Coração de Porcelana escrita por Monique Góes


Capítulo 29
Capítulo 28 - Dois Anos Atrás


Notas iniciais do capítulo

Já adiantando, houve outra mudança em uma casa real.
A família Dalca, que seria a da Rainha Natasha - mãe dos meninos -, situada na Romênia, passará agora para a Alemanha, e Dalca agora será von Strahl. A localização foi mudada principalmente por causa da proximidade da Romênia com a Russia - domínio dos Tenov - e pelo fato de o paganismo Alemão conter muitas semelhanças com o nórdico - o que de certa forma é importante na fic.
Assim, o nome de alguns personagens vão mudar. O da Nathasha será Annelise, o da Stephania ainda não decidi. Mas, bom, é isso!



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Capítulo 28 – Dois Anos Atrás

Victoria achava que sua cabeça iria explodir.

Desde que fora falar com Kisaiya, estava ouvindo vozes. Quer dizer, não exatamente falantes... Elas diziam algo, mas aos sussurros. Sussurros em línguas que não reconhecia, e quando saíram de Dhor Faldor, as coisas pioraram.

O vento açoitava-os sem dó, e os cavalos estavam com dificuldade em avançar diante à neve enquanto desciam a encosta da montanha, dando-lhe a vontade de ser a Elsa e o frio não incomodá-la, mas não tinha exatamente aquela escolha.

Os anões não estavam brincando quando disseram que suas sacolas dariam tudo que precisaria. Pelo que entendera, era o trabalho conjunto de elfos e anões, então os anões fizeram as partes voltadas à proteção – armaduras, se possuísse alguma, escudos e armas – e algumas ferramentas, enquanto os elfos criaram as voltadas à necessidades básicas, como roupas.

Irritara-se um pouco quando retirara um vestido comprido entre as roupas da sacola, pois achava que iria atrapalhar, mas no momento se sentia feliz em estar o usando, pois ele lhe dava uma proteção à mais. Era simplesmente um vestido medieval azul, de lã, que estava usando praticamente sobre todas as roupas que havia trazido a fim de se esquentar melhor, e retirara também uma longa capa, também de lã, só que mais pesada e ainda mais grossa, forrada com pele. Estava usando seu cachecol no rosto para ter certeza de que seu nariz não iria congelar e cair, e seus pés quase não entraram nas botas com tantas meias que pusera nele.

— A Jameela não foi feita para o frio! – Ameen exclamara por cima do uivo do vento uma hora. – E nem eu!

Quando ele aparecera de tarde, ele... Não sabia da mão amputada. E Victoria não acreditara que havia realmente sido cortada, dada à perfeição, mas viu que o grupo chegara ao acordo silencioso de não falar nada sobre o ocorrido.

Até Nerboubo, a anã que os guiava – juntamente a um elfo -, apareceu questionando se ele gostara da mão nova, e quando Ameen não entendera, ela simplesmente a desencaixou e tirou. O pobre garoto teve um ataque histérico, mas não do tipo “gritar, chorar” ou algo assim. Ele ficou encarando o toco do pulso e começou a dar uma risada baixa com olhos arregalados que fez Victoria dar no pé antes de ver sua reação completa.

Mas ele estava ali, descendo uma montanha a cavalo, de noite, com eles por... Quatro horas?

— Certo! – Nerboubo gritou, mesmo que àquela altura, o vento parara de bater, fazendo sua voz ressoar. – Já dá para ver o chão daqui! Não se preocupem, que logo logo vai esquentar um pouco!

— Graças! – Exclamou.

— Aí nós iremos para Deathfall – Belanor, o elfo em questão, falou. -, lá provavelmente deve ter uma escolta, já que avisamos sobre a chegada de vocês.

Deathfall. Que nome ótimo e... Otimista. Mas se estavam indo para um local chamado Sombra da Asa, de quê reclamaria?

Tinha que admitir estar nervosa quanto ao fato de estar no Santuário. Quando entrara, era uma coisa, porém o que mais a incomodava – além da iminência dos anjos malditos, mais uma vez – era o que poderia encontrar ali.

Sua mãe nascera ali, e decidira abandoná-lo quando conhecera seu pai, que em muito explicava algumas de suas ideias loucas de forçar a ela e à Christine a usarem corpetes – dos que deformavam o corpo, deixando-as com uma cintura de matar. E morrerem sufocadas no caminho. -, e como deveriam agir como meninas com ideias do século retrasado.

Mas era o que seu pai falava as coisas que mais ressoavam em sua cabeça. Ele dizia que antes do Rei Alphonsus ser coroado, havia diversos lordes bruxos que, de certa forma, agiam como bem entendiam. Uma guerra começara, e ele nunca especificara o que fora essa guerra, o que fizera o rei em questão reunir algumas famílias ao seu lado. As dez primeiras que o atenderam foram, aparentemente, as dez primeiras da realeza. As que atenderam depois, viraram a nobreza, que até hoje eram conhecidos como vassalos.

A questão se tornara: Sim, o rei Alphonsus era tido com bastante respeito naquele lugar, mas a questão dos lordes se tornava um tanto mais perigoso. As famílias haviam se dividido, uma parte ficando no mundo “normal” e outra ficando no santuário. Assim, era muito bem possível que, por exemplo, um membro de uma família que no mundo deles, era uma vassala, ser mais poderoso que um membro de uma família da realeza.

Não queria jogar peso no título de nascimento dos dois príncipes mais à frente, mas esperava que os Rockstones fossem respeitados o suficiente para que não tentassem causar problemas ou prejudica-los. Ficara alarmada quando ficara sabendo da guerra de clãs que estava ocorrendo. Clãs eram muito mais comuns na Escócia, e lá, a sua família era o principal clã bruxo, mas havia outros. Questionava se eram esses que estavam em guerra, ou se algum outro havia se formado dentro do santuário.

— E... Saímos da montanha! – Nerboubo exclamou assim que seu pônei tocou o chão nivelado. – Vamos sair das partes mais frias, e parar um pouquinho em algum lugar em que os cavalos possam descansar! O que acham de parar por... Uma hora e meia, mais ou menos?

Teve que concordar, dando um tapinha no pescoço de Sweeney. Ele resfolegava, e sentia seu peito ofegante se expandindo e contraindo.

Seguiram, adentrando a floresta que se formava. Andaram por um bom tempo, na realidade, a neve nunca desaparecendo até encontrarem uma clareira que foi considerada “aceitável” por Belanor, que possuía até um laguinho cuja superfície não estava tão congelada, e que provavelmente permitia aos cavalos beberem-na.

Desmontou, pegando uma cenoura que surrupiara e dando-a ao seu cavalo, que aceitou de bom grado.

Parecia que todos haviam sido transportados para algum tipo de filme medieval, ou estavam em Game of Thrones, a caminho de Winterfell. Ou em Skyrim a caminho de Downstar, ou Windhelm ou Winterhold... Foram alertados a se vestirem “aceitavelmente” para os padrões de lá, mas as roupas basicamente ficavam escondidas sob as capas de pele que usavam. Todo mundo ainda usava os capuzes imensamente forrados, que impedia suas orelhas de congelarem.

—... Lenha, com certeza deve ter galhos secos por aqui. – pegou apenas uma parte do que a anã dizia. Bem, se iriam ficar ali por algum tempo, era óbvio que teriam de se manter aquecidos.

— Eu posso ver isso. – se ofereceu. Bom, galhos secos ainda faziam parte de sua casa magica, afinal. Pegou seu arco novo, indo em direção às árvores mais fechadas.

— Tome cuidado, hein! Não tem como conseguir uma mão nova para você agora, caso aconteça algo! E não vá muito longe!

— Certo! – respondeu. Não era exatamente sua intenção mesmo.

Assim, foi para o meio das árvores, pegando os galhos que encontrava no caminho. Tentou se focar em coisas aleatórias, musiquinhas, talvez até mesmo no frio, porém aqueles sussurros continuavam em sua cabeça. Eram horrorosos e fúnebres, mantendo-se como uma música de fundo odiosa e irritante.

Aquilo com certeza não era normal, mas não conseguia controlar. Questionava-se se os outros ouviam aquilo também, ou se era apenas ela ficando louca por algum motivo.

— Precisa de ajuda?

Deu um gritinho de susto – totalmente mortificante -, e quase acertou Jim com seu arco que por um momento segurou como uma espada.

Ele ficou claramente surpreso com sua reação, desviando do arco, o que terminou com Victoria morrendo de vergonha.

— Eu te assustei, desculpa. – ele disse enquanto sentia que seu rosto estava ficando da cor de seus cabelos.

— Ah... Não, tudo bem. – se abaixou para pegar os galhos que havia deixado cair, mas Jim se abaixou ao mesmo tempo e ambos bateram suas testas com um baque surdo. – Ai!

— Certo... – no fim foi ele que se abaixou para pegá-los.

— O que você veio fazer aqui?

— Atrás de você. – respondeu, se levantando. – Mesmo que não tenhamos sido atacados por nenhum anjo mordedor no momento, não é muito seguro ir para algum lugar sozinho.

Pensando nesse lado... Ele tinha razão.

— Ok, obrigada. – respondeu, pondo o arco de volta no lugar. Jim deu de ombros. Cataram lenha por um tempo até Victoria ter coragem de falar algo que tinha de admitir estar em sua cabeça. E também como uma forma de tentar se livrar dos sussurros. – Então... Como está se sentindo, com todo esse negócio de ser príncipe e tudo mais?

— Não sei. – Admitiu. – É esquisito.

— Esquisito?

— As pessoas me olham diferente, mesmo as poucas que encontrei depois que eu soube disso. Sabe, eu sempre fui... O meio, por assim dizer. – Ele se abaixou para pegar um galho e Victoria viu de relance o cabo da espada que ele ganhara.

— Meio?

— É, tipo... Vincent, ou Alastair, como preferir, sempre foi o cara legal que todo mundo gosta e parece querer ser amigo. Quer dizer, antes ele era assim. Ele é inteligente e carismático ao mesmo tempo, não é muito difícil. Michael era a criança alegre e talentosa que chamava a atenção de todo mundo, ele sempre participou de corais, aulas de teatro e essas coisas. – Ele deu um suspiro. – E... Tinha eu. O gótico esquisito ou o garoto que vive no canto. Quando eu tinha idade para estudar na mesma escola que o Vincent, eu não tinha nome, era sempre “o irmão do Vincent”. E quando iam querer me elogiar ou algo do tipo, era sempre me comparando a um dos meus irmãos.

Oh nossa. Como Victoria o entendia. Como o entendia. Era exatamente a mesma situação que passava com sua irmã mais velha, só que um pouco diferente. Sempre olhavam para Christine, e ignoravam Victoria e seu irmão mais novo Willie, pois Christine era a dama, a moça que nascera para ser da realeza. Victoria era a que vivia com feno ou alguma coisa no cabelo e não conseguia ter muitos modos, e Willie era o gordinho que só vivia para comer. Era o que as pessoas viam dos dois.

— Aí teve esse negócio de ser príncipe... As pessoas me veem, mas elas veem o que elas esperam. O filho do rei, um dos três príncipes desaparecidos. Um Rockstone. Não é o tipo de coisa que eu estou exatamente preparado para ser. Eu passei tanto tempo sendo parte da paisagem que eu passei a gostar de passar despercebido, então não sei como agir quando eu deixo de fazer parte dela.

— Você se saiu muito bem falando com nossos pais na mansão. E com os anões, aparentemente. Conseguiu até uma mão nova para o Ameen.

— Saí? – Ele deu uma risada sem graça que não parecia nada com aquele sorriso que ele dera quando se conheceram. – Me senti ridículo fazendo... Ah, esquece. Estou desabafando com você.

— Ora, não tem problema. – respondeu, pegando os últimos pedaços de lenha que encontrou. – Acho que isso está bom. E pode continuar, se quiser.

—... Eu não sei o que falar mais. – Jim disse, olhando para cima. – Nós... Eu e Vincent não temos andado em bons termos a muito tempo, assim eu não consigo ficar... Em paz, por assim dizer, desde que ele se juntou a nós.

— Como assim?

— Ele sempre soube que nós éramos os príncipes. E ajudou a esconder isso de mim e Michael por toda a nossa vida, junto a nossa mãe adotiva. Nós aprendemos bem rapidamente a não criar raízes em um lugar por muito tempo, pois a cada dois anos, no máximo, nós mudávamos. Vivíamos em cidades pequenas: Presteigne, por exemplo, tinha uns dois mil habitantes. – começou. – O último lugar que moramos na Inglaterra foi Framlingham, vivemos... Uns três dias lá.

— Três dias?!

— É... – ele coçou a nuca. – Eu lembro que era um pouco depois da hora do jantar quando uns homens arrombaram a porta dos fundos e disseram que sabiam que Vincent morava lá, e no momento ele não estava. Mike e eu estávamos na sala e deu para ver nossa mãe nos mandando fugir. Saltamos a janela corremos por algumas ruas até encontra-lo. Ele parecia estar voltando... E eu contei o que aconteceu, Mike estava tão assustado que não conseguia nem falar. Mas ao invés de fazer alguma coisa, chamar a polícia, ele simplesmente nos pegou e literalmente nos arrastou para fora da cidade.

— E... A sua mãe...?

— Quando finalmente paramos para comer, estava num noticiário sobre uma casa queimada e um corpo feminino completamente carbonizado. Era a nossa casa. – ele chutou um pouco de neve. – Eu já tinha certa raiva de Vincent, mas acho que o certo era dizer que era um ciúme, o máximo até então fora quando ele começou a namorar com a menina que eu gostava na época, mas nenhum dos dois sabia disso... Er... Esquece essa parte, ok? – ele pareceu sem graça – Continuando, aquilo era outro nível. Ele poderia ter voltado, poderia ter feito qualquer coisa, era só isso que eu conseguia pensar. – respirou fundo. – Eu já comecei a suspeitar que havia algum motivo quando ele roubou um carro e nos levou até Ipswich. Ele só fez uma ligação lá, comprou umas passagens de trem com um dinheiro que eu nem sabia que ele tinha e fomos para Londres.

Victoria queria dizer algo, mas a maneira como Jim falava... Era como se ele estivesse abrindo algo que nunca tivera a oportunidade de falar e finalmente estivesse despejando para fora. Sentia como se fosse absolutamente errado interrompê-lo no momento.

— Passamos dois meses lá, e foi onde conheci o James... Aquele loiro mal encarado cheio de piercings. – continuou. – Nós ficamos num hotel caindo aos pedaços, mas era exatamente aquilo: Não era o tipo de lugar que alguém normalmente imaginaria ir. Depois, eles arranjaram umas passagens para Atlanta, e era óbvio que a essa altura tanto eu quanto Michael já sabíamos que tinha muita coisa errada. Ficou ainda pior quando chegamos e fomos para aquele prédio, naquele apartamento. Eu ouvi Vincent dizendo que havia o ganhado. No caso, o que me parecia mais lógico era que ele cometia crimes.

— Tráfico, gangues, alguma coisa.

— Sim. Vendo agora, tenho certeza que aqueles homens eram do Amabosar, mas na época, como eu iria saber? Eu e Vincent não conseguíamos mais conversar, só brigar, e no fim das contas eu falei que ele era o culpado de tudo aquilo acontecer. E... Foi isso. Depois eu apenas o ignorava e tentava tocar com a vida o mais normalmente possível, fingindo que estava tudo bem. Comecei a passar mais tempo com Michael porque... Quando tudo aconteceu, ele tinha onze anos. E eu não sabia o que poderia acontecer se ele passasse tempo demais com o Vincent.

— E aí, teve o teleporte maluco da mansão e o Michael sumiu.

— É. – Jim baixou o olhar. – E eu fiquei sabendo de toda a verdade, querendo ou não. Aí encontramos o Vincent em Dhor Faldor e foi como... Se eu nunca houvesse vivido esses dois anos com ele. Como se... Sei lá, eu estivesse num lugar e nele outro, foi como se fosse a primeira vez que eu o via. Ele mudou muito e eu fico com essa sensação: “Esse não é o meu irmão, esse não é o Vincent, é outra pessoa”, e desde ontem eu só consigo ficar pensando no que eu falei para ele dois anos atrás. Dá para ver, é como se ele houvesse acoplado aquela culpa em si. Eu não podia ter virado as costas para ele do jeito que virei, querendo ou não ele foi o meu melhor amigo a minha vida toda, basicamente. É... Eu fico com isso na cabeça.

Victoria, àquela altura, não sabia nem o que poderia falar. Era... Demais. O que conseguia pensar, basicamente, era pedir desculpas, mas ela sabia que aquilo era difícil, e não havia partes completamente certas nem completamente erradas.

— Eu... Jim, isso...

— Ei! – os dois pularam quando a voz de Ameen soou pelas árvores. – Vocês dois estão por aí?

Jim girou os calcanhares e começou a seguir novamente na direção do acampamento improvisado.

 - Espera! – acabou exclamando, o que o fez parar e olhá-la. – Sobre tudo o que você acabou de contar... Eu não digo que tenha tido alguém mais errado nessa história. Você não deveria ter sido tão duro com o seu irmão, mas ele também escondeu quem vocês eram durante toda a vida de vocês, e não deu explicações mesmo com tudo o que estava acontecendo. Acho que...

O som de asas batendo com força chamou a atenção dos dois. Depois dos anjos, aquilo não era um bom sinal.

— Vamos voltar. – Jim disse rapidamente.

Victoria deu o primeiro passo e algo saltou nela, fazendo-a gritar e a coisa também gritou. Jim se assustou, soltando a lenha e puxando sua espada. Ele acertou a coisa com o punho, que grasnou e saiu rapidamente.

Quando se recuperou do susto, viu a expressão estupefata dele.

— O que foi aquilo?!

— Um... Ganso?

Sentiu uma raiva tão grande quando ouviu aquilo. Gansos. Sempre gansos. Por quê?!

— Um ganso? Sério? Essas coisas tinham que vir até aqui?!

— Hã... Não era exatamente um ganso comum... Eu juro, ele tinha uma coroa na cabeça. E qual o seu problema com gansos?

— Eles aparecem do nada. – bufou enquanto ele a ajudava a levantar, recolhendo então os galhos para começarem a voltar a passos largos. – E é o símbolo dos Allaway, e... Cara, é vergonhoso. Tipo, o da sua família é um dragão, dos Guiscard é um corvo, os Tenov são uma raposa... E o meu é um pato.

— Ora, mas gansos são usados como animais de guarda. São melhores do que cães, até, porque não podem ser subornados...

— Continuam sendo patos. Quando eu era menor, grasnavam pra mim na escola e eu era a “menina ganso”. Não era legal.

Ele a olhou.

— Você é escocesa... Sua família tem raízes celtas?

— Sim, mas só as raízes mesmo. Ninguém mais tem esse negócio de tradição ou coisas do tipo. Meu pai diz que são velharias que não vão influenciar em nada.

Jim continuou a olhando.

— O que foi?

— Bom, porque o ganso na verdade tem um ótimo significado na cultura celta.

— Sério? Ele não é um pato doido que sai gritando atrás de quem entra no território dele?

Ele riu, o que de certa forma foi uma pequena vitória.

— Para os celtas o ganso era um dos animais guardiões, tanto que o consumo de sua carne era proibido, assim como o galo e a lebre. Ele simbolizava a sabedoria profética, o derramamento de sangue e talento, além de ser um dos mensageiros dos deuses. Usavam o modo de voar, cantar e seus hábitos para ver o futuro.

—... Sério? De um pato?

— Você nunca sabe o que pode ser considerado sagrado em algumas culturas.

Quando voltaram à clareira, estavam todos os esperando e jurava que todos estavam com uma sobrancelha erguida para os dois, mas ninguém disse nada. Esquentaram-se o máximo que puderam na fogueira, perguntaram à Ameen como estava sua mão, reclamou que sentia frio com ela, o que deveria ser impossível, os cavalos descansaram, e no fim Nerboubo teve que deixar alguém desconfortável.

— Vocês dois, os príncipes. – Tanto Vincent quanto Jim a olharam. – Cês têm coroas aí dentro, não tem?

O mais novo franziu o cenho, mas o outro respondeu, não aparentando estar muito feliz com o fato:

— Sim. Por quê?

— Acho que é melhor cês usarem elas daqui pra frente. Claro, dá para ver os seus olhos, mas se a gente encontrar um clã ou coisa do tipo, sem nada que chame mais a atenção, eles vão atacar primeiro e perguntar depois.

— E claro, se for alguma coisa tentando nos matar, vai saber mais rápido.

— Ai credo garoto, cê é pessimista hein?

— Eu acho que é uma boa ideia. – Anastasiya falou. – Mesmo que isolados aqui, não acho que os bruxos nativos iriam atacar ao verem que são membros da família real.

Vincent desviou os olhos verdes e Jim não disse nada, mas quando retornaram à sua marcha, os dois estavam com os diademas nas testas, embora parecendo extremamente desconfortáveis.

Não deixou de perceber que a vegetação por algum motivo a lembrava da Escócia, pois lhe recordava bastante às florestas de caledônias nativas. Talvez o Santuário imitasse o mundo normal e os bruxos haviam se dividido pelas regiões que considerassem semelhantes às suas casas.

Estava amanhecendo quando chegaram a uma trilha nivelada, e demorou mais uma hora até avistarem o que lhe pareciam ser sentinelas. Havia o quê, cinquenta homens? Eles usavam túnicas brancas e kilts cujas cores eram o branco, vermelho e azul. Alguns traziam lanças, outros espadas e escudos targe, que trazia a imagem de três cachorros correndo um atrás do outro.

É, com certeza estava numa versão de sua terra natal.

Um homem enorme se destacou do grupo, provavelmente o capitão. Sua pele era avermelhada, e ele tinha cabelos castanhos abafados por um capacete e barba, com olhos pequenos de besouro, fazendo-o parecer uma versão escocesa de Hagrid.

Ele olhou para o relativamente estranho grupo deles, passando pela anã e pelo elfo, os adolescentes e só então parando nos dois irmãos, o que o fez parecer ficar nervoso. Estavam obviamente corretos quanto aos rapazes se tornarem milhares de vezes mais reconhecidos com as coroas.

— Vossas altezas – disse por fim. -, o Lorde Macbeth os dá boas vindas às suas terras.


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