Lucila escrita por Nucha Rangel Braga


Capítulo 30
XXX – Blecautes




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                RICKY E JOSÉ entram no quarto, assustando os meninos.

                - Temos que ir embora daqui, agora – diz o caseiro – A tempestade piora e a previsão do tempo avisou de um vendaval chegando. É muito arriscado ficarmos aqui.

                Sergio suspira, aliviado; pensou que haviam descoberto tudo! Antes um problema desse do que saberem duma mulher com asas...! Quem acreditaria que ela não é um monstro? Aproveitou que José dizia aos outros o que fazer para saírem dali e puxou Ricky em um canto fora do quarto:

                - Tia Nena...?

                - Consegui acalmar, mas continua desconfiada. – E olhou para Robert, completando: - E agora não é só ela.

                - Eu vi; ele quer dar uma de moleque, isso sim. Se traquinar demais, falo dois pontos para o McGillins e ele perde até as férias!

                - Vai com calma... Ele é pequeno, você sabe que o chefão não gosta de implicância e de todo jeito, a barra está suja para o nosso lado.

                - Pode até ser. Mas se ele continuar com gracinha, acerto umas com ele...!

                Rubem vem escondido até eles.

                - Que foi, hein?

                - Vamos embora daqui para algum lugar; um hotel, ou onde McGillins mandar.

                - Heh, torça para não ser a casa dele – disse Rubem – Daí é que a gente não vai nem no banheiro sem ser vigiado!

                - Puta merda, mais essa... – reclamou Sergio, passando a mão no cabelo. Notou Robert encostado na porta do quarto.

                Calado. Escutando. Sério.

                Os três o observam. E se encaram.

                José passa por eles, descendo as escadas com uma lanterna, da-lhes ordens de cuidado. Eles o ouvem sair, a porta de vidro do terraço estala do vento. Tudo escuro na casa. Mas eles conseguem se encarar.

                Ralphy não sai de onde estava, chora. Ninguém fala nada, só se olham. Ninguém gosta do que vê.

                                            xxx

                - VÁ EMBORA!! VAI EMBORA!! VAI EMBORAAAAH!!

                - O que há com ela, Plácido?

                - Não sei... Não sei.

                Apavorados, o casal não se mexe detrás do carro de jardim que ainda está na garagem. A jovem grita, voa cegamente pela sala, olhos vidrados, parece aterrorizada.

                - Será que é um pesadelo?

                - Seja o que for, se prepare para correr.

                - Mas não podemos deixa-la assim...

                - Ollie, não podemos com ela! Está sem controle! – E dando-se conta da grade do terraço aberta para a sala, o veterinário se esgueira por baixo do carrinho e puxa as grades, trancando por fora.

                - Amor, Eartha e Corto estão na casa!

                - Fique aqui! Pelo amor de Deus, não abra essa grade! – ele avisa e sai pela frente da varanda, dando a volta até á cozinha.

                A chuva pesa ainda mais, as ruas começam a alagar. Há lama escorrendo pelo gramado que rodeia a casa, no escuro, Plácido não sabe onde pisar. Escorrega, se suja. Tem medo de que alguém o veja, olha em volta, mas a chuva é tão grossa que não se vê nada próximo. Tudo sem energia, as ruas, as casas, tudo. Se alguém ouviu os gritos da menina...

Ele pula o muro da cozinha, destranca a porta da copa e os bichinhos vêm assustados para seu dono. Um em cada braço, mas como voltar pelo muro, com eles? Só pode voltar por dentro da casa. O espaço entre o muro e a porta nem dá para quintal; alagando, ele vê  lama entrando por baixo da porta, ali é mais baixo que a frente da casa.

                Os gritos dela são horrendos, urros sem sentido, sem palavras. Só terror. Plácido fecha a porta atrás de si, e se esconde na cozinha. Atrai os bichos para perto dele, acha a gaveta dos talheres. Pega uma faca de peixeiro. Tranca os bichos na cozinha e se arrasta pelo corredor. Algo se quebra na sala, ela bateu em alguma coisa. Um relâmpago ilumina tudo por segundos. Ele vê uma mancha escura no chão. Lama, o quê? Aquilo o desespera! Ele grita:

                - OLIVIA!!

                De repente, a jovem surge flutuando no corredor, olhos brilhando como os de um gato. A longa cabeleira desgrenhada, o corpo descoberto, as asas delgadas planam escancaradas. Ela é gigantesca!  Quase uiva:

                - ...Papai?

                Sua voz parece um rosnado. Uma criança rosnando. Ele sente-se apertar o cabo da faca na mão. Ela flutua no final do corredor. Parece congelada, os olhos fixos nele... Do terraço, Olivia bate na grade, gritando pelo marido! A jovem voa  na direção dela e Plácido a persegue:

                - Não, NÃO!!!

                                                   xxx

                Morto de sono, o delegado tentou ler o quanto pôde das anotações do doutor Vicente. A lanterna cai de sua mão mais de uma vez, e exausto, desiste de continuar. Cético, não se assusta com a tempestade. Lembra-se de ligar para um dos meirinhos. Só então descobre que os telefones pararam de funcionar. “Tudo bem, usar telefone num tempo desses é perigoso mesmo. Durmo aqui.”, pensou. Guardou os cadernos em sua gaveta, encadeou-a e deitou-se no sofá. Barulho de raios, relampeja... Trovoes. Ele tem uma intuição. Põe o revólver ao lado do sofá.

                Só dali percebe a água entrando por baixo da porta dos fundos. “Merda! Chuva aqui dentro agora...!”.  Levanta e procura panos de chão no banheiro... No chuveiro, a água está entrando pelo ralo. Uma água imunda, escura.

                - Que merda é essa?! Alagando aqui?!

                                                    xxx

                - Para de chorar, babaca! – reclama Robert. – Você devia estar feliz. A gente vai para casa.

                Ralphy não responde. Está silencioso, muito assustado. Ele é o mais novo de todos e sempre sente que não sabe se defender tão bem como os colegas. Para ele, os outros são sempre mais valentes. Não olha para o colega de quarto, jogando roupas na mochila. Todos eles estão fazendo malas às pressas, uma para cada. A ironia do amigo o incomoda e ele não fala. Aliás, não fala há horas.

                Robert resmunga alguma coisa. Veste um casaco, senta na cama e olha a mochila pronta. Furioso, porque acha que eles vão mesmo para o apartamento do empresário e lá, ele não vai ter liberdade de jeito nenhum. Tudo culpa dos “grandões”, ele acha. Então tem uma ideia...

O caçula não o percebe deixar o quarto. Ele escapa para o térreo. No escuro, mas  com a visão acostumada, ele confere em volta e os outros ainda estão no primeiro andar. D. Nena deve estar no quarto dela, ou José já a levou para o carro... “Eu não vou para a casa do McGillins”, pensou. “Não fico preso lá de jeito nenhum...”.

                Consegue passar escondido pelo oitão até o local onde ficava o carro de jardinagem.

Ali atrás, há as bicicletas deles. 

A mansão é num ponto mais alto do terreno, como uma colina. Dali, o garoto vê que está alagando em volta... Os cachorros estão presos nos viveiros, latem agitados com o barulho da chuva forte. O vento piora,  Robert lembra do aviso de José sobre o vendaval! O pensamento estala!

Um instante sem vigilância no portão e ele aproveita a saída de garagem aberta, ganha a rua, pedalando sobre poças enormes. O vento gelando, o casaco do garoto ensopa, pesando cada vez mais. O cabelo liso encharca, espalha no rosto dele espetando como agulhas finas. Tudo o domina e ele nem pensa mais. Só não quer mais ficar preso.

Pega uma rua que sabe no instinto aonde vai dar. As ruas enchem de água. A  chuva não diminui nunca, o vento rasga, balança as árvores como roupas num varal! Não vê nada, segue o caminho que sabe sem pensar.

Na casa, D. Nena sente o vento entrar... Tem algo aberto! Quando vai até a sala, grita ao ver a porta de vidro escancarada! Os meninos descem para acudi-la.

A porta de vidro aberta. Só quatro deles.

— Roba não está no quarto... – Diz Ralphy, chorando.

Da varanda, Ricky vê o portão de garagem aberto.

ABERTO!


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