Brazilian Batman escrita por Goldfield


Capítulo 2
Capítulos 2 e 3




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Capítulo 2

Maturidade.

1996. Bruno conta então 18 anos.

Assoviando baixinho, o mordomo Alfredo passa uma enceradeira pelos vastos corredores da Mansão Vale. Em um radinho colocado sobre o beiral de uma janela toca a música “Tempo Perdido”, do Legião Urbana. Concentrado em sua tarefa, o empregado caminha lentamente, certificando-se que o chão fique brilhando. Porém, ao passar diante do quarto do órfão, o que vê dentro dele chama sua atenção: o rapaz, muito compenetrado, está sentado diante de sua escrivaninha, redigindo algo usando uma máquina de escrever.

Intrigado, Alfredo entra no cômodo e se aproxima silenciosamente. Por alguns segundos o som do bater das teclas torna-se o único no ambiente. Bruno logo percebe a chegada do mordomo, mas não descuida de seu trabalho, até que ele pergunta:

–         O que está fazendo, patrão Bruno?

–         Estou escrevendo uma carta para o Presidente da República – explica o jovem sem se voltar.

–         Para o presidente? – Alfredo franze as sobrancelhas.

–         Exato.

Ambos permaneceram algum tempo calados. O empregado passou a enceradeira pelo quarto e antes de sair, virou-se novamente para o rapaz e informou, ajeitando seu uniforme:

–         Ah, o senhor seu amigo Haroldo Dias ligou. Ele sai de férias hoje da faculdade e gostaria de conversar com você assim que possível.

–         Obrigado, Alfredo. Eu ligarei para ele logo mais.

–         Sim, senhor...

O mordomo finalmente se retirou, e Bruno voltou a ficar só, estando quase concluindo a tarefa de redigir aquela carta. Não podia negar sua satisfação em relação a ela. Achava que conseguira expressar muito bem seus pensamentos sem deixar que as emoções interferissem de forma negativa. O texto era coeso, sincero e exprimia muito bem as reflexões que o milionário vinha tendo já há algum tempo.

Na tarde daquele dia, Bruno encontrou-se no jardim da propriedade com seu amigo de infância Haroldo Dias, estudante de Direito. Um homem de fibra e nobres convicções, pretendia se tornar promotor público no futuro. Sentado junto com Vale num banco perto de um arranjo de azaléias, o aspirante a bacharel começou a desabafar para aquele que era uma das pessoas em que mais confiava:

–         O curso está ótimo, mas... Todos falam que sou muito idealista! É consenso geral que eu nunca serei capaz de mudar nada, seja nas estruturas do poder ou da justiça...

–         Estudantes de Direito também são clientes dos traficantes de drogas, Haroldo, assim como universitários em geral – murmurou Bruno. – Eles não querem mudar as coisas porque não lhes convêm...

–         Eu entendo como você se sente quanto à morte de seus pais, sofrendo todos esses anos com uma sensação de impotência... É por isso que quero ser promotor, Bruno. Pretendo evitar que barbáries como essa se repitam!

Vale deu um tapa no ombro do amigo, e depois disse, olhos fixos no chão de pedra:

–         Ao longo de todos esses anos, tentei pensar numa maneira de fazer justiça, sem cair no marasmo que tomou nosso poder judiciário... O homem que atirou em meus pais nunca foi identificado. Mas há mais indivíduos como ele lá fora, Haroldo. Muitos deles, proliferando como parasitas num hospedeiro propício e muitas vezes indiferente. Eu quero encontrar uma maneira de tirar os criminosos de circulação, uma forma de aterrorizar homens que matam pais de família voltando do trabalho ou metralham indefesos meninos de rua nas escadas das igrejas!

–         E como você pretende fazer isso? – questionou Dias, muito interessado.

–         Tal resposta não poderei encontrar aqui, num ambiente onde o crime se espalha e é incentivado por tantos fatores... Eu tenho de viajar, Haroldo, sair pelo mundo em busca de uma maneira de estabelecer o equilíbrio nesta cidade tão necessitada!

O estudante de Direito se limitou a assentir com a cabeça. Se seus colegas de faculdade o achavam idealista, então para eles Bruno seria a própria personificação das idéias sonhadoras. Entretanto, era preciso tomar uma atitude, empreender um esforço para mudar as coisas. Pois, enquanto os homens de bem continuassem a baixar a cabeça diante das injustiças e da violência, a situação tenderia apenas a piorar.

Bruno despejava suas gavetas de roupas dentro das duas grandes malas abertas sobre a cama. De pé junto à porta, Alfredo apenas observava, reprovando todas as ações do rapaz desde o momento em que decidira fazer aquela viagem. Vendo que ainda não conseguira persuadir o órfão a desistir, e na verdade sabia que não o conseguiria, o mordomo voltou a protestar:

–         Você não pode fazer isso! Está jogando no lixo todas as chances que seus pais lhe deram! Não pode dedicar sua vida em nome de uma cruzada egoísta!

–         Não é uma cruzada egoísta, Alfredo, é uma cruzada pelas pessoas que todo dia evitam determinadas ruas e becos com medo de assaltantes ou constroem muros diante de suas casas para se sentirem mais seguras! – Vale estava mesmo determinado. – Essa seria a vontade de meus pais!

–         Sinceramente, eu questiono esse ponto de vista, senhor!

E, extremamente desapontado, o empregado retirou-se rumo ao corredor.

Sozinho no cômodo no qual dormia desde pequeno, Bruno apanhou de cima da escrivaninha a carta que escrevera para o presidente. Antes de também colocá-la no interior de uma das malas, leu rapidamente um dos trechos dos quais mais gostara:

Nos dias de hoje, neste mundo tão conturbado em que vivemos, uma coisa que está ficando cada vez mais comum é o aumento do comodismo e conformismo do ser humano. Vivendo de forma tão padronizada, as pessoas aceitam quase tudo que lhes é imposto, seja bom ou ruim.

A mídia e a sociedade contribuem para isso. São tantas cenas fortes e sensacionalistas na TV, propagandas cheias de apelação, programas que incentivam a imbecilidade das pessoas... Nós, infelizmente, acabamos nos acostumando a essa imposição injusta. Não nos surpreendemos mais com as guerras, catástrofes naturais, crimes bárbaros, prostituição infantil... Tudo isso se tornou tão banal que as pessoas não se importam mais com a vida alheia, tornam-se vazias, acostumadas a um sistema cruel e mesquinho.

Não podemos ser acomodados, fechando os olhos para isso. É preciso mudar a consciência das pessoas. O ser humano tem que lutar contra aquilo que lhe faz mal. A vida moderna tem suas imposições, que precisam ser vencidas. Cabe a nós a tarefa de criar um mundo melhor para vivermos melhor.

Uma lágrima rolou por sua face. A imagem dos pais mortos voltou a assombrar sua mente. Ele precisava vingá-los, fazer algo pelos fracos e oprimidos. Aquela viagem seria o início de sua guerra contra o crime, a violência e a corrupção. Traficantes de drogas, assaltantes, estupradores, seqüestradores, chantagistas, assassinos... Todos pagariam.

A sombra do Cavaleiro das Trevas começava a ser projetada sobre a vida de Bruno Vale...

O jovem partiu naquela mesma noite, tomando um ônibus com destino a Juiz de Fora, Minas Gerais. De lá rumou para Belo Horizonte, onde passou alguns dias, e nesse ínterim visitou as cidades históricas da região. A jornada continuou até Brasília, a isolada capital brasileira. Influenciado pelo clima quente do cerrado, Bruno teve um pensamento que poderia auxiliar e muito sua missão. Decidido, rumou para a região norte, atravessando o Tocantins e o Pará. Nesse último estado testemunhou os conflitos de terra e a violência rural que dominavam a área, constatando que a agressão dos mais fracos pelos mais fortes, em suas diferentes formas, ocorria em todo e qualquer lugar.

O milionário, que agora já se assemelhava a um mendigo devido a suas vestimentas e trajetória errante, adentrou o Amazonas seguindo o curso do rio homônimo. Em Manaus, ao contemplar o imponente teatro, construção proveniente do início do século, lembrou-se de como os pais adoravam aquele tipo de espetáculo em vida. Logo após sua estada na capital amazonense, Bruno passou a seguir o leito do rio Negro, e durante três dias e três noites acampou aos pés do Pico da Neblina. Avançando em meio à floresta equatorial, alguns dias depois, pegando carona com um grupo de madeireiros, o rapaz penetrou em território colombiano, seu objetivo.

Capítulo 3

O treinamento.

Já era início de 1997.

A selva aparentemente interminável do interior da Colômbia era volta e meia ferida por clareiras de diferentes tamanhos. Numa delas, junto a uma pouco cuidada estrada de terra, existia um pequeno povoado de casas rústicas e pessoas simples. Remontava ao século XIX e tinha o nome de “Los Soldados”.

A rotina dos moradores era tranqüila e praticamente uniforme: enquanto as mulheres, com seus cabelos presos por lenços de variadas cores, iam lavar roupa numa lagoa próxima, os homens trabalhavam no campo com suas enxadas e foices, cada um contribuindo para a produção que era todo dia levada por um caminhão até uma cidade não muito longe, onde seria vendida no mercado. As famílias tinham seu sustento naquele valioso dinheiro ganho com suor e sangue, porém os tempos estavam cada vez mais difíceis...

A guerrilha vinha trazendo morte e terror à região. Muitas vezes seus integrantes, munidos de armas de fogo, assassinavam inocentes sem qualquer razão aparente. Os mais velhos se perguntavam se era o calor tropical ou a revolta contra o governo o fator responsável pelos atos bárbaros. Sabiam com certeza apenas que, quando os guerrilheiros visitavam a vila, a desgraça os acompanhava em seus veículos motorizados.

Naquele dia de sol havia um forasteiro no lugarejo, e felizmente não pertencia à guerrilha. Era tampouco colombiano ou latino. Tratava-se de um francês que freqüentemente visitava o povoado e por isso possuía certa amizade com alguns dos habitantes. Havia dúvida se ele trabalhava para a ONU, a Cruz Vermelha ou a CIA, se apresentava algum programa sobre vida selvagem num canal de TV estrangeiro ou se simplesmente não passava de um aventureiro sem rumo. Na realidade, aquelas pessoas simples não desejavam saber. Ele era alguém que as tratava com cordialidade e muitas vezes lhes fazia o bem sem exigir nada em troca.

Mas tinham conhecimento de seu nome: Henri Ducard. Homem de barba e músculos. Aparência de caçador.

–         Como vai a vida, senhor Pablo? – perguntou ele a um senhor sentado numa cadeira de balanço diante de sua humilde casa.

–         Todo está muy bien – o ancião respondeu. – O que o traz aqui, señor Ducard?

–         Eu possuo um instinto incontrolável de sair pelo mundo procurando pessoas que necessitem de um guia... – murmurou o francês, retirando uma caixa de cigarros de sua mochila. – Acho que é minha sina...

–         Mas nenhum lugar ou pessoa já chegou a retê-lo, señor? – inquiriu o velho com curiosidade, riscando um fósforo para acender o cigarro que Henri agora levava à boca.

–         Sim, confesso... – o olhar de Ducard parecia distante. – Mas não mais...

O estrangeiro deu uma tragada e em seguida soltou a fumaça pela boca. Como era bom fumar... Os cigarros eram companheiros muito fiéis.

Súbito, o senhor desviou os olhos do forasteiro, parecendo estar muito apreensivo em relação a algo. Levantando-se rapidamente, caminhou alguns passos até um agricultor que passava ali correndo, tão preocupado quanto o homem de mais idade. O idoso perguntou-lhe, voz carregada de medo tão tangível que Henri achou que ele seria até capaz de cuspi-lo:

–         São eles?

–         Sí, sí!

Ducard pensou que o velho fosse desmaiar, e só então ouviu o som de motores chegando cada vez mais perto. Eram jipes, talvez cinco ou seis. Vinham velozmente levantando poeira pela estrada, e logo entraram no campo de visão dos camponeses. Havia cerca de quatro guerrilheiros armados com fuzis AK-47 em cada carro, caras fechadas e ameaçadoras. Aquilo não ia acabar bem...

Os veículos estacionaram no centro da vila, e nisso boa parte dos moradores já havia se refugiado dentro de suas casas, olhando para os recém-chegados disfarçadamente através das frestas das janelas e portas agora fechadas, algumas até trancadas. Henri, sem ser intimidado, permaneceu imóvel observando os soldados rebeldes saindo dos jipes, alguns gritando palavras de ordem. Vestiam calças e camisetas sujas, tendo nos pés botas roubadas do Exército, se bem que um ou dois estavam descalços. Rastreando o povoado com os olhos, eles buscavam alguma vítima que não conseguira correr para dentro de alguma das construções.

Logo a encontraram: uma garota de dezesseis anos, belo corpo e vestido rasgado, que tropeçara num galho cravado no chão e não conseguira acompanhar seus irmãos menores para dentro de casa. Antes mesmo que pudesse se recuperar e continuar a fuga foi agarrada em cada braço nu por um guerrilheiro, sendo arrastada esperneando e gritando até o aparente comandante do bando, que usava farda.

Os dois soldados pararam diante dele ainda segurando a moça, que tinha a cabeça baixa. O chefe então se aproximou e levantou a face da jovem com a mão direita, fitando-a nos olhos raivosos por alguns segundos antes de deixar que ela a reclinasse novamente. Sondando ao redor e tendo ciência de que dezenas de pessoas amedrontadas atentavam para cada um de seus movimentos, o líder dos invasores exclamou, andando em círculos:

–         Nós recebemos uma denúncia de que este vilarejo tem contribuído com o governo, fornecendo informações sobre o movimento de nossas tropas!

Ele apanhou uma pistola calibre 45 que estava num coldre em sua cintura, engatilhou-a e prosseguiu:

–         Nossa guerrilha é a única esperança dos necessitados deste país, porém ainda há pessoas ignorantes que se negam a vê-la como instrumento de libertação! Elas não enxergam que os camponeses não podem se defender das agressões burguesas sem um braço armado! Por isso é necessário que exemplos drásticos sejam demonstrados!

O comandante apontou a arma na direção da garota, que agora chorava desolada.

–         Se os traidores que informaram o governo não se entregarem imediatamente, esta menina vai pagar com a vida! Contarei até dez...

Houve espanto e revolta gerais, mas ninguém tinha coragem de interferir. Todos sabiam que não havia informante nenhum na aldeia, aquele crápula ia matar a refém de qualquer jeito. Empregava aquele terrorismo para sempre manter aquelas pessoas sob controle, certificando-se que nunca trairiam o movimento guerrilheiro. Os auto-intitulados “guardiões dos camponeses” eram tão perversos e mesquinhos quanto os soldados do governo, senão piores.

–         Uno...

–         Você não pode fazer isso! – uma voz abafada berrou vinda de uma das casas.

–         Dos...

A menina suava, corpo todo trêmulo. Começou a rezar muito baixinho, rogando para que Nossa Senhora a livrasse daquela situação...

–         Tres...

–         Por favor... – alguma mulher choramingou.

–         Cuatro...

Ducard ainda estava na mesma posição de antes, assistindo. Conhecia muito bem aquele tipo de ser humano. Utilizavam o medo para firmarem seu poder. O medo... Uma arma mais poderosa do que qualquer outra, se utilizada com maestria... E, para o infortúnio dos pobres camponeses, aqueles guerrilheiros o sabiam muito bem.

–         Cinco...

De repente, alguém se manifestou de forma mais efetiva. Ironicamente, foi um integrante da própria guerrilha. Saindo do meio dos companheiros, um rapaz de boina sacou uma pequena pistola 9mm e a apontou na nuca do comandante antes que ele se virasse. Sentindo o frio cano da arma roçar sua pele, o chefe do esquadrão rebelde ouviu o oficial insubordinado ameaçá-lo num ímpeto tão intenso que seus olhos até brilhavam:

–         Abaixe essa arma ou seus miolos vão servir de demarcador de terra!

–         O que pensa que está fazendo, soldado? – perguntou o líder sem obedecer, muito menos piscar.

–         Apenas o que é preciso! Agora abaixe já essa maldita arma!

O chefe obedeceu, colocando a pistola em terra. Depois ergueu os braços, rendido, mas sem demonstrar temor nem raiva. Pressionando o cano da 9mm contra a cabeça do superior, o herói do dia gritou para os dois colegas que seguravam a jovem pelos braços:

–         Soltem-na!

–         Ficou louco? – grunhiu um deles.

–         Soltem!

A dupla jogou a moça no chão, a qual gemeu e, depois de se levantar, correu segura até sua morada e entrou, sendo abraçada com força pela mãe e os irmãos. Agora aqueles covardes não possuíam mais uma refém, e o bom-samaritano só tinha de pensar numa maneira de escapar dali vivo.

Ducard sorria, contemplando o formidável teatro. Se a situação fosse mais leve, ele com certeza bateria palmas.

–         Não vai sair bem dessa, brasileño! – um soldado murmurou.

–         Quer apostar?

Era costume em países como a Colômbia desafiar o oponente para um duelo em casos como aquele. Mas o brasileiro que impedira a execução da jovem não pretendia matar ninguém. Ele jurara. Mesmo com todos aqueles guerrilheiros querendo devorar seu fígado, ele teria de se defender empregando meios não-letais.

De alguma maneira, Ducard notou isso. E se perguntou como o traidor sairia dessa. Ele olhou atentamente ao redor. Examinou e levou em conta as possibilidades existentes.

Os olhos do herói repentino pousaram brevemente sobre algo ao lado de uma das casas. Ele disfarçou. Por sorte os soldados, mais preocupados em apontarem os fuzis em sua direção, não perceberam e assim não deduziram seu plano. Mas Henri sim.

Determinado e confiante, o rapaz agarrou o líder pelo uniforme e, usando-o como escudo com a pistola ainda mirada em sua nuca, começou a caminhar num determinado rumo. Os combatentes o acompanharam movendo as armas, prontos para puxarem o gatilho a qualquer descuido do inimigo. Ele seguiu até a casa que fitara, ao lado da qual, atrás de uma bananeira, havia uma moto antiga, porém em bom estado, ignorando-se a sujeira. Sem andar, ainda apontou o cano engatilhado para o superior por mais um minuto, para em seguida iniciar uma rápida seqüência de ações: primeiramente fez o biltre desmaiar com uma coronhada na cabeça, depois saltou sobre a motocicleta e, sem pestanejar, deu partida.

As balas vieram imediatamente às suas costas, assim como previra. Porém arrancou velozmente com o veículo, e elas chegaram no máximo a atingir a placa manchada de lama na traseira. Ducard observava sorrindo. Acelerando, o brasileiro contornou a casa e, quase em cima de um dos guerrilheiros, deu-lhe uma rasteira esticando a perna esquerda. Mais tiros, porém a velocidade da moto tornava aquele que a guiava um alvo difícil. Logo desapareceu de vista pela estrada de terra, deixando para trás rebeldes enfurecidos soltando xingamentos e um francês incrivelmente admirado e satisfeito...

Algumas horas depois, o jovem, na verdade o milionário errante Bruno Vale, estava descansando à beira de um rio não muito longe de uma sonora cachoeira, deitado junto à margem sem camisa e com os pés descalços, a moto estacionada a poucos metros de distância, junto a uma pedra. A fresca e saborosa sombra das árvores lhe recompunha as forças, enquanto pensava em qual seria o próximo passo de sua viagem...

–         Deu um espetáculo e tanto lá no vilarejo, senhor Vale!

Bruno levantou-se de súbito, vendo que fora pego desprevenido. Voltando-se para trás, deparou-se com o homem de sotaque francês autor da frase. Era Ducard, com os braços cruzados e uma expressão ladina no rosto. Ainda incerto se aquele estranho representava ameaça ou não, o órfão perguntou:

–         Como sabe meu nome?

–         Os telejornais sensacionalistas do seu país têm certa repercussão no exterior, e eles noticiaram bastante o desaparecimento do playboy mais famoso do Rio de Janeiro!

Aparentando ignorar tanto o europeu quanto seu comentário, Vale andou até o rio e molhou os pés na parte rasa. Depois apanhou um pouco de água com as mãos e lavou a face, ouvindo Henri se apresentar:

–         Chamo-me Ducard. Sou um aventureiro, assim como você.

–         Eu não sou um aventureiro! – exclamou Bruno.

O francês sorriu.

–         E o que é então?

–         Sou um homem que busca meios de combater a injustiça e os criminosos.

–         E pretendeu fazer isso se associando a guerrilheiros hipócritas que compram seus armamentos com o capital advindo das drogas que vendem?

O rapaz voltou para a margem agitando os cabelos para secá-los. Depois lançou um olhar duro para Ducard e explicou:

–         Eu me infiltrei entre os criminosos para saber como eles pensam, como agem. Assim será mais fácil combatê-los!

–         Os justiceiros caminham sobre uma linha tênue, senhor Vale. Eles precisam ter muito cuidado para não acabarem se transformando naquilo contra o que lutam.

Bruno vestiu sua camisa e botou a boina, sentando-se na pedra ao lado da motocicleta para calçar as botas. Henri caminhou até ele olhando as unhas de uma mão e afirmou:

–         Você precisa de orientação, meu jovem. Necessita de um guia. Alguém que o treine para que realmente possa se tornar o flagelo dos bandidos, o terror de homens como aquele que matou seus pais.

Então ele também sabia a respeito da morte do casal Vale... Que propício. Bruno ainda tinha muitas ressalvas quanto àquele misterioso indivíduo, porém ele talvez pudesse mesmo auxiliá-lo em sua cruzada. Ouvira uma vez que as pessoas mais importantes de nossas vidas aparecem inusitadamente. Provavelmente era verdade, e o milionário decidiu dar uma chance a Ducard, mas sempre com um pé atrás.

–         E que tipo de treinamento você pode me oferecer?

Rápido como um relâmpago, Henri aplicou uma rasteira no brasileiro e imobilizou-o sobre as folhas no chão com uma das mãos, pressionando-lhe o tórax sem que fosse capaz de levantar.

–         O melhor! – riu o francês.

Assim Ducard adotou o jovem Bruno Vale como pupilo. Durante um período de aproximadamente cinco anos, eles permaneceram vagando pela selva amazônica, com o mestre dando os mais variados tipos de tarefas e desafios para seu seguidor. Também o ensinou e aprimorou-o em muitos estilos de luta: karatê, ninjutsu, judô e, mais notadamente, capoeira.

–         A capoeira é uma arte bela, leve e mortal! – disse Henri num dia em que ele e Bruno treinavam numa clareira. – Ela foi difundida no seu país pelos escravos negros, era a forma que tinham para se defenderem da opressão dos capatazes e capitães do mato! Agora, em posição!

Vale, ansioso por aprender, colocou-se sem demora em pose de combate, mas o professor derrubou-o ainda mais rápido utilizando um doloroso jogo de pernas.

–         Você ainda tem muito a aprender! – murmurou, fitando o rapaz caído no chão empoeirado.

Além da luta corpo-a-corpo, Bruno aprendeu a utilizar armas indígenas. Com a ajuda de Ducard, aperfeiçoou-se no manejo do arco e flecha e de alguns artefatos arremessáveis com as mãos. Aos poucos sua pontaria se tornou praticamente infalível, e ele era capaz de atingir um galho de uma árvore a uma considerável distância. Também evoluiu sua resistência: várias vezes Henri fez o jovem correr nu pela mata durante fortes tempestades, para que ele aprendesse a combater a dor, o frio e o cansaço. Para aprimorar suas técnicas de sobrevivência, Ducard privou-o muitos dias de comida, e Bruno foi obrigado a caçar e coletar seu próprio alimento.

Enfim, o tempo passou e o herdeiro da família Vale tornou-se um homem forte e ágil como poucos. Alguém realmente capaz de levar a cabo a missão que tinha em mente desde a noite trágica aos oito anos de idade.

O treinamento estava praticamente concluído, restando apenas a prova final. O diploma de Bruno seria poder regressar ao Rio de Janeiro para pôr fim à violência e ao crime.

Continua... 


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