Pomo de Sealan escrita por JuhAntunes


Capítulo 3
III




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Eram que horas? Onze? Meia-noite? Que dia era hoje? Ah sim, quarta. Fazia duas horas que voltara da festa dos pais de Abellona. Duas horas que escutou a mais ridícula, porém atrativa, ideia: procurar o Pomo de Sealan. Sua irmã estava dormindo pesadamente, o que lhe deu tempo para pensar bastante. Estava confuso. Pelo que viu, Abellona realmente tinha provas de que o artefato existia, e mais ainda a localização do pomo. Aquela sala estava repleta de mapas, penas, cartas, anotações, e outros artefatos que deram a ela alguma certeza de que aquilo existia.

O problema era que as informações passadas nos livros ou no boca a boca eram apenas lendas, relatos de pessoas que nem sequer saíram da cidade. Afinal, quem saía nunca mais era visto ou lembrado. E isso estava fora de cogitação. Mas mesmo assim, Ahadi sentia uma estranha excitação em seu corpo. A adrenalina percorria o corpo como um todo e estava começando a considerar a ideia.

Entrou em seu quarto e abriu seu armário de carvalho escuro. Camisetas, armas, bestas e alguns mapas. Caso aceitasse entrar nessa "aventura", teria tudo pronto. Mas mesmo que não pense em ir, por mais que ache uma loucura sem limites, ele iria. Não por ele, mas pela irmã. A ideia de ir buscar o pomo pela irmã era o que motivou. Uru merecia trabalhar, viver e enxergar novamente. Ver o nascer do sol, ver o que come, o que faz, onde dorme. Ver o filho que nunca pôde. Poderia não pedir nada, mas para ela faria o impossível.

                                                                                       *******

— Qual a possibilidade de eles sequer me aceitarem? O máximo que vão fazer é me chutar pra fora. Se eu se quer aparecer naquela rua eu vou preso

Pravin pega várias fotos e páginas soltas de livros que continham as histórias do pomo. Todas glamorosas, animadoras, chamativas. Uma coisa era certa, ele realmente queria ir nessa busca do pomo.

—Está bem, entendi. Mas eu não posso simplesmente aparecer lá assim. Tem que ser em outro lugar. Um bar, uma rua afastada, ou a própria casa daquele mercenário...

As mochilas estavam prontas. Cobertores extras, algumas navalhas, o único problema era convencer a dupla a o deixarem ir junto. Zeki não era tolo de ir sozinho na floresta. Precisava de companhia, ou então seria engolido vivo nos primeiros quilômetros.

—Imagine Pravin! Eu me livro disso e viro um garoto normal. Passo a ter amigos e vivo minha vida! Ou pelo menos, até eu viver certo? Se eu não morrer de fome antes.

Great Fall vista de longe estava de bom à melhor. Comércio crescendo, economia melhorando e indústrias iniciando seu trabalho das grandes cidades. O grande problema era, como sempre, os Abhaaga. A situação deles nunca melhorava. Eram contínuas a morte por frio, fome, doenças curáveis e diversas outras razões. Foi devido a uma febre alta que o único amigo de Zeki acabou falecendo, o que acabou deixando-o bastante chateado. A negligência era tanta que o próprio Rei costuma fingir que não existem, e era por isso que Zeki havia deixado de acreditar na cidade em que morava. Mas, eliminando um problema de sua vida, o resto seria mais fácil de lidar.

—Talvez eu peça também um frango bem grande pra comer, ou uma cama que não seja feita de grama e pedras. E você Pravin? Gostaria de uma rede que não estivesse furada? — Pravin responde apenas com um barulhinho esganiçado e agudo — imaginei que sim.

                                                                                         *******

Zeki decide ir até Ahadi, ele com certeza seria mais tranquilo conversar. Ele chegaria, bateria na porta, e se ele não fosse recebido com uma bala na cabeça, iriam conversar e convencê-lo de ir com eles a procura do pomo.

Após chegar à cabana isolada do mercenário, Zeki estava tremendo. Digamos que a reputação do homem definitivamente não era a melhor possível.

—É só uma conversa Zeki... Só isso...

Quando ia bater na porta, Ahadi abriu com um cheiro forte de carne e vegetais. Sua carranca realmente não mudara. Ela sempre a mesma cara séria que causava medo. Era bem mais alto do que aparentava ao longe.

—Então você é o garoto que nos seguiu dentro daquela casa. Imaginei que viria conversar.

—Você me viu? Como?! Eu tomei tanto cuidado...

—É meu trabalho garoto. Lido com isso. Mas para um abhaaga, você foi muito bem. Entra.

—Sério?

—Acha que sou o que? Um monstro? Está frio. Entra.

Zeki entra em casa. Era bem simples para alguém com sua fama e voz. Havia moveis simples de madeira feita quase a mão. Algumas roupas para um canto e armas para outro. No meio da sala havia pelúcias e alguns brinquedos para crianças. "Filhos talvez? Ou ele só pode gostar de coisas assim..."

—É do meu sobrinho. Ele ainda não sabe guardar as coisas devidamente — disse colocando tudo num baú. — Então, se está aqui pra pedir pra ir junto, lamento. Não posso fazer nada.

—O que?! Por quê?! Posso ir tanto quanto vocês! Posso ajudar. Olha, eu fiz pesquisas — tirou tudo da mochila de pano — mapas, textos, mitos, histórias, conheço algumas rotas...

—Não vou levar uma criança com a gente. E Abellona odiaria isso.

—Não vou atrapalhar! Juro!...

Ahadi prestou atenção no garoto. Ele parecia estar definhando: braços magros, pálido, as roupas mal cabiam direito nele mesmo. Havia várias feridas e cicatrizes em seu corpo, e um macaco pequeno acompanhava-o nisso. Ser miserável deve ser mesmo uma merda. Nunca passou por isso, mas podia imaginar.

O mercenário levantou-se e foi ate a cozinha. A sopa ainda estava no fogão. Não estava quente como se tivesse acabado de ter sido feita, mas estava o suficiente para comer. Colocou uma boa quantidade numa tigela e deu pro garoto.

—Coma enquanto ainda está quente. Depois que esfria não é tão boa.

Enquanto o garoto devorava a comida, Ahadi olhava as pesquisas. Nada muito diferente do de Abellona. Alguns pareciam ser de mesma fonte inclusive. Mas algo acabou prendendo sua atenção: um mapa, mas feito a lápis.

—Você quem fez?

—Sim, já fugi para dentro da floresta muitas vezes em perseguições quando passava perto do palácio e deixava me verem por descuido. De tanto fazer isso acabei conhecendo alguns caminhos e fui fazendo o mapa. De cor, sei ir até o lugar mais próximo, o córrego das almas.

—Parece então que nós dois estamos na lista negra do rei.

—Você? Todos te chamam pra fazer algo.

—Por que acha que moro no meio do nada, garoto? Evitar perseguição. Quando me contratam sempre é na calada da noite. Minha relação com o rei já é conturbada demais. Mais uma conversa e sou mandado pra fogueira.

—Não imaginava isso... Você é tão bem falado na cidade... Principalmente quando quem fala é aquela nobre.

Ahadi deu uma risada sem graça. Imaginava o que Abelloma dizia.

—Infelizmente, ou felizmente, eu não tenho nada com a Schwerin.

—Bom, ela gosta de você... Mas... Vai me deixar ir com vocês?

—Não sei não garoto.

—Por favor, prometo não atrasar vocês!

—Por que quer tanto ir?

—É... Pessoal... O que posso dizer é que tem uma coisa que eu quero muito. É bem simples, mas vai mudar minha vida, e só o pomo pode fazer isso por mim...

—Só o pomo?... Que específico garoto.

—A vida é cheia de especificidades.

—É, tem razão...

                                                                                           ******

Abellona já estava indo dormir quando escutou três pedrinhas batendo na janela do seu quarto. Era Ahadi, parece que ele se lembrou do código para se encontrarem. Abriu a janela e ele entrou. Mas dessa vez acompanhado de uma criança claramente surrada.

—Por que tem um abhaaga no meu quarto, Ahadi?

—Estava pensando que, já que vamos nos aventurar no meio de uma floresta que nem eu conheço direito, podíamos levar o garoto?

—Como é? Claro que não! Não vou servir de babá!

—Não é servir de babá por que ele sabe se cuidar. É como se fosse um piloto. Ele é mestre em mapas, sabe informações incrivelmente úteis, sabe mais sobre o pomo do que os seus livros!

—Ah jura?... Entendo... Sabe qualquer resposta?

—Qualquer uma.

—Ano de criação da cidade. — Virou-se para a criança.

—145 antes de Cristo.

—Primeiros moradores?

—Mayflower Buffalo e seu marido Jean Billy.

—Há 2.000 anos houve um acidente que dizimou metade dessa cidade. Qual foi e como aconteceu?

—Uma avalanche vinda da Montanha do Medo. A hipótese que amedronta a cidade é o nascimento de Ikugun, que ao ser puxado da terra fez com que as rochas caíssem e matassem milhares de pessoas.

— Mas não é essa a história que contam — ri debochando.

—Não, a história para boi dormir é que houve um pequeno abalo que foi sentido pela montanha, e somente por ela. Como resultado, as rochas caíram.

— Tem um lugar no meio da floresta, abandonado, secreto, ninguém sabe onde é. Dizem que é dentro de uma caverna. O que é esse lugar?

—Caverna? Tem cavernas aqui em Great Fall? — questionou Ahadi.

—Tem. Não se sabe seu nome, mas sabe que suas águas são cristalinas. Transparentes como cristais de uma loja de jóias. Essas mesmas águas guardam um poder ancestral grandioso, o de cura de qualquer doença, simples ou terminal. Soube que já salvaram pessoas da morte. Essa benção foi dada pela própria Sealan, que ao invés de escolher um humano, decidiu escolher uma "coisa". Esse dom é protegido por uma criatura renegada pela Deusa, alguns dizem que parecem um polvo, mas é mais aterrorizador que isso. Mais... agressivo aos olhos, mas que faz o seu trabalho de forma precisa. Apenas quem ela julga ser "bons" podem aproveitar uma quantidade ínfima de suas águas. 

—Você já esteve lá... Você conhece lá... Já viu! Ninguém tem tantos detalhes assim sobre essa caverna!

—Entendeu o que eu disse Bella? Pode não gostar dele, mas o garoto é nossa chave. Sem ele, a gente vai morrer sem encontrar o pomo.

A nobre olhou para ele mais uma vez. Era uma maldição, estaria sendo vítima de uma mágica perversa, mas Ahadi está certo, eles precisavam do garoto. Ou então, eles nunca veriam nem encostariam no pomo, que após ver Zeki, não há duvidas de que ele exista.


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