Nas Sombras do Seu Coração escrita por Vessimus


Capítulo 1
Prólogo — Em Direção Ao Desconhecido


Notas iniciais do capítulo

Obrigada por dedicar um pouquinho do seu tempo para ler a minha fanficiton. Venho trabalhando bastante nela, na verdade, é só nela eu que tenho conseguido pensar. Haha. Estamos no início de uma relação aqui: eu e você, você e eu. Temos de começar sendo sinceros um com o outro. Pois é, estou obcecada por essa história e sim, quero que ela seja acessível a todos. O que é um pouquinho complicado por ser uma fanfiction de um fandom não muito conhecido. Por isso, quando se mostrar necessário irei fazer um glossário com os termos e as informações necessárias para aqueles que não conhecem a mitologia do jogo possam entender a história. Também pretendo criar um monte de coisinhas interessantes relacionadas a fanfiction: colagens, playlists, quem sabe spin-offs? Vai depender tudo da recepção da história.

Ai, ai meu coração! Um minuto ai, pessoal. Respira, inspira. Vamos lá, é agora! Estão preparados? Meus queridos e minhas queridas, é com muito orgulho que os apresento a minha protagonista e o início da sua jornada. Aproveitem a leitura! :)



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Trilha Sonora The Crossroads

Sangue escorria da palma da sua mão, derramando-se no solo pedregoso de uma remota caverna esquecida pelo tempo. À luz esbranquiçada do orbe que inibia a escuridão, uma mulher encarava a ferida em sua mão, recordando o tortuoso trajeto que percorrera para chegar até ali. Havia alcançado o fim da sua jornada e estava pronta para uma viagem só de ida aos portões do Inferno.

Incessantemente, Daeris resistira e lutara contra seus opressores, pela herança de sangue de seu pai, pelo legado de sua mãe, mas até quando conseguiria carregar o peso das vidas perdidas por causa da sua indesejada existência? Não. Não mais. Não permitiria que mais nenhum inocente morresse em seu lugar. Se eles a queriam, eles a teriam, mas levaria boa parte do Inferno consigo para os braços da morte, como uma estrela devastando com uma explosão de destruição os corpos celestes a sua volta em sua hora final.

A ruiva deslizou a adaga, aprofundando o corte na sua mão esquerda. A dor era reconfortante e afastava o medo que a fazia se questionar se deveria prosseguir com o plano. Ainda que estivesse determinada a retalhar seus perseguidores, ao invés de permanecer fugindo dia após dia, a insegurança estava lá, irradiando nos seus olhos dourados.

Daeris retornou a adaga ao cinto e examinou o portal a sua frente. Parecia um espelho, turvo e opaco, emoldurado em granito perolado, esculpido em padrões complexos e indecifráveis. Ela lambeu os lábios secos pelo nervosismo. O ritual tinha de funcionar, era a única maneira de chegar ao Inferno sem os glifos mágicos de Ulysséa e a sua prima jamais a ajudaria, não sem um esquadrão de apoio que garantisse a sua sobrevivência.

Para abrir o portal, era preciso efetuar um ritual aparentemente muito simples, o que a preocupava. Aprendera por experiência própria que quanto mais simples algo aparentava ser, maior era a chance de dar errado. De acordo com o grimório do qual conseguiu a localidade do portal interdimensional, era necessária uma chave para acioná-lo. E era aí que tudo ficava fácil demais, porque a chave era o sangue que corria em suas veias.

Ela pressionou a mão contra a superfície fria do espelho e o sangue espesso e escuro escorreu pelo vidro. Para o seu desgosto, segundos se passaram e o espelho permaneceu imutável. A corrupção em seu sangue deveria estar impedindo o ritual de se concluir.

Desgraça de espelho! — ela enfureceu-se, fechando o punho ensanguentado e esmurrando o espelho, que como se estivesse consciente, a empurrou para trás com uma explosão luminosa. Instintivamente, ela cobriu os olhos com o antebraço para proteger-se da violenta rajada de luz.

Assim que sua visão se ajustou à claridade, notou que a face do espelho ganhara vida e tornara-se azul e vibrante. Feixes de luz nadavam na outrora sólida superfície, que agora parecia uma poça resplandecente. Daeris encostou as pontas dos dedos na superfície do espelho, e seu toque reverberou, criando pequenos círculos que se expandiam até alcançar a margem. Era lindo de se ver, aterradoramente lindo. Ela afundou a mão no portal, em seguida todo o braço e o sentiu formigar como se ele estivesse separado do seu corpo. Estava pronta para atravessá-lo quando algo vibrou em um dos compartimentos do cinto. Ela recuou, retirando o braço do portal enquanto tateava com a outra mão a parte de trás do seu traje de batalha, procurando a origem da vibração.

Oh-oh, here she comes. Watch out, boy, she'll chew you up.

O pop dos anos 80 ecoou nas paredes da caverna. A batida vinha do smartphone de Daeris, que já estava em sua mão, vibrando escandalosamente. A foto de uma adolescente de cabelos loiros e risonhos olhos verdes saltava da tela. Um aperto no peito travou sua respiração e, por um instante, considerou se deveria atender a ligação.

Oh-oh, here she comes. She's a maneater.

Essa era a sua última chance de conversar com Leah, ouvir o sotaque francês da sua afilhada e dizer-lhe tudo que sempre quis, mas que o seu temperamento bruto nunca permitiu. Se bem que atender a ligação não tornaria a sua angústia ainda maior? Leah nunca a perdoaria por ir embora, nem os outros membros do Abrigo. O melhor que poderia acontecer seria que a odiassem. Seria tão mais simples se a esquecessem em um canto qualquer de suas memórias; até ela se esqueceria, se pudesse.

— Você deveria estar dormindo, mocinha. — Daeris censurou com autoridade maternal ao atender ao telefone.

Daeris, eu não acredito! — a voz do outro lado da linha exclamou num eufórico e agudo alarido. O som penetrou em seus tímpanos como uma vespa e continuou a zumbir dentro da sua cabeça por alguns instantes.

— Nem eu acredito que você ainda está acordada!

Você está bem? Onde você está? Quando vai voltar?

Pelos Deuses, Leah! — Daeris atordoou-se ao ser soterrada por um amontoado de perguntas que não poderia responder. — Minha cabeça dói só de ouvir você falando rápido desse jeito. São tantas perguntas por segundo! Você tem passado muito tempo com Ulysséa. Quando disse que você tinha muito a aprender com ela, não quis dizer os maus hábitos. Se Morgari ...

— Morgari não é mais a mesma desde que você se foi; ela não tem disciplinado ninguém, está agoniada e preocupada demais com você. Até a estranha da sua avó veio aqui querendo saber onde você estava. Uly está calada feito uma tumba. Você sabe o que isso quer dizer, não sabe? E sem a parceira de crime dele, Tris está mais pirado do que já é. Ele sai que nem um louco toda noite perguntando por você pela cidade inteira.

Saber do estresse que seu distanciamento causava à sua tutora, seus primos e até mesmo a sua avó definitivamente não colaborava com o crescente peso na sua consciência. O que aconteceria quando eles descobrissem o que estava prestes a fazer? Matava-a aos poucos perceber que mesmo quando se sacrificava para poupar a quem amava, acabava por machucá-los da pior maneira.

Me faça um favor e diga a todos que não sou mais a garotinha que eles conheceram! — demandou com uma agressividade maior que deveria, mudando de assunto abruptamente: — Sei cuidar muito bem do meu próprio traseiro, mas se querem tanto saber, eu estou bem e a caminho de Cyaron. — Daeris mentiu como se não estivesse a um passo do Inferno. Era apenas mais uma mentira, que mal poderia fazer? Mais uma entre tantas outras que contara ao longo de uma vida de decepções; ou teria sido se não tivesse a devastado por dentro.

— Devo chegar ao Abrigo daqui uma semana. Dei uma parada em Dublin para relaxar. Adoro a cerveja preta daqui. Sabe, vocês deveriam fazer o mesmo: relaxar.

— Depois de tudo que aconteceu entre você e o Liam temos motivos para nos preocuparmos. Você não deveria ter desaparecido desse jeito. Muitos consideram sua ausência repentina uma confissão de culpa...

Que se foda o que esses merdas pensam! — Daeris alterou-se grosseiramente, apertando com força o celular ao se recordar da cadeia de desgraças dos últimos oito meses, por pouco não danificando o aparelho. — Eu tenho coisas muito mais sérias com o que me preocupar e você sabe muito bem. Que esses imbecis peguem o que acham de mim e enfiem no rabo!

Tudo o que Daeris menos precisava era ser lembrada de mais um erro que cometera. Tudo o que não queria era lembrar-se do julgamento no olhar daqueles que um dia considerou como irmãos e irmãs quando a viram despida de suas defesas, vulnerável, cambaleante e com o rosto encharcado de sangue e lágrimas. Tudo o que não conseguia esquecer era a respiração úmida e quente em seu pescoço, a risada depravada daquele sanguessuga em seu ouvido e o arrependimento por ter feito o que fez, apesar do ódio que sentia por ele.

— Eu sei, eu sei! Me-me-me desculpe, eu n-n-ão queria...

— Você não me deixou nervosa, não conseguiria nem se tentasse. — Daeris quis confortá-la, seus problemas não eram culpa de Leah. — Mas eu tenho de desligar agora, tenho muito a fazer, e você, mocinha, tem que ir dormir.

Mas...! — protestou Leah, sendo prontamente interrompida:

— Sem "mas". Seja a boa garota que eu sei que você é e não me desobedeça.

Okay... — suspirou Leah, frustrada, sem outra opção a não ser obedecer.

Madrinha e afilhada partilharam um minuto de silêncio. Daeris ouvia o chiado da respiração de Leah, fraca e apreensiva. Em seu quarto, abraçada ao seu travesseiro, a garota tinha a impressão que algo estava prestes a acontecer; um péssimo pressentimento a dizendo que tinha razão em estar preocupada.

O olhar determinado de Daeris estava fixo no portal à sua frente, enfeitiçada pelo brilho mágico que a chamava para a sua promessa de vingança. A cada segundo ficava mais difícil suportar o silêncio e a vontade de se despedir tornava a angústia ainda maior. Havia muito o que Daeris precisava dizer, muito o que se considerar e não teria outra oportunidade de fazê-lo se não fosse agora.

Leah, eu... eu ... — Daeris fez uma ligeira pausa enquanto se esforçava para pôr as palavras para fora. — Eu sinto muito se fui intransigente contigo, ou bruta, ou se algum dia te magoei com o meu jeitinho indelicado. Eu fiz o meu melhor para proteger você e os outros, não só dos Morguldis, mas da própria vida, que já é uma vadia cruel e impiedosa sem esses putos querendo nossas cabeças.

Do começo ao fim, tudo era sua culpa, e era encargo dela e de mais ninguém, carregar esse fardo. Nada que fizesse traria sua família de volta ou remendaria todos os corações que partiu, nem mesmo o seu próprio. Mas depois daquela noite, nenhum mal tocaria Leah, Ulysséa ou Tristan por sua causa. Partir para nunca mais voltar seria o melhor para todos, ela dizia a si mesma, dando mais um passo em direção ao espelho. A energia do portal crepitava sob seus dedos novamente, faltava pouco para desaparecer daquele mundo quando algumas palavras que precisava dizer para Leah surgiram em sua mente, conselhos que tinham de ser ditos uma última vez.

— Não queria ser a pessoa a te dizer como é a realidade do outro lado dos portões do Abrigo, minha querida, mas o mundo lá fora não é como você pensa que é. A vida não é justa, acredite em mim, principalmente para garotas como você e eu. Você irá encontrar todo o tipo de escória nesse mundo fodido e todos eles irão querer usar você. Alguns irão querer seu corpo, outros irão querer abusar dos seus sentimentos, e não nos esqueçamos da dádiva que faz de você uma de nós.

"Irão te ameaçar, chantagear, manipular e tomarão vantagem de cada fraqueza sua e as usarão contra você; eles farão de tudo para te corromper. E quando não conseguirem, quando você não se submeter aos seus desejos e ambições, como eu sei que você não irá, eles tentarão te destruir. Te marginalizarão e tentarão inferiorizar você chamando-a de aberração. Quando esse dia chegar, docinho, eu espero que você se lembre de mim e levante seu dedo do meio e mande todos se foderem. Nunca esqueça que a sua vida pertence somente a você, e por isso, a viva do jeito que você quiser, faça o que seu coração considera certo e mostre a qualquer otário que tentar te inferiorizar que você foi criada por uma fera e o coloque de joelhos e faça-o beijar a sua bunda!".

Daeris, o que você está falando?! — Leah perguntou num soluço, segurando o choro e detestando toda aquela conversa, principalmente o tom de despedida da sua madrinha. Ela não estava a caminho de Cyaron? Não iria ficar tudo bem?

— Eu estou falando que viver é doloroso. Haverá dor, muita dor, mas também haverá muitas alegrias. Haverá esperança, haverá medo, haverá conquistas e perdas. Você tem que saber lidar com esses altos e baixos, mas eu sei, ... eu sei que você vai conseguir. Eu já fui como você, e assim como eu, você irá conseguir passar por tudo isso. Mas o que eu realmente estou tentando te dizer é que eu te amo, ma petite, e que quero que você se cuide e acima de tudo, seja feliz como eu nunca fui. Eu amo todos vocês e sinto muito por toda a tragédia que causei...

Daeris encerrou a ligação antes que Leah respondesse. Era assim que queria que fosse: sem um "Adeus" definitivo ou qualquer apelo comovente que pudesse abalar sua convicção. Ela coçou os olhos com o braço, secando a umidade debaixo deles e olhou para o celular, pensando se o levaria consigo. Não era como se o sinal das torres de transmissão alcançasse as profundezas do Inferno, então, para quê levá-lo?

"Para tirar uma selfie com o Capeta caso o encontre, bobinha. Essa é uma oportunidade que só aparece uma vez na vida!", uma vozinha zombeteira sussurrou em seu ouvido, fazendo-a rir da própria idiotice e guardar o aparelho onde ele estava anteriormente. Uma selfie com o Capeta certamente contribuiria para sua moral se sobrevivesse, o que era improvável, mas não custava nada tentar.

O orbe que clareava a caverna esvaneceu-se lentamente ao ser tocado, minguando e se encolhendo na palma da sua mão, ficando do tamanho de uma bolinha de gude. Iluminada pela luz do portal, Daeris agachou-se à base do espelho, onde tinha largado sua bolsa de suprimentos. Guardou a orbe em um dos bolsos laterais e aproveitou para checar se trouxera tudo que precisava.

Garrafas dágua, comida desidratada, um saco de balas de caramelo, um pote grande de Nutella, barras de chocolate, bandagens, as luvas do seu traje de batalha, adagas e facas, uma caixa de mogno, tubos de pomadas cicatrizantes, algumas poções analgésicas, granadas venenosas e incendiárias, um frasco de erva do diabo, o grimório e um protetor solar potente.

Estava ali tudo o que precisava para sobreviver no Inferno. Ela confirmou, lamentando por não ter sobrado espaço para enfiar mais guloseimas. Daeris colocou a alça da bolsa enviesada em um dos ombros e desembainhou uma das lâminas-gêmeas; queria estar preparada caso tivesse uma recepção especial a esperando do outro lado.

"Um, dois, três..."

Ela contou enquanto tomava distância do portal, respirando a plenos pulmões, pressionando a sola das suas botas contra as rochas, a adrenalina bobeando em seu coração acelerado.

"É agora. Lá vamos nós!"

De olhos muito bem abertos, ela correu em disparada ao espelho, deixando um rastro de poeira para trás quando cruzou o portal. A velocidade das passadas diminuiu à medida que percebia que o cenário não era o que esperava. Seus pés brecaram ante uma estrutura semelhante a uma árvore, com galhos negros e sem folhas, encurvados esfericamente. Olhando os arredores viu que essas árvores enegrecidas se estendiam por toda a vasta área. Névoa a cercava por todos os lados como uma muralha de cinzas. Muito além do seu alcance Daeris avistava construções disformes, não conseguindo definir se eram fortalezas ou ruínas por estarem engolidas pela bruma. O mais impressionante, no entanto, era a centenas de espelhos iguais ao que atravessara se perdendo no horizonte; a maior parte deles escurecidos, quebrados, inutilizáveis.

Virou-se para trás, à procura do portal pelo qual viera e se deparou com uma chapa de prata sólida e imóvel. Segurando firme o cabo da espada, um arrepio lhe estremeceu a espinha; estava temerosa por estar confinada onde não deveria. Ao menos aquela dimensão acinzentada não parecia em nada com a imagem que tinha do Inferno. A ruiva retornou a espada à bainha e, com a mão escorada no pomo, trilhou um caminho de placas de pedra.

"Onde estão as fissuras de lava? Os rios de sangue? Seja o que for, esse lugar não é o Inferno, e se aqui não é o Inferno, onde eu estou?! Não, não, não. Não posso ter procurado durante todos esses meses à toa. Todo o esforço, todo o sacrifício..."

"Se acalme, não perca o foco! Ainda não está tudo perdido. No grimório dizia que o portal me levaria onde eu quisesse ir, certo? Devo estar em uma antecâmara, o Purgatório, talvez? Um desses portais deve levar a um dos Reinos do Inferno. "

Daeris procurava por algum portal ativo, entretanto todos estavam indiferentes a sua presença. Esfregou um pouco de sangue em alguns, apenas para se frustrar quando não reagiam. Somente quando parou e se concentrou em achar o que procurava que distinguiu um ponto luminoso ao longe, uma luz azulada como a do portal que a trouxera até ali.

A atmosfera mística daquela dimensão acelerou seu andar, como se a arrastasse em uma correnteza, até que chegasse ao espelho reluzente. Um degrau por vez, ela subiu a pequena escadaria que levava até o portal. Um filete de suor escorria pelas suas têmporas. E se esse não fosse o portal correto? E se ele a levasse para outra dimensão equivocada? Daeris estava indo para o Inferno com um único propósito: despejar na cabeça dos demônios em seu encalço toda a fúria que a fez ser uma assassina. Qualquer coisa a não ser isso não a contentaria. E coisas ruins aconteciam quando Daeris estava descontente.

A travessia era a parte mais conturbada; a ansiedade retumbava dentro da sua cabeça como sinos, agitando uma revoada de corvos em seu estômago, que, assustados, batiam suas asas na tentativa de alçar voo e escapar pela sua boca. O receio em ter de admitir a estupidez que cometeu ao se arriscar a dar um passo no escuro, a imobilizava, e a hesitação pregava seus pés no chão, como se o peso de todo um planeta estivesse sobre eles. Daeris deu um passo à frente, usando de toda sua força de vontade para avançar.

"É tarde demais para se arrepender", reconheceu ao ficar cara a cara com o espelho, "para o bem ou para o mal, você tem de seguir adiante".

E foi o que ela fez: seguiu adiante, atravessando o portal, esperando que os seus impulsos não a tivessem desviado do seu destino. Toda a sua existência perderia o sentido se lhe fosse privado o seu direito de caçar, capturar, torturar e matar seus inimigos das maneiras mais agonizantes que uma mente quebrada conseguia conjecturar.

Uma corrente de vento passou pelas suas costas ao chegar do outro lado do espelho, a arrepiando de cima a baixo. "Esse é um mau presságio". Um segundo depois sua previsão confirmou-se e a luz que indicava que o portal estava ativo apagou-se. Daeris viu-se em uma caverna novamente. Teria voltado ao ponto de partida?

A caverna era cheia de estalagmites, estalactites e grandes colunas de calcário com grossos veios de um cintilante mineral azul. Ela observou o chão; as pedras sob seus pés eram irregulares e acobreadas, iguais às paredes pintadas com hieróglifos e desenhos de dois povos dando as mãos através de um espelho. Nem o cheiro da poeira era o mesmo, mas foi o canto dos pássaros que a fez ter certeza que não estava na caverna de que partira, disparando o gatilho do desespero.

Apavorada pela possibilidade do seu maior medo ter se realizado, ela correu para o clarão que indicava a saída da caverna, sem se importar pela sua bolsa de suprimentos ter caído no meio do caminho. Quando conseguiu enxergar através da claridade, o que viu a fez cair de joelhos. Um rugido animalesco rasgou sua garganta e o choro fervente irrompeu dos seus olhos com a mesma violência de um vulcão em erupção.

Daeris golpeou o chão duro com um soco, esmigalhando o cascalho. Depois, deu outro soco ainda mais forte, e mais um, e outro, e mais uma dezena. A terra tremia com a potência arrasadora dos golpes enquanto seus punhos se cortavam nas pedras afiadas, cavando uma cratera no chão que aumentava a cada soco. Sangue escorria dos rasgos entre as juntas dos seus dedos, regando o solo com a sua fúria.

"Não! Não! Não! Não pode ser, eu não acredito ... "

Suas mãos se projetavam para mais um soco quando a terra sob seus joelhos cedeu, derrubando-a dentro da cratera, afundando-a na terra lamacenta, resultado das suas lágrimas e sangue. Daeris ergueu as mãos trêmulas contra o sol poente e as observou. Apesar da pele dos seus dedos estarem desgrudando da carne, ela não sentia nada. Não sentia dor, não sentia tristeza, não sentia raiva; estava vazia por dentro. Perdida no espaço nebuloso que era a sua consciência, entre a perplexidade e o inconformismo, ela chorava um choro silencioso. Incapaz de compreender por completo a gravidade da situação, uma única frase se repetia infinitamente dentro da sua cabeça:

"Você fodeu tudo, fodeu tudo de vez, sua vadia estúpida!"


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Notas finais do capítulo

É Daeris, você fodeu tudo mesmo. Parabéns para você, querida. Para saber as consequências da inconsequência dessa ruivinha do balacobaco, estejam aqui amanhã, nessa mesma hora, nesse mesmo canal. Só que não. Como disse, agora só mês que vêm.

Aos que conhecem o jogo digo para que não se desesperem! Os personagens cânons aparecerão no próximo capítulo. E aqui: reconheceram o tal portal que Daeris atravessou, hm? E a estranha dimensão em que ela chegou lhe parecem familiar, ahm?

Espero que tenham gostado, estou aqui a espera das opiniões de você, meus queridos. Nos vemos mês que vem. Beijinho, beijinho, tchau tchau!