Pisei em mais um galho de árvore me impulsionando para frente, ás vezes pudi senti uma leve tremulação em galhos mais finos, mas nada que ameaçasse uma queda. O final da viagem estava rodeado por aquele cheiro de folha fresca e uma terra recém molhada, a umidade estava um pouco alta e o tempo fresco, o que indicava que provavelmente uma chuva se abateria na madrugada. Corri mais alguns metros até ver o grande muro que rodeava a vila, desviei da entrada principal, não por medo de ter minha entrada impedida, difícilmente isso iria acontecer, mas não queria nenhum registro da minha chegada. Escalei sem muita dificuldade, já que a parede áspera auxiliava na aderência dos pés cheios de chakra. Dois ninjas da vigilância perceberam a minha presença e vieram correndo na minha direção, porém só foi necessário lançar um genjutsu confundindo suas mentes, e logo me deixaram em paz.

Segui pelos telhados, de cima notei a grande movimentação da população que ainda estava acordada, as ruas estavam decoradas com lanternas laranjas e tecidos de cores vibrantes, ainda era possível ver alguns redemoinhos vermelhos espalhados por bandeiras, um comerciante ou outro organizava pilhas de mascaras e as ajustavas nos mostruários, pude notar que uma parte considerável representava raposas, de tamanhos e tipos diferentes, porém sempre pintadas com laranja. A vila em si estava laranja, por mais que outras cores se fizessem presentes, aquela coisa vibrante se destaca em vários pontos, ao ponto de ameaçar a sanidade de qualquer um, ou deixar cego.

Indiscutivelmente aquilo era ideal, berrante, escandaloso, chamativo e até mesmo alegre, era Naruto em forma de brilhos e cores, pude até imaginar ele andado pelas ruas orgulhoso e sorridente com aquele trabalho bem feito. Mas aquilo era demais para mim, principalmente a noite que fazia a coisa toda ganhar uma intensidade indesejada, e senão irritante. Por isso segui nas sombras, usando o que ainda me lembrava da geografia local para me localizar, o que diversas vezes não deu certo, já que muitas coisas tinham mudado de lugar. Fui seguindo até a lateral leste do lugar, os rios de lá eram muitas vezes usados para fontes termais e casas de banho, o que fazia com que as pousadas ocupassem grande parte daquela região.

Estava certo, com um pouco de trabalho consegui achar uma que ainda estivesse vaga, a recepcionista do lugar falava alegremente sobre a cerimônia de posse que ocorreria no próximo dia, e consequentemente trouxe muitos visitantes a vila, o que estava sendo ótimo para os negócios.

– Afinal, quem não quer ver o herói da Guerra Ninja tomando o posto de Nanadaime, né? - ela sorria a cada palavra dita.

Não respondi, não achei que era necessário, e mesmo que fosse não me daria a esse trabalho. Simplesmente peguei a chave e fui para o quarto indicado, era simples, cama, uma mesa, uma pequena cômoda e uma porta para um banheiro simples, era a instalação mais simples do bairro, e apesar de organizada, uma camada de poeira cobria o chão. Coloquei a bolsa pendurada na cadeira que se encontrava junto a mesa, remexi lá dentro até achar um conjunto de calça cinza escuro com uma blusa azul escura, o simbolo recém bordado brilhava levemente por conta da linha, entrei no banheiro pequeno jogando no chão todas aquelas roupas sujas de terra e rasgadas, entrei de baixo do chuveiro vendo uma poça de água e terra misturada indo pelo ralo, peguei o sabonete e fui esfregando meu corpo arranhado, era o primeiro banho descente que estava tomando no mês, com uma kunai tirei a barba fazendo um pequeno corte no pescoço, mas não me importei. Quando finalmente saí do banheiro não pude negar que tirar toda aquela sujeira fazia eu me sentir melhor, deitei na cama ouvindo as molas rangerem, devia comer alguma coisa, mas a falta de paciência em pedir algo me desanimava.

Fechei meus olhos, e novamente me perguntei, estava fazendo a coisa certa? Apesar da falta de pressa que senti em voltar enquanto vagava pelo mundo, uma espécie de ansiedade se alojava em mim, o que era um tanto incompreensivo. Viajar pelo mundo abriu diversos olhares a minha frente, se antes ver o mundo e as pessoas se comparava a estar numa sala grande, escura, aparantemente vazia com uma única janela, hoje era estar nessa mesma sala, mas dessa vez com diversas janelas espelhadas e até alguns móveis a se observar. Por esse lado me sentia completo, a raiva e amargura que antes me cegavam e atormentavam tinham virado somente saudade, e a solidão que sempre me atormentava, agora era melhor administrada.

Ainda assim não pude ter certeza da minha decisão, talvez fosse a expectativa da reação das pessoas, ou a falta dela que me deixava receoso, coisa que seria ilógica demais para ser sentida. Por mais que me distanciasse e passasse anos longe, eu pertencia a aquele lugar, era o único lugar no mundo que me era cabível usar a palavra casa, mas será que ali ainda me pertencia? Talvez não, talvez a única coisa que era minha de fato, eram as lembranças do Time 7, algo que nunca me seria tomado, que eu nunca iria permitir que tirassem de mim, afinal era esse o caminho que me conectava a Konoha. E era para honrar esse caminho que voltei, Kakashi estava correto, sua intromissão não estava errada. Ainda haviam coisas inacabadas entre Naruto e eu, deixá-lo feliz com a minha presença era uma boa forma de começar a resolver esse assunto.

[...]

Na manhã seguinte a vila estava animada, mesmo evitando passar por locais movimentados as ruas estava cheias de gente, os shinobis conversavam animados e até ninjas de outras vilas estavam comparecendo para assistir a cerimônia, especialmente de Suna.

Continuei andando na mesma direção que a multidão, porém o mais longe possível da grande movimentação, notei que não deveria demorar muito para o inicio da cerimônia, já que a ansiedade de todos era perceptível no ar, os comentários e as histórias que soltavam sobre o futuro Hokage, mesmo que parte fosse somente mentiras, não se falava em outra coisa na vila. Passei a observar a população que movia como se todo aquele movimento fosse uma dança sincronizada, riam juntos e gesticulavam como se para acentuar as emoções do momento, um cenário bem diferente do que tinha sido deixado por mim anos atrás. Mesmo tendo ficado longe da vila por um longo tempo, as coisas não haviam mudado muito, o que ficava mais evidente foi o fato da alegria ter retornado ao rosto dessas pessoas, de certa forma aquilo me confortou, esperança era justamente aquilo que me havia me confortado depois dos meus erros e provavelmente foi a única coisa que deu força a todos os outros. Era bom saber que a esperança fora recuperada e nascia novamente no coração das pessoas mesmo após tal guerra, talvez meu irmão se orgulhasse de mim por eu ter feito parte disso e ajudado a proteger a vila pela qual ele se sacrificou.

Diante da agitação inesperada das pessoas e um aglomerado, pude ver que eu já estava perto do lugar onde a cerimônia seria realizada, porém preferi me manter a uma certa distancia, ainda não querendo que ninguém soubesse da minha presença. De onde estava consegui ter uma boa visão de todo o lugar e de tudo que seria realizado, obviamente o que me chamou a atenção foi a decoração do lugar, assim como nas ruas, o laranja tão irritante e berrante de Naruto caía sobre diversos pontos da torre do Hokage. O lugar havia sido organizado de modo que haviam arquibancadas e lugares mais elevados reservados para pessoas importantes - como os chefes de outras vilas - enquanto os civis e shinobis se misturavam na rua, alguns ninjas mais espertos se acomodavam nos telhados ou se prendiam nas paredes por chakra.

Não pude deixar de notar a grande organização de vigilância e proteção presente em pontos estratégicos e bem escondidos, inclusive com vários ANBU’s espalhados pelo ambiente. Bem ao centro do teto do um prédio havia um grupo seleto de ninjas, pude distingir o rosto de todos aqueles que tinham realizado aquele exame chunnin, mas sem a presença de qualquer integrante do Time 7, estavam perfeitamente enfileirados com rostos alegres e até mesmo orgulhosos. Um tapete vermelho percorria o caminho que levava ás escadas, a qual dava acesso ao lugar, seria o lugar por onde Naruto iria percorrer, sendo possível assim que todos que assistissem a cerimônia pudessem vê-lo. Também existia uma área afastada aos fundos com som, alguns aparelhos e um pedestal na frente com microfone, provavelmente o lugar aonde seria realizado os discursos cerimonias e as homenagens para meu velho amigo.

Um bom tempo havia passado enquanto esperei a posse iniciar, eu olhava as pessoas se acomodarem nos respectivos lugares, tinha consciência de todos os movimentos a minha volta, o ritmo dos passos e sentia até uma leve brisa, involuntariamente percorri os olhos pela multidão procurando por algum rosto conhecido, tinha em mente um em especial, mas não o tinha visto por enquanto, isso me deixava um pouco impaciente. Até que uma música chamou atenção de todos para o inicio da cerimônia, e alias a musica escolhida era ridícula, provavelmente coisa de Naruto, e mesmo que aquelas notas ferissem meus tímpanos não pude deixar de rir internamente. Foi quando um grande alvoroço vindo das pessoas começou, gritos para todos lados ao ponto de deixar as veias saltando, tecidos balançando, bandeiras e cartazes elevados sobre as cabeças, até que pude ver Naruto ascendendo os últimos degraus da escada.

Caminhando pelo tapete vermelho até a grade que circulava o teto e indo em direção ao microfone, ele estava indiscutivelmente feliz, sorria abertamente com se este fosse o melhor dia de sua vida, o que provavelmente seria, sua roupa preta com laranja praticamente brilhava conforme a luz batia mesmo que parte se encontrasse encoberta por uma capa branca de detalhes vermelhos. Kakashi vindo andando em seu lado direito com um típico uniforme da vila e o chapéu do Hogake na cabeça, Tsunade seguia no lado esquerdo guiando Gai na cadeira de rodas, eles se colocaram um pouco mais atrás, o que me parecia ser a posição dos anciões. Ao observar a cena, pensei em como meu amigo estaria se sentindo nesse momento, realizando seu maior sonho, aquele o qual eu tinha ouvido quase todos ou senão todos os dias que estivemos juntos, os quais ele me aborrecia com a mesma conversa e os gritos estridentes de que eu reconheceria seu valor. Mas agora não podia negar sua força, nem a pitada de orgulho e felicidade que senti ao vê-lo realizando esse sonho, sendo reconhecido por todos como um grande herói, com o peito estufado enquanto o discurso de passagem de poder era feito por Kakashi.

– Cidadãos de Konoha, nossa vila há muitos anos foi fundada por Senju Hashirama, ele acreditava que o mundo dos shinobis poderiam conhecer e aproveitar tempos de paz e harmonia, depois de tanto lutar por esse sonho e defender essa vila com todas forças, ele se tornou o Shodai Hokagke. Anos após Senju Tobirama, irmão do Shodai se tornou o Nidaime Hokage, um homem realista e inteligente que tentou da melhor forma melhorar a vida dos cuidadões dessa aldeia, e por lealdade a seus companheiros e a este lugar morreu lutando na Primeira Grande Guerra Shinobi. - conforme o discurso se seguia a voz de Kakashi trovejava nos microfones, calando toda gritaria antes presente - O nosso querido Sandaime Hokage Sarutobi Hiruzen, aluno do seu antecessor, foi aquele que governou por mais tempo, se aproveitando sempre de sua grande sabedoria buscava ao máximo proteger o legado da Vontade do Fogo para as futuras gerações, e por amor morreu lutando contra aquele que um dia foi seu aluno.

Fechei os olhos me lembrado daquele dia, o que devia ser somente uma luta para o exame chunin se tornou uma evidência da minha impotência, por não ser forte o bastante para proteger aqueles que me eram querido, e da minha fraqueza, por ter pessoas a proteger.

– Namikaze Minato, o Yondaime Hokage, aluno do Sanin Lendário Jiraiya e meu sensei, um homem atencioso que sempre valorizou o trabalho em grupo e a união entre companheiros, calmo e atento, foi um ninja importante para a vitória do País do Fogo na Terceira Grande Guerra Ninja, e lutando contra a Bijuu de Nove Caudas se sacrificou pelo bem da vila. Senju Tsunade, a Sanin Lendária, aluna de Hiruzen-sama, neta de Hashirama-sama e Goidame Hogake, voltou a este lugar como uma fonte de esperança após uma grande perda, e desde então tem dedicado sua vida a disseminação de conhecimentos e em proteger a vida dos habitantes desse lugar.

Uma salva de palmas seguiu por todo lugar, a mulher acenou agradecendo os aplausos, mas sem perder aquela postura imponente e a expressão decidida do rosto, levou alguns instante até a população se calar, o discurso recomeçar.

– Eu, Hatake Kakashi, aluno do Yondaime, sensei daqueles que são considerados os novos Sanins Lendários, o Time 7 - bufei com a referência, aquilo só poderia ter saído da mente criativa de Kakashi - que me tornei o Rokudaime Hokage após a Quarta Grande Guerra Ninja, nessa agora passei este chapéu e todos os deveres desse posto adiante.

Repuchei a boca em um sorriso, apesar de ter enaltecido as qualidades de todos os outros, ele nunca faria isso consigo próprio, mais por não se dar conta de seus feitos do que por humildade propriamente dita.

– Uzumaki Naruto, meu aluno, discípulo de Jiraiya, membro do Time 7, e filho do Yondaime Hokage, - ouvi borbulhinhos surpresos, por mais que aquele fato não fosse segredo, também não era de conhecimento comum - Seus feitos como o herói da Invasão de Pain da Akatsuki, e na Quarta Grande Guerra Ninja são do conhecimento de todos. Você, mais que qualquer um lutou por paz e união no mundo shinobi, ensinando a todos os valores de companheirismo e amizade, neste momento te reconheço e declaro Nanadaime Hokage de Konoha e com esse chapéu lhe passo os deveres e a responsabilidade de proteger não somente o presente, mas o futuro de nossa vila.

Ambos estavam um de frente para o outro, diferente de antes o rosto de Naruto estava sério, firme e decidido. O chapéu saiu da cabeça de Kakashi, e com um sorriso calmo no rosto ele o colocou na de Naruto. Assim que o contato aconteceu a multidão explodiu em gritos e vivas, todo aplaudiam e ovacionavam o novo protetor, aquele que mais tinha lutado por reconhecimento e respeito, o que mais tinha se sacrificado por terceiros, que transformou um caminho solitário em uma estrada para milhares percorrerem, inclusive eu. Ele começou a acenar a sorrir olhando para todos, virando a cabeça para cada canto que tivesse alguém, seus olhos animados tentavam focar em cada rosto, até que parou no lugar afastado, nas sombra que me protegiam, ele piscou sem acreditar, bufei com sua reação, ele suspirou e sorriu abertamente, eu só assenti.