O Rebelde escrita por Sereia Literária


Capítulo 13
Separados


Notas iniciais do capítulo

Obrigada pelo comentário Gabriella Jackson! :3



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´´Pegue tudo o que você considerar como algo de valor``. Foi isso o que ele me disse. Tínhamos de ser rápidos, pois partiríamos com o crepúsculo. Já no meu quarto, enquanto rodava em círculos como uma barata tonta, percebi que aqui não havia nada de real valor para mim. Dentro da bolsa de pano com alças largas que Conor havia me entregue, apenas acomodei minha única muda de roupas, um pequeno edredom de lã e um par de meias. Quando vasculhava – pela quadragésima vez – a gaveta do pequeno criado mudo, eis que uma voz fina ecoa vindo da porta.

–O que você está fazendo, Katie?

Oliver. Ah não. Havia me esquecido dele. Logo a culpa corroeu o âmago de meu ser. Não podia sair sem ele...

–Arrumando o... quarto...- disse, sem mais ideias, me virando para o pequeno garoto de pele morena que me encarava com os olhos brilhantes.

–Claro que sim- disse ele, mas deixando muito claro seu sarcasmo e ironia. Sem saber o que fazer e com um nó no estômago, me virei e fingi estar limpando a gaveta. Ouvi o som de passos e então a cama rangendo quando ele se sentou.

–Eu... Vou viajar durante algum tempo- disse, sem me virar para ele.

–Não. Você vai embora... Com ele– disse, sua voz acusadora e magoada. No mesmo segundo, me virei. Oliver tinha os braços cruzados e me encarava.

–Você vai me deixar Katie...

Abri a boca, mas ele me disse que nem precisava tentar maquiar a situação. Depois de um segundo, disse apenas que aquela havia sido a minha escolha.

–Então você vai me abandonar por ele?- perguntou Oliver, sufocando o grito, mas ficando de pé.

–Eu não queria isso Oliver. Não queria ter de deixá-lo...- disse, a voz soando calma.

–MAS É O QUE VAI FAZER!- desta vez ele berrou mesmo, dando passos fortes para perto de mim.

–OLIVER! VOCÊ NÃO PERCEBE? ISSO IRIA ACONTECER DE QUALQUER MANEIRA! MEU PAI IRIA ME ENONTRAR E EU IRIA TER DE IR EMBORA! A DIFERENÇA É QUE AGORA EU TENHO COMO VIVER FELIZ! VOCÊ ACHOU MESMO QUE PODERÍAMOS FICAR JUNTOS PARA SEMPRE? ISSO IA ACONTECER!

Seus olhos se encheram de lágrimas e sua boca se reprimiu antes de ele sair correndo, enquanto eu me fustigava mentalmente.

–_-_-_-_-_-_-_-_-_-_-_-_-_-_-_-_-

–Não há mesmo como levá-lo conosco?- perguntei, mesmo sabendo muito bem que a resposta era não.

–Não, Katherine. Serão dias difíceis até nos estabelecermos em algum lugar, e se tentássemos sair do país com uma criança que fosse nossa...

Me encolhi e cruzei os braços, torcendo a boca. Ele então se virou para mim e me puxou pelos cotovelos, beijando minha testa enquanto eu envolvia com os braços sua cintura.

–Eu acho que ele não vai me perdoar...- sussurrei, o rosto recostado em seu peito.

–Vai sim, um dia ele vai entender...- e ele beijou minha cabeça. Conor então soltou-me e continuou a encher sua mochila de pano. Colocou dinheiro, algumas bolachas e garrafas de água. Agora que o sol começava a anunciar a chegada das estrelas, estávamos quase prontos.

Como se ele lembrasse de alguma coisa, foi até uma porta que de tão discreta, eu nem a havia notado. Era baixa e ficava entre o armário e a parede. Ele se abaixou e pegou uma chave escondida, girou-a na fechadura que estalou com um ´clock` oco e a porta se abriu com um rangido. De lá, ele tirou uma caixa – um baú, na verdade – e o arrastou para mais perto de mim.

–O que é isto?- perguntei com delicadeza, me abaixando e tocando com cuidado a tampa esculpida com primor.

–Todos os meus segredos- respondeu, abrindo o baú com uma chave de aspecto antigo. Quando ele ergueu a tampa, deparei-me com vários papéis, fichas e bugigangas das mais diversas. Minhas mãos pareciam formigar para tocar cada um dos objetos, mas me detive enquanto ele pegava uma pasta e algumas fichas. Conor a colocou no chão, e espalhou sobre ele fotos e papéis de anotações. Percebi muitas, muitas fotos de pessoas conhecidas, e ao focar melhor nelas, percebi que eram fotos de alguns parlamentares e membros da corte, do exército e mesmo políticos importantes de outros países.

Olhei para Conor com um olhar questionador, e antes mesmo de eu precisar perguntar, ele me respondeu:

–Corruptos. São os parlamentares, militares e membros da alta corte que eu acredito estarem relacionados ao seu sequestro.

Estreitei os olhos, sem acreditar realmente no que ele estava me dizendo.

–Quer dizer que... Você realmente acredita que haja uma rede de... Corrupções ocorrendo bem debaixo do nariz de meu pai?

–Sim, principalmente agora que ele e a procura. Antes disso, chegava a suspeitar que ele fizesse parte desse jogo de marionetes.

–Como pode ter certeza disso? São acusações sérias para serem feitas levianamente...

–Certeza absoluta. Tenho fontes confiáveis que afirmam que eles têm conexões com os Rebeldes Sulistas, que ordenaram o ataque ao Desfile.

–Está supondo que... Que meu sequestro foi encomendado?

–Não, Katherine. Não estou supondo que um sequestro foi encomendado. Estou dizendo que sua morte foi encomendada. Eles não conseguiram pois não contavam com a sua fibra em fugir, e provavelmente acreditaram que estava tudo feito quando...

–Quando me joguei no rio Rassingfox... Mas não contavam que você fosse me salvar.

Conor assentiu com a cabeça, os olhos ainda nas fichas que ele passava pelas mãos de maneira habilidosa, separando-as em dois montes. Ele se apoiou com uma mão no chão e com a outra começou a alisar seu queixo de maneira pensativa. Fui aproximando minha mão da dele e enlacei com delicadeza seus dedos nos meus. No começo, ele não retribuiu, mas depois minha pequenina mão foi envolvida pela dele. Ele virou o rosto para mim, o sol que começava a descer pelo horizonte entrando pela janela e se refletindo em seus olhos, deixando-os ainda mais dourados que o normal.

–Mas por que mandariam me... Matar? Qual o fim disso?

–A desestruturação da Monarquia, Katie. Com a renúncia do seu pai, o poder cairia nas mãos deles.

–Mas por que os rebeldes os ajudariam?

–Decerto teriam benefícios... Quem sabe altos cargos políticos ou a concretização de leis que os favorecessem...

–Sim, é possível- disse, baixando a cabeça. Será que papai abdicaria do trono? Qualquer um que pensasse isso não o conhecia bem. Desviei os olhos e percebi algo brilhando no fundo da arca de madeira – um brilho lilás conhecido – e há muito esquecido por mim.

Conor, ao perceber, levou a mão para dentro do baú e eu comprimi os lábios ao me deparar com uma flor de ametista, pequenina e delicada – uma das muitas que eu usava em meus cabelos no dia em que minha vida tomou um rumo inesperado. Ele prendeu o delicado arranjo em uma mecha de meu cabelo enquanto dizia com voz suave e baixa:

–Eu espero que não se importe de eu ter desejado ficar com isto... Durante algum tempo, tive a impressão de que ela seria a única coisa que me restaria de você...

Quando ele terminou de prender a mecha, sua mão desceu até a minha bochecha, a qual ele acariciou com o polegar. Coloquei minha mão sobre a dele.

–Agora, esta será a única coisa que me restará da minha vida passada...- disse, fitando o chão.

De maneira quase brusca, ele soltou meu rosto e voltou a procurar algo em seu baú. De lá, tirou um saquinho de veludo vermelho e empoeirado com aspecto antigo, e meus olhos passaram dele para Conor no momento em que ele começou a dizer com calma, doçura e ternura:

–Isso foi da minha mãe, antes de ela morrer... Ela usava como prova de amor pelo meu pai... Não é nenhuma jóia como as que você se acostumou...- disse ele, com modéstia. Abriu o nó e tirou de lá um anel delicado de ouro branco, com uma discreta pedra rosada nele... Era lindo. Ele tomou minha mão direita e olhou em meus olhos.

–Eu acho que um pedido de casamento agora é mera formalidade, mas mesmo assim o farei- e ele deslizou o anel pelo meu dedo enquanto olhava em meus olhos e murmurava:

–Katherine, estarei ao seu lado não agora nem amanhã, mas para sempre. Juro enxugar suas lágrimas, ser seu ombro amigo, ser seu namorado, seu amante e seu marido... Ser seu companheiro e confessor; prometo ser aquele com o qual se pode contar mesmo quando o mundo lhe der as costas; prometo lutar por você e pelo nosso amor até quando os oceanos pegarem fogo e o sol se chocar contra a Terra... Prometo zelar por você, fazê-la sorrir... Não te prometo dar tudo, mas prometo-te dar tudo o que estiver ao meu alcance. Prometo, prometo... Eu prometo- disse ele, nas últimas partes alternando as palavras com beijos em minhas mãos. Eu já chorava de alegria quando o abracei e o puxei pelo pescoço. Ele foi beijando cada canto do meu rosto; meu maxilar, minhas têmporas... De tempo em tempo dizendo ´eu prometo`. Quando ia por fim beijar minha boca, ele parou e encarou meus olhos, esperando uma resposta.

–E eu aceito- disse, e nos beijamos finalmente.

–_-_-_-_-_-_-_-_-_-_-_-_-_-_-_-_-

Esperamos o toque de recolher para sairmos de lá. Ele passou as alças das duas bolsas nos ombros e a terceira pelo peito. Conor me estendeu a mão, e eu a segurei, um sorriso de orelha a orelha. Agora, corríamos em direção à floresta, fazendo tanto barulho quanto uma borboleta batendo as asas.

Quanto mais corria, menos me sentia conectada ao que um dia chamei de ´lar`. Eu agora corria em direção a uma nova vida, novos sonhos e liberdade. Conor havia comprado passagens em um navio de carga, e partiríamos ao amanhecer em direção a um Continente misterioso – Conor queria me fazer uma surpresa.

Quando já estávamos longe, começamos a andar e ascendemos a lanterna. Ainda de mãos dadas, ele me guiava, me deixando sempre na frente – exceto nos trechos em que ele considerava perigosos.

–Espere um segundo- disse ele, me erguendo em seus braços e me pegando no colo.

–Hã, o que houve?- disse, rindo um pouco.

–Pode haver cobras- disse ele, a boca muito próxima da minha. Pelo seu tom de voz, percebia-se que na verdade era pouco provável de que houvessem animais peçonhentos por aqui, e que ele queria, na verdade, ter-me ainda mais perto de si. Minha impressão foi afirmada pois depois de passarmos pelo trecho - ele ainda não fazia menção de me recolocar no chão.

–Acho que posso andar- disse, rindo baixinho.

–Aqui também podem haver cobras- respondeu ele em tom brincalhão.

–Claro que pode- entrei na brincadeira. Foi então que ele deu um giro no próprio eixo e, enquanto eu gritava e ria junto com ele nós caímos no chão.

Conor recostou as costas em uma árvore enquanto eu ainda ria.

–Eu te amo- disse, dando-lhe beijos brincalhões pelo rosto. Ele fazia o mesmo. Ríamos a brincávamos juntos com esses beijos. Mas logo, eles deixaram de ser uma brincadeira e se tornaram beijos de amor. Finalmente não havia mais nada que nos impedisse de ficarmos juntos... Finalmente.

–Eu te amo- disse ele, beijando meu pescoço.

–E eu a você...

Então, ouvimos o som de vozes, e paramos de nos beijar no mesmo instante, ambos apurando os ouvidos.

Engoli o seco. Conor se levantou e me estendeu a mão, e enquanto eu ficava de pé, o som de passos ficava cada vez mais alto e próximo. Ouvíamos também latidos e uivos de cães e vozes de homens gritando ordens.

–Estão atrás de nós- disse Conor, antes de me puxar e começarmos a correr juntos na direção oposta a dos sons. Ele, que era mais rápido, me puxava pela mão, abrindo com seu corpo caminho entre os arbustos espinhentos e densos. Nossos passos eram rápidos e desesperados, nossas respirações descompassadas assim como os corações. Então, luzes de lanternas começaram a iluminar as nossas costas.

–ACHAMOS!- gritou um deles.

Então, um som de tiro e Conor gemeu, cambaleando para o lado oposto ao meu e soltando brevemente minha mão, segurando o sangue que jorrava pelo seu braço esquerdo.

–Conor...- bradei, levando a mão à boca. Mas tão rápido quanto a bala que o atingiu, ele soltou o braço ferido e segurou meu pulso, me puxando e correndo ainda mais rápido.

Sons de tiros nos seguiam, mas cessaram no momento em que um eles berrou:

–Não atirem! Podem acertá-la!

Corremos mais e mais, até que uma raiz prendeu meu pé e eu caí com o corpo inteiro no chão. Conor se voltou no mesmo momento, e foi nesse segundo que um tiro atingiu seu peito.

–CONOR!- gritei, mas antes de eu poder me levantar, me ergueram e me seguraram. Eu tentei golpeá-los, mas não consegui. Eles seguraram meus braços e minhas pernas, detendo assim meus chutes. Conor não se mexia. Jazia imóvel no chão, e eu berrei e chorei enquanto me prendiam.

–FIQUE QUIETA! CALADA- gritavam eles em meus ouvidos.

Finalmente consegui dar uma cotovelada na virilha de um deles, e ele fraquejou o suficiente para eu conseguir ir até Conor. Porém, antes de eu chegar até ele, senti algo afiado entrando em minha perna – foi comprido como uma faca, mas fino e amedrontador como uma agulha. Parei e senti meus músculos se retesarem quando tirei de minha perna um longo dardo – como um sonífero usado em animais. Dei mais um, talvez dois passos, mas minha respiração foi ficando lenta e pesada, assim como o resto de todo o meu corpo.

–Conor...- murmurei, mesmo sabendo que ele não me ouviria.

Caí no chão de joelhos e depois senti meu rosto bater na terra. Ouvi o som dos latidos e de vozes cada vez mais distante, mas a vibração que sentia a partir da terra pela minha bochecha indicava que os homens corriam até mim.

Meu último vislumbre foi o rosto de Conor e o chão manchado pelo seu sangue e minha última ação foi tentar tocar seus dedos – muito embora eu não me lembre de ter conseguido ou não.


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