O Caminho do Guerreiro escrita por Matheus Carvalho


Capítulo 3
Pergaminho III




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Capítulo III

“Pior do que perder a luta é perder a razão para lutar”

Pequenos e discretos detalhes na vida da gente que geralmente passam despercebidos como, por exemplo, tomar uma xícara de chá, ouvir a melodia dos pássaros em um entardecer calmo, sereno e levemente sombrio, divagar sobre como as raposas são astutas e sagazes ou mesmo observar as folhas caírem em seu abundante silêncio. Detalhes que geralmente se reunidos em um único momento constituiriam na minha mais sincera felicidade; ou aquilo que dava para se chamar de felicidade.

Afinal o que é felicidade? É um durável estado emocional de bem-estar? Quem sabe a paz interior e uma triunfante tranquilidade? Seria aquilo que encontramos nas pequenas minúcias da vida? Um sentimento de desejo, sonho ou objetivo realizado? Ou talvez tudo isso?! Se alguém perguntasse eu não saberia responder.

No lugar do bem-estar o que antes predominava eram marcas de agressões, indiferença e desprezo, o qual não sabia o motivo embora agora tampouco importe. O que preenchia o lugar da paz interior sempre foi uma constante e interminável luta pelo reconhecimento que hoje parecia encontrar seu fim da pior maneira. E aquilo que eu vagamente poderia chamar de felicidade se fez em um vão inexistente sumindo completamente da minha realidade.

Longe de mim, querer me fazer de vítima pelas vicissitudes do destino – não que eu acredite em destino ou em deuses, força de expressão apenas -. Mas é que ter um sonho e objetivo na vida é algo admirável e é aquilo que nos motiva a andar e respirar, mas o que acontece quando se descobre que não importa aquilo que faça ou deixe de fazer nunca os alcançará, pois não tem a força necessária; ou simplesmente não nasceu com talento?

Superação? Não existe superação, tudo o que há são palavras bonitas que servem de exaltação para determinada conquista em meio a seus nefastos problemas pessoais. Tente ensinar um cego a lutar e veremos se ele viverá tempo o suficiente para nos falar sobre “superação”.

E finalmente, o que há depois da desistência? Um mal-estar, desconforto, vazio?...

Divagava sobre minha infelicidade associada aos fracassos até que finalmente o cheiro de tabaco rodeou-me e passeando pelas minhas narinas invadiu meu pulmão. Torci o nariz não pelo cheiro ou incômodo e sim pela fumaça, como aquele velho conseguia fazer círculos tão perfeitos? Que por eles passavam navios, embarcações, e até mesmo nuvens? Ah também tinhas os fogos que ele fazia, os quais rapidamente se fragmentavam no ar e isso tudo apenas com a fumaça de seu cachimbo.

Nunca ousei experimentar com pulmões frágeis facilmente me faria mal, o cheiro era ruim e o cachimbo parecia ter um gosto não muito agradável embora pudesse experimentar ao menos uma vez só para tentar fazer aquilo, afinal ele parecia tão contente consigo mesmo.

Sombrio e nebuloso entardecer que representava perfeitamente meu coração. Sobre uma larga varanda de carvalho com baixas cercas, pouco afastada e a destra de seu trono, repousávamos em almofadas cinzentas. Depois de despachar os conselheiros, serviçais e os guardas (não sem antes hesitação e um olhar torto por parte deles) ofereceu-me comida e sugeriu-me (sem se pronunciar) uma xícara de chá e a contemplação acima de todos das flores de Konoha. Uma bela vista eu normalmente diria, as flores eram lindas e as sombras das árvores faziam parecer ser mais tarde do que realmente era tampando completamente Konoha e parte da luz que vinha, o vento era suave, embora não houvesse a corriqueira sinfonia dos pássaros. Mas com pensamentos tão nebulosos como poderia euachar algo belo?

E ele ali parado ao meu lado esquerdo por mais de horas, se movendo minudentemente apenas para tragar seu cachimbo e soltar suas fumaças. Cochilava ou dormia? Se não o conhecesse tão bem diria que estava meditando ou quem sabe refletindo, afinal era o grande Imperador pilar da maior e primeira vila Samurai a ser fundada. Conhecido desde a era bakumatsu como o Deus samurai, os livros de história o exaltavam como lenda viva e os mais velhos - múmias - contavam que se não fosse por seus feitos talvez o período Meji nunca tivesse nascido, contudo não menosprezavam os demais guerreiros que eram muitos por sinal.

Alguns dos quais eu só conhecia pela alcunha como, por exemplo, relâmpago dourado ou os três espadachins lendários e outros sabia até onde moravam, todavia esses tivessem suas importâncias questionadas, mas tal conhecimento para mim de que prosseguia?

Continuamos assim por um bom tempo, ele ali babando e eu aqui pensando no verdadeiro motivo dele me chamar até que não aguentando segurar mais, espirrei fazendo-o despertar engasgado pelo iminente susto.

Trajava um longo e vistoso Kimono branco e vermelho com treze camadas e todas elas refletiam sua nobreza, seus títulos e a grandiosidade de sua família. Bordadas por ouro e feitas com lã de carneiro. Acima um chapéu que cobria todo o seu rosto, também branco e também vermelho com a escrita – Imperador -.

Não queria falar, não me sentia bem, mas já não aguentava mais esse angustiante silêncio. Se fosse para ouvir meus pensamentos melancólicos que fosse sozinho e se o conhecessem tão bem quanto conheço saberiam que ele ficaria ali parado até que eu me pronunciasse, era sua tática e não é como se eu pudesse dar meia volta e deixa-lo.

“Por que me trouxe aqui?” – Suspirei e sussurrei, observando bem na minha frente como as formigas se enfileiravam e marchavam uma atrás da outra depois de pegarem sua comida.

Ele emitiu um murmuro assustado, despertou-se de vez e dando uma última tragada no seu cachimbo cessou o fumo.

“Hãm? Achei que dormia.” – Entre tosses. Voz grave, cansada e tão animada quanto a minha, mas ele tinha seus motivos: era velho e já não estava mais no auge.

Tirando seu chapéu deixou à amostra para quem quisesse ver, seus curtos cabelos grisalhos, pele meio clara, longa barba alva, rugas, olheiras e tudo aquilo que todo bom velho tinha.

“... Queria eu, talvez não haja vazio no mundo onírico.” – Tentava alcançar as formigas com a ponta dos dedos, mas elas se movimentavam rápido demais, pareciam ter medo e provavelmente tinham, que imbecilidade de minha parte.

Movimentado a mandíbula possivelmente procurou resíduos de tabaco e por fim depois de longos segundos: lentamente murmurou “Todo vazio é preenchido por algo... Pode ser por glória ou por fracasso. Isso depende de você.” – Antes de pegar sua xícara de chá.

Não entendia o porquê dessa resposta. Ele certamente não sabe e nem saberia o que se passa na minha mente, então como pode dizer algo tão distintivo?

“É engraçado, porque vossa majestade fala como se entendesse.” – Com a voz mórbida contestei. Por fim acabei desistindo de tocar as formigas e somente às observei, com ignorância poderia matá-las. “Alguém, já apontou o dedo para o Imperador e disse que não iria conseguir? E no fundo de sua mente sabia que estavam certos?” – Cuspi minhas dúvidas e questionamentos “Dizem que o maior dom que alguém pode ter é saber quando está certo ou errado, quando pode fazer aquilo ou não.” – Até que a última formiga ficou para trás se afastando de seu bando. “Sempre ouvi homens falando para seus filhos que o importante não é pescar e sim aprender, mas é meio difícil quando não se tem uma vara ou os meios necessários, entende?” – Pausadamente abria a boca para falar.

Seu olhar meia lua estava longe, se fixava a sua frente e parecia não ter destino certo.

“... Você reclama demais. Lamenta demais. Se não tem uma vara para pescar pesque com a mão, construa uma lança, busque um pedaço de madeira, se jogue no mar, mas faça alguma coisa. Ficar se lamuriando não irá ajudar” – Dessa vez dizia tudo com os olhos fechados e com a voz arrastada como se no fundo de sua mente encontrasse as respostas que eu - com tanta dificuldade - não vislumbrava.

Então a última formiga se perdeu, o formigueiro estava na sua frente, mas ao que parecia não enxergava e para ajudar deixou cair sua tão estimada refeição.

“Não existe pecado em se questionar, mas desistir, desistir quando se pode persistir é uma vergonha.” – Já estava me irritando, em parte pela tranquilidade com a qual ele falava tudo aquilo e em outra pela sua ignorância. Ele não sabia dos meus problemas não sabia das minhas dificuldades não sabia por tudo o que passei e não seria birra nenhuma dizer que ele não sabia de nada.

Meus punhos repousados nos joelhos involuntariamente se contraíram e minha voz, minha voz saiu mais calma que o habitual. “Eu falo demais? Agora me dirá sobre trabalho duro, esforço e dedicação? Acha mesmo que eu não tive tudo isso? Acha que eu não me esforcei e fiz tudo ao meu redor?... Eu fiz tudo o que pude ou poderia.” – Se tivesse algo de estranho nessas minhas palavras, talvez fosse o sonolento e neutro tom com que ditava tudo.

Um curto, porém incômodo silêncio se instalou na ocasião e cansado desse paradigma fiz a menção de levantar. Perdi a respiração, senti meus joelhos amolecerem e cai de cara ao assoalho de madeira sentindo o peso de mil homens sobre a coluna.

“Não me de as costas garoto.” – Mais autoritário que o normal inflamou seu chakra. “Não se trata de fazer aquilo que pode e está ao seu alcance se trata de sair da zona de conforto de fazer o impossível... Será que pelo menos um daqueles famosos samurais que você tanto almeja ou almejava ser não encontraram dificuldades e pensaram em desistir?” – Sua voz grossa e poderosa servia como um mediador entre sua raiva e seu autocontrole. “Criança tola! Se quer desistir e cair no primeiro fracasso de muitos que vai enfrentar pela frente, então desista e suma da minha frente, mas não culpe o destino, as circunstâncias ou mesmo as dificuldades, culpe a si mesmo.”

Seu chakra sufocava. Eram raras as vezes que eu tinha visto o velho se irritar e não era essa minha intenção, jamais, mas suas palavras, suas palavras jogavam na cara que tudo aquilo que fiz não foi e nem nunca será o suficiente isso desolava e ao mesmo tempo levantava as seguintes questões:

Quem eu sou? Quais meus objetivos na vida? Qual é a minha motivação, ela é sólida o bastante para não se quebrar no meio do caminho? Estou disposto a fazer de tudo e qualquer esforço para alcançar meus sonhos e objetivos? E quando desistir for a melhor opção? Desistir certamente é uma opção porque não há nada de sábio em fazer aquilo que não tem capacidade...

As perguntas junto com as respostas estavam na minha cara, mas a cada segundo se embaralhavam anda mais e isso me deixava confuso. O que devo fazer? Qual postura eu devo adotar? Tantos anos estudando e agora parecia uma criança cheia de dúvidas e incertezas. Preciso tomar uma decisão importante, mas no que pensar, falar ou fazer irá ajudar? Sou fraco sem talento e isso não tem jeito!

... É claro que o inseto cogitou (mesmo que irracionalmente) recuperar sua comida, mas agora ela parecia ter ganhado um peso amais. Então novamente tentava, fraquejava e se reerguia. A formiga provavelmente não era uma das mais “inteligentes”, fortes ou dotadas, mas se tivesse algo que a diferenciasse das demais isso se chamaria: determinação...

Tudo se encaminhava para mais algumas horas de silêncio e reflexão quando abruptamente bateram no portão. Depois de alguns segundos foi audível o ranger da porta e a passos lentos alguém se aproximar pelo vasto fusuma abeto às nossas costas.

“Vossa majestade imperial!” – A voz alta se fazia num paradoxo entre o agudo e o grave a qual tentava demonstrar respeito e submissão. “Finalmente acabou.” – Com uma frequência menor alertou ao velho no seu ouvido algo que eu não entendi.

Por cima dos ombros o olhei de relance. Pouco afastado se encontrava um homem ajoelhado e cabisbaixo. Médios cabelos claros (quase brancos), kimono simples e azul bordado casualmente por alguma mulher, mas ao mesmo tempo condecorado com o posto de samurai subalterno. Estranhei a falta do símbolo de sua família, mas dai lembrei-me que nem todos tinham esse privilégio, afinal de contas, quem sou eu?

“Humm.” – Parou, pensou e consentindo voltou ao seu conforto, pegou seu chapéu e cachimbo e antes de colocá-los abriu um de seus olhos. “Vá, você precisa se reencontrar. Existe escolha mais importante do que aquela que se referi ao seu destino? Seguir em frente ou desistir de vez.” - Poderia revidar antes de sair, dizendo mais uma vez que não acredito em destino, mas foi quando percebi que aquele samurai ainda nos observava atentamente e o velho também notou “O que espera?!” – Dessa vez foi para o subalterno que se assustando levantou e imediatamente saiu.

{...}

Já era final de tarde quando o sol sumia de vista e aos poucos o escuro emergia a névoa.

Andava trêmulo e incerto pelas ruas de Konoha observando minucia e curiosamente qualquer detalhe que pudesse saciar minhas dúvidas. Afinal, ruas importantes e ricas se encontravam estranhamente fechadas. Comércios nem se quer estavam por lá. Casas trancadas e muito bem protegidas. Um completo deserto por parte de homens e mulheres.

O medo nunca foi um sentimento predominante em meu coração muito menos de escuro ou de ficar só, porque sempre foi assim, tais peculiaridades resumiriam a base do meu dia-a-dia, mas nesse momento muita coisa mudava e o festim das cigarras e corvos não ajudara.

O escuro parecia criar vida, a cada instante se aproximava sorrateiramente por trás enquanto preparava suas garras. Cabia somente a mim: caminhar pelas desertas, estreitas, lamacentas e longínquas ruas da vila as quais só podia ouvir o barulho dos meus passos, sentir o cheiro de terra e enxergar um véu cinzento.

Era um árduo caminhar por essa rua, rua onde as horas se prolongavam e pernas se exaustavam. A cada andar as míseras fontes de claridade desapareciam mais e mais e os marfins das madeiras nunca me pareceriam tão obscuros.

Sem mesmo me dar conta à lua já pairava sobre mim e o breu de escuridão se solidificava. Cigarras cantavam. Os corvos que sobrevoavam a aldeia pareciam me gorar e o zunido de folhas secas se esmigalhando encolheram-me. Incapaz de reunir a coragem necessária de olhar para trás, continuei.

A dúvida de estar sendo ou não observado só crescia junto a um incômodo inebriante, pareciam ter olhos por trás daquela imensidão. Minhas pernas se tornaram autônomas quando sem mesmo perceber já andava a passos largos. Olhando rápida e exaustivamente para todos os lados a procura de algo minimamente estranho minha coragem só diminuía (se é que tinha coragem ali) e as coisas só pioraram quando apareceram os primeiros indícios de fumaça, um inerente cheiro pegajoso no ar (que mais tarde vim conhecer como sangue), espadas e tochas sobre a estrada.

Apertei o passo – que mal há em estar com sono e fome? – tentava me consolar pela falta de masculinidade, mas era inútil em vista que a cada barulho meu coração tremia.

Então sem me importar com nada corri, barulhos de folha seca e passos me seguindo aumentaram e cada vez mais altos e próximos até que...

Apaziguado pelos barulhos estranhos e maus pressentimentos terem se esvaído não dei sorte ao azar, logo subi as escadas e antes de fechar e trancar o fusuma.

“Naruto!” – Voz grave e irreconhecível que veio acompanhada de um forte apertar nos ombros.

Virei assustado numa tentativa de me desvencilhar desse braço, mas minha queda com a bunda no chão só não foi maior que meu quase infarto fulminante. “Iruka-sensei?” – Arfei com o rosto encharcado de suor e cabelos grudados a face, perguntando o óbvio quando vi seu rosto cansado e enraivecido. Ele se sobrepusera ao fusuma deixando passar apenas alguns raios lunares por cima dos ombros. E eu caído perante o Tokonoma.

A lua pálida e desvairada que o iluminava por trás apenas enfatizava não só a malícia da noite como também seus rebeldes cabelos desgrenhados, sua katana fedida a sangue na mão esquerda, seu kimono antes azul claro agora quase todo avermelhado e alguns cortes visivelmente preocupantes no peito e estômago tanto como as suas exclamações de dor.

Recuperando fôlego perguntou “O que faz aqui Naruto?!” – Estava mal “Deveria estar junto com o Imperador!” – Esbravejou fincando a katana no chão para depois se apoiar, respirar e reerguer-se. “Não importa agora, vou te levar de volta” – Travava uma batalha a parte para conseguir falar.

Olhos arregalados, mãos trêmulas e face desesperada. Não era bom em esconder minhas próprias emoções e muito menos dúvidas. Por que este sangue na sua roupa? E katana? O que ele quis falar? O que ele tinha haver com tudo o que vi pelo caminho? O que estava acontecendo?!

“Anda logo Naruto, não tenho tempo!” – Pigarreou alto, entre tosses que esbanjavam sangue.

“O. Que está acontecendo sensei? Por que dessas. Tochas, espadas e sangue sobre toda a vila? Por.” – Sem esconder o nervosismo gaguejava deixando minha voz ainda mais fina que o normal até ele me interromper.

“Escuta, não temos tempo, depois eu te explico, agora vamos logo Naruto!” – estendeu-me sua mão.

Era o Iruka-sensei eu sabia disso, seus olhos exprimiam e traziam à tona toda sua sinceridade e nervosismo, mas ainda caído no chão recuei. Meus instintos ou covardia alertavam, estava assustado. O que ele quis dizer com -deveria estar com o Imperador – e o que significava tudo aquilo?!

Confiava nele, é uma das poucas e contáveis pessoas que realmente confio, mas o medo e a falta de noção do que realmente acontecia embaralhava a mente trazendo cada vez mais dúvidas e temores então hesitei, tentei me acalmar diminuindo o ritmo cardíaco, mas meu corpo não se movia, era inexplicável tamanho medo até que com força ele agarrou meu braço.

Estava pronto a me puxar até que algo atravessando sua barriga rasgou suas vísceras, espalhando sangue para todo e qualquer lugar. Uma lâmina tremulando entre meus olhos e relando minha testa era tudo o que enxergava.

Gritos de dor.

“Sensei?!” – Bradei abafadamente tentando me levantar e ajuda-lo, mas tudo o que consegui foi ficar imóvel vendo seus olhos arregalados se sobreporem a face e cada instante perdendo de seu brilho até que com olhos tão vagos como a lua, cair.

“Ahh... Ele morreu rápido demais, esperava certa resistência. Mas isso não é bom? Teremos mais tempo.” – Em tom de zombaria uma voz se pronunciou. O samurai que antes cochichou algo no ouvido do imperador, embora dessa vez banhado a sangue com sorriso animalesco e olhos tão sádicos.

Como quem esfaqueia um animal puxou com repulsa sua espada de volta. “O que!” – Mesmo com sentidos neutralizados estava pronto para berrar, gritar ou lamuriar em busca de respostas, mas ele foi mais rápido apontado aquele pedaço de ferro sanguinolento em meu nariz.

“Xiuuuuu... Podem nos escutar” – Fazendo um gesto de silêncio ele olhava por todo lado como se tivesse em uma peça teatral. “Não chore por ele, ele era mau... Ele mentia.” – Se aproximava pisando com desprezo por cima do corpo já morto. “Venha comigo eu sou o Mizuki aquele da biblioteca, eu vou te contar a verdade, toda a verdade.”- Olhos esbugalhados. Fala mansa e dissimulada; que se percebia até mesmo aterrorizado. Perturbador.

Recuei até bater as costas na parede, algo me dizia que ele era perigoso. Dizia não, gritava! “Você matou o sensei.” – Bradei instintivamente a plenos pulmões “Por que fez isso?!” – Sem pensar direito algo molhado e escorregadio já descia meu rosto. “Não vou com você para lugar nenhum.” – Voz embargada a ódio e lamentações. “Mentiroso é você.” – Me sentia fraco por deixar meu medo tão transparente.

Depois de encurralado tentei desajeitadamente escapar e acudir o sensei, mas só sentira um chute no rosto que baqueando minha cabeça na parede fez minha mente revirar e um gosto amargo de sangue percorrer minha boca.

“Ahh, vamos brincar?” – Por segundos tudo o que enxerguei foram borrões negros e aos poucos pude visualizar ele se aproximando com um olhar cansado e meia lua. Minha primeira ideia já instintiva foi pular pelo fuuton e passar pela janela, mas com força puxou-me pelos cabelos e com a mesma brutalidade comecei a receber chutes na barriga e no rosto.

“Por quê?!” – Minha mente já se revirava do avesso, minhas mãos começaram a tremer ainda mais, meus olhos se fechavam e minha voz se transformou em pedidos não só de socorro como também de clemência.

“- Por quê? - Você pergunta.” – Gargalhou antes dos meus berros de dor por ter uma espada fincada no braço esquerdo prendendo-me a parede. “Sabe quanto ganharei por te matar? O suficiente para viver o resto de minha vida sem fazer mais nada. E o preço? Apenas garantir que o desejo dos nobres e da maioria dos moradores de Konoha seja feito.”

“Pare...” – Cuspia sangue tentando falar. Dessa vez não mais chutava e sim pisava no meu rosto colando ele ao chão o que aos poucos rasgava lenta e dolorosamente meu braço preso pela lâmina. Não conseguia raciocinar, aquilo doía, doía muito. Tentava reagir parando seus ataques ou fugindo. Era inútil, estava preso e ferido, morreria aqui...

“Bem, como o bom e honroso samurai que sou, contarei a você um belo relato, mas antes...” – Com os olhos inchados e incapacitados de enxergar alguma coisa, ouvidos que não conseguiriam distinguir mais nenhuma voz, corpo mergulhado no próprio sangue e imóvel entre o chão e a parede, só me restava ouvir.

Passos para lá e passos para cá, passeava pelo quarto.

“Alguma vez você se perguntou o motivo de um moleque desprezado por todos estar logo no castelo imperial, ou do dia parecer mais sombrio que os demais? Sentiu cheiros de fumaça enquanto tomava chá com o imperador? Ou ele inocentemente fumava seu cachimbo? Ha há... Ouviu os pássaros cantarem hoje, Naruto?”

Por um segundo, tudo fez sentido, mas no estado que estava não conseguiria concentrar minha atenção em algo a não ser nas dores e vômitos de sangue.

“Doze anos atrás quando a era Meji ainda frágil se estabelecia pelo mundo samurai e aos poucos ganhava adeptos e dava um novo sinônimo à paz, houve um atentado a Konoha, não se sabem muito, mas dizem que alguém foi possuído por um Youkai maligno que estava preso na nona lendária Katana e perdendo sua natureza e racionalidade após ter sucumbido ao chakra demoníaco ele atacou, matou muitos samurais, nobres, camponeses ou simples civis. Até que desgraçadamente ele foi atraído para o local onde o Quarto imperador e sua mulher estava, houve uma intensa batalha e os dois morreram pelas garras do demônio, mas a Youkai também fora selada de volta e dispersada onde seu paradeiro é indefinido. O fato é: caos, destruição e milhares de mortes, além do ego despedaçado de Konohagakure por ter seu amado, jovem e talentoso Imperador morto. Isso gerou muito mais aversão aos demônios e uma vontade insaciável de achar um culpado. Você já deve saber que nossa vila é um lugar que transborda tradição, cultura, bons hábitos, e é claro que consequentemente preconceito, discriminação e superstição. Não demorou muito para que descontassem tudo numa criança que nascera coincidentemente no mesmo dia. Ou na reencarnação do demônio como muitos dizem... O plano inicial era dessa criança ter sido morta apedrejada, queimada, desmembrada, enterrada enquanto ainda respirava, mas o Imperador tinha que protegê-la... Enfim, não se podia fazer muito contra a autoridade suprema, a não ser... Revoltas? É, é isso, revoltas. Um motim que envolvia samurais que perderam seus parentes, camponeses falidos pela destruição e moradores desolados. Revoltas que aconteciam de surpresa e nunca se concretizavam por completo, mas pelo menos deixava suas marcas de tortura até que algum samurai fiel ao Imperador viesse o salvar. Intrigante toda essa história, não?” – Palavras ensaiadas que carregavam ambiguidade e certa displicência.

Clarões brancos que me lembravam de todas as surras que tomei e como sempre havia fumaças e cheiro de sangue por todas elas... Eu não confiava no que ouvia e visualizava, ou não queria? Meus olhos ardiam demais para poder dizer que não acreditava.

Então essa é a explicação de tudo? Das surras, dos olhares, do desprezo. Uma simples superstição? Mas e se eles estiverem certos? Ninguém faria tudo isso se não estivesse convictos, ou fariam? Eu não tenho pai, e mesmo se tivesse eles teriam me abandonado com medo ou repulsa? Não, eu não acredito. Mordi o lábio inferior para não chorar. Pensamentos, lamentos, começariam a me preencher até o momento de minha morte. Minha vida é uma mentira?

“Você é um inútil que nem sabe segurar uma espada, fadado a ser um completo fracasso em tudo o que faz. Está vendo? Foi tão fácil te abater que até um camponês conseguiria. Deveria me agradecer.” – Não enxergava e mal ouvia, mas poderia jurar que ele apontava sua espada para mim. “Ninguém sentirá de fato sua falta, apostaria que nem mesmo o imperador, embora eu não fique para descobrir. Aliás, não vá se importar se eu pegar essa Katana né? Se apenas sua bainha já é bordada a ouro mal posso esperar para ver do que é feita.” – Escárnio, deboche, palavras dissimuladas e tudo aquilo que o representava, mas já não me importava, nem sentia dor.

Arrancou sua katana do meu braço e pude senti-la lentamente ser pressionada ao meu pescoço e depois velozmente retirada.

“Esse é só um pequeno preço a se pagar depois de ter assassinado meus pais e feito tudo aquilo. Seu destino é a morte ou um interminável ódio e repulsa a carregar. Isso acaba agora quando eu fizer o que todos tentam fazer a mais de doze anos... Último desejo?” – Risadas.

“Logo.” – Jogado ao chão quase sem vida e banhado nas próprias vísceras e sangue, meus pensamentos já não sustentavam mais minha existência...

Som de esfaqueio, sangue espirrado e barulhos.

“Naruto fuja!” – Não sabia de onde vinha o dono da voz, então com força entreabri o único olho que ainda respondia.

“Iruka-sensei” – Murmurei. Entre o escuro palpável que queria me buscar, estava ele lá ajoelhado a minha frente enquanto se apoiava no chão com as mãos.

“Não acredite nesse traidor, você não é nenhum demônio Naruto! Responda-me” – Sacudia-me.

“... Sensei.”

“Naruto, o imperador te salvou por uma razão, ele acredita que você não é a reencarnação do demônio, então viva e mostre que ele estava certo, Naruto!”

“Deixe-me... Eles estão certos.”

Aos poucos minha visão escurecia mais e mais.

Já podia sentir seu sangue lavar meu rosto quando mal começou a falar “Não, não estão. Eu sei que não estão! Eu te vi engatinhar, vi você chorar e rir, já te vi reclamar de dor ou de como as pessoas te tratavam. Vi como você é humano e aprendi a te respeitar e admirar porque apesar de tudo isso você nunca apontou o dedo para alguém e disse que a odiava e isso é a prova que você não é um demônio... Prove isso, prove para o mundo, prove para você mesmo, você pode. Naruto... Ninguém precisa aceitar um futuro que não quer, nunca perca sua fé. As pessoas... Elas encontram suas dificuldades naquilo que fazem e por se acharem superiores dizem que você nunca vai conseguir, mas nunca desista. Nunca se entregue. Nunca fraqueje. Realize seu sonho e nunca se esqueça daqueles que acreditam em você.” – Suas palavras pareciam uma despedida. E entre as poucas coisas que eu poderia ver e ouvir, lá estava sua cabeça sendo facilmente decapitada e junto a essa visão que nunca esqueceria se misturavam as risadas daquele homem.

Continua...


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Notas finais do capítulo

O capítulo não teve uma diferença grande na quantidade de palavras, mas teve no trabalho que deu e isso aliado ao fato que não escrevo todos os dias, apenas quando quero e tenho empolgação (como hoje) resultou no atraso de uma semana. Mas enfim, espero que comentem, pois senão ficaria puto. Mas enfim seus comentários podem acelerar o processo e tals, tals, tals. Falem o que acharam do capítulo e me digam se passou por estes olhos algum erro despercebido, ok? E muito obrigado Kaien pela recomendação xD. Iria dizer mais alguma coisa, mas esqueci...