De volta ao Distrito 12 escrita por L W


Capítulo 2
Capítulo 2


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo não é bem um segundo capítulo. Resolvi escrever o ponto de vista do Peeta do capítulo anterior. Claro que as situações são quase todas as mesmas que do primeiro capítulo (tem só duas extras), mas eu me esforcei pra não deixar a narração das ações iguais. Tentei fazer com que Peeta contasse a historia abordando os aspectos mais significativos para ele dessa passagem de tempo. Por isso ele relata um pouco sobre uma crise de telessequestro.
Bom, sem mais. Boa leitura.



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Voltar para o Distrito 12 foi um desafio à parte. Não que eu não ansiava por isso, mas a expectativa de rever a minha casa, a destruição e, principalmente Katniss, me deixava aflito.

Depois de tudo que havíamos passado, de sermos usados em lados diferentes por duas potências mortíferas, de eu ter tentado matar Katniss e depois ela tentar cometer suicídio, eu não poderia prever o quão quebrada ela estaria. O tempo que ela passou enjaulada na capital, onde eu não tinha acesso a ela, só piorava as coisas.

E também havia o problema do telessequestro. Eu já não estava mais tão confuso como estivera quando fui resgatado, eu já lembrava dos meus sentimentos em relação à ela, mas ainda assim, havia momentos que uma neblina se punha na frente deles e me fazia acreditar que ela era um monstro. Eu sentia medo e ódio. E quando esses episódios passavam, eu sentia vergonha.

No entanto, lá estava ela. No segundo dia eu a vi. Apesar da crise de nervos que teve logo depois de me ver e me impedir de ajuda-la, no dia seguinte ela já abriu as portas da sua casa para mim.

No começo só tomávamos café da manhã juntos. Depois ela teve a ideia para um livro de memórias das pessoas que perdemos em função dos jogos e da guerra e nos convidou – a Haymitch e a mim – para participar da sua confecção.

No fim foi bom para nós três. Ela escrevia, eu desenhava e Haymitch nos abastecia com informações. Incontáveis noites passamos trabalhando no livro até tarde. E eu percebia que, quando Haymitch não estava por perto, Katniss se recostava no sofá enquanto eu trabalhava e dormia. Algumas vezes até desabou sobre mim.

Mas hoje ela sentou um pouco mais longe de mim. Não sei se é para não correr o risco de dormir sobre mim de novo, ou se é outra coisa.

No entanto, ela não dorme. Logo percebo que ela está olhando fixamente pra mim. Normalmente eu não teria grandes problemas com isso, mas de alguma forma eu me sinto meio constrangido. Então eu me viro para ela e observo seu olhar. Apesar de estar olhando diretamente para mim, ela parece estar longe. Demora alguns segundos para ela perceber que estou olhando de volta.

Ela começa a ficar vermelha – claro. Não posso evitar um sorriso. Ela se constrange com tudo.

Eu me volto para o livro mais uma vez e digo:

– Sabe que eu me sinto meio estranho quando você me observa assim, tão intensamente.

– Desculpe. – é só o que ela responde, desviando o olhar de mim.

Ela não precisa pedir desculpas. Não pra mim. Nunca.

Eu volto a olhá-la.

Ela observa os próprios joelhos. Ela realmente ficou envergonhada por me encarar. Eu fico na dúvida sobre o que dizer, pois sinto o desconforto dela e gostaria de aliviá-lo. Mas o que eu poderia falar?

Resolvo desviar o foco:

– Você não vai dormir um pouco hoje? Eu tenho me concentrado mais para não fazer nenhum movimento ou barulho que possa impedir o seu cochilo.

Não funcionou. Ela ficou mais corada ainda.

Enquanto ela balbucia um “Não sei”, eu começo a me dar conta do verdadeiro problema. Ela não pode estar sempre tão exausta a ponto de cochilar no meio das nossas sessões. E se estivesse, o faria com Haymitch por perto também. Mas o motivo é outro. É o mesmo que me mantém acordado à noite.

– Katniss. – eu digo sério. – Você está tentando não dormir a noite? Por causa dos pesadelos?

– Um pouco. – ela responde alguns segundos depois. – Tento dormir um pouco quando tenho companhia, para dormir um pouco menos à noite, quando estou sozinha.

Ela volta a olhar pra mim e eu tenho uma vontade insana de gritar. Gritar por causa do sofrimento. E gritar por que eu queria poder arrancar essa angústia de dentro dela. Eu preferiria sofrer em dobro com os meus pesadelos e problemas do que vê-la nessa situação.

O que eu posso fazer?

Na verdade eu sei o que, mas eu não quero forçar a barra. Enquanto estive na capital, impossibilitado de retornar para casa, tive muito tempo para pensar em toda a nossa trajetória. E de certa maneira me envergonhei das minhas atitudes.

Minha intenção era nobre, era salvar nossas vidas durante os jogos, mas sinto que, na primeira arena, usei este argumento para pelo menos uma vez senti-la perto de mim – com os seus beijos e abraços. No final das contas, fui eu quem forçou a barra e causou um monte de confusão sentimental nela.

Claro. Depois daqueles dias chuvosos na arena, eu passei a acreditar que ela realmente sentisse algo por mim. Todo mundo sabe que Katniss não é tão boa atriz e que não tem muita desenvoltura para o romance. Mas algumas vezes ela me beijava tão intensamente e logo ficava tão desconsertada, que eu acreditei nas minhas próprias fantasias.

Depois foi um choque quando ela me chamou para a realidade. E eu fiquei brabo. Fui um idiota. Um completo e inútil idiota. E perdi preciosos momentos de paz com ela por isso.

Mas na praia, eu voltei a acreditar de novo. Não era por que ela insistia em me manter em segurança para que eu vencesse o Massacre. Eram as pequenas atitudes dela. O desespero quando fui eletrocutado pelo campo de força. O beijo que me deu depois de dizer que precisava de mim na sua vida.

Se eu não tivesse sido capturado pela capital, talvez teríamos resolvido as coisas naquela época mesmo.

Mas agora, eu não quero correr o risco de novo de pressioná-la. Ela já sofreu demais, e em grande parte por minha culpa. Eu quero ajuda-la em qualquer coisa de que precise, mas quero que ela peça quando estiver pronta. Não quero começar tudo errado de novo.

Mas eu vejo que ela começa a ficar constrangida de novo. Ela não vai pedir, sabe-se lá por que. Então as palavras simplesmente pulam da minha boca, como se eu não tivesse controle sobre elas:

– Eu posso ficar aqui com você. – Eu preciso consertar isso! Não pode parecer que estou impondo romance. – Pra você se sentir mais segura, eu quero dizer. Como no trem. Como um ombro amigo.

Isso. Um ombro amigo é bom. Bom e idiota! Por que eu não quero ser só um ombro amigo! Mas antes amigo do que nada, então...

– Seria ótimo. – diz ela com os olhos lacrimosos - Se você não se incomodar.

Como que eu iria me incomodar em dormir abraçado na garota por quem sou apaixonado desde os cinco anos de idade? É o que anseio fazer desde que recobrei o controle sobre minhas lembranças. Sinto uma saudade angustiante corroendo meu coração.

– Não me incomodo – eu respondo tentando sorrir calmamente, em vez de sair rodopiando por aí.

Ela ainda tem lágrimas de formando nos olhos. Eu não quero que ela chore. Eu não quero que chore nunca mais. Preciso fazer o que estiver ao meu alcance para impedir motivos pra isso.

Eu passo minha mão no rosto dela, tirando uma mechinha de cabelo rebelde de seus olhos marejados. Ela então segura a minha mão e deixa a lágrima rolar.

É o mais perto de carinho que estivemos até então. Por mais que venhamos nos encontrando praticamente todo dia, nunca nos encostamos. Nunca nos fizemos carinho. É uma amizade bastante fria. Por isso tenho vontade de congelar esse momento. De nunca mais desfazer o toque.

Em vez disso tento dar uma de prático e digo:

– Se ficar aqui, preciso ir para casa tomar banho. Estou grudento.

– Tudo bem – diz ela. Eu vejo um relâmpago de lago que não consigo identificar passar pela expressão dela. Medo? Desapontamento? – Traz a sua escova de dente junto que é cedo. Enquanto isso, preparo alguma coisa para a gente mastigar.

Sinto-me desconfortável ao sair da casa dela. Tenho medo de, quando voltar, ela tenha sumido. Ou que ela tenha mudado de ideia. Eu faço o possível para não pensar nisso enquanto tomo o meu banho e arrumo minhas coisas. Mas até quando estou acordado os pesadelos de perdê-la me assaltam.

Um tempinho depois estou batendo na porta dela de novo. Estou ansioso.

Ela abre a porta, com um lindo sorriso que me parece bem genuíno, e diz:

– Você não precisa bater. Já que vai passar a noite aqui, pode muito bem entrar quando quiser.

– Eu tenho modos. – eu devolvo, contente em saber que ela esta ali, me esperando. – Effie ficaria escandalizada com a tua sugestão.

Rimos os dois.

Sentamos no sofá para assistirmos à nova programação de Plutarch. Ele está mostrando como os distritos têm trabalhado para se reconstruírem. Cidadãos de distritos diferentes estão organizando mutirões de mão de obra para começar a reerguer os mais danificados. A Capital está enviando o que pode de recursos para ajudar e, pelo jeito, irão começar com o Distrito 12, que sofreu as maiores baixas.

Quando eles cortam para o acompanhamento dos processos criminais dos Pacificadores que sobreviveram à guerra, eu percebo que Katiniss, empoleirada ao meu lado, está com o olhar distante. Me dou conta que assistir ao noticiário pode ser doloroso pra ela.

– Nada que te interesse? – tento sondá-la.

Ela vira o rosto pra mim e diz:

– Não é isso. É só que eu estou tão cansada dos affairs da Capital e dos distritos (principalmente com o que condiz ao distrito 13), que eu não quero saber de nada disso por um bom tempo. Gostaria de ser uma garota de 17 anos bem ordinária. Se é que isso é possível nesse mundo.

– Você sabe que nunca será. – eu falo antes de pensar. Que boca grande! Na verdade eu daria a minha vida para que ela pudesse ser uma garota comum, sem todos esses sofrimentos. Tento remendar:

– Não com tudo o que passou, sendo forçada a amadurecer e a enrijecer.

Pronto. A emenda saiu pior do que o rasgo. Eu não a acho rígida! Pelo contrário. A acho muitíssimo sensível. Ela tenta esconder seus sentimentos, mas sei como sofre.

– Mas eu gostaria que fosse diferente – ela diz meio magoada.

– Eu também. – Por que eu não fico quieto? Eu só estou piorando a situação! Eu tento remendar mais uma vez:

– Nós dois. Eu gostaria de não ter sido forçado a isso tb.

E ao dizer isso, involuntariamente me lembro de detalhes do que passamos. Revejo algumas cenas da tortura a que fui submetido. Revejo a dor nos olhos de Katniss quando tentei mata-la. Revejo como despedacei o coração dela quando falei todas aquelas coisas horríveis, depois de toda a angústia que ela tinha passado por conta do meu sequestro. Teria sido tão mais fácil se Snow tivesse me matado logo de cara.

Com o canto do olho percebo que Katniss está agarrando as próprias pernas e seu corpo treme. Porém percebo tarde, pois antes que eu possa fazer alguma coisa, ela se atira na minha direção e joga seus braços em volta do meu pescoço.

– Ah Peeta – ofega ela. – O que foram fazer com a gente.

Eu sou tomado de surpresa por esse ato. A princípio não sei como reagir. Devo retribuir? Devo desconversar?

Mas então me dou conta do idiota colossal que sou. Do que adianta ficar reprimindo o contato físico? Para que ficar esperando ela decidir qualquer coisa que seja a meu respeito? Isso é pura enrolação desnecessária. Tenho que mostrar a ela o quanto quero ficar a seu lado, de qualquer maneira que for. Não vou forçar a barra, mas também não posso ficar atônito com cada gesto dela, só porque ela não diz com todas as letras o que quer.

Assim, eu me solto do abraço dela para poder puxá-la para o meu. Eu a comprimo com força contra meu peito e sinto o quanto seu corpo inteiro treme. Não sei se está chorando. Certamente é o que eu tenho vontade de fazer. Mas o simples fato de estar abraçando-a de novo é o suficiente para, aos poucos, ir acalmando o meu coração. Eventualmente ela para de tremer também e afrouxamos um pouco o abraço.

– Se você vier de novo dormir aqui – ela diz enfim. Sua voz está fraca - por favor, traga o que precisa pra não precisar ir em casa o tempo todo.

Não posso deixar de sorrir com essas palavras. Acho que elas confirmam a minha própria insegurança. Como consegui passar tanto tempo sem a proximidade dela?

– O tempo todo? – eu digo. - Você está me sequestrando?

– Sim. – a voz dela ganha firmeza.

Então ela também tem medo de algo acontecer para que não possamos mais nos ver.

Para aliviar um pouco o clima e distraí-la dos problemas, tento direcionar a conversa para o livro. Conversamos boa parte da noite sobre como fazer as ilustrações, que fotos usar, o que escrever e quem mais adicionar.

Enfim o cansaço a vence – admito que também esteja bastante exausto, já que minhas noites têm sido um mar de pesadelos – e ela me convida para subirmos.

Enquanto ela toma banho, eu tento me acomodar na cama dela. É estranho e eu estou nervoso. Já não sei mais como agir direito nessa situação. No passado, a primeira vez que ela me pediu para ficar, foi de repente e já deitamos para dormir. Agora, tivemos algumas horas para eu me acostumar com a ideia e em vez disso, fiquei nervoso. Eu não sei o que esperar dessa noite. Pior, não sei o que ela espera de mim.

Sacudo a cabeça pra me livrar desses pensamentos. Nada romântico vai acontecer, obviamente. É muito recente. O máximo que pode acontecer é eu ficar acordado zelando o sono dela. Ponto.

Ela sai do banheiro com o cabelo molhado, vestida num pijama de abotoar bem largo. Ela está linda. Como sempre.

Eu ergo a coberta e dou um tapinha na cama para ela vir se enroscar no meu braço. Ela sorri e faz exatamente isso. Do mesmo jeito que ela fazia no passado.

Sinto o calor do corpo dela contra o meu. E de novo me pergunto como aguentei até agora sem tê-la nos meus braços.

De repente sinto uma urgência em entender o que ela passou nas mãos de Coin. Entender por que Katniss a matou. Talvez sabendo, posso ajuda-la a superar. Não quero estragar a noite com esses assuntos pesados, mas acho que o fato de eu a estar abraçando – sei com certeza que ela se sente segura com isso – pode ajuda-la a falar sobre o assunto.

– Posso te fazer uma pergunta delicada? – eu pergunto.

– Pode. – ela responde devagar.

– Por que você matou Coin?

Ela hesita. Fica em silêncio por um bom tempo. Eu aguardo, pois sei que ela vai me dizer se não quiser falar sobre o assunto.

Por fim ela começa a contar o que aconteceu. Ela diz que Snow abriu-lhe os olhos para as ações de Coin. Como ela já vinha desconfiando dos métodos de batalha dela. Como foi provavelmente através de uma armadilha inventada por Gale que Prim perdeu a vida. E, o que me deu vontade de eu ter mesmo feito o serviço, de como Coin me usou para tentar tirar a vida dela.

Isso quer dizer que se o plano tivesse dado certo, eu teria sido o responsável por acabar com a minha própria vida. Como que eu poderia ter vivido comigo mesmo se tivesse tirado a vida da única pessoa que já amei? Eu não poderia, é claro. Provavelmente teria engolido a maldita pílula cadeado imediatamente depois do ato. Embora eu tenha sérias dúvidas de que teria realmente matado Katniss. Por mais desorientado, não é possível que eu não me desse conta. É?

A realização de que fui usado dessa maneira vil por quem deveria ser um aliado, de que eu pudesse ter sido o responsável pela morte de Katniss, me abre um buraco no coração. Eu o sinto esfarelar. Não consigo reprimir as lagrimas que jorram dos meus olhos. Ainda mais sentindo que Katniss também está chorando.

Eu deveria ter imaginado tudo isso. A sugestão de um último Jogos Vorazes de Coin deveria ter sido mais do que o suficiente para me abrir os olhos. Lembro que fiquei tão espantado com a reação de Katniss à proposta. Na época fiquei muito confuso. Cheguei a pensar que as imagens do telessequestro tinham certa verdade.

Mas então Katniss matou Coin e tentou se matar em seguida. E Eu entendi pelo menos o porquê de ela ter votado sim.

E outro fato da narrativa dela que me deixa bastante angustiado é o envolvimento de Gale na morte de Prim. Obviamente ele não construiu a armadilha com essa intenção específica. Por mais ciúmes que eu tenha sentido dele, ele sempre foi um sujeito decente, e sempre teve a segurança de Katniss e sua família em primeiro lugar. O que me deixa triste é como também ele foi usado e em decorrência disso tenha se afastado de Katniss. Eu o prefiro longe por mim, mas sei o quão importante ele sempre foi à Katniss, e por ela, eu sinto imensa tristeza por ele não estar por perto.

– Posso eu te fazer uma pergunta então? – ela diz me tirando do meu devaneio. Percebo que a estou apertando com força.

Emito um som de concordância.

– Por que, mesmo sem saber disso tudo, com a nossa relação tão abalada e com a imagem tão feia que você tinha de mim, por que você impediu meu suicídio?

Por que eu amo você Katniss! Sempre amei e sempre vou amar!

Eu tento elaborar um pouco em vez de jogar essas palavras nela:

– Francamente, na hora eu não sabia direito. Senti o impulso e impedi. Agora, eu entendendo que apesar de tudo, eu sentia que não poderia viver num mundo em que você cessasse de existir. Ainda mais por minhas mãos. Teria sido o fim para mim. Instintivamente eu teria te seguido.

Imediatamente percebo que ela se encolhe e agarra o próprio peito. Ela está sofrendo. Será que falei a coisa errada?

– Você está bem – eu pergunto aflito.

– Estou - ela responde enquanto tem uma nova crise de choro.

Isso não me parece nada bem! Eu tento achar alguma coisa para dizer. “Não chora” não me parece uma boa opção. Mas ela fala por mim:

– Eu não sei o que seria da minha vida se não tivesse você por perto. Se você não estivesse aqui, no 12, não acho que teria conseguido sair da letargia.

– Teria sim. – ouço a minha voz dizer sem consentimento - Você é forte. Você conseguiu superar a perda de tantos, inclusive de Gale. Não seria a minha falta que derrubaria você.

– Não é a mesma coisa – ela devolve com uma grande nota de magoa na voz.

Claro que não! Por que eu diria uma coisa dessas? Sim, ela é forte. Sim, ela superou a perda de Gale – pra que trazer Gale pro meio da conversa? E sim, provavelmente ela daria um jeito de superar a mim também. Mas ela está finalmente abrindo o seu coração. Ela está me contando do seu desespero. E eu, idiota que sou, falo uma besteira dessas. E me dou conta que ainda me sinto inseguro com o fantasma de Gale. Mas isso vai mudar agora!

– Eu sei que não. – eu admito. - Então hoje você não precisa ficar aflita, pois estou aqui com você.

Eu mereceria ela ficar magoada comigo para o resto da noite. Mas em vez disso, ela relaxa os músculos e solta o próprio peito. Então ela passa o braço por cima do meu peito e me aperta firmemente.

Eu também a seguro com força, aliviado que minhas palavras tortas não a tenham deixado mais infeliz ainda.

Assim, pela primeira vez em muito tempo, dormimos uma noite livre de pesadelos.

As semanas passam e Katniss e eu ficamos mais íntimos. Não de uma maneira romântica, como eu gostaria, mas aprendemos a contar um com o outro de novo. Nós nem combinamos mais de dormir juntos. Eu praticamente moro na casa dela e vou e venho como quiser e sei que ela jamais vai me pedir para não ir.

Mas ao mesmo tempo compartilhamos da insegurança da separação forçada. Eu me sinto assim e tenho certeza que ela também, pois faz questão de me acompanhar em todas as atividades. Mas eu tremo só de pensar em como fomos forçados a nos separar e tudo que aconteceu em decorrência disso. Então o fantasma do “será que ela está bem? Será que vai voltar?” sempre paira sobre nossas cabeças nas raras ocasiões em que nos separamos.

E são raras mesmo. Pois, enquanto ajudamos a reconstruir o distrito e a alimentar as pessoas, eu a acompanho quando vai caçar e ela me acompanha nas construções para ajudar na administração.

As pessoas na rua às vezes tecem alguns comentários sobre a nossa relação, que fazem com que até eu acabo ficando constrangido. Eles têm em mente que somos casados. Todo o dramalhão particular de nossas vidas lhes passou despercebido. Eles ainda nos vêm como o casal que venceu os jogos e desafiou a capital. Os amantes desafortunados.

Então às vezes nos perguntam coisas como para quando pensamos em ter bebês. Ou se não somos muito novos para ser um casal, e como a mãe de Katniss reage a isso.

Katniss, inevitavelmente, toda santa vez, fica completamente vermelha. Eu até acho isso bonitinho. Mas, não fizemos esforço nenhum para deixar as pessoas saberem que somos amigos. Isso provavelmente levantaria uma série desnecessária de perguntas e fofocas. Sem falar na decepção que sentiriam. Então deixamos assim.

A coisa toda começou a mudar de cor mais ou menos um mês depois de voltarmos a dormir juntos. Claro, com toda essa codependência, a relação já vinha se estreitando mesmo, mas foi num dia quente de verão que demos um passo mais definitivo.

Katniss me levou para conhecer uma lagoa que o pai dela havia encontrado. Ela disse que era uma espécie de santuário para ela, e que ela só levaria alguém muito especial lá.

Enfim. Estávamos sentados à beira d’água, molhando nossos pés, conversando sobre coisas genéricas. E estava quente mesmo. Ainda que estivéssemos meio molhados, o calor me parecia meio sufocante. Até me lembrava um pouco a segunda arena com seu clima tropical.

Eu estava pensando em entrar na água. Não sei nadar, mas até uma boa altura, Katniss garantiu que o lago fosse raso. Então, sem pensar muito, comecei a me livrar do excesso de roupa.

Logo que eu tirei a camiseta, eu vi que Katniss desviou o olhar rapidamente de mim e começou a corar. Eu nem pensei na possibilidade de constrangê-la, pois ela já deveria estar acostumada por causa dos incidentes recorrentes em que a mãe precisou cuidar de feridos. E a gente dorme junto toda noite.

– Você não disse que já tinha se acostumado com a nudez alheia? – eu perguntei erguendo uma sobrancelha.

– Sim – ela respondeu para uma pedra. – Mas eu acho que estava enganada.

Eu tive um pequeno acesso de riso. Ela é uma pessoa que se constrange fácil, eu sei. Mas com tudo, eu achei que este fosse o menor dos constrangimentos. Ela praticamente me vestiu inteiro quando estávamos na primeira arena. Mas de novo, ela fica tão bonitinha encabulada.

Ela acabou rindo também. E foi primeira vez que a vi fazer isso de forma bem espontânea. Não foi um risinho contido, foi uma risada mesmo. Decidi provoca-la um pouco mais:

– Se você quiser, eu posso tirar mais peças pra você se acostumar melhor.

– Não ouse! – exclamou ela ainda rindo.

Eu levantei e coloquei os polegares dentro da cintura da minha calça e baixei um pedacinho. Ela deu um salto como nunca a vi dar. E estamos falando aqui de uma garota que caça e venceu os Jogos Vorazes.

Ela correu até mim e segurou meus pulsos. Posso não ser um grande guerreiro e ter muita desenvoltura em combates, mas sei uma coia ou outra. Enquanto ela me segurava com força, eu empurrei meus braços para as costas dela e a prendi num abraço.

Ela estava rindo ainda mais que antes. Eu também. Estava sendo tão gostoso poder ser simplesmente feliz e rir. Então pulei, ainda agarrado a ela, no lago.

Mas ela foi rápida e se aproveitou da minha falta de experiência na água e se desvencilhou de mim. Quando emergimos, ela me atacou com jatos de água. Acho que podíamos ser ouvidos a quilômetros dali, tamanho era o fuzuê que estávamos fazendo.

Dei um jeito de recaptura-la. Então quando estava firme e seguramente em meus braços de novo, as nossas risadas começaram a fraquejar. Não porque não estávamos mais alegres, mas por que algo mais estava acontecendo.

Enquanto eu a olhava nos olhos, comecei a me sentir de novo como na caverna da arena, durante a tempestade. Eu sentia a expectativa do primeiro beijo – como se fosse a primeira vez que tivéssemos algum contato físico mais romântico. A expressão que eu via nos olhos dela era diferente. Era mais parecida com a expressão da praia, quando ela me disse que precisava de mim. Mas não tão triste quanto daquela vez.

E eu não sabia bem como reagir. Para mim era óbvio que estávamos tendo um momento. E se eu estivesse correto, eu também estava lendo isso nos olhos dela.

– Katniss... – eu sussurrei, tentando estimula-la a definir o momento.

Mas tudo que ela fez foi sussurrar o meu nome.

– Peeta...

O momento era tão cheio de ternura e carinho, que eu resolvi abandonar meu receios de vez - como fiz quando me ofereci para passar a noite com ela – e simplesmente agir como eu agiria se este fosse a primeira vez.

Assim, eu segurei a nuca dela com uma das minhas mãos, emaranhando meus dedos nos cabelos molhados dela. Com a outra mão, segurei-a perto de mim pela cintura. Ela respondeu fazendo carinho no meu rosto.

Meu coração se comprimia. Eu me sentia mais nervoso ainda que da primeira vez. Lá na caverna, a coisa toda tinha um quê de brincadeira no meio. Por mais que eu estivesse completamente apaixonado e que eu sabia que precisávamos do show para os patrocinadores, a pressão era de alguma forma menor. Dessa vez, no lago, eu sentia como se tivesse muito mais em jogo – muita bagagem. Mas foi ela quem deu mais um passo em frente. Ela passou seus braços por baixo dos meus e se apertou contra mim, fazendo pressão com as mãos em minhas costas.

A sua boca estava tão perto da minha que eu podia sentir sua respiração na minha pele. Eu não sei se fui eu, se foi ela, ou se foi simultâneo, mas encurtamos a distância entre nossos lábios e nos prendemos num beijo.

Eu sentia borboletas no estômago. Jamais pensei que fosse sentir-me assim de novo. O segundo primeiro beijo. Eu me esforcei para ser o mais delicado e gentil possível, mesmo com meu coração dando cambalhotas e eu tendo vontade de apertá-la com mais força contra mim.

Surpreendentemente, foi ela quem fez isso. De repente o beijo dela intensificou, ficou mais urgente, e ela se agarrou com mais firmeza em mim. Frente a isso, não tive como resistir ao impulso de apertá-la também. Cheguei até a erguê-la do chão. Mas ela continuou o beijo com fervor.

Ela passou seus braços por cima de meus ombros e entrelaçou os seus dedos nos meus cabelos. Eu sentia o coração dela acelerando com o meu. O beijo estava sendo tão intenso, que precisamos parar algumas vezes para tomar ar.

Meu coração e meu estômago ficavam cada vez mais quentes. Eu sentia meu corpo inteiro ficar mais quente. E o de Katniss também. Mesmo ambos estando parados dentro da água fria.

Se barulhos de pessoas vindo em nossa direção não tivessem nos tirado desse momento, eu acho que eu teria passado de todos os limites possíveis ali mesmo. O que teria sido um erro. Provavelmente.

Quando esse pensamento me ocorreu, enquanto diminuíamos o ritmo, eu fiquei genuinamente constrangido. Não por beijá-la, mas por ter vontade de cruzar a linha.

Eu percebi que ela também ficou um tanto constrangida. Será que ela teve o mesmo desejo que eu?

Enquanto voltávamos de mãos dadas para a Aldeia, uma felicidade imensa se apoderou de mim, pois eu me dei conta, naquele instante, que definitivamente a Capital não conseguiu tirar de mim o mais importante dos meus sentimentos – o amor pela garota que faz os pássaros ficarem quietos quando canta. Mais ainda: nenhuma nuvem de confusão chegou perto de se instalar na minha mente e fazer com que eu visse a garota que eu estava beijando como uma ameaça. Isso me deixou muito aliviado.

Por um bom tempo a nossa relação não evoluiu muito a partir disso. Mas certamente não involuiu também. Não nos declaramos namorados ou coisa assim, mas volta e meia nos perdíamos em beijos e abraços. Nada tão intenso – eu preferia navegar por mares mais seguros, e Katniss, eu acho, também – mas definitivamente estávamos avançando aos pouquinhos.

Porém, alguns dias depois da visita ao lago, tive minha primeira crise.

Eu estava do lado de fora da casa, podando as prímulas que plantei em homenagem a Prim, quando Katniss apareceu com um copo de suco para mim. Quando me virei em direção a ela, sua silhueta ficou recortada contra o sol e eu, de repente, vi uma terrível ameaça nela. Ela me pareceu monstruosa, como se fosse um bestante. E eu percebi que aquele ser só poderia estar conectado a Capital. E além do medo, eu senti ódio.

Instintivamente eu dei dois passos para trás, segurando com firmeza a tesoura de poda em minha mão. Eu me defenderia se fosse preciso.

Foi a voz de Katniss que me proporcionou um lampejo de realidade.

– Peeta, o que foi? – disse ela com certo desespero.

– Fique longe de mim! – eu berrei como resposta, num desejo misto de evitar contato com a criatura hedionda e protege-la de mim.

– Não! – disse ela com firmeza, chegando mais perto. – Você tem que lutar contra isso.

– Eu não consigo! – berrei de novo. – É muito forte!

Eu senti suas mãos envolverem as minhas e, de alguma maneira que não sei explicar, me desarmando da tesoura de poda.

Ao mesmo tempo em que eu lutava para manter minhas mãos quietas, eu lutava para movimentá-las e quebrar o crânio da ameaça que estava na minha frente.

– Volta pra mim – eu a ouvi sussurrar. Eram lágrimas que lhe escapavam dos seus olhos? – Fique comigo.

Eu não conseguia responder, por mais que tentasse. Eu a estava fazendo sofrer de novo. Ela estava chorando por minha causa. E mesmo assim eu ainda queria torcer-lhe o pescoço.

– Não me deixa Peeta. – chorou ela. – Não deixe que te separem de mim!

Então a criatura fez o impensável. Anulou a pouca distância que existia entre nós e colou os seus lábios nos meus.

Tive que usar todas as forças de que dispunha para não lhe dar uma mordida. Eu sentia nojo e ao mesmo tempo desespero por que estava prestes a machucar a garota que eu amo.

Ela apertou mais ainda seus lábios contra os meus e, soltando minhas mãos num ato muito irresponsável, segurou o meu rosto. Em resposta eu me agarrei à cintura dela.

Eu estava tentando não apertar muito, mas ainda assim estava causando alguns hematomas nela. Mas ela não desistiu. Ela ficou me beijando e sussurrando comigo até a nuvem se dissipar por completo.

Quando isso aconteceu, eu não sabia se a beijava, se a abraçava, se a xingava. Eu estava muito aborrecido comigo mesmo e com uma enorme vergonha em função dos meus pensamentos. Então eu chorei.

E ela chorou. Mas me abraçou com força e disse:

– Está tudo bem agora. Passou.

– Você não deveria se arriscar, Katniss. – eu murmurei com o rosto enfiado em seus cabelos. – É muito perigoso. Você foi muito irresponsável.

Ela não disse nada. Só enterrou o rosto dela em meu pescoço e começou a soluçar.

Durante as semanas seguintes, aconteceram alguns desses episódios. Vez por outra ela usava a mesma tática e às vezes se mantinha um pouco mais afastada. Mas ela estava sempre lá, de olho em mim.

Eventualmente ambos aprendíamos a lidar com isso. O bom era sempre ter algo à mão para que eu pudesse agarrar. Ainda assim eu insistia com Katniss para que ela ficasse longe de mim quando ocorresse. Mas ela é uma criaturinha muito teimosa!

Pelo lado bom, como estava sempre abraçado a ela para dormir, os pesadelos em que ela era arrancada do meu mundo se tornavam mais raros. Já os demais eram recorrentes. Mesmo assim, bastava eu abrir os olhos e vê-la dormindo em meus braços, que meu coração e minha mente se acalmavam.

Ela também não tinha mais pesadelos o tempo inteiro. Às vezes até conseguia passar uma noite inteira sem gritar ou espernear. Não era muito frequente, mas acontecia. E eu usava a noção de que era minha presença que lhe proporcionava paz de espírito, para me perdoar das crises provocadas pelo telessequestro.

Como um todo, as coisas vinham se ajeitando.

Hoje, Haymitch deu o ar da graça. Com uma garrafa na mão é claro. Estamos trabalhando no livro, na seção da família Odair. Temos uma foto do bebê de Finnick e Annie e uma ilustração da família reunida, que foi bem desafiadora de fazer.

Assim que Haymitch perde os sentidos, ele cai sobre minhas costas. Preciso parar de trabalhar no livro na mesinha de centro. Ela é muito baixa e eu trabalho curvado. E pelo jeito, minhas costas são um convite para dormir.

Divirto-me com a comparação entre Haymitch e Katniss que brota nos meus pensamentos.

– Olha só – digo – Isso me lembra de certa senhorita que há algum tempo atrás tinha a mesma mania. Até babava um pouco!

– Mentira! – ela exclama indignada – Nunca babei. E nem desmaiava desse jeito.

– Não sei não. A sensação me parece familiar. – Claro que não me importo nem um pouco de tê-la dormindo sobre mim.

– Então quem sabe - diz ela tentando disfarçar o riso - você queira dormir abraçando o Haymitch hoje.

– Não. – digo arregalando os olhos, para lhe mostrar o quanto essa ideia me espanta. - Vai que eu o prefira! Não conseguiria mais viver comigo mesmo.

Nós rimos alto e Haymitch resmunga algo sobre não conseguir dormir com essa barulheira. Estranho mesmo é ele estar dormindo à noite.

– O que faremos com ele? – pergunta Katniss.

– Eu não sei. – respondo – Poderíamos deixa-lo dormindo aí mesmo.

Tenho a impressão de que se o arrastarmos para a casa dele, ele vai dar um jeito de recobrar os sentidos e beber pelo resto da noite.

– Tudo bem. – diz ela depois de ponderar um pouco – Mas se ele vomitar, eu limpo o sofá com o coro dele!

Parece justo.

Enquanto Katniss busca um cobertor e um travesseiro para ele, eu acho um balde para por na sua cabeceira. Depois eu o ajeito de bruços no sofá, mirando o interior do balde. Katniss o cobre e subimos para o quarto.

Katniss pede para tomar banho primeiro e eu sento na cama dela para esperar.

Começo a pensar nas vítimas dos jogos. Em como demorou 75 anos para as pessoas de Panem se rebelarem. E em como foi injusto, tanto a Capital como os rebeldes, fazerem uso de pessoas tão jovens para as suas agendas criminosas.

Imediatamente começo a pensar em Rue. Ela era mais do que jovem. Era uma criança indefesa que não teria qualquer chance de se defender sozinha. Mais cedo ou mais tarde ela acabaria sendo encontrada por um dos carreiristas mesmo. E se não, não quero nem pensar em como seria se tivéssemos sobrado os três – Katniss, Rue e eu – para o final.

Eu fecho meus olhos e tento acalantar esses pensamentos com a música que Katniss cantou para ela em seu leito de morte.

Não sei quanto tempo fiquei sentado, de olhos fechados, murmurando a melodia. Me pareceu pouquíssimo tempo, mas Katniss já está na minha frente de novo. Vestida em seu pijama largo de botão.

Ela senta do meu lado e murmura:

– Rue.

E eu respondo com um sorriso. Então levanto e lhe dou um beijo na testa e vou ao banheiro.

Está abafado e nebuloso. Mesmo com o clima quente lá fora, Katniss gosta de tomar banho quente. Eu prefiro mais frio.

Eu me dispo e esfrego o braço no espelho para tirar o vapor do vidro. Passo o dedo sobre as cicatrizes de queimadura em meu peito. Elas não têm muito relevo, mas são de cores diferentes à da minha pele. Um lembrete físico dos tempos passados. Como se precisasse de mais um.

Deixo a água fria escorrer sobre minha cabeça, levando embora esses pensamentos negativos.

Mais por me obrigar a deixar o clima mais leve, do que para efetivamente incomodar Katniss, decido lhe pregar uma pequena peça.

Me enrolo da cintura para baixo em uma toalha e pego outra para secar meu cabelo. Com o ar mais distraído que consigo fingir, saio do banheiro para o quarto.

Antes mesmo que eu possa falar qualquer coisa, sou recebido por um travesseiro na cara.

– Vista-se lá dentro! – dispara Katniss, tentando disfarçar a vontade de rir e fazendo cara feia.

Eu dou risada e volto para o banheiro pra vestir minha roupa de dormir – que não é exatamente um pijama.

A brincadeira cumpriu o seu papel. O clima está leve e eu afastei pensamentos depressivos. É melhor deixa-los para o dia, para tentar evitar pesadelos.

Eu deito ao lado de Katniss e a ofereço meu braço para se enroscar. Ela logo dorme e por um bom tempo eu fico a observando, seu rosto iluminado pela luz do luar que entra pela janela que ela deixou aberta. Então também fecho os olhos e durmo sem pesadelos.

Estou tendo algum sonho estranho, com campinas verdejantes e pessoas que dançam de mãos dadas cobertas de flores. Uma delas se afasta do grupo, coloca uma coroa de flores da minha cabeça, segura minha mão e começa a me guiar para participar da dança. No meio do círculo está Katniss, rodopiando com um dos vestidos de noiva escolhidos por Snow.

Antes que eu possa refletir sobre isso e de fato ficar aflito, eu sou puxado da terra dos sonhos por lábios quentes pressionados contra os meus.

Eu abro os olhos e lá está ela. Debruçada sobre mim, com uma das mãos acariciando meus cabelos, me beijando delicadamente.

Katniss.

Eu faço um breve carinho em seu rosto e entrelaço meus dedos em seus cabelos, segurando sua nuca. Com a outra mão, a puxo para perto de mim pela cintura.

Eu estou surpreso. Mas é uma surpresa maravilhosa.

Ficamos assim um tempo, mas gradualmente o beijo se intensifica. Ele fica mais molhado e quente. Está se transformando no beijo do lago.

Eu me afasto um pouco e encosto minha testa na dela. Eu a desejo com todas as forças. Sempre desejei. Mas ainda tenho receio de cruzar indevidamente os limites.

– Kat... – eu tento falar algo para o qual ela possa me dar uma resposta de incentivo de volta, mas nem o nome dela sai inteiro. Descubro, para minha surpresa, que estou um tanto nervoso.

– Peeta... – ela sussurra em resposta.

Voltamos a nos beijar e eu mando a cautela para o alto. Não acho que qualquer avanço novo que eu fizer, vá deixa-la magoada ou estragar qualquer coisa em nossa relação. E pela intensidade com que ela me beija, não acredito que ela queira que eu pare.

Eu a agarro e viro nossas posições. Paro o beijo e faço um carinho em seu rosto. A boca dela treme levemente quando passo meu polegar.

Eu a amo tanto que meu coração parece explodir e se contrair ao mesmo tempo. Quase dói. Os olhos dela parecem dizer a mesma coisa.

Eu a beijo com vontade. Grudo meus lábios nos dela com tanta força que tenho medo até de estar exagerando.

Enquanto ela acaricia meu rosto com uma das mãos, ela explora o interior da minha camiseta com a outra. Com leveza, ela passa os dedos pelas minhas costas e eu sinto um arrepio. Eu a morderia se pudesse!

Eu interpreto o gesto como um convite e coloco minha mão por baixo da camisa dela. Sua pele é delicada e macia, apesar das cicatrizes. Eu escorrego minha mão por suas costas, do ombro até a cintura da maneira mais suave que consigo.

Com um pouco mais de intensidade – não tenho como lutar contra isso - desço à coxa e a agarro. Puxo sua per para cima e Katniss ofega no meio do beijo. Eu gosto disso. Mostra o quanto estamos na mesma página.

Para estimulá-la mais ainda, beijo seu rosto, depois sua orelha e me concentro no pescoço. Ela não se encolhe nem se retorce. Pelo contrário, parece que vira a cabeça para me dar mais acesso ainda.

Ela agora passa os dedos pelo meu peito e minha barriga. Somos os dois dominados por arrepios.

Eu a olho nos olhos de novo. Parece que está um pouco nervosa, mas não vejo qualquer sinal de impedimento. E nervoso eu também estou.

Então volto a beijá-la. Ela em resposta agarra minhas costas com força. Se tivesse unhas compridas, acabaria me arranhando – o que não seria problema nenhum. Esse gesto me estimula a continuar.

Das coxas ao pescoço dela, vou deslizando minha mão devagar, explorando regiões do seu corpo. Ela solta um “hmm” baixinho. Eu abro o primeiro botão da camisa dela e espero alguma reação. Além do beijo ardente, não tem nenhuma outra. Então, não tem mais o que esperar. É hora de avançar.

Devagar vou abrindo a camisa dela, botão por botão. Ela treme. Acho que o nervosismo está ficando um pouco maior. Sei que o meu está. Mas não tão grande que nos faça parar.

Eu me afasto um pouco, interrompendo o beijo, para olhá-la. Seus olhos estão bem abertos e sua boca continua tremendo um pouco. Desvio meus olhos dos dela para olhar o seu corpo. Eu descubro o peito dela tirando a camisa de cima e passo a mão. Fico explorando a área, do peito à barriga. Os pelinhos finos da sua pele ficam eriçados.

Ela está visivelmente nervosa agora, mas isso não a impede de puxar a minha camiseta para cima e arrancá-la de meu corpo. Observamo-nos por um instante e então ela agarra minhas costas e me puxa para junto dela, colando nossos corpos.

Me dou conta que, assim como ela, eu também estou tremendo um pouco. Mas nossas peles estão quentes, muito quentes. Ela gruda seus lábios nos meus mais uma vez e eu sinto a intensidade com que ela quer o mesmo que eu.

Decido que é hora de mais uma peça de roupa sumir. Eu desfaço o beijo e volto para o pescoço. Devagar vou descendo o corpo dela com beijos, provocando mais arrepios. Assim que atinjo sua barriga, seguro o elástico da calça dela e a puxo para baixo. Jogo longe o pedaço de pano.

Acho que eu fiz isso rápido demais, pois ela se contrai, fecha as pernas e cruza os braços. Eu acabei me descontrolando um pouco. Mas tudo bem, tem como consertar – não que eu tenha qualquer experiência nisso.

Eu encosto minha cabeça no travesseiro, ficando de frente para ela. Os olhos de Katniss estão quase arregalados. Pelo jeito o gesto foi realmente inesperado.

Para acalmá-la, passo meus dedos no rosto dela e brinco com a mecha de cabelo rebelde. Deitada assim, um pouco assustada, eu tenho vontade de protegê-la do mundo. Ela que é a mais forte de nós dois, mas nesse momento ela mostra o quão delicada e sensível é. E tenho certeza, que nunca mais vou deixar o lado dela. Estarei para sempre ao seu lado.

– Minha Katniss. – eu sussurro dando vazão aos meus pensamentos.

– Meu Peeta. – ela murmura de volta.

Eu a puxo para mais perto e a beijo de novo. Tento ser delicado na ação, mas ela se agarra com força a mim, aumentando o calor dos nossos corpos. Ela me beija intensamente, como se estivesse prestes a me devorar. De novo: eu gosto disso. Apesar do nervosismo, ela quer isso tanto quanto eu.

Eu a coloco no comando dessa vez, por que não confio muito na minha velocidade. Não consigo me conter. Então, a puxo para cima de mim, seu corpo nu apertado contra o meu, tremendo.

O beijo dela intensifica e me faz tremer também.

Ela me imita e beija seu caminha através do meu corpo até a barriga. Eu fico imóvel, tentando não agarra-la com força e terminar o serviço de qualquer jeito mesmo. Claro que eu não quero que seja de qualquer jeito, mas está difícil conter a ânsia que sinto. Um ofegar me escapa da boca.

O mais rápido que ela consegue, ela tira a minha calça. Mas ela não tenta me olhar, pelo contrário, se concentra em olhar para o meu rosto. Ela fica ligeiramente vermelha. Mesmo nessa situação, ela não consegue encarar minha nudez.

Eu não me incomodo. Sei que com o tempo isso vai se ajeitar. Mas quando ela começa a se inclinar para deitar mais uma vez do meu lado, eu resolvo reassumir o controle. E faço isso com urgência, me deixando levar pelos meus próprios instintos.

Eu me sento na beirada da cama, com os pés no chão e a enlaço no meu braço. Ela é tão leve que com a maior facilidade consigo puxá-la para o meu colo. Com ela virada para mim, encaixo uma perna de cada lado do meu corpo. Pronto, o constrangimento não tem mais vez.

Eu agarro suas costas por baixo da camisa com as minhas duas mãos e a espremo contra mim. Ela me envolve nos seus braços e me beija ardentemente.

Os cabelos da nuca dela estão molhados de suor. Sinto os meu do mesmo jeito também.

Mais tarde, quando ela se enrosca nos meus braços mais uma vez e eu a abraço para dormirmos, eu faço a pergunta para a qual já tenho resposta:

– Você me ama. Realidade ou mentira?

– Realidade. – diz ela.

EPÍLOGO

De manhã, a convenço de tomar banho comigo.

– Peeta. – diz ela, enrolada no lençol, olhando para os próprios pés para não olhar para mim, desnudo em sua frente.

Antes que ela possa dar alguma desculpa, eu dou risada e a puxo pelo braço para mim. Livro-me do lençol ao qual ela se gruda e a abraço. Ela retribui constrangida. Então a ergo alguns centímetros do chão, e a levo dessa maneira para o banheiro.

Durante o banho, tenho que rir várias vezes com as desviadas de olhar dela, e seu rosto pimentão. Ela fica uma gracinha assim.

Depois vestimos um roupão e descemos para o café.

Haymitch já está acordado – se é que dormiu depois que subimos - olhando o nada com uma expressão de desgosto. Deve estar passando mal.

Katniss estanca e exclama:

– Haymitch! – ela soa surpresa, como se não soubesse que ele estava ali.

Eu olho para ela em baixo do meu braço e vejo que ficou muito vermelha. Não sei se já a vi tão vermelha assim. Nem quando teve que me despir e ajudar a me vestir novamente na arena, a vi tão vermelha.

Tenho um acesso de riso. A cena toda é engraçada demais.

Haymitch, que não é burro nem nada, ainda ajuda a deixa-la mais desconfortável ainda:

– Ora, ora. – diz ele com um meio sorriso na cara.

Ele levanta do sofá e sem tirar os olhos da gente vai até a porta. Lá, ele faz um aceno de cabeça para Katniss e diz:

– Docinho. – Então acena pra mim e diz – Conquistador. – e se vira e vai embora.

Eu continuo rindo. Não consigo parar. É uma situação muito engraçada.

Katniss empurra meu braço para longe dela. Ela está visivelmente constrangida sim, mas ao mesmo tempo parece que um riso se forma em seus lábios.

Eu exclamo fingindo surpresa:

– Ei, não é culpa minha! Você que ficou exageradamente vermelha.

Ela bufa, mas se engancha no meu braço e me puxa para a cozinha.

Lá, eu fatio o pão e coloco os pedaços para torrar. Enquanto esperamos o forno fazer o seu serviço, nos sentamos à mesa para esperar. Um de cada lado.

– Se você ficar vermelha assim toda vez que isso acontecer – eu digo – vão começar a achar que você está doente.

– Engraçado você. – devolve ela.

Então, Katniss levanta e faz a volta na mesa. Eu abro os braços para recebê-la em meu colo. Ela me envolve num abraço e me beija. Acho que eu nunca estive tão feliz e tranquilo assim na minha vida.


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Notas finais do capítulo

Foi bastante desafiador escrever o ponto de vista de Peeta. Sinto o que o livro trás poucas informações sobre isso. Claro, sabemos que ele é bonzinho mas forte, desenvolto com palavras e encantador, e que ama a Katniss com todas as forças, mas além disso ele me é bem misterioso. Saber o que ele pensa, é quase impossível. Mas, espero que não tenha ficado muito fora da realidade dele.



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