Estava sentado do lado de fora da cafeteria, lendo um livro qualquer e comendo uma torta de maçã, quando escuto o som de um piano. Há anos que eu frequentava o lugar, tanto que já era amigo do dono, Emery. O local era pequeno e aconchegante, não muito movimentado nos dias de semana. Havia um balcão onde se faziam os pedidos, mesas espalhadas por todo o lugar e um piano de calda no canto, empoeirando com o grande tempo de desuso. Ninguém tocava aquele piano havia anos, pois depois da morte de Asia, a esposa de Emery e dona do instrumento, o viúvo proibiu que sequer tocassem nele.
Curioso, decidi entrar e ver quem se aventurara a tocar o piano. A música, consegui reconhecer, era a Sonata Número 16 em C Maior de Mozart. O indivíduo tocava com tamanha habilidade, que me espantei ao descobrir que era uma garota não muito mais nova do que eu. De costas, só consegui ver seus longos cabelos loiros e lisos e a roupa que vestia. Usava calças jeans, um suéter branco grande demais para seu corpo pequeno e um laço rosa no cabelo. Ela tinha deixado um copo de café em cima do piano e um par de luvas pretas estava depositado ao lado. Suas botas estavam sujas de neve que começava a derreter e a formar manchas no tecido.
Parei no balcão encostando a cintura nele, tirei os olhos da garota e os fixei em Emery.
- Quem é a pianista?
- Você se lembra de que Asia e eu tivemos uma filha, não é?! – perguntou – Quando entrou na faculdade foi morar no exterior e agora que terminou o curso, voltou para morar comigo.
A felicidade estava estampada no rosto dele. De repente me lembrei de certa manhã em que vi Emery apoiado no balcão tomando café e observando a foto de uma menininha loira e sorridente, segurando um gato preto nas mãos.
- Ela toca tão bem quanto a mãe. Qual é o nome dela?
- Jasper sempre apressadinho, não?
- Eu não estou pensando em sair com ela! – protestei – Afinal, ela é sua filha e eu te respeito.
Ele colocou as mãos para o auto em sinal de defesa.
- O nome dela é Annabel. – respondeu. Até então não tinha percebido que a garota havia parado de tocar e vinha andando em nossa direção. Ouvi Emery comentar algo sobre como ele não se surpreenderia se um dia eu a convidasse para sair, mas eu nem estava mais prestando atenção. Tudo o que eu via eram aqueles olhos caramelos esverdeados olhando diretamente para mim debaixo de um par de óculos pretos.
- Olá – cumprimentou Annabel.
- Como vai Bell? – perguntou o pai – Este aqui é Jasper. – Falou apontando em minha direção – É um cliente muito antigo daqui.
-Meu pai me trazia aqui quando eu era pequeno. Depois que cresci comecei a frequentar o lugar sozinho, todas as manhãs antes do dia começar de verdade.
- É um prazer conhecê-lo. Mas, agora tenho que voltar para casa e pensar em um jeito de arrumar a bagunça que esse aqui fez – Ela fez um gesto indicando Emery – Vejo você depois, pai. Até outro dia Jasper.
- Até mais. Ah, pode me chamar de Jass.
Annabel deu um sorrisinho em minha direção e caminhou em direção a porta colocando as luvas pretas em suas mãos delicadas. Ao abrir a porta, uma corrente de vento fez seu cabelo esvoaçar. Rapidamente, passou por ela e a fechou, levando consigo o começo de uma história.