Do outro lado da estante escrita por lagrimas estelares


Capítulo 1
Dor pintada.


Notas iniciais do capítulo

Eu tive um sonho assim, não com os personagens usados aqui, mas eu os achei meigos o suficiente para utilizá-los. Aviso desde já que não é uma fanfic feliz.

Beijos e deixem reviews!!



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"Há muito, muito tempo, sobre uma estante desgastada pelo tempo e dentro de um quarto mofado, foi colocado um anjinho de cera perto dos livros. Ele não sabia de nada da vida, só que um garotinho de cabelos longos até o pescoço e chorosos olhos castanho-esverdeados o escolheu dentre vários outros artigos naquela loja marrom. O nome do garotinho era Sam, e o do anjinho, Castiel.

Do outro lado do quarto em uma estante de brinquedos improvisada com tijolos e pedaços de madeira, havia um soldadinho vestido de verde ao lado de um soldado um pouco maior – também vestido de verde.

Quando o pequeno Sam brincava com eles e colocava Castiel entre as pernas com todo o cuidado do mundo, o anjinho conseguia visualizar os olhos verdes pintados com delicadeza e precisão do soldadinho, virado para si. Ele tinha uma expressão séria e quase fria – ao contrário do rosto melancólico do anjo.

- Dean e o seu inseparável pai, John!

- Cale a boca aí em cima, Sam! Ou eu vou aí te bater.

Os olhos do menininho ficavam chorosos e ele corria até o pé da cama, se agachava com Dean e Castiel entre os dedinhos sujos de farelos de biscoito e chorava baixinho como um cãozinho amuado. Assim, Cas e Dean se conheceram. Seus narizes se encostaram e eles quase não se enxergavam, tamanha proximidade.

Em noites de lua cheia – nas quais Sam gostava de dormir com a janela aberta – o rosto bem esculpido de Dean com constelações de sardas sobre maçãs do rosto e nariz era iluminado. Às vezes, com o vento forte que entrava pela janela ou buracos na porta feitos especialmente por Crowley para observar o filho durante a noite, Dean tombava para o lado.

E só por estar com vontade, Cas tombava também. Se Dean pudesse sorrir, ele sorriria. Se Cas pudesse usar de fato suas asas, ele as usaria para chegar ao outro lado do quarto.

Ficavam durante horas em diálogos silenciosos naquele sombrio quarto, escutando Sam ter pesadelos ou as crises de tosse que ele tinha durante a noite. Naqueles momentos, Dean e Cas queria desviar os olhos para não ter de lidar com a dor pintada no par alheio.

De manhãzinha, durante uma crise de tosse de Sam, um homem barbudo e descabelado entrou no quarto, berrando palavras que infelizmente Dean e Cas escutaram. Sam levantou-se correndo, esbarrou na estante em que Cas estava e o anjinho viu o teto úmido do quarto.

Estava caindo.

Caindo.

Caindo.

Caiu.

As asas ficaram espalhadas pelo chão, os olhos vidrados nos verdes de Dean. Crowley estapeava o rosto do menino, estapeou até sangrar – e deixou-o ali, à mercê do frio. Quando os passos do britânico já estavam longes o suficiente, Sam correu até o anjo e segurou-o entre os dedos.

- Castiel, meu anjinho, me protege por favor...

Cas pela primeira vez pensou: “oh meu criador, por que não me fez sem olhos, para não ver a dor estampada nos olhos dessa humanidade, dessa criança?”.

Entretanto, depois de muito tempo, Cas teve suas asas coladas, pedaço por pedaço pelo dedicado Sam.

- Agora você pode me proteger!

O soldadinho apenas observava, de pé pronto para brincar com Sam e John, sendo fitado pelos olhos pintados de azul de Cas.

Mas então, o quarto ficou fechado durante dias. Não havia calor do Sol que entrasse, não havia luz da lua que o iluminasse, não havia ar que passasse por ali. Castiel guardou Dean como nunca havia guardado antes. Não havia movimentações estranha, apenas a estranha falta de movimentação. Os olhos verdes sempre fitaram os azuis e os olhos azuis sempre fitaram os verdes. O mar esverdeado encontrou o céu limpo.

Cas queria segurar na mão de plástico de soldadinho, ou tentar olhar para suas costas. Dean queria passar as mãozinhas por toda a extensão do corpo de Cas, para sentir sua textura.

Um dia, depois de muito tempo, o quarto foi aberto. A luz iluminou o pó e Cas percebeu só então a quantidade de pó sobre Dean, mofado.

- Pegue aquele anjo quebrado. Aquele peste gostava mesmo daquilo.

Um gigante chegou perto de si, e Cas quis chamar Dean. Talvez por conta do vento, o soldadinho caiu no chão. Nem fez barulho. Entre os dois, nunca mais houve troca de olhares. Cas foi levado de carro para um lugar que cheirava a terra molhada e terra fresca, terra revirada e concreto. Cheirava a lágrimas e talvez um pouco de cinzas, quem sabe a corpos podres.

Ele não parava de pensar em Dean, e nem parou de pensar quando deu de cara com o rosto adormecido de Sam. Os olhos estavam fechados, as pálpebras pálidas e os lábios sequinhos. Castiel, o anjinho de cera, quis gritar por Dean.

Entretanto, foi colocado para dormir ao lado de Sam, dentro daquela estranha cama de madeira. Foi fechado então, de repente, o caixão.

Cas nunca mais viu verde, Cas nunca mais viu amarelo e só viu preto, até algo começar a feder e coisas rastejarem ao seu redor. Um dia, caiu entre um conjunto de costelas, mas ele achou que fossem pedras.

O anjinho apodreceu e suas lembranças apodreceram, apodreceram, apodreceram.

Morreu.

E o soldadinho, jogado pra debaixo da estante, batia continência esperando Castiel voltar.


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Notas finais do capítulo

CAPA TEMPORÁRIA