Diga Adeus à Inocência escrita por Mahfics


Capítulo 11
Capítulo 10


Notas iniciais do capítulo

Bem, demorei um pouco dessa vez, desculpa.
Obrigada pelos comentários e por quem está acompanhando a história.



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Horas. Foi o tempo que passou depois do episódio na viela. Os policiais me levaram para a delegacia da cidade e me emprestaram um cobertor, do mesmo tipo que foi usado para cobrir o corpo da vítima.

Meu depoimento foi algo falho e desnecessário, não vi o rosto dele, não sei de nada que posso identifica-lo, não escutei sua voz, apenas posso dizer que é alto e forte – e isso eles já sabiam, também posso dizer que é um homem jovem, talvez não passe de 30 anos. Me sinto inutilmente inútil; não salvei a mulher, não sei quem é o assassino; não tenho nenhuma informação que valha a pena ser compartilhada – só servi de plateia. O investigador que me interrogou acredita que seja um crime do feitio do Lobo Mau, pois não ouve roubo ou qualquer coisa que indiciasse um assalto, ele simplesmente cortou a garganta da mulher e saiu correndo, só não teve tempo de finalizar o trabalho por causa de minha interrupção. Tanto faz. Nem consegui salvá-la.

A imprensa se aglomerou na porta da delegacia como urubus em cima de um cadáver, todos querem ver o rosto da “menina que encontrou o Lobo Mau em seu caminho”. Essa aglomeração me prendeu dentro da delegacia e me fez ligar para a minha avó vir me buscar e eu ligaria de qualquer jeito, não estou em condição para pegar o meu carro e dirigir. Todo instante em que fecho os olhos vejo aquela mulher morrer, sinto seu sangue ensopar minhas mãos, vejo o assassino escorregar a faca por seu pescoço.

Minha vó está conversando com o delegado e tentando convencê-lo a me incluir no programa de proteção a testemunha, mas ele acredita que não seja necessário, que o Lobo Mau não virá atrás de mim e assim espero.

– Minha querida. – ela senta ao meu lado e me abraça – Deve ser terrível.

– Estou bem. – minto – Vai ficar tudo bem.

– Eles disseram que não tem como te incluir no programa. – ela resmunga – Acho isso o cumulo.

– Tudo bem. – sussurro.

Acho que minha condição mental para o momento é apenas concordar com tudo o que me falam. Está tudo bem, vai ficar tudo bem.

– Eu liguei para a sua mãe. – ela informa.

Suspiro.

– O que ela disse?

– Que virá para cá.

Ótimo. Agora terei que lidar com o estado mental da minha mãe.

– As senhoritas já podem se retirar. – o delegado anuncia – Vou pedir para os guardas afastarem os repórteres da saída.

Concordo com um meneio de cabeça e levanto, agarrada ao coberto, vovó levanta e se posta atrás de mim, apertando meu ombro e me dando o apoio para seguir. Eles abrem a porta e os flashes das câmeras me deixam cega, não sei para onde seguir, fico à deriva.

– Vamos. – ela sussurra me empurrando.

Coloco a mão na frente do rosto e passo pelo pequeno espaço liberado entre os urubus com câmeras, vovó pisa do cobertor e o arranca de minha mão, expondo minha camiseta ensanguentada – o que acabou sendo o que faltava para eles virem mais em cima. Ela me empurra na direção de um carro, entro e me deparo com um senhor.

– Você está bem? – ele me encara.

Continuo calada. Deve ser o namorado da vovó.

Assim que ela entra, seguimos. Observo a delegacia ficar para trás.

– Vamos para casa. – vovó anuncia suspirando – Temos uma longa jornada.

Obviamente ela não se referiu ao caminho, mas sim a nossa situação depois de tudo isso.

– Preciso de um banho. – murmuro para ninguém em especial, ainda estou cheirando a morte e sangue.

Percorremos o caminho em silêncio.

Quando chegamos, mal me despeço do namorado dela. Saio do carro e corro para dentro de casa, grito para minha vó trancar as portas enquanto travo todas as janelas.

Tenho a sensação de estar sendo observado, de que a qualquer instante ele aparecerá para terminar o que começou naquela viela, de que está me vendo nesse exato e apenas esperando o momento certo.

– Vá tomar banho. – ela fala, se aproximando de mim – Vou preparar um chá.

– Não quero chá. – subo as escadas em silêncio.

Depois do banho, deito em minha cama e encaro a janela. E se ele estiver do lado de fora? Me esperando. E se tiver seguido o carro para descobrir onde moro? E se eu for sua próxima vítima?

Escuto um barulho na janela. Sento na cama e acendo a luz, minha respiração fica ruidosa e meu coração acelera. Algo bate repetitivas vezes contra a parede e fica cada vez mais perto, uma silhueta surge diante do vidro e me encara, seu rosto está coberto pelo capuz. A silhueta abre a janela devagar, como se quisesse me torturar. Grito o mais alto que consigo, mas não consigo me mexer. Grito até minha garganta doer. Ele se aproxima de mim, as batidas de meu coração acompanham seus passos. Grito por minha vó. Está perto o suficiente para agarrar meus ombros e mesmo assim não consigo visualizar seu rosto.

Meus ombros são agarrados pela suas mãos. Grito e vejo minha avó se aproximar.

– Ele está aqui! –tento me soltar de suas mãos – Ele está aqui!

Ela se aproxima de mim e segura meus braços.

– Não tem ninguém aqui.

Paro de me debater e olho em volta, meu quarto está vazio, não há nenhum intruso por aqui. Meus olhos se enchem de lágrimas.

– Está tudo bem. – ela beija o topo de minha cabeça – Sua mãe já está chegando.

Minha mãe chega algumas horas depois, exasperada. Não conversamos sobre nada, ela entendeu que não quero falar sobre nada que aconteceu hoje, então apenas deitamos em minha cama e dormimos.

Acordei várias vezes durante a madrugada com o mesmo tipo de sonho; ele entrando pela janela do meu quarto e caminhando até a minha cama. Na última vez que acordei resolvi continuar acordada e assistir o nascer do sol, não sei se quero ir para a faculdade hoje.

– Fique em casa hoje. – minha mãe sussurra esfregando os olhos – Descanse.

– Tudo bem. – murmuro.

Ela sai da cama e caminha até a porta bocejando, sigo-a o mais rápido que consigo. Não quero ficar sozinha. Entramos no banheiro e enquanto ela toma banho, escovo os dentes e lavo o rosto, assim que termino enrolo um pouco no corredor e olho para a escada, escuto um barulho de panela na cozinha. Desço.

– Vô?

– Estou fazendo o café.

Entro na cozinha e sento à mesa, observando ela cozinhar.

E assim foi minha tarde; ficar onde tem mais pessoa. Se elas estavam na cozinha, eu também estava, se iam para a sala, eu também ia. Estava mais parecendo uma sombra que uma pessoa com vontade própria. Conversei um pouco com minha mãe sobre a faculdade e sobre meus amigos, tentei evitar ao máximo falar de ontem e ela respeita isso. Para esquecer, temos que ignorar.

A campainha toca.

– Eu atendo. – mamãe vai até a porta e a abre – Bianca? Sim ela está.

Franzo o cenho. Quem quer falar comigo hoje?

– Bianca. – ela me chame – Tem um pessoal querendo falar com você.

Levanto do sofá e caminho até a porta, me deparando com um grupo: Camila, Amiony, Rafael, Juliana, Monique e Jonas.

– Falei que ela estava viva. – Monique encara Jonas.

– Vimos sua foto no jornal e ficamos preocupados. – Amiony explica.

– Foto no jornal? – franzo o cenho – Que foto?

– Uma que você está usando uma camiseta suja de sangue. – Rafael fala – É uma foto incrível e perturbador ao mesmo tempo.

– Então já sabem o que aconteceu. – deduzo.

Eles permanecem em silêncio.

– Não viemos aqui falar disso – Camila rompe o silêncio – Queremos saber se você está bem e se precisa de alguma coisa.

– Estou bem. – minto.

– Não, você está péssima. – Juliana discorda – Essas olheiras te transformaram em um panda.

– Juliana. – Jonas a repreende – Se coloque no lugar dela.

– Não estou criticando o visual dela, só estou falando que ela não está bem. – ela rebate.

Dou um sorriso de lado.

– Está tudo bem.

– Vocês querem almoçar? – minha mãe surge na porta.

Eles trocam olhares rápidos.

– Eles querem. – respondo por eles.

É bem raro minha avó usar a sala de jantar, mas hoje foi necessário, havia muita gente para sentar na mesa da cozinha. O almoço foi animado, todos falando e rindo, me fazendo até esquecer que minha foto estava no jornal, que eu virei assunto de mídia. Eles tiveram que ir embora logo depois por causa da próxima aula, menos Jonas, que ficou um pouco mais para conversar com minha mãe sobre um programa de computador que vai ajudar na empresa dela.

Voltei para o sofá e dormi o que não consegui de madrugada.

– Querida – escuto a voz de minha mãe -, tem um tal de Malic na porta.

Abro os olhos repentinamente e sento no sofá.

– O que? – pergunto, incrédula.

– Ele quer ver você.

Passo a mão no rosto e concordo. Ela volta para a porta e posso escutar eles conversando.

Enrolo-me no cobertor e aguardo-o. Posso escutar seus passos se aproximarem da sala e então eles param, ergo o olhar e contemplo-o.

– Oi. – murmuro.

Ele dá um sorriso de lado, terno.

– Como você está? – ele se aproxima e senta ao meu lado.

– Estou respirando e você? – encaro-o.

– Estou indo.

Ficamos em silêncio. Aproximo-me mais dele e encosto minha cabeça em seu ombro, respiro devagar e fecho os olhos.

– Está cansada?

– Um pouco. – confesso.

– Quer que eu vá embora? – ele se mexe, seguro o seu braço.

– Fique. – peço.

Voltamos a ficar em silêncio. Me afasto e ofereço um espaço para ele deitar, deito ao seu lado.

– Você o viu? – ele sussurra.

– Não, mas gostaria te ter visto.

– Ele falou com você? – sinto sua mão em minhas costas.

– Não, mas quando eu ajoelhei, ele olhou pra mim e esse olhar pareceu falar, como se fosse um aviso que ele vai voltar.

– Como tem tanta certeza? – ele ergue uma sobrancelha.

– Está me chamando de mentirosa?

– Não. – ele sorri – Só estou falando que talvez ele não volte mais.

– Por que diz isso? – franzo o cenho.

– Não sei... Talvez a sua atitude tenha te salvado, pois se fosse para te matar, ele já tinha feito isso ontem.

– Ele está brincando comigo. – sussurro – Vendo até quando vou aguentar.

– Você vai ficar louca. – ele resmunga.

Estreito os olhos.

– O que quero dizer é que esse cara acha que é Deus, entende? Ele está escolhendo quem morre e quem vive. Ele achou que você deve viver, então não tente entender tal decisão, apenas aceite.

Ele escolheu me deixar viver?

– Como pode ter tanta certeza? – retruco.

– Não tenho, foi só um palpite. – ele dá de ombros.

Suspiro.

– Talvez ele só queira alguém para contar a história. – ele sussurra.

Contar a história... Histórias servem para prolongar as gerações de seus personagens, pois se algum dia elas pararem de se serem contatas, eles serão esquecidos.

Então é isso que ele quer; não ser esquecido.


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