─ Claro que sim, Clodha! Prometo a você. ─ minhas palavras saíram atropeladas e animadas enquanto eu apertava ambas as suas mãos estendidas antes que ela se afastasse e seguisse pelo mesmo caminho em que viemos.

Aproximei-me da parede e toquei em uma das frestas entre os tijolos de ouro. Ouvi um click e logo a parede começou a mover-se e abrir passagem para mim.

Ele estava lá.

Sentado exatamente onde eu o imaginava.

Admirando o rio corrente ou talvez fitando a outra margem, acomodado no gramado macio e molhado pelo orvalho, iluminado apenas pela luz do luar.

Meu coração pulsava cada vez mais rápido e mais forte, que quase acreditava que ele podia ser ouvido longe. O sangue em minhas veias fervia, eufórico e gritando por ele. Uma mistura de alegria, expectativa e emoção circulavam em meu estômago enquanto eu admirava-o ali. Desde que me tornara sua amiga confidente e me encontrava com ele sentia a mesma coisa. Sempre. Ele era o único capaz de produzir aquelas sensações só por compartilhar o mesmo espaço que eu, o que me deixava bastante confusa e atordoada, pois não conseguia identificar aqueles sentimentos com algo que eu já houvesse lido ou conversado com alguém. Era uma sensação ─ ou mistura de sensações ─ única. Só ele conseguia. Só Loki.

Aproximei-me lentamente dele, tendo o maior cuidado para que meu vestido não produzisse som algum enquanto eu desvinculava-me de minhas sandálias para pisar de forma confortável na grama.

Acho que estava pensativo demais, pois quando aproximei-me e pulei em suas costas, ele foi surpreendido. Surpreendido, mas não intimidado, pois ele usou seus braços para puxar-me até seu colo e abraçou-me o mais forte que conseguiu.

─ Senti sua falta o dia inteiro. ─ sua voz saiu abafada, pois sua face descansava no meio de meu cabelo. Imediatamente uma corrente de calafrios deslizou por meu corpo, causando-me arrepios e eu sabia que aquilo era fruto de seu abraço. De repente, ele deu um pulo, parecendo lembrar-se de algo e logo obrigou-me a me levantar ─ Vamos, quero ver o quão bonita você estava nesta noite.

Ergui-me animada, endireitei o tecido antes de girar para apresentar a ele meu vestido.

─ Você perdeu o sarau, Loki. Foi divertido ver seu pai e o lorde Boray conversando sobre a neve que fora produzida especialmente para aquele salão e que caía do teto de forma linda e luminosa. Quase parecia um sonho aos bons piadistas.

Ele não fez nenhum comentário, pois estava muito focado em mim. Talvez também tenha ficado surpreso com a beleza rustica do vestido que eu havia escolhido para a noite, ou então surpreso pelo brilho de minhas joias ou talvez era uma junção de tudo mais o sorriso contente por finalmente vê-lo depois de dias.

─ Imagino que tenha sido um tédio para meu irmão compartilhar de sua companhia, já que eu não estava lá para cuidar de minha futura cunhada enquanto ele paparicava outras mulheres. ─ ele sempre alfinetava o comportamento do irmão, pois ele nunca conseguira perdoá-lo pelos erros cometidos no passado.

Resolvemos nos sentar nas raízes da árvore central e ele obrigou-me a descrever todo o sarau, todas as danças, cada conversa, cada convidado, todos os discursos e o comportamento de seu pai em relação ao lorde de Nifheim. A cada conversa detalhada, saia de Loki uma piada e toda vez que eu descrevia um convidado, ele tentava transformar-se nele. Passei boa parte do tempo rindo das modificações bizarras que ele fazia nos convidados ─ principalmente em seu irmão Thor ─ e do seu jeito engraçado de dramatizar-se como se estivesse no sarau. Na verdade Loki conseguiu transformar-se na personificação dos convidados muito bem, parecia até mesmo que ele estava no sarau.

Quando ele começou a se interessar sobre minhas conversas com Thor, senti-me um pouco desconfortável, pois suas perguntas eram insistentes em saber mais sobre o que falamos, quase como se ele soubesse que eu escondia algo.

─ Pelo o que você me fala, parece até que Thor está realmente interessado em tê-la como mulher, Iggy. Imagino até que em breve ele programará algo para fazerem como um casal. ─ a ironia e desdém estavam presentes em cada palavra de Loki, o que fazia com que eu me sentisse ainda mais culpada.

─ Na verdade... ─ mordi o lábio inferior, tentando interromper minha fala e desejando ao máximo que ele não tivesse ouvido o que eu disse.

─ Na verdade? ─ Loki ergueu uma das sobrancelhas, esperando que eu terminasse minha fala.

Soltei um longo suspiro, desesperada por encontrar uma forma de mudar de assunto para não ter que estragar nossa noite com notícias ruins.

─ O que você fez nessa tarde? ─ resolvi perguntar, imaginando que seria uma boa pergunta.

O assunto pareceu o incomodar um pouco, mas diferente de mim, Loki não fugia de minhas perguntas.

─ Estava ajudando Thor a organizar umas coisas... ─ seu tom de voz mudou completamente. Ele tornou-se seco, frio e ponderante. Algo o estava afligindo.

Acariciei uma das raízes secas da árvore e forcei uma chama interna a revitalizar aquela parte e logo o tom amarronzado voltou à raiz.

─ Por que não foi ao sarau? ─ resolvi cortar o silêncio que se formou logo após a resposta de Loki com uma outra pergunta, só que dessa vez era algo que eu realmente ansiava por saber ─ E não adianta dizer que foi ajudar a Thor, pois ele estava lá. ─ tentei brincar para aliviar o clima.

─ Não estava com vontade de assistir meu irmão regozijar-se por seu futuro casamento em mais uma festa, gabando-se por tê-la como sua noiva. ─ ele encostou sua mão no tronco da árvore e voltou-se em direção ao rio corrente à nossa frente.

─ Você está sempre dizendo isso, mas sempre vai aos saraus. ─ senti um pouco afetada por ele ainda manter uma resposta seca, mas tentei não demonstrar isso em minhas palavras.

O que será que incomodava tanto Loki?

─ Dessa vez não fui, não é mesmo? ─ ele rebateu e novamente o silêncio constrangedor estava ali.

Ficamos bons minutos em silêncio, pois eu estava absorvendo suas palavras grossas enquanto ele continuava a fitar o rio. Aquele não era meu Loki. Algo o mudara nos últimos dias e o fizera ficar daquele jeito.

Pensei em perguntar a ele se estava tudo bem, mas não tive essa oportunidade, já que ele repentinamente levantou-se em um santo e começou a caminhar para longe.

─ Loki! ─ ergui-me as pressas e corri atrás dele ─ O que está acontecendo com você?

─ Não posso mais me encontrar com você. ─ ele freou no meio do caminho e virou-se em minha direção com suas feições ainda mais pálidas do que o normal e um brilho esquisito em seu olhar.

De início eu achei que era alguma brincadeira de Loki, mas nada em suas feições parecia demonstrar tal coisa. Então era esse o motivo para ele convocar-me ali. Para dizer que não queria mais ser meu amigo.

Eu não era mais uma criança inocente. Havia se passado anos desde a última vez que derramara uma lágrima. Lágrimas eram sinônimo de fraqueza e uma rainha não deveria demonstrá-la em público... Mas Loki não era qualquer um. Era meu amigo, meu confidente... E, naquele instante, senti uma mínima lágrima escapar de meus olhos que ardiam e passear por minha face até cair de encontro ao meu busto e mergulha em direção ao tecido de meu vestido.

A primeira coisa que se passou por minha cabeça foi dar as costas a ele, mas pensei que seria muito imaturo de minha parte. Então resolvi fazer a coisa mais sensata mediante aquele momento.

─ Acho que mereço uma explicação. ─ ele não havia se prontificado a me explicar, então eu mesma pedi por uma.

─ Porque logo, logo você será rainha e terá novas obrigações. ─ suas palavras foram quase cuspidas.

Soltei uma risada sarcástica.

─ Tente de novo, Loki. Essa desculpa não funcionou. ─ cruzei meus braços.

No fundo minha maturidade berrava, eufórica para que eu aceitasse as falsas desculpas dele e colocasse um fim naquela história, mas eu não ia permitir que nossa amizade acabasse sem das devidas explicações. Era sim egoísmo manter Loki por perto, mas eu sentia que havia algo a mais nessa história que ele inventara do que estava afim de compartilhar comigo.

─ Também há o fato de que você logo se casará com meu irmão e Thor consegue ser bem ciumento. Será melhor para você se acabarmos com isso logo para evitar brigas conjugais. ─ outra grade falsa desculpa.

─ Ainda não acredito, Loki! Tente mais uma vez. ─ insisti e ergui meu nariz, sabendo o quão irritado ele ficava quando eu fazia aquilo. Não ia desistir. Não ia afastá-lo de mim. Não conseguiria sobreviver sem ele ao meu lado.

O rosto pálido de Loki tomou cor e pude sentir uma raiva crescente subir até sua cabeça, pois seus olhos me fitavam vermelhos de ira. Ele parecia se segurar para não revelar qual era o verdadeiro problema, mas estava no seu limite. Sabia que faltava pouco para que ele simplesmente desabafasse comigo, então resolvi jogar pesado.

─ Seja homem ao menos uma vez na sua vida e admi- ─ ele me cortou.

─ Porque eu a amo! ─ suas palavras vibraram e ecoaram por todo o espaço.

Eu realmente não sabia o que dizer. Somente sentir. Uma mistura de ansiedade, alegria, euforia, temor, ira, nervosismo, felicidade, paixão pairavam em torno de mim e se misturavam em minhas veias ascendendo todo o meu corpo. Loki parecia saber que eu não conseguiria dizer nada, então continuou a falar:

─ Provavelmente eu já a amo desde o primeiro momento em que a vi. ─ ele suspirou e relaxou suas feições pela primeira vez em tempos ─ Você estava tão bonita, sentada naquele trono e parecendo usar seu melhor vestido. Um sorriso tímido nos lábios quando me pegou a admirando... A forma sincera como você sempre demonstrou seus sentimentos... A sua mania de cruzar as mãos nas costas quando está nervosa para falar em público ou seu lindo jeito de detalhar as coisas, expressando em palavras muito mais do que alguém pode admirar simplesmente olhando. ─ outro suspiro ─ Eu a amo e sempre a amarei. Se pudesse a roubaria para mim e a levaria ao mundo mais distante de todos, para que somente eu pudesse contemplar toda a sua glória. Eu não a amo porque é uma princesa, Ignis, ou porque é herdeira de Surt ou possui o poder da ressurreição. Eu a amo, porque você é o que é e faz ser quem eu sou. Eu a amo, porque ficar ao seu lado e apreciar sua companhia é tão fácil quanto respirar. Olhá-la nos olhos e admirar seu sorriso é o que eu mais anseio todos os dias e despedir-me de você todas as tardes é quase que atestar minha falência. Eu só consigo sentir e perceber o mundo a minha volta quando estou com você, porque você, Ignis... tornou-se o meu mundo.

Se realmente existisse um paraíso, eu estava nele neste exato momento. Não conseguia pensar em uma forma melhor de felicidade, se não aquela. Loki me amava! Loki realmente me amava! E meu coração bombardeava todo meu sangue pelo meu corpo e eu sentia-me embriagada por seu amor. Não conseguia imaginar minha vida antes daquela revelação. Parecia que minha eternidade começava naquele exato momento em que ele admitira seus sentimentos e meu coração abria-se para recebê-los. Suas palavras foram como uma lanterna, guiando-me até a reciprocidade que eu sentia. Eu amava Loki. Se alguém me perguntasse isso antes, com certeza negaria, dizendo que ele era apenas um grande amigo, porém eu o amava. Sempre o amei e possivelmente para sempre o amarei.

Aproximei-me dele, de modo que eu pudesse pousar minha mão em seu peito, exatamente onde seu coração habitava e pude senti-lo martelar voraz e enviar suas vibrações até minha mão.

─ Meu coração sempre foi seu, Loki. ─ dizer aquilo em voz alta finalmente, foi libertador a ponto de várias lágrimas teimosas escaparem de meus olhos e traçarem um caminho por meu rosto.

Não haviam mais palavras a serem colocadas naquele momento. Tudo o que Loki precisava dizer, ele já havia dito. E tudo o que eu gostaria de dizer não seria o suficiente para expressar o quanto eu o amava e o quanto eu havia sofrido em silêncio, reprimindo e esmagando aquele sentimento em meu coração que agora brilhava de alegria e liberdade.

Loki puxou-me para mais perto dele, enlaçando uma de suas mãos em minha cintura e repousando a outra em minha face. Nossos rostos estavam quase que colados, de forma que eu conseguiria contar as linhas esmeraldas que rompiam em sua íris esverdeada, assim como eu podia sentir sua espiração gélida alcançar meu rosto e refrescar-me de forma acolhedora. Tudo em Loki parecia completar o que existia em mim. Não haveria deus, mortal, demônio ou elfo que poderia negar a veracidade que era nossa ligação. Loki nascera para mim. E eu nascera para Loki.

Nossos lábios tocaram-se sem pressa, como se existisse todo o tempo do mundo para eternizar aquele momento e assim acontecera. Meus braços enlaçaram-se em torno do pescoço dele, enquanto suas mãos deslizavam pelas minhas costas, puxando-me para mais junto de si. A maciez de seus lábios eram exatamente da forma como eu sonhara, assim como a delicadeza de seu beijo.

Não conseguia imaginar lugar melhor para se estar, se não nos braços de Loki e não conseguia compreender o porquê de termos demorado tanto tempo para admitirmos nosso sentimento um ao outro.

Durante toda a minha vida eu desejara um amor assim e agora eu o tinha. O tinha verdadeiramente e oficialmente. E nunca mais o deixaria partir.

Loki era meu. E eu pertencia a Loki.

↜❁↝

Possivelmente faltavam poucas horas para o sol imergir da montanha e transformar a noite em dia quando cheguei até as portas de meu quarto e fui surpreendida com uma visita um tanto quanto inusitada.

─ Mamãe? ─ perguntei surpresa ─ O que faz aqui?

─ Vim desejar-lhe uma boa noite e elogiar seu comportamento no sarau quando fui pega de surpresa com sua ausência em seus aposentos. ─ suas palavras possuíam uma leve pontada de ironia e desprezo, o que me deixou um pouco abalada.

─ Estava passeando. ─ falei enquanto abria a porta do quarto e entrava, seguida por ela.

─ Sozinha? ─ sua descrença era visível em sua voz.

─ Precisava pensar. ─ me limitei a dizer.

─ Em que? ─ se quer precisei virar-me em sua direção para saber que ela estava com uma de suas sobrancelhas esticadas. Ela já sabia que eu havia ido me encontrar com Loki.

─ Em meu casamento com Thor.

Ela ficou em silêncio por tanto tempo que pensei que havia partido. Entretanto um par de mãos descansou em meus ombros e deslizaram por eles até formem um abraço caloroso.

─ Você não pode, Ignis. Precisa interromper isso.

─ Como... Como você sabe? ─ virei-me em sua direção totalmente encabruada. Não era possível que estivesse tão estampado assim em minha face. Depois que deixei Loki, eu remodelei minha postura e minhas feições, endireitei meu vestido, meu cabelo e joias para que nenhum vestígio de nosso encontro ficasse a mostra.

─ Eu sou sua mãe, querida. ─ sua mão pousou em meu rosto e ela acariciou-o levemente ─ E seu tio estava passeando pelos corredores quando viu você despedir-se dele. ─ um sorriso levemente afetado surgiu em seus lábios.

Abaixei meus olhos, totalmente envergonhada por ter sido desmascarada justamente por meu tio. Já conseguia imaginar toda as loucuras que ele inventara para minha mãe sobre meu encontro com Loki e pior, sobre as coisas que ele falaria com meu pai.

─ Por favor, mamãe. Não deixe que ele conte ao pap- ─ ela cortou-me com um outro acariciar em minha cabeça e suas palavras doces.

─ Nunca faria algo para prejudicá-la, minha filha. Acredite nestas palavras. ─ um sorriso gentil perpetuava em seus lábios enquanto ela se afastava de mim e caminhava em passos largos até a saída do quarto ─ Eu já dei um jeito no seu tio, Ignis. Agora é sua vez de dar um jeito em Loki.

Uma pequena cratera formou-se em meu coração logo após aquelas palavras de minha mãe. Eu tinha mesmo que fazer aquilo? Não conseguia imaginar momento mais feliz em minha vida, se não esta última noite que passei ao lado de Loki. Todas as partes de mim que ele havia tocado ardiam e arrepiavam-se, insistentes em querer mais dele. Minha mãe não compreendia. Não sabia o que era aquela sensação. Eu já perguntara a ela como ela se sentia ao lado de papai e sua descrição não era nada parecida com a minha. Não subjugava os sentimentos de minha mãe, mas ainda sim... O que eu sentia por Loki ultrapassava as barreiras do conhecido. Era algo surreal, fora do natural. Eu amava Loki mais do que qualquer coisa, mais do que qualquer pessoa. Eu o amava de corpo e alma. E não ia desistir tão fácil assim desse amor.