Tunnel Of Love escrita por vegadelira


Capítulo 8
Crianças Más




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Quinta-feira, 16/04/2015, 09h25min. – Londres, Sudeste da Inglaterra

O sinal de início às aulas tocou. Os estudantes atordoados e letárgicos, visto que estariam festejando caso o feriado fosse prolongado, hauriram-se do corredor. Fionna e Marshall caminharam à classe, tendo noção de que chegariam atrasados e, provavelmente, receberiam uma advertência. 

A loira já perdera a paciência com ele, que notou o descaso que cometera ao ter uma reação estúpida. Mencionar Marceline não agradava aos ouvidos da menor, e o rapaz o fizera para provocá-la. Havia conseguido. Entretanto, brincadeiras tinham limites. Não era conveniente julgar o que não conhecia, insinuar que todos eram inconfiáveis. Fionna não ficara importunada só com isso, também porque não tivera coragem de confrontá-lo. Somente erguera o olhar repreensivo e continuara o trajeto.

Marshall talvez tivesse entendido o recado. Estava certa, mas não satisfeita. Deduziu a partir do silêncio. Queria esmurrá-lo, reclamar pessoalmente das atitudes dele que mais lhe chateavam, semelhante ao dia em que invadira sua moradia. Porém, seus sentimentos estavam diferentes demais para isso. O jovem fora um estranho perfeito o qual se tornou uma divindade intocável e incontestável. Ela, então, engrazava-se num dilema. Não cogitava a possibilidade de ofender Marshall, pois gostava muito dele. Existia, em Fionna, um turbilhão de emoções o qual a impedia de retrucá-lo. Não por muito tempo iria ignorar, todavia um pouco mais tarde saberia do que se tratava.

Os dois deixaram de dar passos largos até pararem a alguns centímetros da porta com a metade superior hialina, a qual permitia a visão do corredor. Em uníssono, reproduziram esta questão que acabara de rondar suas mentes:

― O que diremos à Marceline?

Ambos se entreolharam assombrados. Apressuraram-se tanto que prescindiram da existência maior. Era astuta, perceberia a coincidência, logo concluiria que era uma perseguição. Fionna confessou ao rapaz que, se os fatos decorrentes fossem desastrosos, a culpa seria sua. No dia anterior, alfinetou a amiga implicitamente, persuadindo-a a admitir sobre o vínculo que teve no bar com Marshall. Este, ao constatar o que ela dissera, conjeturou péssima a jogada. A dupla agora precisaria mourejar muito para omitir a investigação acerca de Marceline.

Contudo, conquanto tivessem planejado a estratégia de um melhor modo, colidir-se-iam na área de Marceline. E esse era o obstáculo. Assustaram-se com o previsível porque não pensaram em como agir perante a ele. Redundamente, o objetivo, desde o início, era fazer contato com a adolescente.

O jovem rezingou e pediu à loira que adentrasse na sala. Ela compreendeu o motivo: mantendo-se separados, paliariam um pouco o que estava ocorrendo. Assim, Marshall foi jornadear pelo imenso colégio. Sua amiga, antes de bater na porta a fim de auferir a almejada concessão para participar da aula, careou diversos olhares estarrecidos a si, inclusive do professor veterano, o qual pestanejou e, em seguida, gesticulou para girar a maçaneta. A moça analisou ao redor: todos padronizados, menos Marceline, que usava sua roupa de capitã do time de basquete – uma calça preta de moletom, casaco colegial vermelho e, nas mangas longas, bege.  

A loira assentou na carteira escolar onde sempre ficou durante o período de química, no fundão, entre Gumball e a morena. 

Qualquer pensamento fútil – na concepção do professor – que vagasse pela cabeça de Fionna era mais complexo e atrativo que a Lei de Hess. O olhar dela para o quadro rabiscado falhamente era demasiado de desmotivação. O mestre grisalho logo quis incentivá-la a discutir o assunto da matéria, pois nenhum dos alunos de futuro promissor – em fábricas de refrigerantes ou produtos de limpeza – estava disposto a expor suas ideias. Arrancando risadas da classe, falou:

― Srta. Mertens, após vencer a Abadeer na competição de quem é a mais desleixada...

― Não se esquente. Você ainda perde em muitos quesitos. ― sussurrou Marceline à Fionna.

― Virou processo jurídico? Citar nome passa a palavra? ― inquiriu Gumball sarcástico.

 A maior ergueu as sobrancelhas e rebateu:

― Desculpe-me. Achei que você era imune a ciúmes.

O professor limpou a garganta, prosseguiu tirando proveito da situação:

― Poderiam os três responder a que a  variação da entalpia se iguala?

A tríade era extremamente intelectual, embora em exatas o ruivo demonstrasse maior habilidade. Enquanto as garotas pegavam o lápis, ele cruzou as pernas e se encurvou.

― Menos trezentos e noventa e quatro e seis décimos quilojoules.

Ambas deixaram o pescoço cair simultaneamente em direção ao rapaz, que exalou a vitória em seu ar prepotente.

O resto do tempo foi conversa. Azar o da loira em assumir o papel de território com uma dupla ideologia; ela era a ponte dos conflitos indiretos travados pelo ruivo e pela morena naquela Guerra Fria. Tentaria manter a imparcialidade para não perder as amizades.

xxx 

Fionna bagunçava o armário de madeira obsoleta à procura dos livros. No canto do espaço, acabou por encontrar um pequeno bilhete amassado. Esperava que fosse Marshall, todavia era um convite.

“Amanhã, às seis da noite, estarei no restaurante vegetariano perto do Tesco e Bayswater, no Hyde Park .

Gumball.” 

Um sorriso transpareceu em sua face, todavia pressentiu que estava entrando em uma furada e fugindo do foco.

― Primeiro, Marcy. Segundo, Gummie. ― ordenou de forma quase inaudível. 

Assim que fechou a portinhola, deparou-se com a maior encostada no armário ao lado esquerdo.

― É muito bom ver você reconhecendo os erros dele.

― Gumball jogou sujo, mas...?

A moça se virou para trás devido à imobilidade que consumiu Marceline após encarar algo desagradável, no entanto não teve sua dúvida esclarecida.

― Preciso ir. ― alertou às pressas, deixando Fionna e sua desconfiança.

Precisava ir até a silhueta masculina que havia parado na escada de transição do primeiro e segundo andar. Os alunos esbarraram-na, e continuara inerte, observando à maior. De repente, sumira nos vultos do aglomerado inconstante quando Fionna tentara enxergá-la. 

Lançava o rosto a todos os sentidos, realçava o cenho e suspendia o corpo sobre a ponta dos pés. Um toque álgido em seu pescoço tirou-a da busca, entregando-a o que desejava. Marceline soltou um suspiro de alívio mesclado de assombro.

― Fugindo? ― indagou Marshall com uma expressão arrebatadora.

― Não. Muito pelo contrário. Há quanto tempo você ‘tá aqui? ― respondeu frígida.

― Desde semana retrasada. Não costumo frequentar as aulas pelo meu trabalho, minhas avaliações são a tarde... É isso que você realmente quer saber?

― Por que justo agora você apareceu? ― entrelaçou os braços abaixo dos seios, destacando-os por baixo do volumoso casaco.

O maior mordeu os lábios, inclinou a cabeça e sobrelevou o olhar à adolescente. Ela vacilava com o interrogatório.

― Estou sendo caçado por uns caras, meu apartamento foi incendiado. O dinheiro do seguro me proporcionou uma vida melhor, mas não deixo de ganhar sobre meus talentos.

A morena demonstrou fraternidade a seu modo.

― Queria te chamar de convencido. Pena que tudo isso me impede. Hum... Você fica sexy com essa roupa.

Ele riu levemente, sem graça.

― Obrigado. Você fica diferente nesse visual.

― Dá pra fazer um elogio pior? É por essas e outras que quero falar contigo... Acho que não é o lugar adequado. Evite a Fionna e me encontre no final das aulas no terraço do colégio.

― Marceline, o que você é além de encrenqueira? Por que faria o que tu ‘tá pedindo?

― Você fará porque eu tenho controle sobre você.

Ela era uma vadia, cretina, pentelha, fracassada, rebelde egoísta. Talvez devesse desistir da vida e apanhar por ser uma criança má. Todavia, sempre conseguia o que desejava. 

― Já pode ir pra sua turma, Marcy. ― expirou o ar num sorriso incrédulo.

― Me dê o dinheiro que você tem no bolso. Ou vou prender a respiração. ― num tom irônico, pediu inflando as bochechas. Marshall gostava do bom humor dela, porém não devia ser influenciado. ― Estou esperando você me dar seu dinheiro. ― ela se abeirou, murmurou em seu ouvido e apoiou o queixo em sua clavícula, ofegando. Enquanto isso, aprofundou uma mão em cada bolso dele, remexeu e retirou algumas libras. ― Pensou que eu estava brincando? Você não me conhece mesmo... ― saiu cerrando as pálpebras.

xxx

Era evidente o nervosismo dela no corredor ao tornar trêmulas as mãos e pálidas as bochechas. Contudo, o jovem obedeceu à morena. 

Ficar sentado, esperando sobre os caixotes de madeira do terraço sem parapeito, não era a pior coisa que alguém poderia fazer. O pior era assistir a uma massa quebrada e morta como o próprio coração formar uma catástrofe sem poder impedir. 

Um estrondo da porta de aço chegou aos ouvidos do rapaz, afastando-o de seus pensamentos. Marceline se movia em passos cruzados, arremessando uma maçã ao alto pelo palmo e segurando-a com os dedos. A franja de seu cabelo desgrenhado formava grades a frente da imagem de Marshall. Afinal, era isto que pretendia: domá-lo em uma jaula e evitar as confusões que ele poderia causar.

― Não foi tão demorado, comparando a uma garota normal.

― Eu sou uma em um conjunto mais que infinito, meu garotinho. ― acrescentou, abancando-se no caixote do maior.

Os dois levaram alguns minutos respirando, até Marshall voltar ao assunto.

― Nunca vi a neve ficar mais branca do que é. Por acaso não contou à Fionna sobre nós?

Ela sabia que, naquela altura do campeonato, de nada valeriam suas mentiras, logo, por mais obstinada que fosse, não custava muito peneirar os mistérios acerca de si.

― No bar, você não parecia interessado nela.

O jovem se lembrou. Estava mais interessado em Marceline.

― Achei que eram amigas.

A adolescente suspirou sincera e puxou as mangas do casaco, agarrando-as.

― Nossa relação ‘tá estranha ultimamente. Não vejo necessidade de falar tudo. Vocês não combinam também.

― Então quer dizer que se, naquele instante, eu aparecesse e falasse que você me conhecia, você estaria ferrada? ― perguntou sorrindo.

― Bem óbvio que sim. Modéstia a parte, acredito que você goste de mim, como todo mundo. Preze nossa amizade, não vazando o que se passou aqui. Eu confio em você.

― Entendo mais ou menos sua situação.

Marceline coçou a cabeça.

― É um pouco difícil. Você chegou agora e não sabe como as coisas funcionam. Caso quiser se aproximar de Fionna, questione. Não sou a única errada.

― Obrigado pela sua disposição. Já que estamos livres, diga uma pouco da sua vida.

― Meus pais se divorciaram porque estraguei a vida deles. Moro na mansão do meu padrinho, um amor de pessoa, e quero ser emancipada. Ele só irá deixar caso eu arrumar um emprego, mas ninguém quer me contratar.

Marshall a olhava como seu reflexo embaçado. Ela estava traçando um caminho errado, o suficiente para torná-la ingênua. Marceline acendeu um cigarro e puxou do bolso um cantil – de bebida alcoólica provavelmente. 

― Largue isso. Eu adoro você, e você é legal demais para coisas ruins.

A garota revirou os olhos desconfortavelmente. 

― Não seja falso moralista. Eu não sou tão legal assim... O jeito que você conversa comigo só mostra o quanto me odeia. Parece que fiz algo irreparável.  

O maior demonstrou suspicácia franzindo o cenho num curto intervalo.

― Não estou bravo pela sua atitude egoísta.

Marceline soprou a fumaça no nariz de Marshall, que tossiu, como se uma nuvem negra transformasse seu rosto - literalmente. 

― Eu amo te ver bravo.

Ela era absurda e louca, não se importava com a reação dos outros.


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