulo 4
Capítulo 0 - IV


Notas iniciais do capítulo

Desculpem o atraso, geralmente publico toda quinta, mas digamos que por motivo de procrastinação precisei de mais um dia.

Não vai tornar a acontecer.
Eu espero...
Acho...
Talvez...
Vamos ver.



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Capítulo 0

Parte 4 - Conclusão

As batidas na porta em hora avançada o pegaram de surpresa. Sempre sentia as presenças em volta de sua casa, geralmente rumando para alguma parte do templo ao usar aquela rota como caminho, mas ninguém atrevia-se a incomodá-lo, nem mesmo o velho Iriya, encarregado do templo. Perceber que as presenças não continuaram seu caminho como normalmente faziam deixou-o curioso.

Abriu a porta já sabendo que encontraria Iriya com algum aprendiz do templo, mas qual não foi sua surpresa ao notar uma terceira pessoa, sendo sustentada pelos braços, pelos dois homens. Não demorou muito pra perceber de quem se tratava, afinal tinha marcado o garoto com o seu próprio desejo muitos anos antes. Uma marca daquela era impossível ser ignorada, ainda mais pelo próprio autor.

– O que houve com o garoto?

Não deixou transparecer a preocupação que sentia: o garoto possuía marcas de queimaduras pelos braços e pernas, alguns cortes feios pelo torço e vários hematomas pelo rosto, as roupas estavam rasgadas e manchadas de sangue. Sangrava, mas não o suficiente para justificar todo aquele sangue nas roupas ou no próprio corpo. As evidências contavam sua história.

– Ele apareceu nos portões pedindo para vê-lo.

Iriya apontou com a cabeça um sofá de três lugares ao fundo e, junto com o outro rapaz, deitou Yehonathan com cuidado, sem esperar um convite ou permissão do dono da casa. Pediu para que o rapaz chamasse o médico encarregado urgentemente, antes de voltar-se para o demônio.

– Alguém destruiu sua vila e ele parecia ter certeza que isso tinha algo a ver com você. Alguma ideia do que possa ser?

O olhar de recriminação do idoso o fez lembrar do velho Takuan. Por que os humanos se tornavam tão intragáveis com a idade?

O moreno aproximou-se do garoto deitado em seu sofá. Já deveria ter passado das duas décadas de vida, a marca estava presa nele por mais da metade desse tempo... O que teria acontecido recentemente para atrair atenção indesejável sobre ele?

Mais batidas na porta, dessa vez o responsável era o médico. Iriya atendeu e pediu para que ele cuidasse do garoto, então avisou que voltaria para o anexo principal e que o mantivessem informado sobre a situação do rapaz, mas nenhum dos outros dois homens no recinto deu-lhe ouvidos: o médico já estava absorto na tarefa de cuidar o melhor que podia de seu paciente enquanto o demônio ruminava as possibilidades e todos os motivos por trás daquele evento.

Ele conseguiu reproduzir o cenário em sua mente, usando um pouco de dedução, imaginação e pescando pedaços da memória bagunçada do garoto inconsciente.

Finalmente arrumaram algum oficial para substituí-lo, alguém de competência dessa vez, alguém que finalmente percebeu o único traço de sua presença no mundo humano: seu desejo pelo garoto. Os oficiais resolveram procurar a fonte, obviamente, e ele poderia apostar como passaram meses observando a rotina de Yehonathan, procurando algum indício de sua presença.

"Então se cansaram e resolveram atacar, huh?"

Estratégia de iniciante, mas como poderia julgá-los? Não faziam parte da casta estrategista, cumpriam ordens e esperavam mostrar resultado o quanto antes.

As cenas que conseguia capturar da memória do rapaz se embaralhavam e não eram nítidas. Pessoas gritavam, o desespero estampado nos rostos. Duas faces apareciam com frequência, uma senhora e uma criança; a mesma cena se repetindo vez ou outra: as duas queimando de dentro pra fora. Sangue suficiente para aterrorizar o rapaz e isso ficava claro em suas memórias; o sangue brilhava mais, contrastando com todo o resto.

Fora sua marca que causara todo o terror naquela vila, mas graças a ela o menino não tinha sido morto. Como matar algo que estava marcado pela morte?

Revia memória a memória, juntava as imagens tentando encontrar pistas de quem teria sido o mandante da operação, horas passaram antes que pudesse perceber, até que o médico levantou a cabeça e dirigiu-se pela primeira vez a ele.

– Limpei e suturei todos os cortes, não eram tão profundos quanto aparentavam. As queimaduras deram um pouco de trabalho, mas consegui drenar grande parte das bolhas, graças a deus não foi algo mais grave ou ele teria que ser internado e o hospital mais próximo está a horas daqui.

O médico tirou um lencinho do bolso e secou o suor do rosto. Tinha um rosto amável e redondo, com a barba aparada. Os olhos eram pequeninos, mas inteligentes e brilhavam enquanto alternava o olhar entre o paciente e o ouvinte.

– De um modo geral, apesar de aparentar ser algo feio, o garoto teve sorte e os ferimentos apenas parecem ser piores do que realmente são, mas você vai precisar colocar compressas geladas sobre os hematomas.

O olhar que recebeu em troca foi o suficiente para fazê-lo pigarrear sem graça.

– Eu vou mandar alguém para cuidar do garoto. Se achar melhor, posso providenciar o deslocamento dele até a ala de tratamento.

–Não será necessário tirá-lo daqui, mas agradeceria se pudesse mandar alguém para tomar conta dele... Logo.

O médico entendeu a indireta e correu para a porta, deixando o demônio sozinho com o rapaz desacordado. Poucos minutos depois, o mesmo aprendiz que tinha ajudado a trazer o garoto apareceu em sua porta.

O homem deu espaço para que o aprendiz pudesse cuidar do enfermo enquanto esperava pelo sinal que sabia que viria.

"Apenas uma questão de tempo."

Um lugar com carga espiritual tão forte fora o suficiente para escondê-lo por todo aquele tempo, mas agora seus perseguidores sabiam onde procurar e não se importariam de aparecer para alguns mortais. Não quando estavam a ponto de capturar a criatura mais procurada da história.

Observava o aprendiz ajoelhado ao lado do garoto, aplicando compressa atrás de compressa quando sentiu. A invasão finalmente acontecia.

Ele reconhecia as presenças conforme furavam o plano entre as duas realidades; antigos companheiros, nobres que o bajulavam e, como não poderia faltar, toda a sorte de invejosos. Percebia que os anos amadureceram o ódio que sentiam por ele do mesmo modo que faria com um vinho, seria doce vê-lo cair e aprisioná-lo eternamente em uma das prisões inferiores, onde sofreria eternamente, sem esperança de conseguir alívio ou perdão.

O que eles aparentemente ignoraram na excursão às pressas fora o final da última batalha que travaram contra ele. Acreditavam que ele seria derrotado com aquele contingente diminuto?

– Pegue o garoto e fuja. Saia pelos fundos e corra, tente sair das terras que pertencem ao templo, a menos que queira morrer junto com todos os outros.

O aprendiz analisou-o por um momento em dúvida, mas apanhou tudo o que pôde e, colocando o braço do rapaz sobre o ombro, andou o mais rápido que conseguiu para fora da casa. O demônio viu quando ele parou assustado, finalmente vendo as criaturas do lado de fora. Lançou um olhar para o demônio mais uma vez, antes de rumar para o lado contrário, para a entrada de carga do templo.

Andou até a porta e observou os vultos se distanciando. Só quando viu o garoto deitado sobre uma carroça, guiada pelo aprendiz, saindo pelos portões, resolveu sair da casa definitivamente.

Caminhou pela área aberta, assim como tantos outros funcionários do templo: para eles, o pátio estava lotado de criaturas que nomeariam sem pensar duas vezes como "anjos", criaturas de uma beleza etérea, nobres e altivos. Mal sabiam o nível e a profundidade de suas deturpações.

– Deathlord...

As criaturas voltaram-se para ele, sussurrando; armas em punhos, espíritos conjurados, maldições prontas para serem lançadas ao menor movimento. Ostentavam suas asas perfeitas com orgulho, utilizando-se até mesmo disso para atacá-lo. Ele observou os sacerdotes, o velho Iriya e alguns aprendizes em um canto do pátio e pensou que era uma pena ter que destruir aquele lugar. Pensou no anexo que Hana vivera, pensou em sua casa, afastada da área principal. Nada poderia fazer para protegê-los. Sua natureza gritava e, ao contrário dos humanos que possuíam livre-arbítrio, ele não poderia desobedecê-la, independente de quantas mortes e quanta destruição isso causasse.

O que seria mais esse peso para sua consciência?

"Nada."

Permitiu-se um último suspiro cansado.

"Se o garoto não tivesse demorado tanto para aparecer... "

Balançando a cabeça e afastando aquele pensamento, soltou sua aura demoníaca pela segunda vez desde que viera para o mundo humano. Estava na hora de assumir seu título uma última vez.

No final, quando tivesse derrotado todos os seus inimigos, olharia para os destroços do que fora o templo, observaria cada corpo humano estraçalhado e sentiria prazer. Sua consciência só despertaria depois, cheia de repulsa pelo que tinha feito, pelo que sentira e o obrigaria a destruir tudo tão completamente quanto pudesse, apagando definitivamente aquele lugar e aquelas pessoas da realidade. O que gostaria de apagar não conseguiria, entretanto: aquele momento único de prazer o perseguiria para o resto de sua existência.

"Apenas mais um fantasma para a minha coleção."


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Notas finais do capítulo

A partir de agora vamos para o que interessa! O PRESENTE! YAY!!
Nosso demônio mais querido ainda continua sem nome, mas quem sabe no próximo capítulo?
Não se acanhem e comentem. Perguntas, críticas ou apenas algumas palavrinhas de incentivo estão valendo.
Até a semana que vem, chuchus.