Eu nunca mais gostaria de passar por uma situação semelhante a essa.

A viagem até o lago fora a pior que fizera em toda minha vida. Superou até mesmo a tempestade que enfrentei da Índia até Uruguai de avião. E, com toda certeza, superou até mesmo o veneno do chitauri que Loki usou em mim em Nova York.

Parecia que a cada segundo dentro daquela fumaça negra e turva, minha pele estava sendo fatiada e restaurada ao mesmo tempo só para tornar a ser fatiada. Meu cabelo estava úmido de suor e começou a grudar em minha testa e a pelugem dourada do pégaso perdeu a espessura e eu não sabia mais onde me agarrar. Ilidia foi quem deu mais sorte. Um de seus braços conseguiu alcançar uma das asas e foi lá que ela ficou presa enquanto eu ficava relutante em abraçar o pescoço do animal e acabar o sufocando.

A viagem parecia não ter fim. Quanto mais tempo eu passava naquela redoma, mais ar me faltava e a situação lá ficava cada vez pior. Meu vestido foi cortado em vários locais até que que simplesmente parecesse uma roupa de mendigo do Central Park, fora que eu era capaz de ver uma ou duas mechas do meu cabelo voarem pelos ares. O que levemente me causava pânico. Não era lá uma visão muito confortável de se imaginar: eu, careca e usando trapos.

Foi então que o pégaso começou a relinchar. Foram um, dois ou três e as coisas de repente mudaram de foco.

Em um rápido piscar de olhos, o pégaso já estava aterrizado na margem de um lago denso e cintilante, rodeado de nuvens escuras e um pouco assustadoras. O lugar em si não era bonito e de lá eu não podia enxergar o céu. Dava para entender agora como era difícil encontrar aquele lago. Não havia como enxergar estradas de onde eu e Ilidia estávamos.

O pégaso se afastou de nós e foi deitar-se a sobra de uma única árvore presente.

─ É aqui, então. ─ Ilidia reverenciou-se logo após soltar as palavras em direção ao lago e deu passos lentos em direção a água cristalizada ─ Tudo o que buscamos. É aqui que encontraremos as respostas, Ellizabeth.

─ Tudo bem. ─ arfei enquanto me aproximava lentamente ─ O que fazemos? Tem algum ritual ou eu só mergulho de cabeça?

─ Nem um ou outro. ─ uma voz surgiu no centro do lago e a dona da voz veio se aproximando lentamente fazendo com que automaticamente eu entrasse em posição de combate ─ Acharam mesmo que seria fácil assim encontrar o meu lago?

─ Mamãe. ─ Ilidia encarou a mãe um tanto quanto pasma enquanto assistíamos a mulher aproximar-se em passos lentos e assustadores, nos afastando cada vez mais da margem do lago.

Com aquela luz sombria, Semha parecia ainda mais assustadora do que o normal. Sua pele parecia aderir a nebulosidade e algumas mechas de seus cabelos flutuavam em torno de seu corpo. Seu longo e estranho vestido cinza caia muito bem em seu corpo esquelético e lhe dava um ar ainda mais temeroso.

─ Se afaste de nós. ─ eu ordenei a ela fazendo todo o esforço do mundo para não mostrar o quanto ela me assustava.

─ O lago me pertence, Ellizabeth. Assim como o fogo é a extensão de seus poderes, esta água é a extensão dos meus. É com ela que posso dar ou remover lembranças.

─ Então você admite que foi você quem me roubou as lembranças! ─ não precisei perguntar, pois aquilo já era fato.

─ Sim. Não preciso negar uma verdade tão absoluta e incontestável como essa. ─ um sorriso frio e pálido surgiu em seus lábios enquanto ela parava quase que dois metros de distância de nós.

─ Porque eu descobri que foi você quem matou Haz. ─ continuei investindo e tentando retirar dela uma confissão.

─ Sempre tão decidida... ─ sua voz sussurrante alcançou nossos ouvidos ao mesmo tempo que uma leve rajada de vento alcançou o que restava de nossos vestidos ─ Você sempre se achou a dona de seu destino, Ignis... E é tão triste saber que o final dessa história não pode incluir nem seu lado Ignis e muito menos seu lado Ellizabeth.

─ Fique longe da minha irmã. ─ Ilidia lançou-se em minha frente e usou seu corpo como escudo enquanto uma nuvem densa e forte vinha em nossa direção. Ela alcançou o corpo da loira que agiu muito bem como uma barreira, se quer ganhou um corte.

─ Não vê, Ilidia? Ignis está manipulando você. Como sempre. Você sabe que se ela entrar neste lago, logo recuperará as lembranças e amanhã mesmo estará casada com Thor. E você perderá a chance única de possuir o que tanto deseja.

─ Você está muito enganada se pensa que vou me voltar contra minha irmã por causa de um trono. ─ Ilidia grunhiu, não caindo no feitiço da mãe.

─ Não, não, Ilidia. Não o trono. E sim ele. Seu grande amor. Loki. ─ quando ela soltou o nome, pude ver o corpo de Ilidia retesar por completo ─ Assim que ela se tornar rainha, a primeira coisa que fará será livrar Loki das acusações e deixá-lo zanzar em nosso castelo. E, certamente, ela se tornará uma esposa adultera já que, convenhamos, ela nunca se entregará a Thor completamente.

Ilidia fungou e pareceu estar aderindo a ideia.

─ Eu nunca faria isso com minha própria irmã. ─ resolvi me meter no diálogo e tentar trazer Ilidia de volta ao meu lado ─ Diferente de você, Semha. Eu penso na família.

─ NÃO OUSE DIZER QUE EU NÃO PENSO NA FAMÍLIA, IGNIS! ─ ela brandou tão forte e tão alto que uma rajada de ar pareceu imergir do lago e vir direto em minha direção, lançando-me para o mais longe possível, quase me fazendo desaparecer no meio das nuvens cinzas ─ Tudo o que venho feito nos últimos tempos foi pensar em minha família! Diferente de você, sua garota insolente e egoísta. Foi você quem destruiu essa família. Foi você quem me obrigou a fazer tudo o que fiz. Você e esse seu amor estúpido por Loki!

Cada palavra que saia da boca de Semha parecia ser um incentivo a mais para me levantar e rebatê-la. Mas quando ela finalmente culpou-me e até mesmo meu lado Ignis pelo fato dela ter matado o próprio marido eu senti a ira e o ódio tomarem conta de mim e o fogo ardeu tão forte que senti-o controlar todo meu corpo.

Eu estava em chamas.

Literalmente. Todo o meu corpo flamejava e não ardia ou incomodava como de costume... Nada. Era apenas uma chama crepitando todo meu ser e ajudando-me a combater aquela bruxa miserável.

─ Acho que finalmente teremos uma briga justa então, Semha. ─ minha voz possuía um tom diferente. Ácido. Brutal. Liderante. Minha ascensão deixou a ruiva a minha frente um pouco desconcertada e sem reação inicial ─ Eu vou matar você. ─ falei decidida ─ Mas antes vou fazê-la sofrer por tudo o que fez a minha família até hoje.

─ Então venha, Ignis. Venha e enfrente a sua morte.

Eu nunca consegui enxergar com tanta clareza como naquele momento. Todos os golpes de Semha e o uso de seus poderes não foram nada comparado ao poder de minhas chamas que a lançavam de um lado para o outro. Ilidia tentou uma ou duas vezes me conter, mas eu era imbatível e possuía um único objetivo ali: torturar e aniquilar Semha.

─ Lilly! ─ Ilidia gritava não muito atrás de nós, enquanto duelávamos ao centro do lago. Ambos os nossos corpos não tocavam a água abaixo de nós, então o combate se dava apenas ao ar.

Semha era impiedosa e possuía uma espada formada pela areia da margem do lago em mãos que lutava incessante contra minhas chamas que também tomaram forma de espada. Apesar de suas técnicas de combate, ela não conseguia conter-me por muito tempo e logo era lançada cada vez mais longe. Até que atingimos a outra margem do lago.

─ Você é uma mísera mulher, incapaz de amar. Faz de conta que tudo o que fez foi em benefício da família, mas está claro que foi egoísta. ─ eu finalmente havia destruído sua espada com uma imensa bola de fogo e ela estava caída, de costas para o chão e tentando escapar de meus ataques ─ Você não representa nada para mim. Nada. Vai pagar por ter matado Ha-

─ Não fui eu. ─ sua voz era ofegante enquanto lágrimas começaram a escapar de seus olhos ─ Não fui eu quem matou seu pai, Ignis. Você sabe disso.

─ Eu não sou Ignis. Sou Ellizabeth Fury. ─ corrigi-a antes de acertar seu peito com outra bola de fogo.

─ Tu-tud- ─ ela tossiu ─ Tudo bem... Ellizabeth. Precisa acreditar em mim. Não fui em quem matou o pai dos meus filhos, o meu marido. Eu nunca faria uma coisa dessas.

─ Então foi Odin. ─ eu me prontifiquei a mudar de opinião, ainda seguindo meu raciocínio ─ Com a sua ajuda, claro. Vocês mataram Haz!

Ela negou novamente, tentando levantar-se aos poucos e sem conseguir muito bem efetuar a ação, sentou-se com dificuldades no chão sujo de folhas mortas e lodo.

─ Também não foi Odin. ─ sua voz era entrecortada e sussurrante enquanto mais algumas lágrimas caíam de seus olhos.

Ergui um pouco mais meu nariz, mostrando minha total superioridade na situação enquanto perguntava:

─ Então me diga: Quem matou Haz?

─ Isso você terá que descobrir sozinha. ─ e com um impulso que pareceu-lhe consumir toda sua energia, Semha lançou-se em minha direção e me empurrou, fazendo com que eu caísse direto no lago.

As chamas de meu corpo automaticamente foram apagadas e eu senti uma corrente forte e impetuosa arrastar-me cada vez mais para o fundo do lago. Lutei contra aquela força o máximo que consegui, porém parecia inevitável. As forças de Semha estavam me arrastando para o fundo do lugar para me matar. Ela havia ganhado.