O final do ano de 1984 seria menos turbulento para Shiemi se tivesse segurado as lágrimas. A garota tinha se decidido por entrar na organização não governamental porque sabia bem que pouca gente se importava com o meio ambiente. Mais um desastre acontecia com perdas alarmantes. Yukio havia tentado acalmá-la; o que o colega pode fazer foi apenas adiantar o inevitável.

A garota corava de vergonha enquanto corria o mais rápido que podia em direção ao banheiro. Até para tais defensores entrar em angústia profunda poderia ser demais. “Eles devem me achar uma estranha”. Todas aquelas pessoas tinham seus motivos para estarem no espaço, e não necessariamente tinha uma sensibilidade como a dela. Uma dessas pessoas foi justamente de encontro a Shiemi. Não que fosse sua intenção.

– Me desculpe! - Shiemi disse assustada com o choque.

– Olhe por onde anda!

Shiemi conhecia a dona da voz irritada. Ao invés de se intimidar Shiemi meramente se jogou sobre Kamiki que a encarou confusa. Não foi difícil para a loira realizar a ação. As emoções que guiavam o corpo buscavam tão somente uma possível proteção. Tal como estava Shiemi, Kamiki estava caída devido ao choque de corpos. Kamiki empurrou a loira com uma força considerável em uma intenção nítida de colocar um espaço entre elas.

– Quem disse que eu quero que se aproxime? - Kamiki disse insatisfeita.

O olhar frio de Kamiki arrepiou Shiemi. Imaginou se não teria passado dos limites daquela vez.

A loira viu como Kamiki se levantava e limpava as roupas com as mãos. A expressão de Kamiki era tudo menos amigável. As palavras saíram confusas dos lábios da loira. Mesmo que Shiemi soubesse que era odiada não conseguia compreender porque não poderia ter uma ligação com aquela garota. Procurou em vão uma forma de remediar a situação.

Shiemi se levantou no momento que Kamiki deu um passo à frente; bateram as testas sem aviso. Mais uma dor era adicionada a coleção de ambas.

– Sério, qual é o seu problema? - Kamiki reclamou esfregando a testa com a mão.

– Ah, quero que me ouça um pouquinho! - Shiemi disse com as mãos suando de nervoso - Não há mais ninguém que eu queira falar!

Shiemi sustentou um sorriso falho no rosto enquanto esperava que Kamiki meramente passasse por si e a chamasse de idiota. Kamiki deu passos calculados como se pensasse consigo. Ao encarar a colega Kamiki tinha o rosto descrente, no entanto perguntou:

– E eu ganho alguma coisa com isso?

– É claro! Pode pedir o que quiser de mim! - Shiemi disse com energia.

A única coisa que poderia trazer paz de espírito a loira era auxiliar os outros. Não via problemas em fazer o que fosse preciso para trazer felicidade as pessoas que convivia no dia a dia. Também poderia ser incluído a esse grupo pessoas que nunca tinha visto. Essa compaixão lhe causava problemas quando não poderia fazer muito para ajudar. Que era o caso do desastre ambiental.

Kamiki escutou Shiemi surpreendentemente bem. Shiemi preferiu ficar quieta a respeito. Vai que a colega mudasse de ideia? Um sorrisinho contente não deixou de estar pressente em seus lábios. A vontade de chorar ressurgia quando se lembrava do que a deixava triste. Entretanto, com Kamiki próxima de si, tinha a impressão de que poderia ser mais útil.

Kamiki não tinha conhecimento do desastre: há pouco que voltou de uma viagem de três semanas aos EUA para conscientizar as pessoas a respeito da poluição e chuva ácida. Os braços de Kamiki estavam cruzados enquanto seu olhar repousava em Shiemi. Shiemi esperou sobre o que Kamiki poderia dizer; Kamiki questionou o que a loira faria a seguir.

A expressão da morena não deixava visível sentimento forte; entretanto não era desmotivador.

– Eu gostaria muito de ir. Mas o Yuki-chan disse que meu corpo não ia aguentar as toxinas. -Shiemi disse terminando em tom hesitante.

– E vai deixar isso te impedir? - Kamiki disse arqueando a sobrancelha com descrença - Achei que fosse mais teimosa.

– Mesmo? - Shiemi disse em um tom mais animado e surpreso.

– Não estou te elogiando se é o que está pensando! - Kamiki disse em tom indignado com tal interpretação.

Shiemi e Kamiki estavam sentadas próximas uma da outra. Plantas de diversos tipos rodeavam as garotas de forma desordenada; Shiemi era quem cuidava do local enquanto os outros membros da Academia da Vera Cruz participavam de missões. Na verdade, até ali Shiemi só tinha participado de pequenas tarefas como fazer plantações de flores pelas vizinhanças. Shiemi nunca tinha se aventurado país afora ou similaridades de responsabilidade maior.

Quando Shiemi estava sozinha e se dava conta disso ela se sentia frustrada. Aquele não era o caso: tanto que sorriu como se nada tivesse afligido seu coração; a garota se sentia mais forte do que nunca! E isso meramente por uma possível distorção das palavras de quem amava.

Quer dizer: sabia que poderia contar com Kamiki quando estivesse em apuros, Shiemi tinha pelo menos essa impressão; assim como a própria Shiemi viria ao socorro de Kamiki caso ela precisasse de um ombro amigo.
Ou de algo a mais.

Shiemi realmente podia ser considerada uma pessoa estranha. Isso não impediu a loira de se levantar do chão de terra a qual estava sentada e estender a mão em direção a Kamiki.

– Obrigada, Kamiki-san! Já me sinto bem melhor agora! - Shiemi disse sustentando o sorriso. - O que gostaria que eu fizesse?

– Ei, isso não é rápido demais até para você? - Kamiki disse estranhada franzindo as sobrancelhas.

– Não é! - Shiemi disse com graça - Se quiser eu posso fazer um sanduíche para nós duas!

Nessas horas provavelmente Kamiki estaria arrependida de acompanhar aquela loira: tanto pelo gosto duvidoso da culinária de Shiemi quanto pela animação anormal que a loira conseguia ter.

Felizmente para Shiemi, Kamiki poderia aguentar isso.

Shiemi, que ainda estendia seu braço para Kamiki, se sentiu puxada e a abraçada de forma possessiva.

– Kamiki-san? - Shiemi disse sem saber se acreditava nos próprios olhos.

– É isso o que eu quero. - Kamiki disse sem margem de dúvida - Tem algum problema?

Embora o tom de voz daquelas palavras se apresentasse neutro, Shiemi viu como era difícil para Kamiki falar algo assim sem corar. As costas da loira eram seguradas pelos braços de Kamiki, a impedindo de se mover; a distância que o rosto de Shiemi estava do de Kamiki era o suficiente para que a loira se sentisse tentada a beijá-la.

O que seria possível se Kamiki não tivesse tomado a iniciativa de fazê-lo; entretanto não importava quem fizesse a primeira nota daquela composição harmônica de melodias; Shiemi estava realizando o irrealizável. Ou era o que costumava achar. Era incrível como por um pequeno contato seus entendimentos de mundo poderiam ser mudados radicalmente.

Só que Shiemi não conseguiria ter essa percepção enquanto ainda estivesse sobre o efeito hipnotizante daquela garota única chamada Kamiki Izumo. Em algum ponto suas mãos se entrelaçaram e os pensamentos e palavras deixaram de fazer sentido.

Pouquíssimo tempo tinha se passado embora a loira pudesse jurar que não. Talvez fosse apenas isso que as tivesse salvado, porque não eram apenas elas que estavam presentes na sede; um animado Rin apareceu no jardim anunciando o lanche preparado por ele mesmo, isso minutos depois de Shiemi e Kamiki tivessem se separado.

Rin estranhou a falta de fôlego de ambas; percebendo algo ou não apenas se limitou a sorrir e indicar para se apressarem ou a comida iria esfriar. E Rin ainda tinha dúvidas do quanto Shiemi gostava dele. Levando em conta que já trazia outra pessoa em seu coração é claro. Kamiki seguiu Rin como se até então não tivesse feito nada de útil.

No entanto o rosto de Kamiki continuava vermelho. Ainda mais quando Shiemi se permitiu ir até Kamiki e entrelaçar as mãos.

Dias passariam e provavelmente se tornariam mais complicados para Shiemi agora que não tinha mais dúvidas do que fazer; se pudesse manter aquela pequena e valorosa ligação que tinham estabelecido com Kamiki Shiemi daria o melhor de si sem medo.