Heaven & Hell escrita por Heaven Southfield


Capítulo 2
2. Testemunha


Notas iniciais do capítulo

Introduzindo a heroína dessa história!! o/ Agradecimentos à Thamiris, Mary, Carol, Lais, Laura, Domi e Roxa



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Assustei-me ao ouvir a voz em minha cabeça, em um movimento brusco virei meu corpo para a direita procurando o dono da voz, mas ao fazê-lo cai no chão batendo as costas.

Ei, cara, você tá bem? Que tombo feio – disse a voz que se nomeava “Hell” rindo de mim.

–Quem é você?! Onde você está?! Apareça! – indaguei assustado, olhando em todos os cantos de meu quarto.

Hell, na sua cabeça e não. Mais alguma pergunta? – respondeu Hell sarcasticamente.

–Na minha cabeça? Ei, como assim?!

Ainda estava procurando o suposto “Hell” em todos os lados, mas só eu estava no quarto. Será que eu estava enlouquecendo?

Relaxa, cara, você não tá enlouquecendo, eu só tô pegando o seu corpo emprestado entende? – falou Hell.

Você pode ler a minha mente? – pensei internamente.

Óbvio, idiota, eu disse que estava na sua cabeça. Se você não se esforçar pra guardar esses pensamentos pra você, eu posso ouvi-los facilmente – respondeu Hell.

Sentado no chão eu tentei me acalmar e comecei a dialogar com Hell em um tipo de conversa telepática buscando respostas.

Ok, então me responda, quem ou o que você é exatamente? – disse internamente.

Eu já não te disse? Eu sou um espírito do mal chamado Hell que tomou conta do seu corpo e vai fazer você sofrer muito a partir de agora, Heavenzinho.

Isso é sério? – perguntei sem acreditar na situação em que estava.

Não, não. Na verdade, eu sou unicórnio lilás chamado Britney que veio espalhar amor e felicidade pelo mundo... É lógico que é sério, idiota!

Não dá pra acreditar, por que logo eu?

Isso eu não sei, mas sei que vai ser divertido maltratar um pirralho mimado como você – disse Hell com uma risada no final.

Minha mente estava em branco, era muita informação para processar. Um espírito me possui e agora vai me fazer sofrer? Não fazia sentido algum.

Se você é mesmo um espírito, então prove – disse eu, mal sabendo que iria me arrepender muito depois.

Foi você quem pediu... – respondeu Hell em um tom malicioso.

Em seguida, senti a mesma sensação de quando insultei minha irmã no hospital, mas agora mais forte, estremeci por um segundo e no momento seguinte havia perdido o controle de meu corpo, meus braços e pernas se moviam contra a minha vontade em um movimento contínuo até estar de pé no meio do meu quarto. Hell estava me controlando. Mesmo estando perplexo demais para falar alguma coisa, meus lábios se moviam formando a frase:

–Ah, como é bom me mexer – disse Hell, usando a minha própria voz.

Quando me recuperei do choque de ter sido possuído, finalmente consegui balbuciar poucas, porém sábias, palavras:

Hã? O que? M-mas como?! – disse incrédulo.

–Você queria uma prova e aí está ela, idiota – disse Hell em voz alta.

Devolva meu corpo agora, Hell! – gritei internamente em uma tentativa inútil de retomar o controle dos meus movimentos.

–Acho que não vai rolar, camarada. Estou pensando em começar o meu plano de tornar a sua vida um inferno – disse Hell rindo.

Naquela hora eu estava desesperado, sem rumo, tentando inutilmente contrariar os movimentos do intruso, mas no instante seguinte ouvi claramente os pensamentos de Hell.

Que garoto idiota, nem sabe que para tomar o controle do corpo ele precisa se imaginar em uma disputa de cabo de guerra com a pessoa que está no comando, pobrezinho...

Só então entendi a situação, eu precisava me imaginar numa disputa de cabo de guerra com Hell para tomar o controle. Também tinha descoberto mais três coisas. A primeira era que quem não estava no controle do corpo podia ouvir os pensamentos do outro. A segunda era que o controlador atual do corpo não conseguia ouvir os pensamentos daquele que estava preso. E a terceira era que Hell era um tremendo idiota por ter revelado o segredo para mim.

“Ok, Heaven, você consegue. Concentre-se, imagine-se em uma disputa de cabo de guerra com Hell”. E como se fosse uma ilusão, me vi em uma sala completamente branca, exceto por uma risca preta cortando toda a sala ao meio, contendo apenas eu, uma corda com uma marcação no meio, e uma pessoa deitada tirando um cochilo. Uma ponta da corda estava à minha frente enquanto a outra se encontrava ao lado do ser deitado, que por acaso era idêntico a mim, a não ser pela falta dos meus óculos e a presença de um gorro preto cobrindo todo o cabelo. Deveria ser Hell. A marcação que havia no meio da corda estava “do lado de Hell” e sem pensar muito, puxei o cabo até que a marcação ficasse agora do “meu lado” da sala.

No momento em que a marcação ultrapassou a risca, eu havia voltado para meu corpo e me encontrava encarando a porta. Ao tentar mover meus membros percebi que tudo havia voltado ao normal. Será que foi tudo um sonho? Mas meu breve momento de esperança foi cortado pela voz de Hell reclamando:

O que você fez, maldito?! Como você sabia o método para recuperar o seu corpo?! – Hell questionava furiosamente.

Você mesmo me contou idiota – falei telepaticamente, agora com mais facilidade. –Não foi você quem disse pra manter os pensamentos pra si se não quisesse que o outro escutasse, Hellzinho? – debochei com gosto.

Heaven! – gritou Hell irado.

Ok, agora vamos a alguns testes. Ele me disse que se eu quisesse que não me ouvissem era preciso guardar os meus pensamentos pra mim. Pensei abertamente: “Hell fede a estrume”. E como o esperado, ele ouvira o deboche e esbravejava mil palavrões direcionados à minha pessoa. No segundo teste tentei manter os pensamentos apenas para mim, como se houvesse uma parede a prova de som entre mim e Hell, e voltei a pensar: “Hell é um unicórnio lilás chamado Britney”. Mas dessa vez não houve nenhuma reação vinda de Hell. “Ainda bem que esse espírito é burro e me mostrou tantas informações assim pra mim” – pensei de forma que Hell não me ouvisse.

Agora você vai me contar o porquê de você estar fazendo isso, Hell – reiniciei a conversa telepática.

Eu não preciso contar nada pra você. Descubra sozinho! – disse Hell irritado por ter perdido o controle do corpo.

Bom, tanto faz porque a partir de agora você ficará quietinho aí e não me atrapalhará mais.

Ha! Até parece, quando você abaixar sua guarda eu vou te possuir e nunca mais sairei!

Claro, boa sorte fazendo isso, espírito de araque.

Araque?! Ora seu desgraça... – dizia Hell, mas sua reclamação parou na metade.

Er... Hell? – perguntei passados alguns segundos.

Tô com sono, vou dormir – disse Hell com a voz pesada, bocejando.

Hell? Ei, você está aí? Terra chamando Hell – chamava, mas o espírito nada fazia.

Ele realmente tinha dormido? Não podia acreditar, mas, como precaução, estava atento a qualquer sinal de alguma tentativa de possessão. Porém, logo em seguida, meu pai entra em meu quarto sem bater falando preocupado:

–Heaven Southfield, o que você fez com aqueles delinquentes?

–Além de dar uma cabeçada no pedaço de pau de um deles? Nada, por quê?

–A polícia está lá embaixo e quer interrogar você, eles estão dizendo que os arruaceiros o acusaram de ter começado a briga.

–O que?! Isso é mentira, eu nunca faria isso – me defendi. Foi quando um pensamento passou pela minha cabeça: “Eu nunca faria isso, mas Hell faria...”.

–De qualquer forma nós vamos para a delegacia agora, se apronte rápido, estaremos te esperando no carro – avisou meu pai fechando a porta atrás dele.

Não podia crer que o culpado de tudo aquilo era Hell. Os meus hematomas, o ferimento na cabeça e o fato de eu ter perdido o primeiro dia de aula foi tudo culpa dele?

Ei, Hell! Acorde agora! Foi você quem arrumou briga com aqueles caras? – questionei com a conversa telepática com a qual já havia acostumado. Mas não houve nenhuma resposta do malfeitor. Justo em um momento como esse ele resolve dormir, não posso acreditar.

Aceitando os fatos, peguei minha mochila e sem trocar de roupa, desci as escadas ao encontro do meu pai que me esperava na viatura já ligada.

Enquanto os policiais nos conduziam para a delegacia, comecei a organizar os meus pensamentos sobre o meu invasor e consegui algumas informações sobre ele:

1)Ele é um espírito que pode possuir meu corpo caso eu perca uma disputa de cabo de guerra imaginária;

2)Quando eu estou no controle, ele consegue ouvir os meus pensamentos, a menos que eu guarde eles para mim, e vice-versa;

3)Provavelmente foi ele quem iniciou a briga com os delinquentes, isso e os constantes insultos dele provam que Hell tem uma personalidade explosiva e agressiva;

4)Hell é extremamente idiota por me contar os seus pontos fracos.

“Ok, faz muito sentido” – pensei sarcasticamente ao analisar os pontos. Enquanto eu terminava a lista, tínhamos chegado à delegacia de polícia. Os dois policiais nos encaminharam para uma sala pequena, apenas com um sofá, uma mesa de escritório, uma planta falsa no canto e um ventilador que girava no teto da sala sem janelas. Além da passagem por onde entramos que dava em um comprido corredor, havia ainda mais uma porta de vidro preto não transparente.

–Você irá falar com o delegado naquela sala, garoto – disse o policial que veio no banco do carona, apontando pra porta preta.

–Eu posso ir junto? Vocês não farão nada com o meu filho, certo? – perguntou meu pai preocupado.

–Não se preocupe, senhor, nada de mal acontecerá a ele, o delegado apenas fará algumas perguntas ao menino – disse o policial que estava ao volante com uma expressão amigável. –Vai terminar rápido.

–Relaxa, pai, vai dar tudo certo – digo tentando transmitir segurança, quando na verdade estava completamente inseguro.

Ao passar pela porta, me vi em uma sala pequena e mal iluminada com as quatro paredes de um cinza monótono, no meio havia uma mesa de escritório com algumas folhas espalhadas sobre ela, além de uma luminária, a única fonte de luz na sala sem janelas. Um ar condicionado barulhento se alojava em um canto da sala, mas estranhamente o ambiente permanecia abafado. Na cadeira atrás da mesa estava sentado um homem de meia-idade com alguns fios de cabelo grisalhos remexendo as folhas na frente dele, o senhor usava uma camisa branca com uma gravata preta colocada com desleixo.

–Heaven Southfield certo? Pode sentar garoto – disse o delegado sem desviar o olhar.

Ao sentar pude ver melhor a aparência do policial, o rosto era marcado por várias rugas em toda a superfície e apresentava claramente sinais de cansaço, enormes olheiras se encontravam debaixo dos olhos e o homem bocejava com frequência. Uma plaquinha com o nome “Simon Walker” aparecia presa ao seu peito indicando a identidade do homem.

–Não precisa ficar tão tenso, criança, farei apenas algumas breves perguntas para saber exatamente o que aconteceu hoje – disse Simon em um tom tranquilizante. –Primeiro me diga o que aconteceu.

Desesperei-me por um momento, eu não sabia o que tinha acontecido lá. Provavelmente tudo aconteceu enquanto Hell estava no comando, essa era a única explicação plausível. Enquanto tentava repetidamente acordar Hell em busca de respostas, fui bolando algumas desculpas em minha cabeça para fugir da pergunta.

–Eu não consigo me lembrar, acertaram minha cabeça forte e sempre que tento recordar ela dói – expliquei (o que era verdade, tecnicamente).

–Entendo... – disse Simon rabiscando algumas notas em uma das folhas. –Bom, irei simplificar as coisas. O testemunho dos rapazes que te atacaram foi de que foi você quem começou a briga, o que tem a dizer sobre isso.

–Senhor delegado...

–Me chame de Simon – interrompeu o investigador com um sorriso cansado, porém tranquilizador.

–Simon, – era estranho chamar um senhor sem honorífico – eu tenho quase certeza de que nunca faria isso sem um bom motivo. Além disso, eu nunca conseguiria enfrentar três adolescentes mais velhos – supliquei.

–Mas o fato é que esses mesmos três adolescentes mais velhos apresentaram ferimentos no corpo e marcas de sangue, Heaven.

–Ferimentos e marcas de sangue? Eles não poderiam estar com isso antes de se encontrarem comigo? – perguntei sem entender. O que Hell fez com eles?

–É isso que estamos tentando descobrir, por isso, também chamamos uma testemunha, ela diz ter visto toda a cena – dizia Simon quando alguém bate à porta. –Falando no diabo, pode entrar!

Um policial acompanhado de uma jovem garota entrou na sala. A menina de cabelos castanhos presos em um rabo de cavalo andava calmamente até chegar perto da mesa, ela usava um moletom vermelho vivo que era claramente dois ou três tamanhos acima com uma águia preta estampada no meio, e uma calça jeans preta. A intrusa não olhou na minha direção nenhuma vez, mas pude ver de relance seus olhos acinzentados e misteriosos que encaravam o adulto à nossa frente.

–Emily Foster, estávamos à sua espera. Sente-se, por favor – falou o Sr. Walker.

Emily? A mesma Emily que chamou a polícia e a ambulância? Foi ela quem tinha me visitado e mandado flores? Dezenas de perguntas passavam pela minha cabeça à medida que a adolescente puxava a cadeira ao meu lado para se sentar, mas aquela que mais me despertava curiosidade era “Qual é a relação dela com este caso?”.

–Heaven, ela é a testemunha de quem eu falava, também foi ela quem nos chamou e diz ter presenciado toda a cena – explicou o interrogador.

–A-ah, o-obrigado por tudo – gaguejei meio sem jeito. Em resposta Emily apenas balançou a cabeça como se dissesse “tudo bem”. Posso não ter dito, mas sou extremamente tímido na frente de pessoas da minha idade, principalmente com garotas bonitas, com Emily não foi diferente.

–Então, Emily, se importaria de nos dizer o que aconteceu hoje? – questionou o policial pela segunda vez naquele dia.

–Claro – disse com uma voz graciosa e feminina – mas o garoto do meu lado já não contou o ocorrido? – perguntou ela me fuzilando com aqueles olhos cinza magníficos.

–Ele diz não se lembrar de nada graças à pancada na cabeça.

–Então não tem jeito – disse com um longo suspiro – vou contar exatamente o que aconteceu.

Prestar atenção na explicação da minha salvadora foi uma tarefa difícil, em parte porque toda a história contada por ela parecia invenção e em parte por causa da beleza natural da garota. Desde o jeito que os lábios dela se mexiam até a forma com que ela ajeitava as mechas soltas do cabelo colocando-as atrás da orelha, tudo nela era encantador. Esforcei-me para sair do transe e prestar atenção em seus relatos.

–Tudo começou às 07h15min, mais ou menos, na praça em frente à papelaria “Magic Paper”, eu fui abordada por três delinquentes enquanto me dirigia à escola. Eles tentaram me convencer a “ir me divertir” com eles em algum lugar e matar aula, mas quando eu me recusei um deles segurou-me pelo braço e queria me forçar a segui-los.

–Isso é verdade?! – perguntou Simon irado.

–Sim – continuou Emily sem alterar a expressão. –Logo em seguida o Sr. Southfield apareceu e tentou me proteger.

–Isso é sério?! – perguntamos eu e Simon em uníssono. Estava surpreso demais para acreditar que eu fiz um ato tão corajoso.

–Mas em sequência Heaven apanhou dos três juntos – completou me puxando de volta pra realidade. –Quando eu pensei em gritar em busca de ajuda, Heaven levantou-se em um pulo e conseguiu derrubar o homem que me segurava com uma cabeçada no queixo.

A partir desse ponto já não podia mais acreditar nas palavras da jovem de rabo de cavalo, ela contava sobre como eu consegui lidar com os outros dois arruaceiros sozinho, distribuindo socos e pontapés neles como em filmes de ação, enquanto a vítima do assédio se afastava da cena e ligava para a polícia e para o hospital. Isso explicava tudo até então, mas era difícil de engolir os acontecimentos quando você é um garoto fraco que sempre foi importunado e nunca revidou em sua vida inteira.

–E como eu desmaiei? – consegui perguntar para Emily que me encarou com hostilidade (acho que ela não foi muito com a minha cara).

–Quando o primeiro cara que você derrubou se recuperou, ele pegou um pedaço de pau no chão e te acertou por trás, nessa hora os policiais chegaram e o resto você já sabe – respondeu Emily.

–Entendi... – balbuciou o investigador que terminava de anotar em sua folha e começava a se levantar. –Muito obrigado pela colaboração dos dois, ligaremos se descobrirmos mais alguma coisa, já podem ir. Um dos meus subordinados irá levá-los até suas casas em uma viatura – disse o policial terminando com um sorriso.

Finalmente estava livre daquilo, de alguma forma consegui aceitar a história de Emily e depois iria interrogar Hell para confirmar os fatos. Tinha que agradecer a garota por provar a minha inocência mais tarde.

Após sairmos da sala meu pai nos recebeu perguntando o que havia acontecido, e, após uma breve explicação, a expressão dele relaxara e em seguida agradeceu propriamente Emily, que recebeu os agradecimentos com um lindo sorriso.

–Podemos ir agora? – perguntou o policial risonho que tinha me escoltado à delegacia. –Como as casas são próximas podemos ir com apenas uma viatura.

–Por mim tudo bem – respondeu a menina com uma expressão aberta que não mostrara a mim em nenhum momento da conversa.

–Então vamos, pegue suas coisas Heaven – apressava meu pai.

Mal sabia eu que logo teria a conversa com uma garota mais inesquecível da minha vida em minutos.


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