Gêmeos no Divã escrita por Lady Black Swan


Capítulo 28
14° Consulta - parte 1


Notas iniciais do capítulo

100 COMENTÁRIOS NEM ACREDITO AAAAAAAAAAAAhHHHHHH!
Estava aqui Gêmeos no Divã, estagnado já há algum tempo e de repente BOM uma chuva de comentários das lindas divas maravilhosas Aylla e Joanny!
♥ ♥ ♥



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Vinicius cruzou as pernas, ajeitou o chapéu e tomou mais um gole de milk-shake enquanto observava atentamente o paciente deitado no divã.

―Então... Diga-me Murilo, quando acha que isso começou?

 Com os dedos entrelaçados sobre a barriga e o chapéu, idêntico ao do irmão, lhe cobrindo o rosto, Murilo suspirou.

―Não sei doutor... Acho que foi quando...

―Vocês dois preferem que eu volte mais tarde? ― a doutora perguntou da porta, espantando os dois irmãos.

―Opa! Doutora! ― Vinicius colocou-se de pé com um pulo.

―Não vimos que a senhora estava aí. ― desculpou-se Murilo sentando-se no divã, com o chapéu caindo sobre o colo.

―Eu percebi. ― a doutora deu um risinho achando graça ― Pelo visto estão se virando bem sem mim, não é?

―Claro que não, doutora, entra aqui! Venha! Senta na sua poltrona! ― Vinicius fez como se limpasse a poltrona e logo depois a indicou curvando-se e fazendo um floreio com o chapéu na mão.

A doutora riu e entrou fechando a porta atrás de si.

―Adam nos disse que poderíamos esperar aqui dentro. ― explicou-se Murilo, enquanto o irmão sentava-se ao seu lado.

―Sim, sim eu notei. ― a doutora tomou seu lugar em sua poltrona ― Bem meninos, como estão hoje?

Os gêmeos suspiraram.

―Mal. ― responderam.

―Por quê?! ― a doutora perguntou surpresa.

Ambos pareciam tão animados antes... Os irmãos se entre olharam, e Vinicius começou a falar:

♠. ♣. ♥. ♦

Verdade seja dita doutora, ainda é bem verdade que nós dois ainda não vamos muito com a cara do Gringo, mas até que já estávamos começando a pensar que talvez ele não fosse tão mau assim.

Há! Até parece!

Então terça-feira nós estávamos todos na aula de geografia — porque aparentemente somos tão sortudos que ele acabou caindo conosco justamente na única aula que temos junto com Ayume atualmente.

E a professora estava nos dando um trabalho.

—Ele vai valer até três pontos... — ela dizia.

Só que tinha uns que não estavam prestando a menor atenção nela, um desses “uns” era Ayume, que estava sentada entre nós dois com os olhos vidrados no celular debaixo da mesa — uma cena rara de se ver no meio da aula.

—O trabalho deve ser digitado, com figuras e bibliografia, eu quero no mínimo três referências... Ayume Felix!

A coisa toda foi tão rápida que nós mal tivemos tempo de registrar! Sério! Num momento a professora estava andando para frente e para trás na turma explicando o trabalho e, no momento seguinte, sua mão tinha mergulhado debaixo da mesa de Ayume de onde puxou a mão dela ainda segurando o celular, e erguendo-a bem alto acima da cabeça da garota. Foi como ver um falcão pegando a presa!

—Com quem você está conversando nesse celular que é tão absurdamente interessante a ponto de ignorar minha aula? — perguntou rigidamente.

Ayume estava de olhos arregalados, não só ela como nós, e o Gringo — que estava sentado na cadeira em frente à dela e virou-se para ver o que estava acontecendo — e todo o resto da sala também.

—Eu... Eu... Não estava conversando com ninguém. — ela gaguejou ainda com a mão presa no agarre da professora.

—Não? — a professora cerrou os olhos — E estava fazendo o que? Por acaso decidiu iniciar suas pesquisas mais cedo? Mas eu ainda nem terminei de explicar o trabalho.

E com a mão livre ela tomou o celular da mão de Ayume.

—Não, eu...

Antes que Ayume pudesse dizer mais qualquer outra coisa a professora fixou bem os olhos na tela de seu celular e começou a ler para toda a turma ouvir:

“No fim, eu teria que voltar a andar pela floresta em busca de frutas ou algo comestível. Arranjar gravetos e tentar fazer uma fogueira descente. Entretanto, a cereja do bolo não era minha nova aventura pela floresta e sim estar prestes a entrar na floresta e encontrar um lobo sentado me encarando. Se eu não senti medo? Claro que senti, mas o medo era tanto que paralisei sobre a areia. Estava dividida entre ficar ali esperando morrer ou correr para o mar e morrer do mesmo jeito. Se eu estava sendo paranoica? Acredite que sim. Afinal, não é para qualquer um ficar de frente para predadores sem nada para se defender e sair ileso porque minha situação não era nada favorável para que desse certo”. — a professora olhou criticamente para nossa amiga — O que é isso?

Ayume ficou mortificada onde estava, dava pra ver que ela queria cavar um buraco e se enterrar ali mesmo, e as risadinhas na sala também não ajudavam.

—Isso... — ela disse — É apenas “Lobo da China”...

—Lobo da China?

—É... É... — ela ficava olhando para os lados como que procurando o buraco mais próximo para se esconder — Uma fanfiction, uma estória criada por um fã de um universo já existente... E...

—Chega. Já ouvi o bastante. — cortou-a deixando o celular em sua mesa — Agora. Guarde o celular e preste atenção. Ou dá próxima vez irei tomá-lo e só devolverei ao seu responsável. — ela olhou para o resto da turma — Mais alguém gostaria de usar o celular na minha aula?

Ninguém disse nada. Óbvio.

A maioria guardou seus celulares, uns dois ou três mais caras de paus continuaram a usá-los por debaixo da mesa, mas o celular de mais ninguém foi pego e lido em público. Parecia até que era marcação.

—Você está bem? — o Gringo perguntou baixinho.

Nós até íamos perguntar isso, mas ele foi mais rápido.

—Eu estou bem. — ela respondeu rapidamente, ele continuou a olhá-la — Eu estou bem, sério! Só... Pare de me olhar!

Ele olhou-a por mais uns dois segundos ainda, ajeitou os óculos e virou-se novamente para frente.

—E vocês dois também, parem de me olhar!— ela acrescentou para nós.

Nós franzimos o cenho, mas a deixamos em paz.

A professora continuou a andar para frente e para trás na sala de aula e dar suas explicações.

—O trabalho deve ser feito em dupla. — ela continuou, e olhando diretamente para nós acrescentou — E não, não pode ser dupla de três! — não to falando, doutora? É marcação! — E mais uma coisa. — ela ainda estava olhando diretamente para nós — Os gêmeos Montenegro não podem fazer dupla um com o outro.

—O que?! — exclamamos espantados — Como assim? O que a senhora quer dizer com isso?!

—Eu estou dizendo. — uma pausa cruel — Que dessa vez Murilo não pode fazer dupla com Vinicius e nem Vinicius pode fazer dupla com Murilo.

Tá vendo doutora? Tá vendo? Tem como ser mais marcação que isso?!

—Mas isso não é justo! — protestamos.

—Uma lista vai passar por vocês. — ela nos ignorou — Nela eu quero o nome de todas as duplas até o final da aula. Vocês têm dez minutos.

E no segundo em que ela virou as costas nós fomos praticamente soterrados sob duas dúzias de adolescentes tentando alcançar a cadeira do Gringo, todos querendo formar dupla com ele — se a professora já achava um absurdo nós sempre querermos formar uma dupla de três imagine só o surto que ela teria se, de repente, toda a turma pedisse para formar uma dupla de vinte e cinco.

E de repente tudo o que a gente conseguia ouvir era:

—Lucian, meu chapa!

—Lucian vamos formar uma dupla!

—Ei Lucian você já tem dupla?

—Lucian eu ainda não tenho dupla!

Isso claro, até a professora Maura se estressar:

—SILÊNCIO!  Muito bem, agora todos para os seus lugares, chega de bagunça.

Só que ao invés de voltarem para os seus lugares todo mundo ficou parado exatamente onde estava, olhando para uma única direção: onde o Gringo estava sentado.

—Hã... Foi mal gente. — o ouvimos dizer, é, porque ver, não dava mesmo com toda aquela gente nos espremendo lá — Mas eu já tenho dupla.

Uma decepção coletiva se espalhou enquanto eles voltavam — graças a Deus, porque estava ficando difícil respirar! — cada um para a sua cadeira.

—Bem, já que não posso fazer dupla com meu irmão... — falei, ao mesmo tempo que Murilo, pondo uma mão sobre o ombro de Ayume.

Mas quando todo mundo acabou de se sentar eu percebi que Murilo não só havia falado ao mesmo tempo que eu como ele também havia posto uma mão sobre o outro ombro de Ayume.

E para piorar na cadeira da frente o Gringo havia se virado e agora tinha uma das mãos em volta do pulso dela.

Nós três nos entreolhamos.

—Meninos. — Ayume fez uma pausa, e respirou fundo — Vocês entendem... Que eu não posso fazer dupla com os três, não entendem?

—Entendemos. — respondemos.

Mas nenhum de nós a largou.

—Ora! Se vocês entendem me larguem! Eu não sou um prêmio que o primeiro que pega fica! — ela se sacudiu toda até que afastássemos nossas mãos. — Muito bem, agora como é que resolvemos isso?

—O Gringo pode se virar sozinho e nós... — fomos parando de falar lentamente, franzindo o cenho.

Nós até podíamos conseguir convencer a Maura a nos deixar fazer o trabalho em trio — ou não — ou a fazer o trabalho juntos — ou não —, mas definitivamente não ia dar para conseguir convencê-la a nos deixar fazer as duas coisas.

—O trabalho é para ser feito em dupla, mas vocês dois não podem fazer o trabalho juntos. — Ayume começou a falar em tom impaciente — E nós somos quatro aqui.

A essa altura alguém já havia deixado a lista sobre a minha mesa.

—Não. — dissemos no momento em que entendemos onde ela queria chegar — Não, não, não... Definitivamente não...!

—Lorde Zucker. — Ayume chamou em tom muito sério, nos ignorando completamente. — Esta pode ser uma missão muito difícil, qualquer um dos dois vai testar sua paciência ao limite.

O Gringo a olhou de volta, e também de forma muito séria acenou e concordou:

—Eu entendo e aceito a missão.

Ao nosso redor algumas pessoas haviam começado a reclamar impacientes pela demora da lista, perguntando onde ela estava e quem é que estava a prendendo.

—Muito bem. — Ayume concordou e estendeu-me a mão para que eu passasse a lista para ela.

—Qual de nós você vai dispensar? — ofegamos.

—Qualquer um dos dois é um desafio. — ela prosseguiu baixando os olhos para escrever na lista, e ainda enquanto escrevia disse: — Mas pode ser que Murilo seja mais fácil de lidar.

Meu irmão fez uma careta, mas não disse nada, admito que eu teria reclamado, a culpa foi sua, irmão.

Assim, quando não ouviu reclamações, Ayume assinou os nomes das respectivas duplas na lista e passou-a adiante ―, mas também duvido que ela teria dado ouvidos a qualquer um de nós se reclamássemos.

Então a boa noticia é: Eu não tive que fazer dupla com o Gringo. Há!

Depois que a aula já havia terminado nós saímos de sala, mas mal havíamos chegado ao final do corredor antes de sermos abordados por Verônica:

―Oh! Lucian! ― ela disse naquele maior tom de “nossa que coincidência!” ignorando completamente sua prima e nós ― Eu soube que a Maura está juntando os alunos em duplas para um trabalho! Que pena não fazermos essa aula juntos, ou poderíamos ter formado uma dupla!

―Hã... Claro. ― ele respondeu olhando-a bem ao estilo “quem é você?”.

Ao que parece para o Gringo é frequente que as pessoas venham cumprimentar e falar com ele como se fossem velhos conhecidos, ou amigos de muito tempo, mas ele mesmo dificilmente reconhece um rosto a cada dez ― isso porque geralmente essas pessoas que vem falar com ele na verdade são desconhecidos que ele nunca viu antes, mas que o conhecem da televisão, então ele é legal com todo mundo, pois é, o cara é irritante demais eu sei.

―Ela é Verônica. Minha prima.  ― Ayume esclareceu.

―Ah! ― ele exclamou.

Com certeza estava pensando “se é prima da Ayume ela deve ser legal também!”.

―E então, com quem você acabou fazendo dupla? ― Verônica perguntou.

O Gringo passou o braço alegremente em volta do ombro de Murilo.

―Com o Murilo aqui! ― respondeu.

―Eu sou o Vinicius. ― meu irmão suspirou.

O Gringo largou-o imediatamente e ergueu as mãos.

―Opa! Desculpa aí cara!

―Ele é o Murilo sim. ― Ayume o desmentiu.

Nós a amamos, sério, mas às vezes essa pequenina é muito estraga prazeres.

O loirinho a olhou.

―Sério mesmo?

―É.

Ele a olhou por mais um momento e, de repente, a ergueu do chão e a amassou num grande abraço.

―Ela não é mesmo incrível? ― riu.

―Ei! O que você está fazendo?! ― ela reclamou irritada, tentando se soltar dele. ―Coloque-me no chão Luciano! Luciano! Eu não sou uma boneca, dá pra me colocar no chão?! Ei! Está me ouvindo?! Luciano...!

Foi quando eu decidi tomar uma atitude e a tirei dele.

―Ei Gringo você não ouviu? Ela disse para pô-la no chão! ― ralhei ― Ela é pequena e leve, mas não é uma boneca sabia?!

―Vinicius... ― Ayume me chamou.

―O que?

―Dá para você também me colocar no chão?!

―Ops! ― eu a soltei.

―Acho que às vezes também esquecemos que você não é uma boneca. ― Murilo comentou rindo, recebendo um olhar fulminante de Ayume.

―Não sou uma boneca! ― defendeu-se.

―Nós sabemos. ― respondemos.

―Com certeza. ― o Gringo acrescentou.

Verônica deu uma risadinha.

―Vocês três são sempre tão engraçados... ― comentou, e virando-se para o Gringo continuou ― Então, Lucian, que dizer que você faz geografia com os gêmeos?

―E com a Ayume! ― ele acrescentou todo feliz.

―Ah. ― ela parou de sorrir por um segundo, mas quando voltou a sorrir tivemos a nítida impressão de que já sabíamos o que ela ia dizer, afinal já conhecíamos bem aquele sorriso. ― Bem, então que sorte a sua não ter ficado com ela como dupla, não é?

―Por quê? ― o Gringo franziu o cenho.

Nesse momento eu senti um pequeno puxão em minha camisa e quando olhei para baixo vi o pequeno punho de Ayume agarrado ali, da mesma forma que ela também agarrava a camisa do meu irmão, e o rosto dela estava franzido de tensão e desconforto.

―Ah... Você já deve ter percebido, é que a Ayume é tão esquisita,

Verônica estava novamente fazendo aqueles tipos de comentários e nós sentíamos Ayume nos puxando cada vez mais para perto enquanto dava um meio passo para trás, como se quisesse se esconder atrás de nós.

Ela havia sido capaz de sozinha encurralar e aterrorizar suas perseguidoras no banheiro feminino, mas era completamente incapaz de se defender contra uns poucos comentários maldosos da prima.

―Esquisita? ― perguntou o Gringo ― Esquisita como?

A essa altura Ayume estava se escondendo tanto atrás de nós que tínhamos certeza que ela só queria sumir da face da terra.

―Oh... Por exemplo, você sabia que ela ainda brinca de bonecas? ― Verônica sorriu ― Anda por aí para cima e para baixo com uma boneca bebê como se fosse alguma criança, ela não tem a menor noção, é tão esquisita.

Ela riu.

Por que essa garota é assim afinal?!

Estávamos prestes a dizer alguma coisa — provavelmente nada educada — quando, de novo, o Gringo passou a nossa frente:

―Uma boneca bebê? ― ele repetiu ― Você não está falando de Ayu-chan, está?

―Ayu-chan? ― repetiu desconcertada, ela com certeza não esperava que ele já soubesse sobre a boneca ― Eu não sei o nome...

―Não, você com certeza não está falando da Ayu-chan, afinal a Ayu-chan não é uma simples boneca, ela é um baby reborn feito sob medida nos mínimos detalhes para se assemelhar perfeitamente a um bebê de verdade com custo em média de R$ 2.000,00.

―Ah, isso é... Quero dizer...

―Não, claro que você não está falando da Ayu-chan, porque ela está muito longe de ser apenas um mero brinquedo de criança comum...

―E ela também é viciada em desenhos. ― Verônica acrescentou rapidamente ― Quando não tem aula passa o dia todo os assistindo, ela também vai a eventos cheios de esquisitões como ela e compra montes de camisas de desenhos, e só sabe falar de desenhos e se apaixona por personagens que não existem, e se fantasia! Ela até mesmo comprou duas plaquinhas, pra grudar sei lá aonde, uma que dizia “Keep calm and Dracarys” e outra que dizia “Keep calm and Hakuna Matata”. Ela é tão inacreditável! 

―Não acredito! ― ele exclamou boquiaberto.

―Eu sei! ― Verônica jogou os cabelos para trás, agora mais confiante e disse com uma risadinha irritante: ― Ela é tão ridícula!

Como é que a gente já gostou de uma garota dessas?!

Mas então de repente o gringo virou-se e disse:

―Você tinha me dito que só tinha comprado uma, Ayume! Ei, por que você está toda escondida e encolhida aí atrás?! ― rapidamente o abusado enfiou a mão entre nós e puxou a pequenina lá de trás dizendo: ― Nada disso! Não se esconda atrás desses dois aí não! Por que você me disse que tinha comprado só uma?!

Ele colocou as mãos nos quadris, batendo irritadamente o pé no chão, como uma mãe muito estressada.

E parecendo até já ter se esquecido de que a sua prima estava ali Ayume ergueu os olhos cruzando os braços e franzindo o cenho.

―Como assim “por que”? ― repetiu ― Porque você ia pedir uma, é claro!

―Mas é obvio que eu ia! ― ele exclamou. ― Afinal onde é que você ia pendurar duas plaquinhas tão contraditórias assim?!

―Contraditórias?

―É óbvio! Uma diz “mantenha a calma e Hakuna Matata” ok, e a outra te diz para manter a calma e queimar tudo! Você tem que escolher: ou a rota homicida ou a rota pacifista!

Ele discutiu, gesticulando exageradamente com as mãos.

―Eu não vou te dar nenhuma das minhas plaquinhas!

―Mas para que servem os amigos então?!

―Compre suas próprias plaquinhas! ― ela rebateu. — Você tem dinheiro pra isso!

―Hã... Com licença. ― Verônica os chamou parecendo meio chocada. ― Mas por que parece que vocês estão falando a mesma língua?

Ayume virou-se desconcertada, confirmando de uma vez nossas suspeitas de que ela realmente havia se esquecido da prima ali.

―Ah... Isso é por que... Porque Luciano e eu somos amigos, e eu acabei influenciando ele, eu acho, é, tenho certeza que se você perguntar aos gêmeos aqui, eles também vão dizer uma ou duas esquisitices, não é mesmo rapazes? ― ela nos olhou em busca de apoio ― Não é?

Nós franzimos o cenho, mas antes que pudéssemos pensar em qualquer coisa para dizer o Gringo adiantou-se, de novo, esse cara é muito irritante:

―E também pode ser porque nós dois somos da mesma espécie. ― ele apoiou o cotovelo na cabeça da japa baixinha.

Verônica piscou.

―Da mesma... Espécie?

―Sim é claro, afinal eu também sou um fã apaixonado de todas essas coisas “esquisitas” ― fez aspas no ar.

Verônica recuou boquiaberta.

―Você é?!

―É claro que sou. ― ele balançou a cabeça afirmativamente afastando-se de Ayume quando ela o empurrou por estar cansada de servi-lhe de apoio ― Canto Unravel sem nem precisar ler a letra

―O que? ― ela piscou, nós também não temos ideia do que ele estava falando ― Você... Você está brincando, não é, Lucian?

Sorriu hesitante.

―Eu também consigo recitar toda a lei da troca equivalente de Full Metal Achimist. ― ele afirmou orgulhoso ― E estou pensando seriamente em comprar uma Kasana como a de Ayume...

―Uma o que? ― Verônica voltou a recuar, erguendo as mãos.

―Uma Kasana! ― ele repetiu animado ― É uma sombrinha que...

―Acho que estou atrasada para a aula. ― Verônica o interrompeu passando apressadamente por nós ― Então eu já vou indo.

Ela fugiu correndo assustada ― como se tivesse percebido que saiu de casa sem maquiagem e precisasse urgente de um espelho ― antes que alguém pudesse dizer mais alguma coisa.

―Luciano... ― Ayume suspirou ― Se isso se espalhar...

―E vai se espalhar. ― nós acrescentamos.

―Igor vai querer te matar.

―É, pois é, mas agora temos outro dilema em mãos! ― ele juntou as palmas das mãos.

―É? Qual?

Ele começou a caminhar e nós, por falta de opção ― porque Ayume estava indo com ele e porque tínhamos que ir na mesma direção ― nós o acompanhamos.

 ―O caso é que Murilo não se separa de Vinicius.

―Correto. ― meu irmão concordou.

―E Vinicius não se separa de Murilo.

―Positivo. ― afirmei.

―Então como eles vão fazer dois trabalhos separados em duas duplas separadas?

Franzimos o cenho, como é que ele pensou nisso antes de nós?

―Hum... Você tem razão. ― nossa pequena Ayume concordou. ― Ah! ― exclamou depois de um momento ― E se nos juntássemos os quatro na casa de um de nós para fazer os dois trabalhos?

Meu irmão e eu arqueamos as sobrancelhas.

―Essa realmente não é uma ideia ruim... ― começamos a dizer.

―Mas na minha casa não pode ser! ― Ayume logo se apressou a dizer ― Meus irmãos não nos deixariam em paz.

―Já que é assim na nossa também não dá. ― argumentei ― Maya também não nos deixaria em paz, eu não sei se ela ia se pendurar no Gringo ou na Ayume, mas sei que com certeza não ia largar mais e não faríamos nenhum trabalho.

―Acho que ela iria tentar se dividir em duas para poder se pendurar nos dois ao mesmo tempo. ― Murilo comentou e franziu o cenho ― Ou arrumar uma forma de realmente se pendurar nos dois ao mesmo tempo.

―É bem possível. ― concordei.

―Quer dizer que Maya também é sua fã? ― Ayume coçou a cabeça.

―De carteirinha. ― ele confirmou ― Mas em fim, acho que então só nos resta a minha casa.

Nós gememos.

―Verdade, parece que é a única opção. ― Ayume concordou.

E nós dois voltamos a gemer, de jeito nenhum que queríamos ter que voltar á casa dele.

Ayume nos olhou.

―E pode ter certeza que todos nós iremos com muito prazer. ― garantiu pegando-nos pelos colarinhos e nos puxando para junto de si.

E nós? Nós voltamos a gemer.

―Então está combinado, eu vou dar uma olhada na minha agenda e depois acertamos melhor as coisas. ― ele afirmou sorridente com o polegar erguido ― Opa! É melhor irmos, ou vamos nos atrasar.

Daí ele saiu correndo parando aqui e ali no corredor para cumprimentar alguém que falava com ele.

―Então está combinado, eu vou dar uma olhada na minha agenda. ― imitamos irritados.

―Vocês dois comportem-se. ― Ayume, que ainda nos tinha bem seguros pelo colarinho, nos censurou.

―Tá. ― respondi mal humorado.

―É, tudo bem. ― Murilo concordou da mesma forma.

Ayume sorriu e deu um selinho em cada um de nós.

 ― Até depois meninos.

E foi isso, doutora, depois disso não tivemos escapatória a não ser ir à casa dele no dia seguinte.

♠. ♣. ♥. ♦

Os garotos suspiraram em conjunto, e Frank Lorret deixou que eles tivessem um tempo antes de perguntar:

―Bem, e então?

Ele a olharam.

―”E então?” ― repetiram.

―Sim, e então?

―Então nada, nós fomos para a casa dele numa viatura da policia há dois dias, ele nos apresentou a sua diarista, a Sra. Catharina... ― Vinicius respondeu.

―Viatura da policia? ― a doutora interrompeu piscando surpresa.

―Ah é, é porque o pai dele é policial, e ele sempre vai buscá-lo no colégio, parece que desde que ele era pequeno tanto o pai quanto a mãe dele tinham paranoia de que ele fosse “roubado” por ser “bonito demais”, e por isso nunca deixaram ele ir nem até o portão de casa sem a vigilância adequada. ― Murilo explicou, acompanhado de um girar de olhos do irmão ― A mãe dele mora no sul agora, inclusive foi por isso que ele se mudou pra cá, porque ela não podia levá-lo por causa da carreira dele então ele veio morar com o pai e blá, blá, blá, mas pelo menos essa parte foi legal, nós até ligamos a sirene da viatura e tudo.

―Pois é, aí nós quatro fizemos os trabalhos enquanto aquele passarinho doido dele de bochechas vermelhas voava por lá, e a Ayume ficou toda “oh, ele é tão bonitinho!” dá pra acreditar?! ― Vinicius reclamou.

―Não. ― Murilo ergueu as mãos ― O que não dá para acreditar é que ele está mesmo tentando ensinar o pássaro a cantar a abertura de “Rei Leão”.

Vinicius franziu o cenho.

―Afinal o que é que diz no começo da música? Eu sempre quis saber.

Balançando a cabeça de um lado para o outro com um sorrisinho a Dra. Frank disse:

―Pelo o que estou vendo vocês só estão bravos com o Luciano porque ele é um garoto legal, mas vocês têm certeza de que ele tem culpa de algo rapazes?

―Não doutora, o Gringo não é um “garoto legal” ― discordou Vinicius, fazendo aspas no ar com os dedos ― Ele só estava se fazendo de “garoto legal” ― de novo as aspas ― Pra poder conquistar a nossa Ayume!

―Exatamente! ― Murilo concordou de prontidão ― Se não com que outro propósito ele teria começado a falar da mãe dele?

―A mãe dele?

―É! ― responderam.

―E o que tem a mãe dele?

Os garotos suspiraram.

♠. ♣. ♥. ♦

Nós passamos a tarde toda na casa do Gringo e já era até noite quando acabamos o trabalho!

―Já está meio tarde, mas meu pai deve estar pra chegar, se vocês esperarem um pouco ele pode levá-los para casa. ― o Gringo sugeriu quando já nos preparávamos para sair, nos levantando e tirando as coisas da mesa de vidro da cozinha.

―Por mim não tem problema ― Ayume encolheu os ombros.

Enquanto que Murilo e eu nos entreolhamos, pesando nossas opções, se nós ficássemos poderíamos andar de novo numa viatura da policia ― e talvez até ligar a sirene ― o que seria bem legal, mas aí isso significaria mais tempo da Ayume ao lado dele, então será que valia a pena?

―Vocês sabem que poderíamos ter feito o trabalho perfeitamente bem mesmo com cada um em sua casa só enviando as partes um para o outro, não é? ― reclamei

Ayume estapeou-me de leve no braço.

―Para de ser reclamar!

―Tudo bem gente, então eu vou ligar para o meu pai e avisar que estamos esperando ele. ― o Gringo avisou pegando o celular, que tinha ficado tocando “O ciclo sem fim” para nós durante aquele tempo todo e desbloqueando a tela.

―Essa é sua mãe? ― Ayume perguntou inclinando-se sobre o braço dele para ver melhor.

O Gringo abriu um enorme sorriso.

―Sim! ― ele animou-se ― Ela é minha mãe! Mas como você adivinhou?

―Foi só uma suposição...

Ela respondeu pegando o celular dele enquanto nós nos levantávamos e nos inclinávamos atrás de sua cadeira para que também pudéssemos ver o plano de fundo do celular dele, onde mostrava uma foto de uma mulher negra segurando no colo um garotinho loirinho de olhos azuis usando camisa branca e shorts pretos.

Estalamos a língua.

―Gringo, é que geralmente se você tem uma foto de si mesmo criança no colo de uma mulher... ― Comecei a dizer.

―A suposição mais óbvia é que ela seja sua mãe. ― Murilo completou.

―Ah é, acho que sim... Mas na verdade essa foi a primeira vez que alguém supôs logo de primeira que ela é minha mãe. ― ele passou a mão pelo cabelo, fingindo estar sem jeito ― Normalmente as pessoas achavam ou até insistiam que ela era minha babá ou que eu era adotado. Porque nunca fomos muito parecidos entendem?

Nós três voltamos a olhar para a foto.

―Eu sinto muito. ― disse Ayume.

―Nós somos caucasianos como nossos pais e somos adotados. ― Murilo colocou-se de pé endireitando as costas.

Também me coloquei de pé, espreguiçando-me.

 ―Até onde sabemos, nossa mãe biológica pode ser caucasiana, negra, japonesa, indiana...

Encolhemos os ombros.

―Cor de pele não tem nada haver.

―Vocês são legais caras! ― Ele sorriu para nós e pegou o celular de volta. ― Essa foto foi do meu primeiro dia na escola de balé!

Contou-nos rindo.

―Você fazia balé? ― perguntamos abismados.

―Pois é, desde os sete anos, eu e outro garoto éramos os únicos garotos da turma, eu me lembro de que ele tinha um cabelo bem comprido e liso e todas as meninas gostavam de brincar com o cabelo dele, mas eu acabei não durando muito, meu pai teve um ataque de fúria quando descobriu e obrigou a minha mãe a me tirar das aulas, então só durei um ano e meio, mais ou menos.

Ayume franziu o cenho.

―Sinto muito por isso.

Tá vendo só o que nós estamos dizendo doutora? O cara estava claramente manipulando a nossa Ayume!

―Não, tudo bem, pouco tempo depois eles se separaram e minha mãe perguntou se eu queria voltar para as aulas, mas aí eu já estava fazendo aulas de teatro e não quis mais fazer balé, até porque eu só estava no balé antes porque a minha avó era a professora, meu avô sempre diz que se apaixonou por ela quando a viu dançar! ― ele abriu um grande sorriso ― Ele era filho de imigrantes alemãs e ela uma bailarina negra, foi um escândalo quando os dois quiseram ficar juntos.

―Ah, o meu avô, Tatsuki, veio do Japão quando ainda era jovem. ― Ayume contou ― Só que o irmão e o pai dele nunca o perdoaram por isso e cortaram todo o contado com ele, mas acho que ele ainda se fala por cartas com a sua irmã mais nova.

―Que pena...

―Mas você ia gostar dele! ― ela sorriu ― O vovô não tem animais de estimação por falta de espaço na casa, mas todo mês compra uma saca de ração para gato e uma saca de ração para cachorro, e aí todos os dias deixa tigelas de comida e água na frente da sua casa, ele diz que como não pode adotar todos, pelo menos quer fazer o melhor que pode por eles, tem dia que os bichinhos até fazem fila.

―Isso é algo legal de se fazer. ― ele concordou ― Sabe, se eu pudesse teria um gato...

―Socorro! Fui transformado num passarinho! ― o passarinho dele gritou sacudindo as asas de cima da geladeira.

O Gringo riu.

―Mas é claro que eu não adotaria nenhum por causa do Suzaku.

Ayume sorriu.

―O sobrenome do meu avô é Hongo, esse também era o sobrenome de solteira da minha mãe, mas aí ela se casou, adotou o sobrenome Félix do meu pai e eu perdi a chance de nascer com um sobrenome japonês.

―Eu sei exatamente como é isso! ― ele respondeu alegre ― Minha mãe herdou o sobrenome alemão do pai dela, “Zucker”, mas aí ela casou e adotou o nome “dos Reis” do meu pai, ela se divorciou, voltou a se chamar Zucker, mas eu continuei com o “dos Reis”.

―Ah! Entendi por isso o “Lorde Zucker”! ― ela estalou os dedos.

―Exatamente! ― ele respondeu ― Sabe, a mãe do meu pai é Russa, ela veio para o Brasil com os pais quando tinha uns sete anos, mas de novo eu perdi na roleta e meu pai levou o nome do meu avô ao invés do nome russo da minha avó.

―Tripla nacionalidade e nenhum nome estrangeiro?! ― Ayume gargalhou.

―Ei! Não ria de mim!

Ele reclamou empurrando-a de lado e fazendo-a rir ainda mais.

Está vendo só doutora? Manipulação barata, pura e simples!

♠. ♣. ♥. ♦

A doutora apoiou o rosto de lado sobre a mão.

―Então, quando me disseram que estavam mal foi porque Luciano e Ayume ficaram citando as árvores genealógicas deles? ― perguntou gentilmente ― Sentem curiosidade por seus pais biológicos?

―Não, na verdade não. ― respondeu Murilo, como se só pensasse no assunto naquele momento. ― Com isso estamos bem.

―Na verdade essa nossa falta de curiosidade a respeito de nossas origens deve ser até algo bem esquisito, não é? ― ponderou Vinicius ― Mas de qualquer jeito eu não acho que esse seja um problema ou que precise ser tratado, temos um ao outro, nossos pais são ótimos e nos deram mais uma irmã, que nos importa de onde viemos?

Frank Lorret cruzou as pernas.

―No começo dessa consulta vocês me disseram que estavam mal, mas até agora não ouvi nada que possa me dar uma dica do por que, vocês com certeza não estão se sentindo mal por estarem zangados com Luciano sem ele ter feito nada...

―Ah! Mas ele fez alguma coisa sim! ― afirmaram zangados.

―Fez? ― arqueou a sobrancelha ― E o que foi?

Os dois gêmeos a olharam, e então suspiraram curvando-se lamentosamente para frente.


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Notas finais do capítulo

Então... Luciano é ou não é um cara gente boa? Colocou a Verônica no lugar dela de um jeitinho todo dele =^.^=
Ah, a fanfic "O Lobo da China" é uma fanfic escrita pela autora Asryah, disponível aqui:
https://fanfiction.com.br/historia/598069/O_Lobo_da_China/
e aqui:
https://www.spiritfanfiction.com/historia/o-lobo-da-china-5344072?fbclid=IwAR3A_BBnV9TDGRMueERf7fND8RxAkX9tANVnYTx4kUbphQAz-_zHdxRmdKg
E... Ah sim, eu finalmente publiquei os desenhos de alguns dos personagens da história (depois de mil anos kkkk), estão aqui nesse link: https://twitter.com/Fl0r_D0_De5ert0/status/1129423674828886016
Não sei porque a imagem do Lucian saiu tão manchada no Twitter, no Face saiu certinho :/



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