O Rebelde escrita por Sereia Literária


Capítulo 4
Perdida




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–Tem certeza?- perguntei em frente ao espelho. Eu estava linda no reflexo; o vestido em tons de dourado e pérola estilo sereia acentuava as curvas de meu corpo e me dava um ar de elegância. Era colado até um pouco acima dos joelhos, mas então a saia se abre e dá o sentido ao nome do modelo do vestido.

–É absolutamente apropriado, Alteza- confirmou Lily. Esse vestido era lindo, muito mesmo, mas fazia mais o estilo atriz de cinema do que princesa de Iléia. Tinha medo de meus pais reprovarem o visual, então decido trocá-lo – por mais que me sentisse atraída por ele.

Optei por um vestido branco com uma saia de tule em camadas que ia até perto de meus tornozelos. Ele tinha uma fita de cetim lilás na cintura e por cima do corpete de coração branco havia uma renda de flores lilases e delicadas que cobriam meus braços e meu peito até o pescoço. Escolho um scarpin lilás e Lily prende meu cabelo em um coque estilo grego e o decora com flores de diamantes e ametistas que combina com meus brincos. Um batom rosa claro e uma maquiagem em tons de lilás e roxo completam meu visual, e, ao entrar, minha mãe deixa escapar um suspiro.

–Katie, está linda!- diz ela. Minha mãe era, com certeza, a pessoa que eu mais amava. O mundo podia gritar contra mim, mas se ela estava ao meu lado, eu encontrava forças para me segurar.

–Obrigada mamãe. Sua aprovação é muito importante para mim- digo, enquanto ela pega as minhas mãos e me rodopia delicadamente.

Quando saio do meu quarto e me dirijo à entrada principal, todos os olhares e sorrisos estão em mim – assim como as câmeras e fotógrafos. Então, Liam me intercepta. Ele está elegantíssimo e seus olhos brilham com entusiasmo. Ele faz uma breve reverência antes de tomar com delicadeza o meu braço.

–A Senhorita está belíssima, Alteza- diz ele, uma voz charmosa e sedosa.

–Obrigada Liam, mas pode me chamar de Katie- digo enquanto caminhamos em direção a carruagem que nos conduziria.

Haveria nove carruagens, sendo que a primeira seria só minha – o que era um desconforto, afinal, teria de acenar e ficar de pé na maior parte do tempo, sem ninguém para me segurar caso eu caísse. Os Selecionados seriam distribuídos de 3 em 3 nas outras oito carruagens.

Antes mesmo de eu chegar a minha carruagem, Natan me rouba de Liam, um sorriso maroto nos olhos. Não precisei de palavras para que ele descobrisse que sua presença me agradava mais que a de Liam.

Natan usava um terno cor de chumbo e uma gravata que combinava com meus tons de lilás. Poderíamos muito bem ser um casal de nobres vestidos daquela maneira.

–Suponho que não tenha sido por acaso- digo, me referindo ao seu visual.

–Supôs certo, princesa- disse ele, um sorriso conspiratório brotando entre nós. Ele me deixou na parte de trás da carruagem e se virou para mim. Então, deu uma olhada em volta; todos estavam ocupados demais e mais ninguém prestava atenção.

–Eu gosto muito de você- diz ele.

–E eu de você- digo, e ele leva a mão a minha bochecha e me beija. Levo um segundo para me dar conta disso, mas quando percebo, levo a mão até a parte de trás do pescoço dele e o puxo para mais perto. Percebendo que não foi rejeitado, com a outra mão ele me puxa pela cintura com delicadeza, enquanto nossos lábios se movem de maneira lenta e silenciosa. Depois de algum tempo, ouço meu nome e sou obrigada a terminar com o beijo, mas nossos rostos continuam bem próximos.

–Eu podia acabar com a Seleção agora mesmo...- digo, ofegante, tomando ar a cada palavra. Mas nós dois sabíamos que ela teria que durar mais que um mês e quinze dias. Ele então pega a minha mão e a beija prolongadamente, e fico vermelha ao constatar que Lily provavelmente viu tudo, pois está saindo das portas principais com meu batom e lápis de boca rosa. Quando ele se retira, ela se aproxima, maquiando meus lábios grossos com habilidade. Em seu rosto, podia notar um pequeno sorriso conspiratório, e assim que ela terminou, perguntei, mesmo já sabendo a resposta:

–Por que esse sorrisinho?

Ela riu um pouquinho e se virou para o palácio.

O desfile começou, com musicistas, repórteres, fotógrafos e multidões. Era muita coisa para assimilar; várias pessoas gritavam meu nome enquanto exibiam os cartazes com fotos de seus Selecionados preferidos. Eu sorria e acenava, mas esse tipo de desfile era desgastante. Então, um grito que não era como os outros – alegre, feliz ou ancioso – esse era um grito de horror. Depois, tiros. Não sei em que momento, mas sei que caí da carruagem no chão. A confusão era geral, mas tudo parecia ocorrer em câmera lenta. Senti um braço me puxando, mas tudo estava lento e embaçado. Reconheci a voz de Danny quando ele me pegou nos braços, gritando as ordens e correndo. Então, um tiro e um grito horrível preencheu o local, e Danny quase caiu no chão. Nesse momento, foi como se eu voltasse a realidade. Era um ataque rebelde.

Danny entrou em uma casa aparentemente abandonada e me colocou em um canto perto de um fogão velho. Lágrimas escorriam pela minha face.

–Danny, Danny! O que está acontecendo- dizia, desesperada. Mas ele somente me segurou pelos ombros e me mandou ficar lá, escondida e abaixada até que alguém viesse me tirar dali. Percebi então uma mancha enorme de sangue em seu braço.

–Danny, você foi baleado- disse, quase sem voz.

–Não fui eu- ele me olhou com tristeza antes de sair da porta; ele não queria me deixar assim, mas não tinha escolha.

Levei algum tempo para perceber o quanto suas palavras faziam sentido. Senti uma dor horrível no braço e me dei conta de que, na verdade, eu havia sido baleada. O sangue empapava meus cabelos soltos e a renda de meu vestido lilás e branco. Levei a mão ao ferimento, só para perceber que ele era real. O grito horrível que eu ouvira... Era meu.

Comecei a entrar em pânico, mas não durou muito. Comecei a sentir o mundo girar e se contorcer. O som de tiros e gritos ficando mais e mais distante. Meus olhos pareciam feitos de chumbo e eu não consegui me manter acordada.

Sonhei brevemente com o ocorrido e abri os olhos de supetão. O sangue já havia secado em meu braço e seu cheiro era horrível – assim como o cheiro do ar em si. Não havia mais nada; nem um som, nem um ruído. Um grito, um tiro. Nem mesmo o som de passos. Isso era ainda mais aterrorizante do que se houvesse. Engoli o seco e me apoiei no fogão, ficando de pé com dificuldade. Tinha perdido os saltos e meu vestido estava deplorável; sujo, com sangue e aos farrapos. Então, ouvi o som de passos altos e a porta foi aberta. Entraram dois homens; um mais velho, com uns 30 anos e um mais moço, com no máximo 20.

–Olha que sorte... A princesa... -disse um deles, uma voz sugestiva demais. O outro sorriu com dois dentes faltando

Pulei a janela e saí correndo pelas ruas. Mas logo me arrependi; foi como se eu somente os acordasse, pois vários deles começaram a me seguir também. Pulava cercas e quintais, às vezes me deparando com cachorros monstruosos e levando mordidas, mas estava com tanto medo, tanta dor, que nem me importava; apenas corria. Em um determinado trecho, cheguei a um beco. Eles me haviam cercado, e tudo já havia sido planejado. Queriam me cansar. Mais que rapidamente, comecei a procurar uma saída; qualquer uma. Eles iam chegando mais e mais perto, e a única coisa que eu achei foi um cano enferrujado e com uma ponta saliente. Ouvi risos ao redor. Então, o som de água e cheiro de esgoto. Olhei para o lado. Corri na direção da vala, mas eles me seguraram pelos braços. Eu me debati e então consegui acertar as partes íntimas de um deles com o cano, que me soltou o bastante para que eu deslizasse pela fossa.

Havia uma espécie de rampa para conduzir o esgoto, e o lugar fedia muito. Por sorte, não era fundo. Comecei a correr sem olhar para trás e tentando fazer o mínimo de barulho possível. Ratos e baratas nadavam perto de meus pés, e não pude conter o vômito. Então, ouvi o som de corpos se batendo na água; eles me haviam seguido. Apressei os passos e escolhi caminhos aleatórios para tentar despistá-los. Então, encontrei uma escada velha e discreta que levava para cima. Comecei a subir apressadamente, o medo de cair não tão grande quanto o medo de ser pega por algum deles. Quando cheguei a parte de cima, estava na beirada da floresta. Fechei a tampa do fosso para apagar minha fuga e corri até as margens da mata. Sempre ouvira para ficar longe delas...

Mas então, ouço o som das vozes dos homens – e de seus pés subindo as escadas.

Respiro fundo e corro floresta adentro. Galhos se chocam contra mim, rasgando o vestido e a minha pele. Ouço sons mas os ignoro; nada bate mais alto que meu coração. Depois de quinze minutos de corrida desenfreada, decido parar,pois acho que terei uma taquicardia se não o fizer. Olho em volta; o local é assustador, mas ouço o som de um rio. Se tem uma coisa da qual eu precisava, era de tirar esse cheiro de esgoto que me fazia vomitar de dez em dez minutos. Fui para a água tomando o cuidado de não entrar demais, pois tinha uma correnteza forte e muitas pedras, e me esfreguei com o capim das suas margens – a cada ruído olhando ao redor. Sabia que rio era aquele, era o Rassingfox, o maior rio de Iléia. Tinha mais de 30 metros de uma margem a outra e mais de 15 metros de profundidade. Depois de me livrar do cheiro pútrido, olhei meu braço; a pele ao redor do tiro estava muito vermelha, e teria de cuidar para não ter uma infecção. Então, ouvi a voz deles de novo, um segundo depois eles estavam na minha frente, quatro deles.

–Calma, princesa... Cuidaremos bem de você, seremos... Cavalheiros.

Enquanto eles riam e se aproximavam, tomei coragem e me joguei nas águas turbulentas do Rassingfox. Somente os ouvi gritando, mais eles não vieram atrás de mim.

Eu não conseguia manter minha cabeça na superfície, e ficava cada vez mais certa de que iria morrer. Sentia as pedras me machucando, mas preferia morrer assim do que nas mãos daqueles homens nojentos. Às vezes, conseguia tomar ar, mas era durante pouco tempo, até que batesse em outra rocha ou que outra onda me puxasse para baixo. Depois de achar que eles já haviam desistido de mim, consegui me segurar em uma rocha, mas já estava quase morta nesse ponto. Ouvi vozes distantes, mas somente isso.Não conseguia ver nada, pois o dia ia embora e as águas batiam violentamente contra meus olhos. Então, algo me segura e se aproxima de meu corpo, e por mais que tente, não consigo me mexer. Queria morrer. Preferia isso a ser tratada como um objeto ou coisa pior.

Fui colocada na grama, mas não conseguia respirar. Senti então alguém pressionando a boca contra a minha e jogando ar, mas nada – eu não me sentia respirar. Então, fizeram pressão sobre o meu peito. Três vezes, depois mais três tentativas de me fazer respirar. Então ouvi o som de uma faca seguido pelo som de tecido rasgando.

Abro os olhos bruscamente enquanto meus pulmões davam graças aos céus e eu era virada de lado, vomitando e tossindo toda a água que havia ingerido. Senti mãos me apoiando nas costas e outra segurando meu ombro. Quando terminei, suspirei ruidosamente caí involuntariamente de barriga para cima, esgotada, o dossel verde acima de minha cabeça ganhando nitidez. Ouvi vozes e murmuros.

Minha cabeça girava e a virei para a esquerda. Alguns homens – não aqueles me perseguiram – me encaravam e junto deles uma senhora de cabelos brancos. Virei a cabeça para o outro lado – mais homens e um menino de uns seis anos de idade. Ele era magro e tinha a pele bem morena e olhos grandes e expressivos. Parecia sentir pena de mim. Ao lado dele, consegui distinguir uma sombra – era um homem jovem, relativamente alto e que não me olhava. Tinha expressão distante e afiava uma faca.

Olhei para mim mesma e percebi um corte que ia de cima a baixo em meu corpete; graças a ele e sua faca eu estava viva. Por sorte, eu usava um vestido de forro por baixo de tudo naquele dia. Senti frio e comecei a tremer ao mesmo tempo em que lágrimas voltavam a brotar e minha visão e percepção iam ficando distantes.

Então, um rapaz alto e magro se aproximou de mim, os cabelos escuros e desengrenhados. Ele se abaixou e colocou um manto grosso e pesado sobre meus ombros, me cobrindo.

–Não se preocupe, não lhe faremos mal algum- disse, a voz calma e carregada de um sotaque que não consegui identificar.

Abri a boca para falar alguma coisa, mas antes que pudesse pensar no que falar, me senti zonza,e zonza, e zonza... Tudo ficou escuro e eu apaguei.


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