Arrumei minhas malas e sentei na janela, Yukki e Maya arrumaram as delas e ficaram encostadas na parede. Olhávamos a rua quase sem movimento, o céu já estava no crepúsculo, eu me sentia bem quando o dia se transformava em noite,quando a noite se transformava em dia, pra mim isso não fazia tanto sentido, mas depois do que eu vi realmente nada fazia sentido.
Ouvi o carro se aproximar, olhei na direção do som e vi a tia Aisha na janela acenando para nós. Peguei minhas malas e pulei a janela enquanto Maya e Yukki desciam correndo as escadas:
– MÃE – Elas gritaram ao mesmo tempo, eu ainda olhava o céu, depois de uns 2 minutos senti dois braços me envolverem e vi o cabelo castanho caindo sobre meu ombro direito:
– Eu prometo que explico tudo Kira, mas preciso que vocês entrem no carro – Ela disse, apenas obedecemos, me sentei ao lado da janela olhando tudo e nada ao mesmo tempo, pessoas conversando, crianças brincando, casais abraçados em baixo das árvores de cerejeira que estavam na época de florescer.
Bonito, sempre achei isso tudo bonito, porque agora nada fazia sentido como antes?
No carro estávamos eu, Yukki, Maya, tia Aisha e um homem que eu nunca vi e como eu nunca fui curiosa nem nada...:
– Que é você? – Perguntei encarando-o, ele se virou e me olhou,abrindo um sorriso e voltando a olhar a estrada:
– É um prazer te conhecer, Kira Aoikami – Ele sabia meu nome, e eu nunca o vi, isso é ruim? Sei lá.
– Prazer... – Eu disse esperando que ele falasse seu nome, era estranho falar com alguém sem saber o nome da pessoa.
– Dante – Ele disse ainda olhando a rua.
Dante... Eu me lembro desse nome, só não sei de onde.
Nós nos afastávamos cada vez mais da cidade. Pra onde vamos? Era a pergunta que girava em minha mente a cada quilometro que passava:
– A onde estamos indo? – Não agüentei e acabei perguntando, Aisha e Dante se olharam e a tia se virou pra mim:
– Ééér... Como explicar? – Ela disse mais para si mesma do que pra mim, ela não queria me dizer?
– Algum problema em me dizer, tia? – Perguntei, e mesmo sem a intenção pareceu uma pergunta sarcástica, eu sabia que tinha algo ali, algo que eu não podia saber:
– Ahnn, eu realmente não sei como começar Kira – Dante disse desviando o olhar do caminho e olhando pela janela.
– Que tal pelo começo? – Eu falei encarando o vidro molhado tinha começado a chover e eu nem percebi:
– É que... Vocês querem ouvir música? – Tia Aisha perguntou desviando o assunto, eu não ia deixar ela me enganar assim:
– Tia, Dante, Yu e Maya, vocês podem fazer o favor de me falar a verdade? – Perguntei encarando a irmã de cabelos esbranquiçados:
– Kira, eu queria muito te explicar, muito mesmo, mas nenhum de nós pode te responder – O homem de cabelos pretos disse ainda dirigindo:
– Dante, para o carro – Falei, eu não acreditava que ainda queriam esconder sei lá o que de mim:
– Por quê? – Maya disse me olhando.
– Dante, para esse carro agora – Disse de novo, eu estava triste e com raiva, mas não queria explodir e gritar com ninguém:
– Kira... – Yukki disse depois de passar boa parte do caminho calada do lado da outra janela:
– PARA A PORCARIA DESSE CARRO AGORA CARAMBA – Gritei, Dante parou o carro no acostamento e eu abri a porta, sai e fiquei olhando o nada enquanto andava:
– KIRA, VOLTA AQUI – May gritou um pouco longe, eles mentiam pra mim e ainda queriam que eu ficasse quieta e aceitasse?
– Kira, eu queria te falar, mas não podemos – Aisha disse me olhando, eu estava longe, mas ouvia perfeitamente o que diziam:
– ME FALA A VERDADE E EU VOLTO – Gritei para que me ouvissem, nunca gostei de mentiras e elas sabiam disso:
– NÓS NÃO PODEMOS KIRA, ENTRA NO CARRO POR FAVOR – Dante gritou achando que eu não conseguia ouvi-los de onde estavam.
Meu sangue ferveu, me senti traída, eu confiava neles, passei minha vida do lado delas e por algum motivo eu sentia que podia confiar no homem que conheci a poucas horas.
– POR QUE NÃO? É SÓ ME DIZER, É TÃO DIFÍCIL CONFIAR EM MIM ASSIM? – Gritei com raiva e chorando. Minhas lágrimas se misturaram com a chuva, mas quando eu ia enxugar o rosto...
Garras.
Eu tinha garras, minhas unhas estavam iguais a unhas de animal. Lobo foi a criatura que veio a minha cabeça.
Enquanto encarava minhas mãos, senti alguém se aproximar lentamente. Olhei pra frente e vi Yukki andando devagar até mim:
– Calma... Eu não quero te machucar – Ela dizia enquanto andava. O que ela pensava? Que eu ia rugir e correr por medo?
Eu ia abrir a boca para falar alguma coisa quando percebi que eu não tinha só garras, meus dentes também tinham crescido.
Lobo ainda era o animal que rondava minha consciência como um leão ronda sua presa.
– Yukki... – Falei e olhei pra baixo.
Eu tinha uma cauda.
Olhei surpresa para frente, tia Aisha e Dante pareciam saber o que acontecia enquanto Yu e May me olhavam tão surpresas quanto eu. Levei minha mão até meu cabelo,e adivinha o que eu descobri?
Eu. Tinha.Orelhas.De.Animal.
Eu era literalmente metade humana e metade lobo,porque lobo? Sei lá, gosto de lobos, e eu estava basicamente igual a um.
Fiquei tanto tempo refletindo que nem havia percebido que Yukki já estava na minha frente. Levantei os olhos assustada e, por reflexo, arranhei a bochecha dela, vi um filete de sangue saindo do local que eu cortei.
Eu acabei de machucar minha melhor amiga. Yukki pareceu não se importar com o sangue que escorria pelo seu rosto, olhei pra baixo e fechei os olhos.
Senti Yu se aproximar mais e me abraçar. Eu acabei de cortar ela e ela me abraça? Levantei a cabeça e a olhei, ela sorria.
– Unhas boas as suas hein – Ela disse quase rindo, acho que ela bateu a cabeça na janela no meio do caminho ou coisa do tipo.
– Desculpa... – Eu falei esperando que ela começasse a gritar ou algo assim, mas não, ela só riu da minha cara:
– Ei, ta tudo bem Kira,não doeu tanto assim e foi só um arranhão – Ela disse ainda rindo – Você faz parecer que eu vou morrer por causa disso – Yu ainda ria,olhei atrás dela e vi a tia Aisha e Dante se olhando, como se estivessem felizes por eu ter virado isso.
Maya parecia assustada, mas logo depois ela fez sinal para voltarmos. Enquanto andávamos Yukki não parava de mexer nas minhas orelhas:
–Dá pra parar? – Perguntei a olhando e entrei no carro, consegui fazer a cauda desaparecer, mas as orelhas não queriam voltar ao normal. Yu correu para a outra porta e entrou antes de Maya, resultado: Eu passaria o resto do caminho com uma Yukki mexendo nas minhas orelhas e uma Maya rindo da minha cara.
Seria uma longa viagem para sei lá onde.