O Rebelde escrita por Sereia Literária


Capítulo 23
Promessas


Notas iniciais do capítulo

Feliz ano Novo!
Que 2016 seja um ano cheio de alegrias e felicidade, que consigam realizar seus sonhos e que lutem por eles!
Obrigada pelos comentários SparrowJackson, Nat Campos e Ana Clarke Montini! Adoro saber o que estão achando da história, saber que estão se envolvendo e que aguardam os próximos capítulos!



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–NO QUE É QUE ESTAVA PENSANDO?- gritou o Rei, enquanto me jogava pelo braço em um canto de sua sala. O dia ia se esvaindo enquanto dava espaço aos tons de violeta do crepúsculo, que se esgueirava e se preparava para dar àquele dia as cores que tanto com ele combinavam – as escuras e tristes, dramáticas e pesarosas... Perversas.

–Em salvá-lo...- repondi calma, mas firmemente, enquanto erguia os olhos com um brilho ameaçador para o Rei, que andava freneticamente de um lado para o outro em minha frente. Então, ele se ajoelhou bem na minha frente. Seus olhos tinham um brilho louco, fanático. Com a voz estranha, ele começou:

–Tem ideia do que você acabou de fazer? Do que ele fez?- e como não lhe dei resposta verbal, ele segurou com as duas mãos minha cabeça e a chacoalhou para frente e para trás, enquanto berrava:

–TEM IDEIA?

Ainda sem respostas, ele me soltou, como que desiludido, e ficou de pé novamente.

–Fiz o que era certo- disse-lhe apenas.

Ele soltou um riso sarcástico e incrédulo.

–O que houve com o senhor, pai?

–O que houve comigo? O QUE HOUVE COMIGO?- ele repetiu a pergunta mais alto, virando-se para mim e abrindo os braços abruptamente.

–EU QUE PERGUNTO, MINHA FILHA! EU QUE PERGUNTO! O QUE HOUVE COM AQUELA GAROTA? DEPOIS QUE VOLTOU, NEM MAIS A RECONHEÇO! ANDAVA ESTRANHA, E EU ENTENDI. EU PENSAVA QUE ERA NORMAL, E EU PODIA ACEITAR. MAS NÃO POSSO ACEITAR UMA PESSOA QUE IMPEDE A MORTE DE SEU SEQUESTRADOR E ASSASINO DO NOIVO QUE VOCÊ ESCOLHEU!

A cada palavra ele gritava mais alto. A cada palavra chegava mais perto de mim. A cada palavra, ele me machucava mais e mais. A cada palavra, minha paciência e carinho por ele se esvaiam, e no fim delas, nada disso importava mais. Em um súbito de raiva que eu comprimia dia após dia, fiquei de pé, e gritei ainda mais alto do que ele.

–NÃO PODE ME CULPAR POR NADA QUE ACONTECEU, E NEM CULPAR A ELE! CULPE AO PARLAMENTO CORRUPTO QUE CRESCE A CADA SEGUNDO DEBAIXO DO SEU NARIZ; CULPE À GUARDA REAL POR NÃO ESTARMOS REALMENTE SEGUROS NO DIA DO DESFILE! MAS, QUER SABER, NÃO CULPE NENHUM DELES. CULPE AO SENHOR MESMO, MEU PAI, POIS TUDO ISSO NÃO ACONTECERIA SE O SENHOR NÃO PERMITISSE!

E então a mão dele veio pesada como chumbo ao meu rosto, aberta, e pela primeira vez apanhei de meu pai. Como meu corpo inteiro sentiu o choque, caí com força na poltrona ao meu lado, batendo o lado da cabeça, e senti-me logo zonza.

Eu ouvia a respiração irregular e forte de meu pai. Ele parecia próximo de mim, mas eu não me atreveria a olhar diretamente para o Rei. E muito menos me atreveria a chamá-lo de ´pai` novamente. Aquele não era ele.

–O que tenho que fazer para consertar a tudo isso? Ah meu Deus... O que eu faço com você?- agora a voz dele soava mais pesada, triste, melindrada. Eu o havia magoado de verdade.

–Podemos fazer um... Trato- sugeri, olhando para ele, que estava sentado aflito em uma poltrona distante, enquanto apertava a ponte do nariz. Ele então ergueu os olhos para mim.

–Eu o quero vivo- falei por fim.

–Ele está vivo...

–Mas não continuará assim depois de trezentas e cinquenta chibatadas, e o senhor sabe disso tão bem quanto eu- o interrompi, com voz forte e autoritária. Ele se endireitou um pouco na cadeira e ergueu os olhos para mim, apoiou os cotovelos nas pernas e mostrou as mãos.

–Certamente... Continue.

Prendi um pouco a respiração.

–Quero que ele receba tratamento pelas chibatadas, e ele não será sentenciado. Será liberto e terá a ficha limpa.

–Se está achando que vou deixar esse psicopata soltou está muito enganada, mocin...

–Se fizer isso eu juro nunca mais sair das linhas, sempre sorrir e comparecer aos jantares com finalidade comercial ou política. Juro nunca abrir a boca sem o consentimento do Parlamento, e nem vou mais questionar você. Vou me casar com quem vocês quiserem... É uma promessa.

Ele ergueu as sobrancelhas e coçou o cenho.

–Parece-me... Justo para ambos os lados, mas...

–Temos um trato?- perguntei, o cortando. Estendi a mão com firmeza, e ele, um pouco hesitante a apertou.

–Sim.

E depois de ditas estas palavras, em um movimento súbito, me retirei da sala, tal qual animal arisco. Guardas, mordomos e todos os trabalhadores do palácio paravam para me olhar enquanto eu ia, altiva e decidida em direção ao meu quarto - para finalmente poder desabar.

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Eu estava mergulhada em minhas próprias sombras quando ouvi alguém batendo a minha porta. Abri os olhos subitamente, estava em estado de alerta. A brisa fresca da noite entrava pelas janelas entreabertas, e eu me senti pela primeira vez desde o começo do dia cansaço, esgotamento. Estava péssima. Senti a língua pesada e grossa na boca enquanto me sentava na borda da cama, sentindo cada milímetro do meu corpo protestar. Vi por debaixo da porta a sombra dos pés de alguém, que, sem esperar, abriu a porta e a fechou rapidamente, escondendo sua face na escuridão do quarto.

–Eu sinto muito- murmurou a sombra, se aproximando. Era Danny.

–Você não tem culpa- falei à ele, mas a voz soou estranha.

–Sim, eu tenho. E quero me desculpar... Mas tem que ser rápido e agora.

Soltei o ar e ele me puxou pelo pulso para fora do quarto. Eu ainda não havia entendido, e quando chegamos ao andar das masmorras, ele me pediu para ficar escondida.

–Meu turno, podem descansar- ouvi Danny dizer com sua voz séria, a que usava com os soldados.

–Mas, senhor, ainda temos quinze minutos antes de trocarmos de turno...

–Está questionando seu superior, cadete?

–Não, senhor.

–Então vão para seus aposentos- e eu ouvi o som de dois pares de botas, e segundos depois o tilintar de chaves.

–Katie...- Danny me chamou, e eu fui até ele encostada nas paredes.

Em sua mão, um maço de chaves pesadas balançava preguiçosamente enquanto ele procurava a certa, que veio a ser a mais antiga e levemente enferrujada – a maior.

A porta das masmorras era alta, tinha cerca de dois metros de altura e pelo o menos 20 centímetros de espessura. Era tão pesada quanto aparentava, tinha dobradiças de aço e fechaduras únicas, que mais ninguém conseguiria repetir ou copiar, mesmo que quisesse.

Remetia aos palácios antigos, mas há muito tempo não tínhamos nenhum prisioneiro – primeiro, porque era inseguro deixar um preso no castelo; segundo pelo Rei, que era contra qualquer tipo de punição ou tortura. Afinal, as masmorras somente eram usadas para que os presos ficassem enquanto aguardavam o julgamento, o que levava no máximo dois dias. Depois disso, levavam o fim que lhes fora designado- mas desde que me conhecera por gente, não havia mortes.

As escadas eram escuras, feitas de pedra fria e irregular. Se erguiam em caracóis e subiam infindamente. Danny ia na frente, e subíamos e subíamos... O único ruído era o de água, uma goteira, que pingava em algum lugar escondido. Comecei a ver celas vazias, com pesadas grades de aço há muito esquecidas.

–Como ele é o único, ficou na mais alta... Mais distante- disse Danny, como se lesse meus pensamentos.

Senti um nó na garganta e na boca do estômago só de pensar. Foi então que a escadaria acabou; e chegamos à última cela, a mais alta e distante.

Ela estava escura, e senti meu coração bater mais depressa enquanto Danny procurava a chave em seu maço, que tilintava a cada movimento apressado. Segurei as grades e colei meu rosto nelas. Estavam geladas e úmidas, mas mesmo assim não me afastei. Não via Conor em lugar nenhum. Olhei na direção de Danny, como que a questionar isso, mas ele não percebeu. Foi só nesse momento que percebi que o barulho da goteira era causado por algo bem maior – lá fora, um temporal começara havia algum tempo. Olhei novamente para o fundo da cela, a vasculhar cada milímetro com os olhos, mas não tive um sinal dele, então, murmurei:

–Conor...- e minhas voz ecoou baixinha e sombria, como um cochicho de uma bruxa sofredora por todos os recintos e por toda a masmorra. Foi então que eu ouvi, muito baixo e discreto, o som de correntes batendo umas nas outras. Nesse momento eu soube que ele estava ali e Danny finalmente conseguiu achar a chave e destrancar a cela, fazendo-a estalar na fechadura. Rapidamente, abri a porta pesada com um movimento que já me deu a oportunidade de entrar, sentindo o piso de pedra gelado sob os meus pés. Como não via nada, fui apalpando as paredes até que meus pés esbarraram em algo, que gemeu de dor.

–Ah, Conor!...

Eu me joguei ao seu lado, e senti lágrimas ao tocar suas costas molhadas de sangue, ao sentir os vergões doloridos e mortais deixados pelas chibatadas... Ao sentir que ele se contraía a cada toque delicado. Ele estava com as mãos algemadas às paredes, a cerca de um metro do chão, o que o deixava de braços erguidos enquanto seus joelhos tocavam o chão. Estava de frente para a parede, de costas para nós.

–Danny... Danny, as chaves- pedi, estendendo uma mão em sua direção. Ele logo depositou nelas um pequeno par de chaves geladas, e eu soltei suas mãos das algemas. Ele desabou sobre mim no mesmo segundo.

–Oh Conor, meu amor...-lágrimas banhavam meu rosto enquanto ele murmurava palavras sem sentido e baixas demais para serem entendidas. Eu tentava virá-lo para mim tomando cuidado com as costas, evitando tocar o lugar dos açoites, mas isso era quase impossível. A cada toque, ele agonizava baixinho, e meu coração grunhia junto. Finalmente consegui o aconchegar em meu colo, quase como uma criança.

Consegui ver finalmente seus olhos, que estavam encobertos por seus cabelos escuros, grudados pelo seu sangue, suor e lágrimas em seu belo rosto. Descolei mecha por mecha de seu rosto, e quando estava quase acabando, ele finalmente os abriu e me fitou, murmurando meu nome baixinho, várias e várias vezes, como se não acreditasse e quisesse acordar de um sonho que o faria sofrer. E então ele estendeu a mão trêmula até meu rosto.

–Katherine... É você mesma?

Coloquei minha mão sobre a dele e a pressionei contra meu rosto, com um sorriso de dor e felicidade se formando em meus lábios - por saber que ele ainda estava vivo, por ele ainda estar são...

–Sou eu, Conor. Estou aqui, com você, e nunca vou deixá-lo.

E então eu aproximei lentamente meus lábios dos dele, e o beijei delicadamente, enquanto sentia um gosto estranho – sangue, suor, sujeira, poeira... – mas eu realmente não me importava.

Foi então que reparei que mais alguém estava lá – Lily, que trazia em suas mãos uma maletinha médica. Ela a colocou do meu lado, junto com mais duas toalhas de rosto e uma pequena bacia de água.

–Nós, os empregados, estamos proibidos de ajudá-lo- disse ela com a voz fraca.

–Imagino que sim...

–Mas isto não se aplica à Senhorita.

E ela deu alguns passos para trás enquanto eu pegava uma toalha e a dobrava em quatro, molhando-a e limpando com muitíssimo cuidado as costas de Conor. A cada toque ele arfava de dor, mas seus olhos não descolavam dos meus, e por eles eu via que ele estava agradecido, e principalmente, eu compreendia tudo o que ele queria dizer, mas que no momento não podia – que me amava, que estava feliz por me ver... Que queria que pudéssemos ficar juntos.

Depois de algum tempo, com a ajuda de Danny – que o ergueu – eu passei remédios e pomadas em suas costas e depois as enfaixei. Danny então o encostou com cuidado na parede, e Conor quase desabou, cansado pela movimentação forçada a qual fora submetido.

Peguei outra toalha e limpei seu rosto, e quando passava a toalha por suas bochechas, ele segurou minha mão, e me olhou de maneira tão profunda, tão sincera, que fiquei sem ação.

–Katie, precisamos ir agora- chamou Danny, já na entrada da cela.

–Não vou deixar que te façam mal, cuidarei de tudo... É uma promessa- e beijei seu rosto, enquanto, contra a minha vontade, me levantava para ir embora.


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