MA - Mentirosos Anônimos escrita por Allie Moon


Capítulo 1
Sessão 1




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"A mitomania é uma distúrbio de personalidade onde o paciente possui uma tendência compulsiva pela mentira. Esta doença é também conhecida como mentira obssessivo-compulsiva." Eu li em algum site na internet.

Conheci a palavra "mitomania" quando ainda tinha apenas 10 anos. "É algo normal para a idade" eles diziam. Talvez estivessem certos; naquela época.

Arrumo os biscoitos em uma bandeja na mesa de centro onde também disponho três tipos de bebida (whisky, vinho e soda), alguns maços de cigarro e uma garrafa de café. Já passava das seis da tarde. Aquilo tudo começou apenas como um anuncio na internet, um anuncio muito mal colocado, diga-se de passagem. E lá estava eu, pela terceira vez arrumando minha sala de estar para a reunião. Ao que tudo indicava, o MA era oficial.

MA, também conhecidos como Mentirosos Anônimos, era nada mais nada menos que um grupo de apoio para pessoas com a tal mania da mentira, porém, ao contrario dos convencionais grupos de apoio, não estávamos ali para nos curarmos... Estávamos ali para sermos apenas nós mesmos. Ou quem quiséssemos ser.

Meu nome é Summer, e eu sou uma mentirosa. No dia-a-dia sou apenas uma professora que dá aulas para crianças de seis a dez anos... Nas noites de sexta-feira, sou o que quiser ser.

A campainha tocou mas ainda faltavam dez minutos para as sete. Corri desajeitadamente para atender a porta acabando por derrubar algumas coisas no caminho. Era Dom.

– E aí Summer... - Ele cumprimentou de um jeito distraído. Vestia o de sempre, suas roupas escuras e seu coturno surrado, seu cabelo também estava como de costume jogado para o lado de forma desengonçada. Eu gostava daquilo, mas acreditava mesmo que ele poderia ser gay.

– Dom! Você veio! - Sorri simpaticamente dando um leve empurrão em seu ombro. – Entre. Preciso terminar de me arrumar, receba os outros por mim, ok? - Deixo-o a vontade na sala e sigo para o quarto no segundo andar após vê-lo assentir timidamente com a cabeça.

Aquele meu jeito despojado de lidar com as pessoas poderia ser um problema, se por exemplo, aquilo fosse um grupo de apoio para cleptomaníacos. Após uma rápida ducha visto uma camiseta simples com a estampa "Don't Panic" e um par de calças jeans escuras. Fiquei alguns minutos me olhando no espelho, não sabia se amarrava meu cabelo em um rabo de cavalo, ou talvez em um coque frouxo... Clichê demais. Deixei-o solto, talvez ele ganhasse volume ao secar, de qualquer forma, não estava com muita paciência para vaidade naquela sexta.

Todos já se conheciam, e ao descer, noto que todos também já se sentiam em casa. Agata, sentada com os pés apoiados na poltrona ao lado, se recostava em Liza, que já estava servida de uma taça de vinho. Bernard, o rapaz que eu apelidara de Hipster Feliz, contorcia-se aos risos com Dominik e Alice. Samantha e Melina eram as mais destacadas, conversando em um tom baixo num canto da sala. Josh apenas passava os olhos por suas redes sociais em seu celular, alheio a todos em volta, enquanto Nick focava em notar e anotar mentalmente tudo que acontecia em volta... Ele e aquela mania! Importante sempre ter em mente que, nem tudo que um mentiroso compulsivo fala é de fato mentira. Embora na maior parte das vezes seja.

– É uma reunião de trabalho, Tom. Trabalho, entende? Não é como se eu pudesse faltar e nada fosse mudar. - Ouvia sussurros vindo de trás da escada, mas ainda não havia reconhecido aquela voz. Foi apenas ao notar os cabelos ruivos que reconheci a pequena Beatrice. – Eu sei que é nosso aniversário de namoro, mas isso aqui é importante querido! Nós podemos conversar mais tarde? Tudo bem. Até mais, eu te amo. - Com uma piscadela Beatrice desligava o celular e vinha andando em minha direção.

– Tom ainda bancando a mulher da relação? - Pergunto com um sorriso de canto.

– Talvez se eu fosse lésbica não seria tão... "Perseguida"? - Beatrice tosse uma risada e segue em direção à sala.

Já era hora de começar.

Parada no vão da porta pigarreio duas vezes para chamar atenção dos presentes ali, o que não é tão difícil. Mais uma sessão estava para começar, cada um tomava seu lugar nos sofás, poltronas, e até mesmo no chão. Olho de relance para o relógio, já era quase sete e trinta. Eu estava esquecendo algo... Suspiro. Então prossigo.

– Quem prefere começar hoje? - Olho em volta, intercalo o olhar entre cada um ali. Josh apenas desviou o olhar, ele já havia começado na ultima sexta. Samantha chegou a esboçar uma ponta de iniciativa, mas minguou.

– Por que não você? - A voz fina e descontraída quebrou o silêncio, a ideia partia de Liza.

Eu ainda não havia falado se quer uma vez, embora eu soubesse que poderia me sentir livre para falar sobre o que quisesse, como quisesse, eu ainda não me sentia tão confortável como acreditava que me sentiria. Minha vida era um tédio, e todos ali deveriam já ter notado. Por vezes eu me perguntava "qual é o ponto de mentir, se nossa vida não muda de fato?" Mas logo aquela preocupação passava. Dou mais um longo suspiro e me sento em um puff que estava bem ali atrás de mim.

– Meu nome é Summer e eu sou uma mentirosa. - Minha voz ressoou por toda a sala. Os olhos repousavam sobre mim assim como os ouvidos estavam atentos a cada palavra que saísse de minha boca a partir daquele momento.

– Oi, Summer. - Eles cumprimentavam em coro. Alguns rindo, outros com indiferença.

Admito, aquilo era mais estranho do que realmente parecia, mesmo assim, começo a verbalizar toda frustração, antes transformando-a em grandiosas sensações e acontecimentos clichês.

– Fui diagnosticada quando ainda era uma criança, mas nunca de fato me importei, em minha opinião de merda diagnósticos são apenas lentes específicas que distorcem a realidade da vida alheia. E se isso não faz sentido, eu realmente não ligo. - Dou de ombros com uma singela risada e prossigo – Meus pais eram de uma família conservadora e me criaram de forma rígida. De casa para a escola, da escola para casa. Ao menos até minha adolescência, quando descobri que não poderiam me obrigar a nada de fato.

'Descobri um grupo de loucos na minha escola que faziam todo tipo de merda e acabei me juntando à gangue. A gente tocava o terror. Lembro-me perfeitamente da vez em que explodimos várias bombinhas ao mesmo tempo nas mochilas de alguns alunos. Fui transferida de escola e mudamos de cidade, fui crescendo e comigo minhas ideias foram se tornando igualmente maiores. Eu fingia ter um namorado, mas na verdade ia fumar maconha na praça. Meus pais ficavam loucos quando ouviam algo sobre mim. Hoje em dia, com 21 anos, já posso fumar maconha em casa. - Solto uma risada e todos riem junto. – As coisas estão mais paradas que costumavam, mas parece que estão para mudar de novo. Essa semana... - O som da campainha me interrompe. Vejo algumas sobrancelhas serem arqueadas, outros apenas encaram a porta. De súbito lembro-me o que estava esquecendo.

Corro até a porta e abro-a com um largo sorriso estampado no rosto.

– Aqui é o... MA? - O rapaz confuso à porta tinha a pele branca e os cabelos castanhos e bagunçados pelo vento. Sua barba era desenhada, porém mal feita, e eu acabei rindo um pouco daquilo. Vestia um sobretudo para proteger-se do vento, e óculos escondiam um pouco seus olhos de um castanho vivo. Parecia tímido, desajustado, e todas essas confusões juntas em uma pessoa só. Provavelmente, não, só podia ser ele, eu havia falado com o mesmo pela internet naquela tarde.

– Sim, entre. - Abro espaço o suficiente para que ele passasse.

– Sou Loki. - Se apresentou olhando em volta.

– Summer. - Sorri voltando à sala e trazendo-o comigo.

Loki era um estudante de psicologia da universidade federal daquela cidade, mas não... Ele não estava ali pelo seu TCC. Tinha uma metodologia bem diferente de seus colegas, mas ninguém por ali precisava saber das verdades da vida alheia, certo? Volto ao meu puff após ter certeza que Loki estava bem acomodado e volto a falar sobre minha vida quase completamente real.

– Como ia dizendo, essa semana, recebi um e-mail bastante promissor... E parece que as coisas finalmente vão se agitar outra vez. - Sorrio deixando os dentes à mostra e faço um tipo de reverência enquanto todos aplaudem de forma contida.

– Meu nome é Alice, e eu sou uma mentirosa. - Alice aproveita a deixa e logo se apresenta.

Alguns risos podem ser ouvidos pela sala. A noite parecia mais promissora que meu suposto e-mail. Dou de ombros e pego uma taça de vinho observando Loki. Ele realmente estava deslocado, e eu realmente queria saber no que aquilo daria. Tomo o primeiro gole e apenas deixo a noite rolar.

– Oi, Alice!


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Notas finais do capítulo

Sintam-se à vontade para comentarem o que acharam.
Até a próxima o/