O Relógio de Areia escrita por beautifulfantasy


Capítulo 14
Capítulo 14 - O Jardim de Neve




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Teen Titans não me pertence.

Capítulo 14 – O Jardim de Neve

Ravena se sentou na cama e acendeu o pequeno abajur em sua mesa de cabeceira. Os ponteiros do relógio ao lado indicavam que passavam 9 minutos das 3 da manhã. 1 hora desde que ela havia se deitado com a intenção de dormir. Passou a mão pelos olhos, cansada de rolar de um lado para o outro e ver imagens todas as vezes que fechava os olhos. Podia sentir que a maioria dos convidados dessa noite já havia adormecido. Ao contrário de uma situação de normalidade, isso a desestabilizou ainda mais. A pouco menos de meia hora, sentia as emoções emanando de todas aquelas pessoas, e, pela primeira vez na vida, elas eram bem-vindas. Porque suas próprias emoções se encontravam completamente bagunçadas. Meditar – ou melhor dizendo, sentar e tentar não pensar naquilo – não havia ajudado, e agora, tampouco dormir.

Ravena suspirou e abriu a gaveta da mesa de cabeceira, tirando dela um bonito espelho de mão. Já que não conseguia entender, quanto mais controlar suas emoções, teria que falar com elas. Fechou os olhos conforme uma faixa brilhante de luz a envolvia e a transportava para o interior de sua mente. Para Nevermore.

Quando abriu os olhos, estava ajoelhada em um gramado. O céu acima dela era negro e sem estrelas, e outros fragmentos de solo flutuavam ao redor. Ela apoiou a mão no chão para poder se levantar, mas interrompeu o movimento por um instante.

'Grama... cinza?' ela pensou, passando os dedos pelas folhas acinzentadas. 'Eu pretendia falar com Sabedoria... '

Vegetação cinza era comum no local designado para a parte de Insegurança de sua mente, mas Ravena havia direcionado sua viagem para a floresta sempre outonal de Sabedoria. Poderia ela ter errado de lugar? Mal esse pensamento se formou, uma voz a tirou de seus devaneios.

"Você não se enganou" ela se voltou, encontrando a si mesma, vestida com uma capa marrom.

"Sabedoria..." disse, se pondo de pé e indo ao encontro da emoção. "Você... Está bem?"

Sua sósia não se encontrava em seu aspecto usual, de expressão serena e descansada. Tinha olheiras, o cabelo desgrenhado e parecia irritada.

"Não, não estou nada bem!" ela informou, passando por Ravena e andando rápido pelo meio das árvores. "Olha o que ela está fazendo com a minha linda floresta!"

Ravena piscou, surpresa. Assim como o gramado, os grossos troncos das árvores estavam cinzentos e descascando. A folhagem, normalmente de uma bonita cor dourada e vermelha, estava enegrecida e caindo com maior frequência, deixando várias partes das árvores carecas. Os corvos voavam em volta, gralhando, como que insatisfeitos.

"Mas... Mas quem fez isso?" a empata perguntou subitamente preocupada.

"Quem você acha? Insegurança, é claro! Ela está fazendo isso com todo mundo!" Sabedoria deu um suspiro de frustração.

"Não sabia que as coisas estavam tão sérias..." murmurou Ravena. "Eu vim aqui atrás de..."

"Conselhos, eu sei" a emoção completou, cobrindo sua cabeça com o capuz marrom. "Bom, esquece. Não posso te ajudar agora."

"Mas eu..."

"Eu sei! Escuta, estou tentando encontrar uma resposta para o seu dilema desde que... aquilo aconteceu." ela informou, pegando um ninho do chão e colocando-o em seu devido galho com cuidado. "Mas não consigo me concentrar o suficiente com ela falando sem parar!"

"Falando..." de repente, Ravena percebeu que o gralhar dos corvos não era o único ruído. Um lamento parecia estar sendo difundido por um alto falante muito ruim, pois ela conseguir ouvir sua própria voz, mas não podia discernir as palavras. "Eu vou falar com ela."

"Por favor" foi tudo que recebeu em resposta antes de seus pés deixarem o chão e flutuar em direção à voz.

Em seu caminho, entendeu o que Sabedoria quis dizer quando disse que Insegurança estava afetando a todos. A planície rosa de Felicidade se encontrava cinzenta e sem vida, o lago de águas esverdeadas ao lado do qual Coragem treinava estava negro como o céu e até a savana dourada e laranja de Preguiça estava com vegetação cinza e clima frio.

Ela pousou na entrada do pântano de Inseguraça e entrou com cuidado. Parecia mais perigoso, como se a cada passo ele estivesse esperando para arrastá-la para baixo, e os corvos que lá moravam estavam com olhares hostis. Logo, porém, ela distinguiu a capa cinza que cobria uma pessoa no meio da paisagem.

"Insegurança" ela chamou, e andou até ela, deixando os cuidados que estava tomando até esse ponto.

Sua contraparte de capa cinza, porém, andava de um lado para o outro e não pareceu tê-la escutado.

"Eu tenho que contar... Mas, não, ela me fez prometer... Bom, não exatamente, mas se ela está confiando em mim..."

"Insegurança!" Ravena chamou novamente, quando subitamente seu progresso foi impedido por um cipó, que se prendeu ao seu braço direito.

"Ele tem o direito de saber, não tem, será que ela vai contar para ele de verdade...?"

"Ah... Me solta!" exclamou Ravena, mas o cipó se agarrou com força a seu pulso. Tentando se soltar, ela enfiou o pé esquerdo acidentalmente em uma poça de água e lama.

"Se eu contar pra ele, ele vai... Ele vai me odiar! Vai dizer que eu estou inventado!"

"Insegurança! Me ajude!" pediu Ravena novamente, que agora estava usando o cipó para tentar libertar seu pé esquerdo, mas quanto mais se mexia, mais preso ele parecia ficar.

"Mesmo se ele acreditar, ele vai me odiar, vai dizer que sou uma intrometida!"

"In..." começou Ravena, mas foi interrompida quando seu pé direito também atolou em uma poça.

"Mas se eu não contar e ele descobrir depois... Ele vai achar que foi traição, que não me importo ou...!"

"Azarath Metrion ZINTHOS!" veio uma explosão de seu lado direito, assustando Insegurança, e ela finalmente se voltou para a fumaça, assustada, de onde saiu uma Ravena de pijama.

"Ah... Ravena! Você está aqui!" ela constatou, saindo detrás de uma árvore.

"Até que enfim, Insegurança!" ela disse, irritada. "O que diabos está acontecendo? Por que seu reino está invadindo o das outras?"

"Hm... Está?" ela perguntou, distraída, em sua pose usual: curvada, com uma expressão de tristeza, as mãos em uma posição inconsciente de proteção. "Não sabia... Não sei. Não sei o que fazer... Contar ou não contar..."

"Você... É nisso que está concentrando tudo?" perguntou a empata, ficando tristonha. Sua emoção se virou para ela, grossas lágrimas descendo por sua face.

"O que é que vamos fazer...? Todos os caminhos parecem levar a algo terrível..."

"Bom... Tente se acalmar" pediu ela, e as duas respiraram fundo. "Talvez... Talvez só não seja da nossa conta..."

No momento que essas palavras deixaram sua boca, Insegurança pareceu ferida e recuou; ao mesmo tempo em que Ravena percebia que não havia verdade no que tinha dito.

"Não... Não quis dizer... Claro, ele é nosso amigo, mas..."

"Afeição quer falar com você. É... Urgente" ela informou em um resquício de voz. As árvores e cipós começaram a fechar o caminho que levava à emoção de capa cinza, assim como ela novamente ficou alheia à sua presença.

Ravena viu como ela voltou a seu transe de indecisão e flutuou para longe, na direção da parte de Afeição de sua mente. Ficou surpresa; já fazia um bom tempo que Afeição não pedia para lhe ver pessoalmente.

O reino de Afeição era um belo jardim com várias faixas de flores: havia calêndulas vermelhas, hortênsias azuis e brancas, um belo canteiro com narcisos rosa choque de um tom que lhe lembrava o cabelo de Estelar e uma grande quantidade de girassóis verdes, além de algumas outras mudas espalhadas. Afeição cuidava de todas as flores com muito cuidado e carinho, e seu mais recente trabalho era uma caixinha com mudas de tulipas amarelas.

Quando chegou, porém, levou um susto. As flores não haviam se tornado cinzas. Mas havia um componente na paisagem que ela nunca tinha antes visto em Nevermore: neve.

Neve por todo o canto. E, ajoelhada próximo às tulipas amarelas despedaçadas, estava Afeição. Ravena pousou próximo a ela e constatou que eram as únicas flores a serem afetadas pela neve. Todas as outras pareciam um pouco opacas, é verdade, mas continuavam firmemente em pé e vivas. Em especial os girassóis verdes.

"Afeição...?" chamou, mas não recebeu resposta. Começou a nevar. "Essa neve... É por causa de Insegurança?"

Ela viu a capa lilás se levantar, ainda de costas, e reparou que estava com o capuz levantado, o que era incomum.

"Não, Ravena. A neve é um componente do meu jardim já há cinco anos" ela informou. "A mesma quantidade de tempo que estou cuidando dessas tulipas... Elas demoraram a se estabilizar... E agora... Não sei se vão sobreviver a essa noite."

"Insegurança disse que você precisava falar comigo..." ela murmurou. A emoção por fim se virou para encará-la. Tinha os olhos inchados e o nariz vermelho. Como se tivesse chorado. Muito. "O que foi? Ah! Por que esse lugar inteiro está... uma bagunça?!"

Elas ficaram alguns momentos em silêncio, no qual Afeição abriu sua caixinha de trabalho de jardinagem e dela tirou uma tesoura.

"Desde que Mutano veio até aqui... Tenho tido uma afeição especial por ele" informou sua contraparte de lilás, andando até um girassol verde e podando suas ramificações.

Ravena se sentiu corar a essa informação, dada sem qualquer cerimônia. Abriu a boca para contra-argumentar, mas Afeição continuou falando.

"Comecei a tentar me fazer ouvir... Você se recusava a me escutar, naturalmente, mas prossegui firme em minha tentativa de ser notada... Por você e por ele também" ela regou o girassol, e com uma pázinha de jardinagem revolveu a terra em volta com cuidado. "Até... Aquele dia. Quando Terra contou que eles estavam namorando."

Ravena desviou os olhos rapidamente. Lembrava bem como havia sido doloroso ouvir aquilo, embora na época não soubesse por quê. E preferia continuar não sabendo.

"Eu chorei e chorei... Desisti das tulipas. Achei que nunca poderiam ter um lugar aqui, afinal. Mas então... Parei." ela terminou de afofar a terra do girassol e limpou as mãos em um paninho. "Insegurança veio conversar comigo. Ela me lembrou sobre nosso destino... Na época ainda achávamos que aos 16 estaríamos condenadas... E como ele talvez nunca olhasse para mim... para você... dessa forma, com Terra ou sem Terra."

Isso doeu também, fundo. Mas Ravena permaneceu em silêncio, se concentrando em algumas margaridas rosas, amarelas e azuis.

"Então eu... Aceitei. A felicidade dele era mais importante. Se ele a obtivesse com outra pessoa, não me importava. Foi aí que começou a nevar. E eu parei de tentar... Me fazer ser ouvida... Com algumas exceções, claro"

Uma lembrança longínqua de um abraço apareceu em sua cabeça de repente.

"E trabalhei nas tulipas... Ficou mais fácil depois. Depois que ela pediu ajuda e te tratou como... A uma amiga." Ambas se voltaram para o pequeno canteiro destroçado de tulipas amarelas. Uma única flor permanecia em pé. Pequena, mas firme em meio às outras mortas.

"Mas hoje..." ela fechou as mãos em punho. "Decepção não chega perto de como me senti... Todas nós."

"Eu desisti dele para que encontrasse a felicidade... Com ela, alguém que poderia lhe dar tudo o que nós não poderíamos, por causa dos nossos poderes e da sua teimosia..." lágrimas se formaram e escorreram pelo rosto de sua sósia. "Só para ela quebrar o coração dele?"

"Como ela pôde fazer isso? Primeiro me dá um susto daqueles, dizendo que não poderíamos nem mesmo ser amigos, e então... O trai com um... Um qualquer?" soluçou, levando as mãos ao rosto. Ravena estava sem ação. Queria argumentar, dizer que não era verdade, mas... Qual o ponto?

"Isso" ela disse com firmeza, afastando as lágrimas "Isso eu nunca faria."

Ravena se virou e andou em direção a um portal de saída, antes que começasse a chorar também. Era por isso que não conseguia pensar racionalmente. Era por isso que Insegurança estava tão forte. Tudo se resumia a isso. Ela passou pelo reino de Raiva, que parecia o único inalterado - a cidade de Jump City destruída e queimando, embora a emoção estivesse mais forte que de costume (Rasgue ela! Destroce em um milhão de pedacinhos!), e chegou até a biblioteca na montanha de Conhecimento.

Salvo por uma névoa e um clima frio, tudo parecia nos conformes. Entrando no prédio cheio de livros, encontrou sua emoção de óculos e capa amarela sentada e, como sempre, lendo um livro.

"Olá" cumprimentou, sentando em uma poltrona de frente para ela, se sentindo exausta. A emoção levantou os olhos para ela.

"Cansada?" perguntou, com um leve sorriso.

"Você não faz ideia..." ela respondeu, fechando os olhos.

"Ah, faço uma boa ideia, considerando a ausência de uma resposta sarcástica para variar..." ela deu uma risadinha. Ravena abriu os olhos novamente e levantou uma sobrancelha.

"Você parece... não afetada." ela constatou, ao que sua sósia deu de ombros.

"Lido com fatos, Ravena. Já estava ciente de tudo que você descobriu só hoje, e não preciso colocar nada na balança para auxiliar sua decisão. Só forneço o que deve ser pesado."

"Então... O que deve ser pesado?" ela perguntou com um suspiro, afundando mais na poltrona.

"Em um prato: sua amizade com Mutano. Seu senso de certo e errado." ela listou, levantando uma mão em concha, como uma balança. "No outro: a confiança que você deposita em Terra. Seus sentimentos por Mutano."

"Espere. Meus sentimentos por Mutano vão no mesmo prato que minha confiança em Terra?" ela questionou, confusa. "No prato para não contar?"

"Naturalmente"

"Como naturalmente?!"

"Ora, Ravena. Afeição não deixou claro para você?" ela arrumou os óculos, explicando. "Ela prefere carregar o fardo a permitir o sofrimento de Mutano."

Mais uma vez, Ravena se encontrou sem palavras.

"Por que?" encontrou por fim. "E quanto à minha parte egoísta? A que quer a minha felicidade ou paz de espírito?"

"Somos todas as outras." ela respondeu, em tom óbvio.

"Todas...? Ela se sobrepõe a todas vocês?"

"Você permite que ela se sobreponha a todas nós, Ravena. Insegurança também, um pouco, devido à culpa que ela sente por ser o que é."

"Não posso apenas ficar aqui para sempre?" a empata choramingou.

"Agora você está apenas agindo como criança" disse Conhecimento, voltando a seu livro. "Mas se voltar agora ainda pode conseguir dormir um pouco. Insegurança está recuando agora que você ao menos tem consciência de tudo."

A empata ficou em silêncio por algum tempo.

"Posso dar uma olhada nos registros de ontem à noite?" pediu por fim, ao que sua contraparte amarela sorriu e lhe entregou o livro que estava lendo. Ravena o folheou, procurando algo em específico, e após alguns minutos de leitura, fechou o livro e o devolveu, se levantando.

"Está indo?"

"Sim. Preciso dormir." respondeu, se dirigindo para a porta. "Obrigada."

A Ravena de óculos assentiu com a cabeça e olhou pela janela, vendo que a névoa se dissipava e os corvos pararam de gralhar, se acomodando em seus ninhos.

Sorriu. Preguiça estava aproveitando a brecha.

o-o-o-o-o-o-o-o-o

N/A: Caso alguém esteja se perguntando, as flores representam as pessoas de quem a Ravena gosta. As calêndulas vermelhas representam o Robin, as hortênsias o Ciborgue, os narcisos a Estelar e, acho (espero) que eu tenha deixado mais claro, as tulipas a Terra e os girassóis o Mutano s2


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