Ovelhas Negras escrita por Bianca Vivas


Capítulo 24
A última vez que ela foi vista




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Felipe

O sinal do intervalo tocou. Os corredores se transformaram numa pista de corrida onde o vencedor comprava o melhor lanche na cantina. Os alunos mais novos desciam as escadas tão rápido que era possível ouvir seus passos ecoando pelo piso — o som se parecia ligeiramente com cavalos trotando no paralelepípedo. A turma do terceiro ano, entretanto, permanecia na sala de aula até toda a bagunça acabar.

Normalmente, ficavam conversando em seus grupos até o barulho do sino cessar. Contudo, naquela manhã, Felipe não estava seguindo essa ordem natural. Assim que o intervalo começou, ele se espremeu no meio dos alunos mais novos. Não queria conversar com ninguém. Nem mesmo com Gabriel. Estava se sentindo culpado demais.

No dia anterior, ele fora acusado de ser gay pela irmã gêmea de seu melhor amigo e a única pessoa que fez a menina calar a boca foi Lola. Porém, isso não o impediu de ignorar a garota no fim da aula ou de não atender as várias ligações dela. E, hoje, ela faltara à aula. Mesmo que nos anos anteriores ela tenha levado vários avisos para casa por matar aula, este ano, Lola possuía uma frequência invejável. Ele estava preocupado. E com medo de ser sua culpa.

Claro, deveria estar preocupado consigo mesmo. Lara destruíra sua reputação. Os meninos faziam piada com a situação e ainda a imitavam falando. Pareciam não se importar se ele fosse ou não gay. Contudo, Felipe nunca teria certeza. O que falavam dele por trás? O que os pais de seus amigos falariam quando descobrissem sobre as acusações? Se seu pai ouvisse aquilo, ele seria um estudante morto.

Ele tinha que se preocupar consigo mesmo e com todo o estrago que Lara havia feito. Sabia disso. Entretanto, a única coisa que ocupava seus pensamentos era Maria de Lourdes. A menina invadia todos os seus sentidos e, às vezes, ele podia até vê-la, flutuando na sua frente e falando com aquela voz que era uma mistura de despreocupação e desafio:

— O que acontecer comigo será culpa sua, Felipe. Todinha sua.

Ouvia até o riso contagiante dela após cada palavra.

Balançou a mão na frente do rosto para espantar tudo aquilo. Estava começando a ficar paranoico. Tinha que se preocupar consigo. Ele repetia isso mentalmente, diversas vezes. Precisava resolver o problema que Lara lhe causara, precisava recuperar sua reputação.

Não conseguia. Em todas as tentativas, Lola voltava a sua mente. Era como se ela, mesmo à distância, quisesse lhe dizer algo.

Teria de dar um basta naquilo.

Andou pela escola a procura de Luan. Ele era, de fato, o melhor amigo da garota. Para desencargo de consciência, Felipe checaria com ele se Lola estava bem.

Luan estava recostado num canto da quadra do colégio. Estava cercado por algumas meninas do primeiro ano que não paravam de soltar risinhos. Ele agia como se não percebesse, mas Felipe tinha certeza que ele estava adorando aquilo. Luan sabia que era bonito. Era até impossível não saber quando se tinha lábios tão atrativos e um corpo incrível como aquele.

Ao se dar conta do que pensava, Felipe deu um tapa na própria testa. Ele não achava Luan atraente. Ele não era gay. Não podia ser gay. Ele se sentia atraído por Lola. Só havia sentido vontade de beijar o garoto nada demais. Ele não era gay.

Ia brigando com a própria consciência enquanto se aproximava de Luan. E quanto menor era a distância entre os dois, mais rápido o coração de Felipe batia. Estava experimentando novamente as sensações que tivera no banheiro. O nervosismo e toda aquela onda de desejo percorriam o seu corpo e eriçavam os pelos de seu braço.

— Posso falar com você? — Ele perguntou, com grande esforço, para sua voz não lhe trair. — Em particular — acrescentou.

Luan ergueu a sobrancelha, porém o acompanhou sem dizer uma única palavra. Afastaram-se poucos metros das meninas quando Luan virou e, passando a língua pelos lábios, perguntou:

— Já está sentindo falta de mim?

— E-eu... N-não... — Felipe franziu o cenho, gaguejando. Estava nervoso. Luan apenas riu. Ele se divertia com aquela situação. — Estou preocupado com Lola. Ela não veio pra escola hoje. Sabe onde ela tá?

A menção do nome fez a expressão de Luan mudar completamente. Ele se fechou e cruzou os braços na frente do corpo.

— Agora você está preocupado com ela? — Disse em seu melhor tom irônico. — Conta outra. — Ele riu e acrescentou: — Além do mais, não sei de nada. — Empurrou Felipe e saiu andando.

Felipe suspirou, frustrado. Só faltava essa! Agora Luan ainda agia como se ele não tivesse o direito de se preocupar com a garota. Qual era o problema daquele menino? Felipe sentia vontade de gritar para liberar aquela frustração e todos os outros sentimentos que estavam presos dentro dele. Saiu andando e chutando o chão. Nem percebeu que Luan não tinha voltado ao lugar de origem.

Precisava pensar. Lola havia ligado tantas vezes para ele. Deveria ser algo importante. Hoje, ela tinha faltado, então, algo certamente tinha acontecido. Se ela tentou falar com ele e não conseguiu, certamente teria falado com Luan. Ele sabia de alguma coisa. E, pelo visto, não queria contar para Felipe. Provavelmente porque tinha agido feito um babaca, tratando Lola mal todos esses dias. Luan sabia o que estava acontecendo. Só precisava pressioná-lo até que contasse.

Continuou andando e evitando conversar com outras pessoas. Sentia o celular vibrar no bolso e sabia que era Gabriel mandando mensagens. Não iria responder. Tinha que lidar com o problema Maria de Lourdes antes de enfrentar as consequências do que Lara fizera no dia anterior. Lola era mais importante do que a intriga da colega. Sabia disso agora.

— Por que você acha que eu a ajudaria? — Felipe ouviu uma voz conhecida quando passava pelo grande carvalho que decorava a área verde da escola.

— Porque você era a melhor amiga dela! — A segunda voz era um sussurro, todavia o menino reconheceu seu dono imediatamente.

Estranhando, Felipe decidiu rodear a árvore para ver o que o menino estava aprontando. Estacou quando viu o corpo de Luan por cima do de uma garota de cabelos muito louros. Os olhos azuis de Juno oscilavam entre ficar arregalados e se estreitarem. Ela se debatia, tentando livrar-se de Luan. Ele observou a cena por alguns segundos.

— O que está acontecendo aqui? — Felipe perguntou num impulso. Luan virou a cabeça para ver quem falava, e Juno finalmente notou sua presença. — Dá pra largar ela, Luan?

Para surpresa de Felipe, Luan o obedeceu. Juno arrumava os fios lisos e ajeitava a camisa do uniforme, sem prestar nenhuma atenção aos dois. Felipe voltou a sentir o coração disparar, mas, dessa vez, era porque estava com raiva.

— Por acaso você anda me seguindo? — Luan perguntou, mostrando os dentes. — Qual seu problema?

— Já disse — uma falsa calma tomou conta da voz do rapaz —, estou preocupado com Lola. Ela sumiu.

Luan forçou uma risada e revirou os olhos.

— Espera. — Juno chamou a atenção para si. — Como assim a Lola sumiu? — Então ela se virou para Luan: — É por isso que você tá me enchendo o saco?

Como Luan apenas deu de ombros e Juno ainda batia o pé, exigindo uma explicação, Felipe começou a falar:

— Sim. Ela me ligou milhões de vezes ontem e faltou hoje — fez um rápido resumo.

Juno começou a rir e Felipe franziu o cenho. Luan o imitou.

— Ah, me poupe. Ela só está matando aula — disse, já se virando para sair dali. — Lola sempre fazia isso. O tempo todo.

Juno foi se afastando deles. Felipe bufou de frustração e se jogou contra o carvalho. Será que ninguém conseguia levar a sério a preocupação dele? Bem, provavelmente Luan deve ter levado, já que foi atrás de Juno. Só que isso não adiantava muito, porque significava que ele não sabia onde a garota estava. Felipe já estava mais que arrependido de ter tratado ela tão mal. O que havia acontecido entre ele e Luan podia até ser culpa dela, entretanto, ele também quis aquilo.

— Não... — Luan murmurava algo, olhando fixamente para o lugar em que Juno estivera antes. Então se voltou para Felipe e agarrou-o pelos ombros. — Ela não está matando aula. Ela não mata aula desde que começou esse namoro falso com você!

Felipe franziu o cenho, porém entendeu o que Luan quis dizer. Se não entendesse, a expressão do colega falava por si só. Ele tinha os olhos arregalados e os lábios secos. Estava mais pálido que o costume e segurava Felipe pelos ombros de uma forma nada gentil. Na verdade, era quase desesperada.

Eles, entretanto, não trocaram mais informações. Assim que largou os ombros de Felipe, Luan saiu correndo. Procurava por Juno e a encontrou na porta da sala, conversando com algumas outras colegas. Sem nem hesitar, Luan a puxou num canto. Felipe nada dizia. Preferiu observar enquanto Luan explicava que Lola deixou de matar aula e de agir como uma inconsequente a maior parte do tempo desde que começara a namorar Felipe.

Ele também contou das várias ligações que ela fizera para Felipe. E revelou que Lola havia lhe mandado algumas mensagens, as quais ele não havia respondido nenhuma sequer, porque passara o dia na cidade vizinha acompanhando sua avó num dia de compras, e havia se obrigado a ficar longe do celular. Falava incrivelmente rápido, como se a vida de Lola dependesse do tempo que ele fosse levar para explicar tudo.

Felipe acompanhou a expressão de Juno se transformar de diversão para preocupação também.

— Você era a melhor amiga dela. Eu não sei o que houve entre vocês para quase odiarem, mas eu sei que, além de nós dois, você é a única pessoa a quem ela iria recorrer — Luan pediu com educação dessa vez.

— Existe outra pessoa — Juno disse, lentamente, tirando o celular do bolso de trás da calça. — Ela pode ter ido atrás de Eric.

Felipe tinha uma vaga lembrança de Eric, dos tempos que ele ainda estudava no colégio. O rapaz sempre estava cercado de garotas ou ficava jogando futebol na quadra. Mas Felipe não se lembrava de vê-lo perto de Lola alguma vez. A única ligação que conseguia ver entre os dois é que ele era o amigo mais velho de Juno — antiga melhor amiga de Lola.

— Vamos — Juno chamou, descendo as escadas com o celular na mão, indo contra a nuvem de alunos que queria entrar nas salas de aula. 

 


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