Coração de Porcelana escrita por Monique Góes


Capítulo 11
Capítulo 10 - Já no Brasil...


Notas iniciais do capítulo

Inhaí pessoinhas, como andam? Este capítulo saiu particularmente grande, mas espero que gostem!
E quero agradecer ao Kikonsam pela linda recomendação que ele deu à Coração de Porcelana!



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Capítulo 10 – Já no Brasil...

A viagem do México para o Brasil durava cerca de nove horas e quinze minutos. Por mais que que tenha ficado acordada por um tempo, não demorou muito para que Claire caísse no sono. Vincent porém não conseguiu pregar os olhos.

Havia vários motivos para ficar perturbado com aquela senhora. Ser chamado pelo nome de seu pai assassinado era um pouco demais, já que a imagem do corpo de seu progenitor nunca lhe saíra da mente, mesmo tendo apenas cinco anos na época. Como não esquecer? Era por causa daquele dia que mesmo já tendo quase dezoito anos ainda possuía medo do escuro.

E... Ela percebera. Que ele era filho de Richard. Rangeu os dentes. Não deveria se preocupar tanto com uma idosa que o reconhecera por alguns minutos num aeroporto. Não iriam explodir o avião só por causa daquilo ou algo parecido.

Ou pelo menos esperava que não.

Afundou-se no assento. Se acreditassem nela, todo o esforço que havia posto até então em esconder a si e seus irmãos, além de Alastair, Raphael e Christian seria jogado no fundo do poço. As coisas se tornariam uma confusão sem fim. E o que explicaria à Jim e Michael? Principalmente ao do meio, já que ele era o que trazia maior ressentimento contra Vincent devido ao ocorrido com Melissa. A primeira vez que fora reconhecido e fora um grande desastre.

Engoliu o seco quando sentiu Claire pousando sua cabeça em seu ombro e enroscando seus braços no dele. Respirou fundo, ela provavelmente apenas pensava que ele fosse um travesseiro ou algo do tipo, assim tentou permanecer imóvel afim de não acordá-la.

Os olhos da idosa pareciam estar marcados à fogo em sua mente. O reconhecimento neles o fazia querer se contorcer.

Você sabe porque isto está acontecendo.

“Esse não é o melhor momento para você aparecer”. Retrucou mentalmente. “Me infernize qualquer momento em que eu esteja sozinho”.

Ouviu a risada feminina ressoando e fazendo eco em sua cabeça.

Eu tenho todo o tempo do mundo, meu filho. Já você não se dispõe de tanto...

“Eu não sou seu filho.”. – cortou, enquanto levava a mão até seu pingente. Markus havia feito um bom trabalho até então, e esperava que durasse.

Queria ler, mas sabia que não estava em muitas condições mentais para isso. Assim passou a viagem toda olhando para a frente e sua mente viajando para lugares não muito agradáveis.

Quando chegaram, Vincent acordou Claire e guiou um zumbi trinta centímetros mais baixo que ele pelo lugar. Conseguia ver que era grande, mas a garota não estava exatamente desperta para conseguir prestar atenção no lugar. Literalmente só acordou quando ele comprou café quente e praticamente o enfiou em sua boca. Despertou mais pelo fato de estar quente do que pelo fato de ser café.

Foi ao banheiro lavar o rosto, e quando retornou tomou café da manhã com Vincent, e às dez e meia pegou o voo que finalmente os levaria ao destino final de ambos, que durou três horas e meia. Quando estavam quase chegando acabaram pegando uma turbulência terrível que fazia o avião subir e despencar ao ponto de haver passageiros gritando no voo, fazendo com que qualquer resquício de sono se esvaísse de Claire e que ela continuasse tremendo mesmo depois de o avião ter nivelado e já estivessem praticamente pousando.

– Está tudo bem? – Vincent questionou quando finalmente pousaram.

– Não. – respondeu ainda agarrada aos braços do assento. Simplesmente odiava turbulências.

Desafivelou o cinto e o rapaz a ajudou a levantar, suas pernas parecendo geleia. Assim, ele continuou segurando sua mão outra vez. Ao chegarem na porta do avião, percebeu uma escada posicionada contra ela e teriam que andar pela pista até o aeroporto. Este possuía apenas dois andares e era relativamente pequeno, sendo que o segundo andar era mais como uma grande varanda para quem estivesse aguardando os passageiros. Ao nível do solo havia uma grande porta de vidro para uma sala relativamente pequena com apenas uma esteira afim de pegarem suas bagagens e outra porta de vidro – essa menor – com grandes janelas demonstrando quem esperava do lado de fora.

Vincent logo pegou as malas e saiu de lá, já que estava meio apertado e começou a procurar onde havia posto o papel com o endereço que Marc havia os dado e Claire aproveitou para olhar envolta. Só havia basicamente uma lanchonete, uma loja de perfumes e três balcões de atendimento de companhias aéreas. Era realmente pequeno.

– Achei. – o rapaz disse, desdobrando o papel enquanto andavam, e quando o leu franziu o cenho.

– O que houve? – Claire questionou.

Uma buzina soou e viu o Azera prateado contra o acostamento. Ah, não diga...

– Sim, é o que vocês estão pensando! – Marc exclamou, saindo do carro. Tudo o que Claire conseguiu fazer foi se questionar como ele havia parado ali.

– Eu posso te matar?! – Vincent exclamou. Não sabia dizer se ele estava realmente irritado ou perplexo.

– Não, não pode. – O mais velho respondeu, ignorando-o. – Agora deem-me suas malas e vamos para a casa que possuo aqui.

Claire apenas assentiu, entregando-lhe sua mala e entrando no carro.

Foi uma viagem um tanto quanto rápida do aeroporto para a casa que Marc possuía na cidade. A viagem foi calma e ninguém dizia nada, e o sono estava rapidamente voltando a nublar a mente. No banco da frente, via que Vincent também estava quase adormecendo. Nem reparou muito por onde andavam, e nem como era a casa onde entraram, apenas entrou no quarto que lhe foi oferecido, tirou suas roupas e adormeceu.

Acordou horas mais tarde, e como as cortinas estavam fechadas não via direito como estava para saber que horário era mais ou menos. Seu corpo inteiro doía devido à viagem desconfortável, mas sentia-se bem melhor devido ao fato de ter dormido. Levantou e pegou roupas em sua mala. Identificou que havia uma porta naquele quarto e ao abri-la, viu que era um banheiro. Tomou um bom banho e depois de se vestir e pentear o cabelo, saiu do quarto hesitantemente, não vendo ninguém. O piso da casa era de alvenaria, branco, com um teto de gesso em padrões retangulares, as paredes pintadas num tom de bege bem claro. Perambulou um pouco por ela, indo da cozinha à sala e passando por algumas portas, saiu para o pátio, mas nada de Marc; ele simplesmente evaporara.

Voltou para a sala com os sofás cor de marfim dispostos em um semicírculo de frente à TV de tela plana, com uma mesinha de centro de madeira escura e vidro sobre um tapete. E só então reparou num pedaço de papel dobrado sobre ela; pegou-a e desdobrou, vendo aquela caligrafia fina e elegante.

“Prince, Claire ou Near, quem ver isso aqui, saí rápido e já volto.

Ps: Tem comida na geladeira.”

Bem, sele ia voltar... Talvez fosse melhor chamar o Vincent e ativar o Near caso fosse comer. Então olhou para as portas que eram os quartos, perguntando-se em qual ele estaria. Abriu o que estava logo à sua frente, mas não tinha nem sinal que alguém morasse lá. Então ele deveria estar no outro.

Bateu levemente na porta, porém ninguém respondeu.

– Vincent, você está aí? – chamou, mas de novo sem resposta. Decidiu abrir, pra ver se realmente havia alguém lá dentro.

Girou a maçaneta, abrindo hesitantemente a porta e vendo que Vincent ainda estava dormindo. Ficou constrangida quando percebeu que ele apenas tirara a camisa e os sapatos antes de literalmente cair na cama. Ele estava deitado de bruços e um de seus braços caía pra fora da borda.

Fechou lentamente a porta para que ele não acordasse, voltando então para seu quarto e pegando a caixa de Near que deixara sobre a mesa, dando rapidamente as cordas e indo atrás do outro colar que Marc lhe dera.

– Tá... Doendo. – escutou-o praguejar atrás de si e lhe atirou o colar. Near o pegou e a olhou com ar de dúvida.

– Marc pôs uma magia aí para entendermos outras línguas, então é melhor usar. – avisou. – Eu consegui entender espanhol e português usando isso.

– Então... Já chegamos? – Near se levantou e pegou no próprio queixo, empurrando o rosto para o lado e o seu pescoço estalou audivelmente. Ele fez o mesmo para o outro lado.

– Sim. Mas o Marc saiu e o Vincent está dormindo. E eu vou comer.

– Eu vou contigo. – disse, se levantando.

– Você se sente desconfortável quando passa muito tempo na forma de boneco? – perguntou, e percebeu que ele estava examinando a sala.

– Sei lá. Só sei que escutei um barulho dos infernos. – respondeu enquanto se virava em minha direção.

– Devem ter sido as turbinas do avião. - sugeriu, abrindo a geladeira.

– Se você diz... – escutei-o falar. – O que é isso?

– O quê? – questionando, fechando a porta da geladeira com o pé com um pote de arroz e com outro de macarrão em mãos. Viu Near mexendo nos armários, que aliás eram altos demais para ela. Ele estava virando um enlatado em mãos, e então leu o que estava escrito.

– Salsichas.

– Acho melhor eu cozinhar isso daí, porque além de arroz e macarrão e algumas coisas, foi tudo o que encontrei na geladeira.

– Se você diz... Quer ajuda?

– Você sabe cozinhar?

– Pode parecer que não, mas sim, eu sei.

Depois de terem terminado de comer, Vincent saiu do quarto, seu cabelo ligeiramente úmido e ele parecia estar terminando de pôr a camisa. Ele olhou envolta antes de os ver e vir lentamente até nós.

– Onde está Marc?

– Ele saiu e disse que voltava logo. – a garota replicou. – Tem comida, e eu ia te chamar, mas você estava dormindo.

Prince apenas assentiu sem dizer nada e puxou uma cadeira pra se sentar. Near se levantou, o que lhe causou uma olhadela nada simpática, que, aliás, foi recíproca. Como pessoas poderiam se odiar tão rapidamente como aqueles dois pareciam se odiar?!

Mais alguns minutos foram o suficiente para que Marc chegasse e entrasse pela porta da frente.

– Acordaram faz muito tempo? – ele perguntou, trancando a porta.

– Não.

– Acordei agora. – Vincent disse.

– Tudo bem. Amanhã, vamos buscar minha afilhada na escola, porque é o último dia de aula dela, ok?

Claire levantou e foi para o quarto em que estava. Não demorou muito e Near entrou também.

– Ei!

– Não reclame, eu tecnicamente vivo no seu guarda-roupa. – ele bufou, fazendo-a revirar os olhos.

– Tá bom. – cedeu. – Posso fazer uma pergunta?

– Depende.

– Como você e o Vincent podem não se gostar em tão pouco tempo?

Ele olhou para cima, claramente pensando no que iria dizer, fazendo-a reparar que ele ainda estava usando as roupas de Joshua, embora não estivessem sujas.

– Não sei. Ele não gosta de mim por algum motivo e eu não gosto porque ele não esconde isso, talvez. – sugeriu, sentando ao seu lado na cama. – Não que eu não tenha discutido com você de vez em quando, mas eu acho que eu não vou me dar bem com ele como de vez enquanto acontece com nós dois.

Assentiu e o viu examinando o quarto silenciosamente.

– Muito diferente da década de 50? – indagou, e ele balançou a cabeça ponderando.

– Um pouco. A sala já é bem mais diferente. Aquela TV é bem... Fina.

– E colorida e com alta resolução.

– Não precisa humilhar. Naquela época era ou a TV em preto e branco ou rádio – bufou.

– Imagino. – Claire pegou o cobertor e se enrolou nele devido ao ar condicionado. – Reparei que eu não vejo você falando expressões nem gírias.

– Claro, afinal eu sei que você está apenas esperando um momento para poder rir da minha cara.

– Eu?! – fez-se de ofendida e ele riu. – Tá bom, mas que tipo de coisa era usada? – arriscou.

– Olha, eu não me importava muito em aprender porque minha mãe dizia que só o fato de usar jeans era coisa de delinquente. Além de que... Eu só me lembro do início da década de 50. O que veio depois é que deve ser lembrado. – comentou, então pôs a mão no queixo. – Deixe-me ver.... Já ouviu falar em mordedor de tornozelo?

– Er... Tenho até medo de perguntar, mas o que seria?

– Acredite: criança.

– Por que diabos chamavam elas de mordedoras de tornozelo?!

– Pelo fato de serem pequenas? Não sei! Bom, tinha mais... Se você dizia que tal pessoa era circulada, queria dizer que era casada. – falou e fez um movimento que a fez entender que havia uma aliança em seu dedo. – Cortar o gás era o mesmo que dizer para alguém ficar quieto. Pelo menos onde eu morava era um tanto incomum, mas tinha gente que chamava o telefone de chifre. Talvez pelo formato, não sei.

– Isso é um tanto... Incomum. – observou.

– Eu e os meus amigos ficávamos rindo de quando ficavam falando gírias da década de 30 e etc., então claro eu penso antes de falar.

– Seu chato.

– Com todo o prazer. – retrucou e quase saltou quando ele deitou ao seu lado.

– Você não fala muito sobre sua vida.

– Ninguém pergunta.

– E... Se eu perguntar? – questionou, enquanto cautelosamente deitava também.

Near riu.

– Por que esse interesse repentino na minha vida?

– Er... – tirou sua mão de dentro do cobertor para coçar a cabeça. – Talvez... Por que eu tenha visto aquele site, e por ter passado quase um dia viajando para te ajudar?

– Hm, é são bons motivos. O que gostaria de saber?

– Do... Começo?

Ele assentiu e olhou para o teto.

– Vejamos... Eu falei para você no dia em que nos conhecemos que nasci em 1934. Não era um... Uma boa época, por causa da crise de 29, mas meio que minha família permaneceu bem. Meu pai, que se chamava Charles James era empresário e tinha dinheiro o suficiente para que eu, a Far e minha mãe vivêssemos bem. O meu irmão mais novo, Mihael, nasceu em 36, e três anos depois começou a Guerra. James ficou meio paranoico nessa época e.... Bem, voltar ao normal ele nunca voltou.

Imediatamente estranhou ao fato de Near chamar seu pai pelo primeiro nome, mas ficou quieta quanto a isso.

– Como assim paranoico?

– Ele começou a pensar em dinheiro, dinheiro, dinheiro, trabalhar, trabalhar e trabalhar. Mesmo assim, minha outra irmã, Carol, nasceu em 1940... Bom, não tenho muito a falar do tempo da Guerra, mas eu lembro que no ano que ela acabou, a família do Jake se mudou para a nossa rua, e minha mãe foi lá e arrastou eu e a Far com ela.

– Era aquele seu amigo, não era?

– Ele mesmo. Bom, havia algumas fofocas por causa dele e das duas irmãs mais novas, Celinne e Pearl, porque o pai do Jake era soldado, havia participado ao ataque à Berlim no fim da Guerra e achavam que ele havia encontrado os três lá. Ele tinha dez anos, Celinne quatro e Pearl era recém-nascida. Mas nem ele sabia direito das coisas, porque o Sr. Silverman tinha encontrado eles inconscientes e... Bem, ele não se lembrava de nada quando acordou.

– Que... Triste. – observou.

– Não era como se ele se importasse. – Near rolou os olhos. – Bom, acabamos todo mundo indo pra mesma escola no ensino médio.

– Você gostava de lá?

– O que eu gostava mesmo era das aulas de biologia. – ele deu uma olhadela para Claire. – A gente fazia de tudo. Menos estudar.

– E ele deixava?! Quer dizer, o professor?

– Na verdade, ele fazia uma ou outra anotação no quadro antes do sinal tocar, então sentava e começava a contar piadas ou a jogar cartas com os alunos. Se você ganhasse dele, ele ameaçava descontar pontos até ganhar de novo. E... Hum, já aconteceu de jogarem sapos nas meninas, mas elas começavam a gritar, e não era legal.

– Quem dera minhas aulas fossem assim. Minha professora é uma chata. Mas como vocês passavam de ano se não tinham aula, por assim dizer?

– A gente se virava, ué. Eu pagava o vizinho que estava na faculdade.

– É... Esperto.

– Bom... Quando eu tinha dezesseis anos, eu comecei a me desentender com o James.

– Por quê?

– Ele passou a ser do tipo que você tinha que apenas cumprir as ordens dele e fazer o que ele queria apenas. Isso com todos, inclusive minha mãe. Ele se irritava muito fácil, e partia para bater alguém. – suspirou. – Já tinha me cansado de contar quantas vezes eu tinha apanhado porque eu parei ele de bater em algum dos outros, então eu me metia na briga mesmo, porque ia apanhar de qualquer jeito.

– Isso...

– Bom, convenhamos, a coisa ficou ainda pior quando eu falei que não queria nada daquela porcaria de joalheria.

– Near, só pelo que você está me contando, você não tinha medo de morrer?

– Sim, mas acho que o sangue subia na cabeça quando eu ia discutir ele. James agia como se eu não existisse a maioria das vezes, e eu não me importava. Mas a coisa ficou feia de vez quando eu acabei falando que iria ser veterinário. Eu não sabia que ele tava em casa, e começou a gritar que eu era um inútil quando entrei, que não era filho dele e.... Entre outras coisas que eu não falaria em sã consciência. Bem. Pra mim ao menos ele pareceu ficar possuído e partiu pra cima de mim.

– Meu Deus.

– Se quiser eu paro.

–... Está tudo bem você me contar essas coisas?

– Não era sobre a minha vida que você queria saber?

Se calou e ele continuou.

– Nós brigamos... Mas em algum momento ele bateu com a minha cabeça na bancada da cozinha e só escutei alguma coisa quebrando, quando acordei estava no hospital, e os vizinhos tinham chamado a polícia.

“Que horror! Que tipo de pai era esse?! Parecia mais um monstro!” Era tudo o que Claire conseguia pensar.

– Eu também teria chamado!

– A Far estava lá. Ela me disse que eu estava desmaiado mas James ainda estava me batendo. Ela tentou tirar ele de cima de mim, mas acabou apanhando também, então o Sr. Silverman apareceu. Quando eu acordei, estava no hospital e a minha mãe estava tendo um ataque histérico. E James havia sido preso.

– Ele merecia. – mostrou a língua e Near acabou rindo novamente.

– Bom, quando eu estava no hospital veio a bomba que o Jake tinha matado a própria família. Só a irmã adotiva dele que ninguém suportava sobreviveu porque tinha ido dormir fora, e o pai dele, mas muito mal.

– Irmã adotiva?

– Ela era filha de sangue dos Silverman, mas ela era o próprio estereótipo de garota que ninguém além do seu séquito suporta. – Near virou a cabeça pra lhe olhar e fez uma careta. – Ela gostava de mim.

– Convencido você, não?

– Não, ela falou pra mim. Mas, bom... Eu dei um pé na bunda dela mesmo.

Teve que rir daquilo, porque ele falou num tom absurdamente sério.

– Destruindo corações!

– Engraçadinha. – Deu um muxoxo. – Continuando, meu pai voltou da prisão de novo, mas mais calmo porque ele já sabia que se desse ataque de novo voltava pra lá, então passou algum tempo, a comecei a namorar com a Lucy, uma semana depois a Haydée me convidou pra ir numa lanchonete e fim, tudo o que aconteceu depois você já sabe.

– Tenho uma pergunta.

– Qual?

– Por que você usa seu cabelo assim?

Ele parou com uma expressão de “O quê?” e voltou a rir da cara dele. Near revirou os olhos e passou a mão no cabelo loiro, desfazendo o penteado que usava desde que chegara.

– Por que eu gosto, claro. – retrucou. – Os cabelos comuns ou eram arrumadinhos demais ou era um pouco mais comprido que os dos militares.

– E os topetes?

– Hã? Quase ninguém usava aquilo.

– Sério?! Nos filmes da década de 50 eles aparecem como estereótipos de algo que todos os garotos queriam ser.

– Não, não. Tinha só alguns, e normalmente as pessoas nem falavam com eles direito. Claro que havia algumas garotas e tal que iam atrás deles, mas eram poucas.

– Nossa. – olhou para o lado novamente e achou que Near ficava estranho sem aquele penteado usual, ou talvez estivesse apenas habituada. O seu cabelo era claramente cortado em uma franja meio repicada com uns fios chegando-lhe até os olhos, e seu cabelo era meio comprido, chegava-lhe até a nuca. Não que ficasse estranho do tipo em que ele ficara feio, não, pelo contrário.

– O que foi? – o loiro questionou quando a percebeu o encarando.

– É que você é diferente sem o penteado de sempre.

– Você está só acostumada. – disse e voltou a olhar o teto. Ele ergueu ligeiramente a mão, voltando-se à Claire. - E...

– Ei. – Vincent abriu a porta de repente e os dois sentaram num pulo. – Hã... Interrompi alguma coisa?

– Er, não.

No dia seguinte acordou um pouco tarde porque ainda não havia se acostumado com os horários de lá, e depois de ativar Near e tomar o café da manhã, esperaram até um pouco antes do meio dia antes de Marc pegar o carro – todos resolveram ir no banco de trás e Claire acabou tendo que ir entre os rapazes - e irem para a escola da afilhada dele.

– As férias dos alunos começam em julho aqui. – Informou. – Duram só um mês, e em dezembro eles entram com dois meses de férias, sendo que o ano letivo começa nas últimas semanas de janeiro ou nas primeiras de fevereiro.

– É diferente – observou.

– Sim, mas acho mais plausível o ano letivo começar no início do ano.

Até que ele estava certo.

Se aproximaram de um prédio laranja de quatro andares, que ia de um canto do quarteirão ao outro, com grandes janelas em cada andar voltado à rua. Marc passou ao lado de uma fila de carros que se formava e viu muitos alunos passando e agrupando-se em frente ao portão pequeno, outros dentro do prédio ainda. Ele parou em frente à um grupo de alguns adolescentes, uma garota um tanto baixa com o cabelo comprido até quase os quadris, com as mãos na cintura e parecendo irritada, um garoto bonito de pele morena e cabelo castanho escuro – só via que era devido ao reflexo que o sol dava -, com uma garota de cabelo comprido preto e algumas mechas descoloridas com uma mochila roxo uva nas costas, pendurada nas costas dele e uma outra garota com o cabelo loiro até um pouco abaixo dos ombros, dividido ao meio, bem branca, que estava rindo da situação.

Marc apitou a buzina e a de mechas coloridas abanou a mão como se o mandasse esperar. Passaram-se uns minutos e ela não saiu do grupo, ainda conversando, fazendo-o apitar a buzina novamente, mas ela o dispensou com a mão mais uma vez. Então começou a apitar um pouco insistentemente e no fim apitou longamente, mas ela não se moveu e viu que Near tentava não rir da situação, enquanto Prince revirava os olhos. Marc pareceu se irritar – era a primeira vez na vida que via-o assim! -, e abriu a janela.

– Quer que eu vá te buscar aí?!

Ela o dispensou com a mão - de novo-, e Marc abriu a porta, já pondo uma perna para fora, mas ela soltou das costas do garoto e veio correndo para o carro. Marc recolheu a perna e fechou a porta e a janela, e ela entrou.

– Presente. – disse já virando-se para Marc com a mão estendida.

Ele revirou os olhos e pôs uma sacola na mão dela antes de dar partida no carro.

– Eu tava conversando! – protestou enfim, abrindo a mochila.

Percebi, sabia? – Marc replicou em um tom cético.

– Era assunto sé... PARA TUDO! – praticamente gritou e Marc freou bruscamente o carro que apenas começara a acelerar, olhando-a com uma expressão de dúvida. –... O Sven roubou meu caderno de física. – Abriu a porta e gritou. – Ô LADY ALEMANHA!

–... Essa é sua afilhada? – Vincent perguntou enquanto Near ria.

– Acredite. E ela provavelmente ainda nem reparou na existência de vocês.

Claire olhou pela janela novamente e a vi voltando pro carro brigando com a menina loira segurando um caderno de uma matéria, e observando melhor o corpo, percebeu com um estalo que a garota era na verdade um garoto, que enfim soltou e pareceu gritar com a afilhada de Marc que abriu a porta e gritou.

–... E eu vou contar pro Bill! E volta pra baleia encalhada! – O garoto ergueu o dedo do meio em resposta enquanto voltava pra escola e o garoto de cabelo preto gritou alguma coisa, mas ela fechou a porta. – Pronto, podemos ir!

– Sério? – Marc perguntou parecendo cansado.

– Sim, mas era discussão importante! A Isabella achava que eu poderia estar afim da baleia do Felipe!

Oh nossa.

– Ainda fico surpreso como esse seu amigo parece uma garota.

Ela pôs o caderno e a sacola dentro da mochila e só então olhou por cima do ombro, parecendo reparar nos três no banco de trás apenas então.

– Quem são eles? São parte do presente? Se forem, posso ficar com o de cabelo preto?

– Hã?! Que tipo de pergunta é essa Luiza?!

– Ah, deixa pra lá, mesmo que o loiro seja idêntico ao Will do Magick. Meu nome é Luiza!

– Hã... O meu é Claire.

– O de cabelo preto é o Prince e o loiro é o Near. – Marc continuou, prestando atenção na estrada.

– Prince?

– Vincent. – Prince corrigiu.

– Mas vou te chamar de Prince, é mais bonitinho. Claire jurou que escutou Vincent revirando os olhos.

– Err... Com quem eu sou idêntico? – Near questionou.

– Ah, Will Toy, líder, rapper, vocal, visual e seja lá mais o que ele for do Magick. É uma boy band nova, mas já é bem famosa. Mas o Will tem olhos azuis e de vez em quando aparece que nem um nerd, mas sem problema, eu sou nerd também. A essa altura o Magick deve estar no México. – disse, pegando uma barra de chocolate branco quase terminada de dentro da bolsa.

– Ele veio do meu lado no voo para o México. – Claire comentou.

– Sééério?! – Luiza voltou-se para ela – Sua sortuda!

– Er, sim, e viemos conversando a viagem toda.

– Égua! E voltando tio, a Isabella tinha dito que eu poderia estar gostando do Felipe! – disse e Claire tentou entender como a palavra égua pudera entrar naquela frase. Não tinha sentido algum, ao menos para ela.

– Com você pendurada nas costas dele, eu também acharia. – Marc comentou distraidamente.

– Mas é a baleia encalhada do gordo do Felipe!

– Aquele garoto moreno? Mas ele não era gordo...

– Ah não, na sétima série ele era um gordo, deveria ter mais de cem quilos, depois que ele emagreceu. Se bem que tem o Sven que pelo menos na aparência é mais feminino que nós duas juntas.

Viu Marc tentando prender o riso, assim como Near, mas fingi que nem vira nada. Observou que estávamos numa rodovia.

– Caso estranhem, a Luiza fala muito assim mesmo. Quando ela se cansa, ela começa a cantar. E se ela se cansa de novo, ela se cala. Vocês vão até estranhar.

– Quantos anos você tem? – perguntou pra Claire.

– Er, dezesseis.

– E você? – apontou pra Vincent.

– Dezessete.

– E tu? – apontou pra Near.

– Uns sessenta e seis? – Vincent sugeriu, contando nos dedos. – Não, espera, errei muito.

– Hã?!

– Espera. – Claire começou a contar também. – Setenta e sete, errou por onze anos.

– A idade é minha...

– Por que ele tá tão conservado assim? – Luiza perguntou para Marc. – Ah, tô perguntando para a relíquia de museu, deixa pra lá.

Ele a fuzilou com os olhos em resposta.

– Since 1200 e dinossauro! – exclamou e ergueu o polegar num afirmativo.

– Dinossauro? – Near perguntou.

– Since 1200 e alguma coisa. – a garota explicou.

– Mil e duzentos por quê?

– Ué, o Marc tem uns oitocentos anos, não é? – ela olhou pra Marc.

– Por aí. – Vincent afirmou. – Umas décadas a mais ou a menos.

– Sério?! – Claire e Near exclamaram ao mesmo tempo.

– Por que eu virei o assunto? – Marc suspirou. – Mas sim, eu nasci mais no final do século 12.

– Marc, você não é um bruxo, é um vampiro, só pode! – Claire exclamou.

– Que não brilhe no sol, por favor. – Luiza pediu.

– Óbvio. – acabou rindo.

– Por que brilhar no sol? – Near perguntou.

– Um livro adolescente acabou com a imagem dos vampiros. – Vincent respondeu. – Eles brilham no sol.

– Isso é coisa de fada, não vampiro. – Near disse cético e quase todos riram, mas Vincent o moreno apenas concordou.

Luiza parou, olhou para o céu pela janela e disse.

– Acho melhor chegarmos rápido, porque vai chover.

Marc olhou pelo para brisa, assim como todo mundo deu um jeito de olhar. O sol estava praticamente tinindo.

– Acho que não, não tem nem nuvem no céu Luzi. – ele disse.

– Vai chover. – afirmou.

– Mas...

– Quer discutir comigo que vivi na cidade a vida inteira?

– Tá bom, tá bom. – ele disse mas pela própria expressão, parecia não estar levando muito a sério.

Ele dobrou em frente a um condomínio fechado escrito “Parque Felicitá”, que era grande e com alguns prédios, claramente apartamentos. Marc estacionou em frente a um e todos saíram do carro. e saí pelo lado do Near.

Só então Claire reparou que Luiza era entre uns vinte centímetros mais alta que ela, e a adolescente estava ajeitando a mochila nas costas.

– Vamos entrar porque vai chover logo! – exclamou e entrou rapidamente no prédio. – E o meu irmãozinho deve tá com fome!

Entraram e subiram duas escadarias curtas. Quando chegaram em frente a uma porta, diversos miados se fizeram ouvir. Luiza destrancou a porta e expondo um gato cinza claro de olhos azuis e patas escurecidas parado na frente dela, miando e reclamando.

– E esse aqui é o meu irmãozinho, o Raito! – ela carregou o gato que deu um longo miado numa clara reclamação, e ela o pôs no chão. – Tá eu sei que você está com fome, mas me deixa entrar em casa!

Vincent olhou para Marc e ele disse:

– Sim, ela diz que o gato é irmão dela.

Entraram na casa, e o gato começou imediatamente a se esfregar nas pernas de Vincent, ronronando audivelmente. Era um apartamento pequeno, tinha três portas que deveriam ser quartos, uma salinha com uma mesa e uma cozinha separada por uma parede.

– Ele está ronronando com você?! – Luiza apareceu da cozinha, pondo as mãos na cintura enquanto Vincent coçava uma das orelhas de Raito. – Por que você está ronronando com ele?! Você só ronrona comigo quando quer comida!

– Hã... Eu não sei.

Claire um trovão que me fez pular, e quando olhou pela porta de vidro que dava para a pequena varanda, percebeu que estava desabando uma chuva imensa.

– Há, não disse que ia chover?! – Luiza exclamou. – O clima daqui é doido!

– Não tanto quanto alguns moradores. – Marc murmurou.

– O quê tio?!

– Nada não.


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