Ovelhas Negras escrita por Bianca Vivas


Capítulo 2
Tem um garoto no sótão


Notas iniciais do capítulo

Mil anos depois, aí está.



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Maria de Lourdes

— Ótimo. Ele desmaiou. Está feliz agora? — A garota perguntou, ácida e raivosa, enquanto observava o corpo estirado de Felipe.

— Aquela coisa que coloca na salada resolve — o menino respondeu. — Ele não vai morrer por causa de um doce misturado com alguns litros de vodca e Catuaba.

— Ah, então foi isso que deu a ele? LSD, vodca e Catuaba? — Lola levantou e começou a se dirigir à porta do banheiro. Se continuasse ali, mais alguém ficaria desacordado naquela noite. — Vou atrás de Juno. Não saia daí.

Aquela área estava vazia. O local para o qual ela havia levado Felipe estava interditado. Por sorte, Lola conhecia todo o condomínio. O problema era que o sinal de celular era péssimo ali, no subsolo. Então ela teria que subir para falar com Juno.  Nem queria imaginar a reação da sempre certinha Juno.

O irresponsável do Luan dera drogas e álcool a Felipe, que nunca tinha tomado nada mais forte que remédio para gripe em toda sua vida. Agora, o garoto estava estirado no chão de um banheiro sujo e interditado. Já havia vomitado e desmaiado, e Lola não sabia o que fazer. Luan também não ajudava muito, só sabia rir da situação como se não fosse nada demais.

A única coisa, ou melhor, a única pessoa em quem conseguia pensar naquele momento era Juno.

Apesar de terem se afastado um pouco no ano anterior, Juno era uma das suas melhores amigas. Mesmo que não se falassem muito agora, sabia que ela era a única que poderia ajudar a tirar Felipe dali em segurança. Os anos de amizade teriam que servir para alguma coisa. Além do mais, a festa estava acontecendo no prédio dela.

— Eu preciso da sua ajuda. É urgente — disse, quando avistou Juno dançando num canto isolado.

— O que tá rolando? — Ela perguntou, se aproximando de Lola. Parecia curiosa e preocupada ao mesmo tempo.

— Eu trouxe uns amigos. Um deles ficou chapado e agora está desmaiado no banheiro. — Lola tentou fazer parecer algo normal. — Você sabe... O de sempre.

— O de sempre — Juno concordou, como se tivesse entendido tudo. — Onde ele está?

Lola explicou para onde tinha levado Felipe, rapidamente. Juno pediu para que ela descesse, prometendo que a encontraria lá em baixo logo. Lola apenas concordou. Era o mínimo que poderia fazer. Ainda mais quando a culpa por tudo aquilo era sua. Como sempre era. Nos velhos tempos. Na época em que eram mais próximas. 

Algumas coisas nunca mudariam.

Levou quase uma hora até Juno chegar. Ela estava com outra roupa e parecia cansada. Provavelmente, Lola havia acabado com a festa da garota. Contudo, Juno não parecia se importar tanto. Desde quando começaram a se afastar, ela só aparecia naquele tipo de festa quando era obrigada a ir.

— Você me salvou. De novo. — Lola abraçou Juno assim que a viu apontar no corredor do sótão.

— Sem problemas. Eu estou acostumada.

Um silêncio momentâneo pairou sobre elas. A sombra de um passado, de quando elas eram próximas, se fez presente. Lola logo tratou de afastá-la.  Não precisava de nostalgia naquele momento. 

— Achei melhor deixar ele aqui, no porão interditado, longe de toda bagunça — ela começou a falar, tentando se explicar. — Luan está cuidando dele. Que Deus não tenha deixado ele fazer nenhuma besteira.

— Quem é Luan? — Juno perguntou.

— Um cara que eu conheci hoje. — Abriu uma porta. — E aqui estamos.

Felipe ainda estava estirado no chão. A poça de vômito parecia ter aumentado e, agora, não era apenas sua blusa que estava suja. Luan fumava num canto e, de vez em quando, lançava olhares para a porta. Não estava fazendo um bom trabalho como cuidador e sabia disso.

— Oh, meu deus! — Disse Juno, espantada. 

Lola apenas concordou com a cabeça e caminhou até Luan, arrancou-lhe o cigarro dos lábios e tragou-o. 

— Pelo menos não é um baseado — ela constatou, jogando o cigarro no chão e pisando nele. 

— Pelo menos isso. Não precisamos de mais gente drogada aqui — Juno concordou, completamente horrorizada. — Vamos tirar Felipe daqui.

Lola não queria nem saber quais eram os pensamentos de Juno, naquele momento. Provavelmente, ela estaria culpando-a por aquela situação. Era por causa desse tipo de coisa, segundo Juno, que elas deveriam se afastar. Segundo sua amiga, ela não representava uma boa influência.

Lola balançou a cabeça para espantar os pensamentos e focar em Felipe. Apenas em Felipe.

Luan pegou Felipe nos braços e as garotas foram na frente. Mostravam o caminho para a garagem do condomínio — as duas concordaram que era melhor pedir ajuda para leva-lo para cima. Colocaram um Felipe semiconsciente no banco de trás do carro dos pais de Juno.

Juno ligou para Eric, um amigo dela e velho amigo de Lola. Era ele quem costumava ajuda-las a sair de encrencas. Eric disse que estava por perto e logo chegaria. As meninas esperaram, na garagem. Foi uma espera silenciosa. A única companhia eram os barulhos de carros chegando e saindo.

Aquela situação lembrava à Lola do ano anterior, quando pegavam escondido o carro da mãe de Juno e então saíam para noitadas. Iam para a cidade vizinha, com carteiras de identidade falsa, maquiagens pesadas e se embebedavam tanto que muitas vezes nem se lembravam do próprio nome.

No dia seguinte, antes mesmo das sete, era possível encontrar as duas no quarto de Juno, fingindo que estiveram ali a noite inteira. Ninguém nunca desconfiou de suas mentiras. Ninguém, exceto o novo namorado de Juno: Ian. E foi aí que elas começaram a se afastar.

Na semiescuridão da garagem, Lola percebeu que sentia falta daqueles tempos. Ficar louca com desconhecidos não era a mesma coisa que ficar louca com sua melhor amiga. 

Olhou para trás e ao ver Felipe dormindo e Luan em silêncio, com a cabeça encostada no vidro da janela do carro, se deu conta de que aquela não era a pior situação da sua vida. Já vira e já passara por coisas bem piores. Olhou para Juno e não conseguiu se conter:

— Obrigada por me salvar. Você é a melhor nisso — agradeceu de novo.

— Bem, digamos que eu estava sentindo falta de um pouco de aventura. — Juno sorriu para Lola, que retribuiu.

O carro voltou a ficar silencioso. Não havia mais nada a dizer. Lola, entretanto, percebeu que Juno não tinha mudado tanto quanto pensava. Talvez ainda houvesse esperança.

Após alguns minutos, Eric finalmente chegou. As duas meninas sorriram discretamente uma para outra, enquanto ele descia apressado do carro. Eric nem cumprimentou as meninas. Apenas chamou Luan para ajudá-lo a carregar Felipe

Entraram no apartamento fazendo o menor barulho possível.

Luan e Eric levaram Felipe para o quarto de visitas e iriam jogá-lo no chuveiro, para uma ducha bem fria. Depois, se encontrariam para explicar a ele tudo o que tinha acontecido. Além de pedir que não contasse nada para ninguém.

 Esse era o pacto. O que ninguém contasse, não teria acontecido. Todos se safavam.

As duas meninas foram para o quarto de Juno. Lola logo se jogou na cama, como fazia antigamente. Sentia falta do toque suave dos lençóis de Juno e do cheiro meio doce, meio cítrico do cômodo. Contudo, quando viu a cara da amiga para ela, se endireitou imediatamente. Juno não estava tão tranquila quanto tinha aparentado na garagem.

— O que você tinha na cabeça, Lola? — Ela perguntou, colocando as mãos na cintura. Sua voz era severa e irritada. —Trazer Felipe pra cá? Você perdeu o juízo?

— Olha, não foi minha culpa, ok? — Lola deu de ombros. — Ele que quis vir.

— Não importa! Ele não fazia ideia de como é uma festa escondida. E você ainda deu drogas para ele e o embebedou! — A menina fechou os olhos, enquanto gritava.

— Eu não fiz isso! — Lola se levantou, gritando. — Eu falei pra Luan que Felipe não gostava dessas coisas, que era a primeira vez dele... Só que eu não fiquei grudada nos dois o tempo inteiro, né?

— Pois deveria! Esse menino podia ter tido uma overdose ou sei lá o quê!

— Mas ele não teve! — Lola gritou novamente. Ao sentar na cama, sussurrou a mesma frase várias vezes. — Ele não teve.

Juno suspirou e sentou ao lado de Lola.

— Não faça mais isso, ok? — Disse, passando as mãos carinhosamente pelas tranças da amiga. — Só porque você estragou seu futuro, não significa que deva fazer o mesmo com o dele. 

Lola olhou para Juno com estranhamento. A raiva tomou conta dela. Afastou a mão de Juno, indignada.

— Eu não estraguei meu futuro. Você não tem o direito de dizer isso.

Ela se levantou e saiu do quarto. Queria ir embora daquela casa. Todavia, ainda tinha que cuidar de Felipe. Não deixaria que ele se metesse em confusão por sua causa. Iria limpar a barra dele, caso os pais desconfiassem ou ficassem bravos por ter passado a noite fora de casa.

Foi até o quarto de visitas. Só precisava ficar longe de Juno.

A porta estava aberta e ela ficou encostada no batente. Felipe estava dormindo, vestido com uma das roupas que Eric trouxera. Luan estava sentado no chão, contando tudo o que acontecera naquela noite e também o que dera a Felipe, enquanto Eric ouvia atentamente.

— Ah, oi, Lourdinha — disse Eric, quando notou a presença dela, chamando-a pelo apelido de infância. — Não tinha te visto aí.

— Oi, Eric — ela cumprimentou o rapaz com um sorriso fraco. — Como está Felipe?

— Dormindo feito uma criança. — Ele olhou para Felipe na cama e em seguida para Lola. — Luan estava me contando o que aconteceu.

Lola assentiu e Eric continuou:

— Ele também me disse que você cuidou de Felipe. — Eric olhou para Lola mais profundamente. — Foi legal da sua parte.

Lola fitou o chão e ficou arrastando o pé para frente e para trás.

— Obrigada — ela finalmente respondeu —, mas agora eu tenho que ir. Só vim ver como estava Felipe — completou rapidamente.

Lola foi saindo e quando já estava na porta, prestes a ir embora, ouviu Eric chamando seu nome. 

— O que eu digo para os pais de Felipe quando for deixar ele em casa? — Perguntou, fitando-a com aqueles olhos muito azuis.

— Nada — ela respondeu rápido. 

— Como nada? — Eric estranhou. Pelo que conhecia da família de Felipe, eles eram muito rigorosos. Teria Lola enlouquecido?

— Você não vai deixá-lo em casa. Vai levá-lo direto pra escola — ela explicou, de uma maneira bastante séria.

— E depois? — Ele tornou a perguntar, franzindo o cenho.

— Eu resolvo.

Foi tudo o que ela disse antes de dar as costas a Eric. Chamou o elevador e ficou esperando. Quando finalmente chegou, Lola ouviu a porta do apartamento de Juno abrir e olhou para trás.

—Lou... — disse Eric, hesitando. 

Ele vinha em sua direção. As maçãs do rosto estavam avermelhadas, o que evidenciava seus fios dourados. Ela se lembrou dos encontros escondidos atrás do colégio e de beijos roubados dentro do banheiro masculino.

— Você sabe que pode contar comigo sempre, não importa o que aconteça, não sabe? — Os olhos azuis de Eric estavam ainda mais bonitos na pouca luz do corredor de entrada, Lola notou. — Eu estarei aqui. Para cuidar de você e te proteger. Sempre. — Ele pegou a mão dela e depositou ali um papel contendo seu número de telefone.

Lola assentiu sorrindo. Em seguida, sem conseguir se conter, ela abraçou Eric o mais forte que pôde.

— Eu sei. Obrigada — ela disse no ouvido dele e, num impulso, o beijou.

Os lábios de Eric eram exatamente como ela lembrava. Macios e urgentes. A língua dele ainda era quente e rápida, deixando-a sem fôlego.

 Ele segurava sua cintura e a puxava para mais perto. Lola, por sua vez, o abraçava ainda mais forte. De alguma forma, sentia falta do toque quente e gentil de Eric. Mesmo depois de um ano.

Quando se soltaram, Lola entrou no elevador. Ela olhou para o papel e sorriu mais uma vez. Eric era um bom menino. O único problema era que bons meninos não eram para ela. Então, a garota rasgou o papel e jogou os pedaços no chão do elevador.


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Notas finais do capítulo

Se ainda tiver gente lendo isso, por favor, me deixem saber



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