Quando eu era criança, costumava ter medo cada vez que meus pais dirigiam uma palavra um ao outro, porque sabia que eles não conseguiam conversar. Até mesmo uma simples observação sobre o almoço poderia transformar a casa em um campo de guerra. Eu tinha apenas quatro anos quando aprendi que meus pais eram inimigos declarados e se odiavam com todas as forças.

No dia em que eu conheci a família Uchiha, lá pelos meus cinco anos, a cumplicidade entre Mikoto-san e Fugaku-san me pegou totalmente de surpresa – eu nunca imaginei que fosse possível ter uma relação de amor entre duas pessoas casadas, porque na minha casa essa realidade era absurdamente distante. Foi uma descoberta encantadora.

Ainda que tantos anos tenham se passado, eu ainda consigo lembrar dos gritos e insultos de meus pais, enquanto eu desejava em oração que eles fossem um pouco mais como o casal Uchiha. Eu achava Sasuke e Itachi ridiculamente sortudos pela família que eles tinham.

Hoje, olhando para o passado, o maior mistério daquela época para mim é o porquê de meus pais não terem se divorciado. Por mais que eu pensasse, não conseguia desvendar o mistério.

Seria por minha causa? Olhando pelo lado do meu pai era bem possível que ele aguentasse tudo aquilo por mim, mas olhando pelo lado de minha mãe... Bem, ela nunca pensaria em mim. Se quisesse ir embora não hesitaria um segundo pela filha que estava deixando para trás. Mas não. Nem ela, nem meu pai foram embora. Ao invés disso sustentaram aquela zona de guerra até o fim – final este que foi marcado pela morte do meu querido pai.

Com doze anos eu assisti papai definhar, perdendo a vida lentamente para a hepatite. Até hoje sua morte doía em mim, sendo acompanhada pelas saudades.

E tais memórias dolorosas foram arrancadas para fora brutalmente no segundo em que Kabuto disse aquelas palavras:

"A sua mãe foi baleada."

Por alguns segundos o mundo pareceu ter parado, esperando pela minha reação enquanto eu só conseguia tremer, paralisada pelo medo.

"Ela está viva, mas o estado é crítico." Kabuto cortou o silêncio. "Eu não sei se ela vai sobreviver, Sakura."

Lágrimas de puro pânico começaram a se formar, fazendo meus olhos arderem. Eu tentava encontrar a minha voz, mas meu sistema parecia ter entrado em pane.

"Sakura?" Kabuto chamou.

"Estou aqui." Respondi, com a voz forçada e arrastada. "Como...?"

"Foi na própria casa de Mebuki." Contou. "Os vizinhos Uchiha ouviram o tiro e correram até lá. Encontraram-na sangrando no chão da sala com uma bala no peito, mas seja quem for que tenha feito isso fugiu antes de eles chegarem." O médico suspirou. "A operação foi complicada, já que a bala atingiu um ventrículo do coração. Agora ela está em observação."

Eu precisava vê-la. Precisava estar com ela. Nada mais importava.

"Eu estou voltando." Falei num rompante, sem ligar para nenhuma das mil consequências a serem desencadeadas pelo meu retorno. "Estou indo para Konoha."

Vi Gaara arregalar os olhos.

Kabuto suspirou. "Achei que fosse dizer isso. Mas não acho seguro que fique na sua antiga casa. Fique na minha."

Balancei a cabeça, mesmo que ele não pudesse ver.

"Vou transferir dinheiro para sua conta e você me consegue um apartamento ou coisa parecida." Engoli o nó em minha garganta. "Pode fazer isso?"

"Claro." Afirmou. "Vejo você em breve."

E, então, Kabuto desligou.

Gaara olhava-me apreensivo.

"A minha mãe foi baleada." Contei-lhe, tropeçando nas palavras.

Gaara me olhou num misto de preocupação e surpresa. Logo me vi sendo envolvida em seus braços e não demorei a desabar em lágrimas e soluços.

"Eu vou com você." Foi tudo que ele disse, enquanto me acalentava.

Parecia que eu estava sendo puxada de volta ao pesadelo de quatro anos atrás, com as lembranças do sequestro e do tiro voltando com força total. E agora a vítima era a minha mãe.

Por que alguém faria algo assim contra ela?

Eu não tinha nenhuma resposta, eu não tinha nenhum motivo. Só o que eu tinha era a certeza de que não a deixaria sozinha nesse momento, ainda que ela não me quisesse por perto.

Porque, apesar de tudo, ela era a minha mãe.

*

*

*

POV: Hyuga Neji

Os cochichos e fofocas estavam por todo lugar de Konoha.

Só se falava na tentativa de assassinato de Haruno Mebuki, a mãe da tão famosa estrela internacional Sakura Haruno. Na nossa cidade, era o acontecimento do ano.

Quem, afinal, faria algo assim? Quem tentaria matar Mebuki-san? E por quê?

Eu ficava puto porque a única coisa importante para esses ratos tagarelas era ter algo "quente" para fofocar. Eles estavam pouco se lixando para as Haruno.

E o pior era que logo essa história iria se espalhar pela mídia e tudo ficaria ainda mais incontrolável.

O que todos mais queriam saber não era a identidade do culpado, e sim qual seria a reação de Sakura Haruno perante a notícia da mãe baleada.

99% de Konoha achava que:

Primeira opção: ela não daria a mínima, já que a mãe sempre foi notoriamente uma bruxa consigo, além do fato da superstar nunca ter olhado para trás nos últimos quatro anos.

Ou segunda opção: ela só fingiria se importar, para fazer o papel de boa filha na mídia.

No entanto, ainda havia aquele 1%, do qual eu fazia parte, que considerava a real sensibilização da Haruno filha.

Mesmo depois de tanto tempo, eu não tinha deixado de acreditar que parte da Sakura com a qual eu cresci ainda estava viva. Ainda que ela tivesse nos virado as costas e nos cortado de sua vida.

Sakura magoou a todos nós. Mesmo quando descobri suas mentiras e seus disfarces, tentei entender seu lado e seus motivos, mas nada conseguia me fazer compreender por que a Haruno nunca respondeu nem mesmo uma mísera mensagem.

Nós éramos amigos, certo? Então por que ela ignorou nossa existência com tanta veemência durante quatro anos?

Eu não queria ser o cara que cobra algo de alguém que não me deve nada, mas eu esperava mais.

"Vocês acham que a gente deveria ir lá... Sabe... Ver a Mebuki-san?" Naruto perguntou, enquanto terminávamos de comer na casa de Shikamaru.

"A Ino passou o dia no hospital." Shikamaru disse. "Mebuki-san não tem família para ficar lá com ela, então Ino reveza com Mikoto-san."

A Yamanaka sempre foi próxima da matriarca Haruno, mais até do que Sakura. O que era estranho.

"Quem faria isso, gente?" Hinata verbalizou uma de minhas dúvidas. "Eu não consigo entender..."

"Nem eu." Naruto suspirou.

"E o Sasuke?" Tenten mudou de assunto.

"Não foi para a faculdade de manhã porque tinha que depor com a família na delegacia." Naruto contou.

"Vocês acham que a Sakura já sabe?" Hinata indagou.

"Com certeza Kabuto-san já deu a notícia." Afirmei.

"Coitada da Sakura-chan..." Hinata abaixou a cabeça.

"Coitada?" Tenten bufou. "Nossa coitada mesmo da Sakura-chan que mentiu e abandonou todo mundo, inclusive a mãe, e hoje está famosa, idolatrada e com a bunda cheia de dinheiro. Coitada mesmo dela! Sinto uma pena tão grande!" Ironizou.

"Limpa o veneno, Tenten." Shikamaru falou, balançando a cabeça.

"Eu estou mentindo?" Ela cruzou os braços. "A Sakura está lá, nadando na grana e rodando o mundo com os amiguinhos dela, enquanto a mãe ficou aqui, toda fodida, trabalhando feito uma condenada e sem dinheiro nem pra pintar a porra da casa caindo aos pedaços!"

"A gente, mais do que ninguém, sabe que a relação das duas sempre foi complicada." Naruto pontuou.

"Mas é mãe, Naruto!" Tenten vociferou. "É mãe! Tenho certeza que mandar alguma ajuda financeira para a mulher que colocou ela no mundo não deixaria um buraco na conta da tão poderosa Sakura Haruno."

"Mesmo depois de todo esse tempo, você ainda está com raiva dela." Observei.

Tenten me encarou. "E você não?"

"Eu não tenho raiva..." Dei de ombros. "Só queria entender."

"Neji, você sabe que eu fui a pessoa que mais tentou falar com a Sakura. Eu que mais fui atrás e por consequência, eu que mais fui ignorada." Tenten disse. "Mas o que eu posso fazer se ela simplesmente decidiu que era boa demais para todos nós e não merecíamos sequer uma mensagem?"

Eu não tinha como responder. Não queria concordar com Tenten, porque isso significaria que realmente não somos nada para Sakura, mas também não conseguia discordar. 

"Tenten pode ter essa maneira bruta de falar, mas está certa." Naruto disse, com a expressão cabisbaixa. "A Sakura tem agido como se nem existíssemos. E ela realmente vive no luxo, enquanto a mãe passa o maior perrengue para se sustentar."

"Exatamente." Tenten confirmou.

"Mas sabe..." Naruto continuou. "Eu ainda sinto a falta dela."

E isso, por um momento, calou-nos. De alguma forma, todos sentíamos.

"Mas ela nunca sentiu a nossa." Tenten quebrou o silêncio.

Ninguém contestou.

Em quatro anos nossas vidas tinham mudado e tomado caminhos completamente opostos.

Sakura era agora uma das maiores cantoras do cenário mundial, milionária e idolatrada. Vida feita. Enquanto nós... Bem, não tínhamos nem onde cair mortos.

A nossa banda, que um dia fora nossa fonte de esperança e alegria, nem sequer existia mais. Depois dos eventos de Nova York a 3P foi se desfazendo aos poucos. No começo nunca conseguíamos nos reunir para ensaiar e quando conseguíamos, nossa harmonia parecia estar perdida. E então Sasuke foi se afastando... Se afastando... Até que enfim anunciou sua saída da banda. Naruto até tentou nos manter unidos, mas a química da banda já não existia.

E então fomos crescendo... Não só a banda, mas nosso grupo inteiro foi ficando fora de sintonia. Talvez fossem só as consequências de se crescer. Trabalhos de meio período, preocupação de entrar na faculdade, depois a faculdade em si... Nós fomos crescendo e as responsabilidades aumentando, nosso tempo livre diminuindo.

Hoje não éramos nem de longe o grupo que um dia fomos.

Meio que nos dividimos em duplas.

Tenten e Ino. Naruto e Hinata, que agora eram um casal. E eu e Shikamaru.

Ainda nos reuníamos como um grupo vez ou outra – como hoje – mas geralmente andávamos em dupla.

Sasuke tinha se afastado. Naruto era o único que ainda conseguia trazê-lo até nós, mas, em geral, ele quase nunca falava com a gente.

Quando questionado, o Uchiha afirmava ser culpa do seu dia ocupado. Ele fazia faculdade de manhã, dava aula de Kung Fu para crianças à tarde e trabalhava de bartender no estabelecimento dos pais de Shikamaru à noite. Seu dia era realmente ocupado, mas essa não fora a razão de seu afastamento, afinal, tudo começou muito antes de ele sequer entrar na faculdade.

Depois de Nova York, ele nunca foi o mesmo. O primeiro indício foi quando ele decidiu aprender Kung Fu dizendo que nunca mais ficaria indefeso como na época do sequestro. Em seguida, veio o término com Ino e a saída da 3P. Por fim veio seu afastamento total de nós. A verdade é que ao longo do tempo Sasuke foi se fechando aos poucos.

De uma forma ou de outra, era como se Nova York tivesse nos tirado dois amigos preciosos.

"E se..." Naruto mordeu os lábios. "Sei lá... E se... Ela voltar?"

Por um momento nos entreolhamos sem saber o que dizer. Acho que nenhum de nós tinha pensado nessa possibilidade.

"A Sakura não voltaria pela mãe..." Tenten duvidou. "Ou voltaria?"

"A Sakura-chan que um dia eu conheci, voltaria sim." Naruto afirmou. "Mas acho que ela não é a mesma... Certo?"

"Naruto, entenda que a gente nunca conheceu a Sakura." Tenten empurrou a comida para longe. "E se voltar, eu finjo que não existe."

"Você não conseguiria." Hinata balançou a cabeça.

"Ela conseguiu fazer isso por quatro anos!" Rebateu. "O inferno que eu não consigo."

Mesmo com as palavras duras, eu vi os olhos de Tenten vacilarem. Como sempre, língua a afiada e coração nem tanto assim.

"Se a Sakura voltar..." Comecei, atraindo a atenção de meus amigos. "Ela vai bagunçar tudo."

E quanto a isso não havia dúvidas.

*

*

*

POV: Haruno Sakura

Eu não havia dormido depois do telefonema.

Karin havia conseguido um voo para o meio dia, que me levaria a Tóquio e de lá eu pegaria um jatinho com destino a Konoha.

Já estava mais calma, pensando mais claramente. Itachi era quem parecia mais nervoso.

"Você pode ficar. Sabe disso." Afirmei.

"Eu vou para onde você for. Sabe disso." Replicou.

Houve uma época na qual condenei Itachi por deixar Konoha e a família para trás tão abruptamente. No fim, acabei seguindo o mesmo caminho.

Naquele tempo eu era uma menininha tola que não conseguia ver além de seu mundinho e seus problemas. Eu não me importava com as razões de Itachi, apenas com a dor que ele causou nos outros Uchiha. Mas agora era diferente. Eu sou diferente.

Itachi tinha seus motivos, assim como eu tinha os meus. No entanto, saber que ele estava disposto a voltar por mim era mais do que eu podia agradecer.

Com certeza os Uchiha sabiam que Itachi era meu segurança. Não apenas pela mídia que vivia nos fotografando juntos, mas também porque fiz questão de postar algumas fotos dele no meu Instagram ao longo dos anos, como uma forma de deixar a família Uchiha saber que ele estava bem.

Eu ainda me importava com aquelas pessoas. Mesmo depois de tanto tempo.

"Falei com o Sai e ele resolveu voltar também." Itachi contou.

Fui pega de surpresa. "O Sai?"

"Sim." Confirmou. "Ele disse que se nós dois estamos voltando, então ele também voltará."

Dei de ombros. "Bom, acho que ele só estava esperando a oportunidade aparecer."

Não era de hoje que Sai falava em voltar a Konoha, só que ele tinha muito receio de o fazer sozinho. Certamente que não iria perder a oportunidade de voltar com todos nós.

"Nós temos tantas pendências naquela cidade, Sakura." Itachi falou, cabisbaixo.

"Eu sei." Suspirei. "Mas tenta não pensar nisso agora. Senão a gente nem vai conseguir subir naquele avião."

O Uchiha concordou com a cabeça.

"Precisamos ir para o aeroporto, Sakura." Karin entrou no meu quarto, onde terminava de arrumar minha mala com a ajuda de Itachi. "Gaara e os outros já estão a caminho."

Meu estômago se revirou em nervosismo, mas tratei de me apressar.

Estávamos todos indo. Eu, Itachi, Sai, Karin, Gaara, Temari, Tsunade e Shizune. Meu time leal. Todos voltariam comigo. Na teoria, eu não tinha o que temer. Mas a realidade era uma vadia insensível que não dava a mínima para teorias.

*

“Eu estou indo para casa

Eu estou indo para casa

Diga ao mundo que eu estou indo para casa

Deixe a chuva lavar toda a dor do passado

Eu sei que meu reino me aguarda

E eles perdoaram todos os meus erros

Então eu estou indo para casa”

— Coming Home, Skylar Grey