Sixteenth Moon escrita por Nath Schnee


Capítulo 14
Capítulo 13 – 9 de Outubro


Notas iniciais do capítulo

Olá! Tudo bem com vocês?
Espero que gostem do capítulo! Não se esqueçam de comentar.



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Caímos de um penhasco

Uma voz me chamou, e levei um bom tempo para conseguir abrir os olhos e ver tia Del por cima de mim, agitando meus ombros com preocupação.  Devo ter quase desmaiado ali no chão, onde caí, e, com sua ajuda, consegui levantar e olhar ao redor, apesar de precisar de um longo momento de apoio, pois o mundo girou com aquele movimento.

O ar estava estático. Depois de todo o caos, toda aquela quietude parecia até mesmo deslocada naquele lugar. Mas, se eu prestasse um pouco de atenção, podia ver que nada ali estava certo.

Pratos, copos, talheres, castiçais, até mesmo o lustre, alguns vasos de plantas e elas próprias, coisas de valores inestimáveis... Tudo ao chão, em pedaços. A toalha da mesa, as comidas, os salgados, doces, bebidas, não-bebidas, enfeites, todos esparramados em um desperdício inigualável.

A mesa parecia estar pendendo para um lado, talvez estivesse, pois eu não duvidava que houvesse quebrado-a.

Tudo por minha culpa.

Mas nada se compara a Ethan. Em meio a tantos Conjuradores, todos tão histéricos e agitados, reclamando de mim de todas as maneiras, havia ali um Mortal, desmaiado, pálido e, apesar de eu estar longe dele, com a respiração fraca.

Caminhei até ele, ignorando as reclamações da minha família. Com ele ali, nada mais tinha minha atenção, muito menos sermões que poderia ouvir pelo resto do meu tempo antes da Invocação. Não precisava ouvir de novo que eu deveria controlar os poderes.

Eu admitia que havia me descontrolado. Ridley havia conseguido me deixar instável, irritada, ela conseguiu me atingir, atingir meu emocional, ao aparecer e dizer tudo aquilo…

Mas não é como se eu me arrependesse de jogá-la para fora. Na verdade, uma parte de mim, bem profunda, rezava para que ela tivesse se machucado seriamente com a violência que a joguei pela porta.

Fui até Ethan e deitei sua cabeça no meu colo, fazendo cafuné em seu cabelo castanho levemente. Sentia a culpa assolar meu peito. Por que ele tinha que se envolver? Por que ele tinha que tentar estar ao meu lado? Ser meu amigo? Ou até mais que isso ultimamente...? Era aquilo o que acontecia. Mortais se machucavam no meu mundo.

Ridley poderia tê-lo matado…

Ryan se aproximou de mim, Boo a seguindo em passos hesitantes. Seu cabelo claro estava bagunçado, mas ela não parecia ligar. Apenas se abaixou ao meu lado, cutucou Ethan por um momento, que novamente não reagiu, e olhou para mim..

— Ele vai ficar bem! Eu tenho certeza. — Ela sorriu.

Surpresa pela sua tentativa de me deixar melhor, não pude fazer nada além de sorrir e a abraçar. Depois dei uma risada fraca, assim como eu me sentia.

— Como você pode saber? — questionei.

Ryan deu de ombros e levantou, olhando Ethan como se esperasse que ele simplesmente abrisse os olhos de um momento ao outro.

— Eu sinto. — E se afastou, indo ajudar todos a arrumar tudo.

Em um consentimento de tia Del, tio M, Larkin e tio Barclay, que pareciam excluir Reece de propósito, os três homens vieram até Ethan para levá-lo para um dos quartos e eu levantei, deixando meu melhor e único amigo com eles.

Levantei e fui ajudar, apesar de não conseguir muita energia para fazê-lo, a arrumar tudo. Fiquei lá por mais ou menos quinze minutos quando perceberam que eu não estava bem para aquilo, o gasto de poder fora muito grande, e me deixaram ir descansar.

Segui para a escada, encontrando uma agitada Reece no caminho. Não precisei perguntar nada, seus sermões contra o vento já responderam o que eu queria saber.

— Como podem? Deixar um adolescente Mortal no quarto da Lena?! Isso não deveria acontecer! Deveríamos deixá-lo no chão e mandá-lo sumir de Ravenwood quando acordasse!

Subi as escadas fingindo não prestar atenção, mas evitei um sorriso pequeno. Deixaram-no descansar no meu quarto? Não que houvesse ou fosse haver motivo para reclamar, mas eu estava feliz com aquilo.

No corredor de cima da casa, encontrei com Macon. Ele estava descendo, indo para a cozinha, até que o chamei.

— Tio M?

Ele olhou para mim.

— Sim?

— A Jules… — Hesitei, a chamando pelo nome antigo. Depois de tanto tempo tentando não pensar nela como aquela Julia que eu conheci, eu ainda não conseguia desacostumado a chamá-la daquele jeito. — A Ridley… Ela disse algo sobre Naturais e Cataclistas. — Olhei nos olhos dele, temerosa. — Ela… Do que ela estava falando?

Algo sombrio preencheu a expressão do meu tio. Fosse lá o que ele tivesse pensado, não chegava nem um pouco de ser bom.

— Ela queria apenas lhe deixar confusa e perturbada. Conseguiu. Não há nada para saber quanto a isso. — Ele seguiu através do corredor.

— Tio Macon!

Ele novamente olhou para mim. Tio M não perdia a paciência fácil, mas eu sabia que estava testando a dele. Eu tentei me aproximar e toquei seu braço levemente, assim como fazia quando era menor e queria pedir alguma coisa. A tempestade em meio aos seus olhos cor de nanquim pareceu diminuir. Não demorei a perguntar.

— A Reece, quando usou os poderes dela na Ridley, fez acontecer uma coisa estranha. Você viu, certo? Aquela mulher. Não era a Ridley. Era outra pessoa... Você sabe quem era?

— Não se envolva nisso, Lena. É pelo seu próprio bem. — Ele puxou o braço do meu toque com até mesmo elegância, mas eu podia ver, conforme ele descia as escadas, que estava cansado.

Eu desisti. Entrei no meu quarto e vi Ethan largado em cima da minha cama de ferro branco. Seus pés ultrapassavam a beirada, e eu dei um sorriso pequeno, pensando em como aquela cama tinha o tamanho certo para mim.

Era uma sensação estranha aquela. Uma pessoa dentro do meu quarto, que nem mesmo Conjurador ou da minha família era, podendo ver tudo o que eu escrevia nas paredes brancas. Era quase que a sensação de estar exposta, mas pensar que essa exposição era para Ethan… tudo mudava. Era como um amigo entrando no meu quarto pela primeira vez.

Minha poesia e as pequenas frases estavam tão amostra que eu me sentia capaz de ser lida como um livro por qualquer pessoa sem os poderes de Reece. No armário, nas duas portas, estava escrito O destino decide e também Desafiada pelos destinados.

Eu lembrava o que cada frase significava para mim. "O destino decide" era óbvio: Minha Invocação. Eu não tinha escolha alguma, apenas o destino diria de que lado eu era. "Desafiada pelos destinados" era quanto à minha família, aqueles que já foram Invocados. Eles me obrigavam, me desafiavam, a ir para a Luz, eu tendo escolha ou não.

Na porta de saída, havia desesperada inexorável condenada apoderada. Eu me sentia "desesperada", mesmo sabendo que eu precisava ser "inexorável" quanto a ser "condenada" a, para sempre, ser "apoderada" pela Luz ou pelas Trevas.

A primeira frase que Ethan provavelmente veria seria aquela que estava bem acima da cama, no teto. Momentos sangram juntos, sem dimensão de tempo. Aquela frase estava ali porque eu havia pensado logo após acordar de um dos pesadelos com Ethan, quando eu já sabia que ele também tinha os sonhos. Nós sofremos, sangramos, ao mesmo momento, e parecia que aqueles sonhos nunca acabariam, era impossível ter uma dimensão de quanto tempo aquilo duraria.

A frase dita pelo espelho, Abra seus olhos acabava na vidraça da janela, E veja. Fora uma das vezes que eu estava irritada com tanta chuva e começara a pensar que aquilo só mostrava que eu era das Trevas. Que queria afogar todos da cidade. Não que realmente fosse uma ideia ruim me livrar deles.

A cúpula do abajur dizia IlumineaescuridãoIlumineaescuridão várias vezes em um padrão infinito. Outra vez em que eu pensava na minha Invocação. Se eu repetisse para mim mesma que tudo iria ficar bem, que eu iria para a Luz, talvez acontecesse.

Eu estava cansada, então sentei na cadeira perto da cama, apoiei meu braço no braço da cadeira e deitei minha cabeça. Eu não dormiria, nem mesmo conseguiria com tamanha preocupação com Ethan, mas descansar os olhos seria o suficiente.

Acho que passou apenas uma hora quando ouvi os ferros da minha cama rangerem, reclamando. Talvez só fosse Ethan se mexendo, ainda inconsciente.

— Ei, Lena. O que aconteceu? — Uma voz grogue veio do outro lado do quarto.

Eu levantei imediatamente.

— Ethan! — Subi na cama ao lado dele, mesmo que evitasse tocá-lo. Não queria que se machucasse mais de alguma forma. Eu atropelava as palavras. Queria me explicar, mesmo sem nem saber ao certo se deveria. — Está tudo bem? Ridley nao soltava você, parecia te causar dor, eu não sabia o que deveria fazer. Acho que só reagi. Você desmaiou e eu fiquei tão preocupada...!

— Reagiu? Aquele tornado no meio da sala de jantar foi uma reação? — Ele perguntou.

Eu olhei para o outro lado, infeliz.

— Eu te falei, eu não posso evitar. Eu sinto raiva, medo, e... E as coisas apenas acontece. — E é por isso que deveria ficar longe de mim, eu queria falar, Não quero que alguma coisa aconteça com você.

Senti um arrepio quando ele colocou a mão sobre a minha.

— Coisas como um tornado durante o jantar ou uma janela quebrar durante a aula? — perguntou.

Assenti em silêncio e cabisbaixa. Eu olhei para ele e ele fechou os dedos lentamente, até que minha mão estivesse toda dentro da dele. Era incrível como mesmo que o Mortal fosse ele, que ele tivesse sido tão frágil antes, eu me sentia tão vulnerável e ele parecia tão forte com nossas mãos daquele jeito, a dele protegendo a minha.

Aquilo… Aquilo era o que chamavam de borboletas no estômago? Eu queria sorrir, mas Ethan parecia muito sério encarando o teto.

— L.

— Sim?

A voz dele parecia realmente séria tão de repente... Meu coração falhou em um salto equivalente a um ginasta caindo no chão.

— Seu teto vai cair em cima da gente?

Eu olhei na direção que ele encarava. Uma rachadura no gesso velho no canto atrás de onde eu estava aumentou, não era daquele tamanho. Ela não deveria cruzar o teto, circundar o velho candelabro e descer de novo. Tampouco deveria parecer um coração gigante enroscado e feminino.

Exatamente o formato que eu faria se desenhasse.

Eu senti minhas bochechas esquentarem, corarem. Mordi meus lábios e tentei fingir que não era nada.

— Não. O gesso é velho, é só uma rachadura.

— Foi você, né? A rachadura. Você fez de propósito?

— Não. — O rubor no meu rosto se espalhou pelo resto do caminho.

Desviei o olhar. Aquela vista da janela parecia bastante agradável naquela hora. Bem mais do que o fato de eu estar revelando o que realmente sentia por Ethan. Ele não parecia lembrar-se de como eu havia o chamado — “namorado”, Lena Duchannes? Você precisa de um filtro da sua cabeça para a boca!

Ethan puxou assunto, e eu suspirei aliviada por ser outra coisa.

— Você consegue desfazer? Essas coisas que simplesmente acontecem?

— Depende. Não consigo sempre. Às vezes minha sobrecarga é tão grande que não consigo evitar, controlar ou mesmo desfazer depois de um tempo. Eu não conseguiria fazer o vidro da janela voltar ao normal, ou permitir que Ridley continuasse em Ravenwood, e nem evitar a tempestade no dia que nos conhecemos.

— Não acho que aquilo tenha sido você. Nem todas as tempestades são por sua causa, certo? A temporada de furacões do condado de Gatlin ainda não acabou.

Eu me virei de barriga para baixo e olhei dentro dos olhos castanhos dele. Não soltamos nossa mão, mesmo que eu conseguisse notar que ele parecia sempre ter dificuldades em me tocar, como se fosse um pouco doloroso. Eu ignorei e continuei fitando suas íris.

— Você viu o que aconteceu hoje. O tornado não foi em um momento em que eu estava calma.

— Um furacão pode ser só um furacão. Eu já disse, estamos em uma temporada deles.

— Eu sou a temporada de furacões do seu condado enquanto eu estiver aqui, Ethan. — Eu tentei puxar minha mão, me afastar, mas ele só segurou mais forte.

— Estranho. Eu te vejo como apenas mais uma garota normal.

— É? Pois bem, saiba que eu não sou. Eu sou uma tempestade descontrolada, um alerta meteorológico. Com a idade que eu tenho, já deveria conseguir controlar meus dons, como o resto dos Conjuradores, mas não dá, eu não consigo. Parece mais que o meu poder me controla. — Eu apontei para meu próprio reflexo no espelho da parede. O texto de caneta permanente se escreveu sozinho sobre minha imagem enquanto encarávamos. Dessa vez, era de propósito.

Quem é essa garota?

— Eu ainda não entendo o que tudo isso significa. E eu posso até tentar entender — continuei —, mas às vezes é como se eu nunca fosse conseguir.

— Seus poderes, dons, sei lá, são os mesmo que os dos outros Conjuradores? Vocês têm as mesmas capacidades?

— Não. São vários tipos. Há coisas que temos em comum, como mover objetos com a mente e Conjurar Feitiços de livros, por exemplo, mas cada um tem sua habilidades mais específicas de acordo com seus dons.

Ethan parecia tão perdido quanto o amigo dele, Link, na única aula que eu tinha com ele na turma. Biologia. No entanto, não existiam aulas de Introdução ao Mundo Conjurador.

— O que sua tia Delphine pode fazer? Qual é o dom dela? — perguntou, provavelmente por ter sido a única que não demonstrou fazer nada quando estávamos no jantar.

— Tia Del é uma Palimpsesta. Ela lê o tempo. — Eu falei e acabei por esquecer que aquela frase não era tão clara assim para um Mortal quanto ao significado.

— O que é ler o tempo? — Eu quase conseguia ver o esforço que Ethan fazia para pensar no assunto. Talvez ele estivesse imaginando um livro chamado Tempo.

— É complicado. Pense que nós dois entramos em uma sala e vemos o presente, o que está acontecendo agora. Enquanto você e eu vemos isso, tia Del vê várias camadas do tempo. Ela vê o presente e o passado em vários pontos, mesclando as camadas. Ela pode ver Ravenwood no presente, ver como era há dez anos, há vinte, há trinta, tudo ao mesmo tempo. Quando tocamos o medalhão, vemos Greenbrier há cem anos. Mas tia Del tem essas visões o tempo todo, por isso vive confusa. Nunca sabe quando ou onde está.

Eu percebi que não havia comparação melhor do que a sensação pós-visões do medalhão. A Leitura de Tempo da minha tia Del era tão real quanto o fogo era para nós quando víamos aquelas imagens com Genevieve.

— Caramba, é brincadeira né? — Ethan viu que eu falava sério, e continuou assustado. — E Ridley? — Ele perguntou e eu torci para que saber o que acontecia com ele não fosse pior do que não saber.

— Ridley é uma Sirena, ela tem o dom do Poder da Persuasão. — Encarei os olhos dele. Era hora de saber até que ponto Ridley chegou. — Ela pode enfiar qualquer ideia na cabeça de qualquer pessoa simplesmente com suas palavras. Ela pode fazer com que falem, sintam, façam o que ela quiser na hora que ela quiser. — Ele pareceu hesitar… E aquilo podia significar que Ethan havia contado mais do que queria de verdade. Eu resolvi apenas continuar. — Ela poderia simplesmente mandar você pular de um penhasco e você pularia. Você não poderia lutar contra, como se fosse uma urgência você obedecer ela. — Eu desviei o olhar, encarando a colcha da cama.

Ela costumava fazer os garotos se apaixonarem por ela. Não tem como lutar contra isso. Depois de tanto tempo com Ridley, eu conseguia pensar sem realmente dizer por Kelt.

— Eu não pularia do penhasco. — Ethan teimou.

— Claro que pularia. Os homens raramente conseguem resistir a uma Sirena, um homem Mortal definitivamente é ainda menos páreo contra ela. — insisti e voltei a observá-lo.

— Eu tenho certeza que não pularia. — Ele olhou para mim.

Seu olhar seguiu dos meus olhos verdes, olhos de uma Conjuradora, até minha boca e depois fitou meu cabelo, que balançava lentamente com a brisa inexistente do quarto, considerando a janela fechada. Depois olhou dentro dos meus olhos de novo, como se procurasse alguma coisa neles. Quem rompeu o breve silêncio foi ele.

— Como eu poderia pular de um penhasco se eu já caí de um maior?

Ethan dizia como se realmente tivesse acontecido. Eu o encarei, tentando descobrir se aquilo era realmente sério. Eu queria uma resposta dele. Quem era a pessoa pelo qual ele pularia de um penhasco? O modo que ele me encarava me dizia ser eu. Mas e se fosse só o que eu desejava que significasse? E se ele não considerasse como eu que cair de um penhasco também significava apaixonar-se?

Infelizmente, ele apenas mudou o assunto de novo, evitando meu olhar.

— E Reece? Qual o superpoder dela?

— Ela é uma Sibila. Enquanto tia Del lê o tempo, Reece lê rostos. — respondi. — Quando ela olha em seus olhos, é capaz de ver o que você fez, o que fez, quando fez, o que ela quiser. Ela pode saber até mesmo o que você viu há anos. Seu rosto é como um livro para ela. — Assim como eu gostaria de ser capaz de fazer agora, pensei. — E ela pode abri-lo e lê-lo da forma que quiser.

Ele não escaparia tão fácil assim. Eu ainda procurava algum vestígio daquele assunto no rosto dele. Qualquer indicação de que estava falando sério, de que ainda pensava naquilo, ou que ao menos esperava uma resposta minha.

— É? E aquela mulher? Quando Reece ficou olhando para ela, eu pude jurar que Ridley se transformou por um segundo. Você viu isso ou eu estava delirando?

Eu hesitei, dessa vez eu não sabia responder.

— Eu vi, e também não sei o que aconteceu ali. Tio Macon não quis me contar, mas deve ser alguém das Trevas. Alguma mulher poderosa das Trevas.

Suas perguntas não paravam. Talvez ele estivesse sentindo como se seu jantar houvesse sido com uma nova Liga da Justiça. Ou simplesmente um grupo de alienígenas.

— E Larkin? O que ele faz? Encanta cobras?

Àquela altura, eu havia desistido do assunto e resolvera apenas responder suas perguntas.

— Larkin é um Ilusionista. É parecido com tio Barclay, que é um Mutador, mas não é a mesma coisa.

— O que eles são? Qual é a diferença entre seus dons?

— Larkin faz Ilusões. Ele consegue fazer qualquer coisa parecer como ele quiser, como quando brinca que o braço dele é uma cobra. Por um tempo, ele faz pessoas, coisas e lugares parecerem como ele quer que pareçam. Mas não são reais, são apenas ilusões. Já tio Barclay sabe Mutar, as coisas não só parecem o que ele quer que pareçam, elas se tornam aquilo.

— Deixa eu ver se entendi. Seu primo muda como as pessoas vêem as coisas e seu tio muda o que elas são de verdade? — Ele perguntou e eu assenti.

— É. Vovó diz que, de um modo geral, os dons deles são bastante parecidos. É normal acontecer entre pais e filhos. São tão parecidos que estão frequentemente brigando.

Eu voltei a encarar os detalhes da colcha da minha cama. Por mais que não parecesse fazer muita diferença, eu sentia como se saber quais eram os poderes dos meus falecidos pais me ajudassem a lidar com tudo. E se meus poderes fossem como os deles? Pelo menos eu me sentiria mais próxima deles, como se eles fossem uma parte de mim, não como um casal de estranhos como sempre pareceram com o pouquíssimo que eu sabia de tudo.

Ethan voltou ao assunto, parecia querer aliviar a tensão. Mas meu humor não voltaria tão fácil assim.

— E a pequena Ryan? Tem o dom de ser estilista de cachorros?

— Ela só tem 10 anos, não dá para saber, é muito cedo. — disse eu.

— E Macon?

Hesitei. Eu não podia contar sobre tio M. Já era difícil para Ethan lidar com uma família com dons como a minha. Lidar com meu tio, que simplesmente se alimentava de Mortais como Ethan? Eu não podia deixá-lo saber. Ele iria literalmente descobrir que meu tio era um demônio. 

— Ele é... apenas o tio M. Passei muito tempo com ele na infância para saber que não há nada que não saiba fazer, ou que não faria por mim. — Eu desviei o olhar, evitando a pergunta, mas ainda assim me sentindo um pouco distante, considerando o fato de eu lembrar gostar de tio M desde que me dou por gente. — Meu tio é como meu pai, ou como imagino meu pai. — Eu admiti, sentindo meu coração ficar apertado. Eu não conseguia imaginar minha vida sem tio Macon.

— E quanto a você? Qual seu dom? — Aquela pergunta chegou… e eu não tinha muita certeza se queria mesmo que chegasse.

Eu não respondi de primeira. Além da dificuldade em imaginar um meio de explicar para ele, era outra vez que eu sentia como se não fosse a melhor das ideias contar a verdade a Ethan. Contar como meus poderes provavelmente não tinham limites. Ele não deveria saber disso.

Resolvi apenas fazer. Apenas contar. Se Ethan realmente pretendia se envolver naquilo, pelo menos deveria saber um pouco com o que estava se metendo. Voltei a olhar para ele.

— Eu tenho o poder de uma Natural. É o que tio Macon e tia Del acham, pelo menos.

Ethan pareceu aliviado. Eu estranhei. Não havia motivo. Pelo contrário, ser uma Natural não era tão bom assim.

— O que ser uma Natural significa? — perguntou, mesmo com o alívio que pareceu sentir.

Hesitei, mas não parei.

— Eu não sei, para ser sincera. Assim como Conjuradores resume todos da minha família, Natural resume várias coisas, não uma só. Quero dizer... Supostamente sou capaz de fazer muito mais do que outros Conjuradores fazem. — Eu atropelei as palavras falando rápido, com certa esperança que ele não ouviria.

Ouviu. E eu sei disso porque sua expressão pareceu controlada, mas eu podia ver claramente o quão apreensivo ele estava com a informação.

Ele não me respondeu. Eu resolvi continuar.

— Mas essa noite acho que mostrei a todos que nem eu sei o que sou capaz de fazer.

Eu puxei a colcha entre nós, nervosa. Ele puxou minha mão até que eu estivesse deitada na cama ao lado dele, apoiada em um cotovelo. Era como se eu ainda quisesse me afastar dele, mas não conseguisse. E mesmo sabendo que eu não queria ficar perto, Ethan fazia de tudo para chegar sempre mais perto, exatamente como naquela hora, com poucos centímetros um do outro.

— Não me importo. — disse ele. Meu coração deu um mortal. — Não me importo com o que significam seus poderes, eu gosto de você como você é.

Agora, meu coração havia tentado um mortal carpado, mas ao lembrar-se da verdade, caiu no chão e se encolheu em posição fetal.

— Você não sabe nada sobre mim, Ethan. — Eu me sentia cansada àquela altura, e minha vontade era ficar exatamente na mesma posição que meu coração apertado.

Era confuso como aquela proximidade de Ethan mexia comigo. Eu me sentia péssima, pois ele estava próximo demais de mim, podia acabar se machucando. E nem me conhecia direito. Ele era fraco em comparação com as catástrofes que meus poderes podiam causar.

Mas estar com ele… eu de alguma forma me sentia segura. Sentia borboletas no estômago, mas até mesmo elas eram confortáveis, como se meu corpo inteiro estivesse lentamente relaxando na presença dele e… e pedindo para ficar mais perto.

— Isso não é verdade. — rebateu. — Eu sei bastante sobre você. Sei que você escreve poesia, sei que ama refrigerante de laranja, ama sua avó, e também gosta de misturar caramelos de chocolate com a pipoca. Sei sobre o corvo no seu colar, sobre a conta preta que veio de barbados e sei que seus pingentes são como parte de si.

Por um segundo, eu quase sorri. Mas infelizmente aquilo não significava que eu era fácil de ser entendida.

— Isso não é muita coisa.

— É um começo. — insistiu.

Examinei os olhos castanhos dele. Eu quase podia ver o reflexo dos meus verdes.

— Você não sabe meu nome.

— Você é Lena Duchannes. — Ele parecia convicto.

Quem me dera ele estivesse certo.

— Bem, você é um iniciante, então vamos começar por aí. Não, este não é meu nome. 

Ele levantou e soltou da minha mão pela primeira vez. Era um ótimo momento para eu simplesmente dizer que era mentira, mas eu não podia. Meu nome não era Lena. E ele não fazia ideia disto.

— O que você quer dizer com isso?

— Este não é meu nome. Ridley não mentiu nessa parte. — Parte de mim estava satisfeita com a reação dele, o instinto em se afastar do meu toque. A outra parte queria retirar o que havia dito.

— Qual seu nome então?

— Eu não sei.

— Como assim? Isso é algo de vocês Conjuradores?

— Na realidade não. Isso é específico da minha família, para falar a verdade. Acho que todos os Conjuradores sabem seu nome verdadeiro, mas as Duchannes, até mesmo os Ravenwood, só podem saber o nome ao fazer 16 anos. Antes disso, temos outro nome. O de Ridley era Julia. O de Reece era Annabel. O meu é Lena.

Eu vivi minha vida inteira desconhecida para mim mesma, mas não me importava muito. Acho que estava acostumada. Nem se eu soubesse que nunca descobriria meu primeiro nome, se meus pais tivessem morrido antes de falar para o resto da minha família, eu iria realmente ligar. Não saber meu nome me dava uma sensação quase de conforto, como se eu pudesse fingir que uma segunda pessoa, com meu nome de batismo que eu ainda não sabia, não existisse e logo eu não deveria me preocupar.

— Se este não é seu nome, então quem é Lena Duchannes?

— Sou uma Duchannes, é tudo o que sei. Mas Lena é apenas um nome que vovó começou a me chamar, porque achava que eu era magra como um feijão de corda. Lena Beana¹.

Ethan parecia com dificuldades em lidar com tudo.

— O.k., então Lena não é seu primeiro nome e ainda não sabemos qual é. Saberá em alguns meses.

— Não é simples assim, não é apenas meu nome o problema. Eu não sei meu nome, não sei o que aconteceu com meus pais, não sei nada sobre mim. É por isso que pareço tão louca o tempo todo, guardando pedaços da minha vida num colar e indecisa do que fazer.

— Mas seus pais morreram em um acidente, não? — Quanto mais conversávamos, mais Ethan parecia confuso.

— É o que dizem, mas nunca mais do que isso. Já procurei registros do acidente, das mortes, procurei túmulos, mas não há nada. Como posso ter certeza se é verdade? — Eu perguntei. Ethan pareceu pasmo.

— Quem seria capaz de mentir sobre algo horrível assim?

— É minha família. — Ergui uma sobrancelha. — Esqueceu?

— Ah, sim, certo, esqueci.

— Aquele monstro que você viu lá embaixo? A bruxa que quase te matou? Era minha melhor amiga, acredite ou não. Crescemos juntas, morando em várias casas e até compartilhando a mesma mala de tantas mudanças. Vivíamos muito com vovó, tio Macon, e quase nunca com tia Del. Éramos como irmãs. — Se ele acreditava ou não, eu não sabia, mas sabia que meu coração ainda queria aquela época de volta. Ou apenas a Jules de volta.

— Isso explica o porquê de vocês não terem sotaque sulista. Ninguém acreditaria que vocês já viveram o sul. — Ele comentou.

— Você também não tem. Qual o porquê? — perguntei. Ele era o único de Gatlin que eu via não ter sotaque. Exceto tio Macon, que até tinha, mas sabia controlar.

— Pais professores universitários e moedas sempre que eu pronunciava o G² corretamente. Eu cheguei a encher várias jarras. — Revirou os olhos. — Tia Del não é a mãe de Ridley? Sua prima não morava com ela?

— Não. Tia Del só nos visitava nas férias, e ainda assim não podia ficar muito. Foi a mesma coisa com Reece. É perigoso demais morar com os pais na minha família. — Eu não consegui esperar por mais perguntas de Ethan. Eu precisava falar. — Ridley era como uma irmã para mim. Dormíamos no mesmo quarto, tínhamos aulas particulares juntas em casa, brincávamos, passamos nossa infância inteira juntas. Crescemos e estudamos em casa por muito tempo. As pouquíssimas vezes em que de alguma forma interagimos com Mortais era quando vovó nos levava a museus, óperas ou para almoçar no Olde Pink House. Queríamos tentar fazer amigos, ser normais, então, quando mudamos para a Virgínia, convencemos minha avó de nos deixar ir para a escola Mortal.

— E o que aconteceu? Vocês conseguiram, certo? — perguntou.

— Foi um desastre. Não tínhamos TV, nossas roupas estavam erradas, entregávamos todos os deveres de casa, éramos totalmente perdedoras. — Pelo menos agora eu sei que era uma, completei mentalmente.

— Mas você saía com os Mortais, certo? — Tentou me confortar.

Eu não consegui olhar para ele.

— Errado. Eu nunca tive um amigo Mortal até você aparecer.

— Sério?

— Só tive Ridley como amiga toda a minha vida. Todos eram maldosos com ela também, mas ela não se importava. Ridley estava sempre ocupada demais cuidando de mim, se certificando que ninguém iria me incomodar. — Acho que aquela era a Julia que eu mais sentia falta. A que me protegia, me procurava quando estava sozinha, me abraçava quando estava chorando. Não a Ridley, aquela bruxa que havia aparecido mais cedo, tomando meu melhor amigo para si, me fazendo me irritar de propósito e ainda agir como se fosse a rainha de tudo e todos.

Notei que Ethan tinha dificuldade em acreditar.

Ela mudou, Ethan. As pessoas mudam.

Não tanto assim, nem mesmo Conjuradores.

Principalmente os Conjuradores. É isso o que tento te dizer desde o início.

Eu afastei minha mão dele.

— Ridley mudou, começou a agir de maneira estranha. Os mesmos caras que ignoravam ela começaram a se tornar seus seguidores. Viviam atrás dela por todos os lados, esperando depois da aula, brigando para ver quem acompanharia ela até em casa, deixando recados e mandando cartas. — Fiz um esforço para não contar do que acontecia com as pessoas que a irritavam.

— Ah, bem, você sabe, algumas garotas, garotas quaisquer mesmo, simplesmente são assim. — Ele continuava tentando levar para o lado normal das coisas.

Mas não existe normal entre Conjuradores.

— Eu já disse, Ridley não é uma garota qualquer, é uma Sirena. Ela fazia aqueles garotos fazerem coisas que normalmente não iriam querer fazer. Até outras pessoas acabavam caindo nesse encanto. Aqueles garotos estavam pulando do penhasco um por um. — Senti a circulação do meu dedo começar a ficar presa na ponta, e percebi que torcia meu colar com força. — Na noite do aniversário de 16 dela, Ridley fugiu. Eu segui ela até a estação de trem. Ela estava desesperada. Sentia que iria para as Trevas e queria se manter longe para não machucar ninguém que ela amava. Ela não queria me machucar. Eu sou a única pessoa que Ridley já amou alguma vez, eu tenho certeza que ela me amava. A última vez que a vi foi naquela estação, onde ela desapareceu, e eu não a vi mais até essa noite. Acho que nós dois vimos claramente que ela acertou quando achou que estava indo para as Trevas. — Simplesmente falei, esquecendo que Ethan não sabia sobre Invocações. Acabei me arrependendo logo depois.

— Espera, como assim? Do que você está falando? O que quer dizer com ir para as Trevas?

Respirei fundo e hesitei. Não queria contar. Ele logo associaria ao fato de eu ainda ter 15 anos.

— Você precisa me contar, Lena. Sabe que eu já sei muito para que continue escondendo coisas de mim. — insistiu ele.

Eu tomei fôlego.

— Se você é uma Duchannes e completa 16 anos, ocorre sua Invocação. Seu destino é decidido e você se torna, pelo resto da sua vida, da Luz, como tia Del e Reece, ou das Trevas, como Ridley.  Trevas ou Luz, Preto ou Branco, Bem ou Mal. Não existem meio termos nem escolhas. Também não há como desfazer depois de Invocados.

— Como assim não existem escolhas? — Ele perguntou, parecia achar que era um absurdo.

— Não podemos escolher se queremos ser Luz ou Trevas. Não como vocês, Mortais, podem escolher se vão ser do bem, ou como outros Conjuradores podem se Invocar. Não há livre arbítrio entre as Duchannes. Nossa vida é decidida no nosso décimo-sexto aniversário. — Eu tentei ignorar o fato de Ethan ainda parecer inconformado com aquilo e continuei falando. — É o motivo de não morarmos com nossos pais.

— Como assim?

— Não era assim antigamente. Mas minha avó tinha uma irmã, Althea, que foi para as Trevas. Elas moravam juntas com os pais, e a mãe da minha avó não conseguiu mandar Althea embora. Naquela época, o Conjurador que fosse para as Trevas deveria abandonar seu lar e família, por motivos óbvios. A mãe de Althea achou que poderia combater aquilo junto com a filha. Mas coisas horríveis começaram a acontecer na cidade onde elas moravam. — contei, lembrando o que havia me dito quando eu perguntei. Um dos raros momentos que eles me ouviam e respondiam.

— Que coisas foram essas?

— Althea era uma Evo. Eles são muito poderosos. Conseguem influenciar pessoas como Ridley, pois têm Persuasão. Mas também conseguem Evolver, se transformam em outras pessoas, quem eles quiserem. Uma vez que ela se Transformou, acidentes inexplicáveis começaram a acontecer. Pessoas se machucaram, uma mulher enlouqueceu e uma garota se afogou. Só então a mãe de Althea a mandou embora. — Eu olhei para o espelho. Meu reflexo ainda estava coberto pelas palavras. Eu seria do mesmo jeito? Teria que abandonar minha família? Eu acreditava que seria mais fácil para eles do que para mim.

— E agora vocês não moram com os pais? — Ele perguntou.

— Sim. Todos decidiram que era difícil demais para os pais abandonar os filhos tendo criado eles durante dezesseis anos e então precisando virar as costas porque foram para as Trevas. As crianças moram com outros parentes desde então. — Neste ponto, não haveria muita mudança para mim.

— Mas Ryan mora com os pais. Por que ela pode? — Ethan fez aquela pergunta, e era outra pergunta que eu não sabia responder.

— Ryan é... um caso especial. — Eu dei de ombros. — É o que tio Macon diz sempre que pergunto, pelo menos.

Ethan ainda parecia confuso, talvez inconformado.

— E seus pais? Também tinham dons? — Eu podia ver que ele não conseguia fazer aquela pergunta com facilidade. Provavelmente porque ele também não gostava de falar sobre a mãe morta.

— Sim. Todos na família têm. — Eu olhei para a coberta e comecei a mexer nela, me sentindo inquieta com o assunto.

— Quais eram? Parecidos com os seus? — Ethan voltou a deitar ao meu lado, mas dessa vez não segurávamos as mãos.

— Não sei. Ninguém nunca me disse nada sobre eles, vovó evita o assunto e tio Macon me manda esquecer. Eu já falei, é como se eles nunca tivessem existido. Ou que nunca deveriam ser lembrados. E isso me faz considerar uma coisa meio louca. — Comecei com o assunto que mais me incomodava. 

— O que?

— Todos ignoravam a existência de Ridley até hoje a noite. Talvez meus pais fossem das Trevas, e talvez eu vá também. — Eu não olhava para ele.

— Você não vai.

— Como você poderia saber? Só descobriu sobre a Invocação hoje, é um Mortal.

— Como eu poderia ter os mesmos sonhos que você e aidna saber se você esteve em um lugar ou não só em entrar ali?

Ethan.

É sério.

Eu não concordava. Quem garantia que ser amiga de um Mortal iria me impedir de ir para o mal?

Ethan tocou minha bochecha, me fazendo olhar para ele. Estávamos tão próximos que eu sentia a fria respiração de Ethan no meu rosto. Ele disse baixinho:

— Não sei como sei, só sei.

— Entendo que você acredite nisso e por um tempo eu até acreditei, mas não tem como saber. Achei que Ridley iria para a Luz e me enganei. Prefiro não criar expectativas sobre mim, já que não faço ideia do que vai acontecer.

A expressão do Mortal mudou.

— Nunca ouvi uma merda maior que essa na minha vida.

O modo repentino e irritadiço pelo qual ele disse aquilo me assustou.

— O que?

— Essa idiotice sobre destino e nenhuma escolha. Não existe nada disso. Ninguém além de você pode escolher o que acontece com você. Isso é ridículo. Não existe nada de um destino e nenhuma escolha.

— Não quando se é uma Duchannes. — Insistir naquilo estava me cansando. — Outras famílias podem escolher, mas a minha não. Não adianta dizer que existe uma escolha. Esse é o papel da minha família na Ordem das Coisas. Somos Invocados com 16 anos, nos tornamos da Luz ou das Trevas. Nenhum livre arbítrio. — Eu abaixei o olhar.

— E daí que você é uma Natural? E daí que você vai ser Invocada? E daí que você é uma Conjuradora? O que há de errado nisso? — perguntou, tocando meu queixo e me fazendo olhar para ele de novo.

Ele me encarava como se procurasse algo dentro dos meus olhos. Como das outras vezes, eu procurei no Kelt o que ele estava pensando. Às vezes, os pensamentos de Jules ou de Ethan eram tão altos que acabavam se misturando ao Kelt. Com Julia, sempre fora quando ela empolgava com alguma roupa ou alguma coisa que iria acontecer. Mas Ethan sempre acabava pensando apenas em técnicas de basquete.

Exceto naquele momento.

Nada nunca me prepararia para perceber o que ele estava pensando. Mesmo com o rosto dele a centímetros do meu, meu coração pareceu milho em uma panela quente em perceber o que ele estava prestes a fazer.

Ethan queria me beijar.

Oh.

Eu não pude me impedir de arregalar os olhos com a surpresa. Ethan continuava me fitando, como se sempre tivesse sentido vontade de me dizer aquilo. Mas eu hesitei. Havia de novo uma parte gritante em mim dizendo para afastá-lo.

Ethan... Não sei se… A gente não...

Ele se inclinou e encostou os lábios nos meus. O gosto chegava a ser doce, de um jeito bom. Eu sentia como se uma sensação quente e reconfortante se espalhasse pelo meu corpo, me impedindo de me afastar dele. Eu fechei os olhos e coloquei minhas mãos no cabelo liso dele, o puxando para mim. Por um minuto, tudo estava perfeito. Eu estava beijando Ethan, meus lábios sorriam sob os dele em pensar em quanto tempo não só eu quanto ele mesmo estava esperando por aquele momento.

Mas então eu lembrei o motivo daquilo não ter acontecido ainda. Eu o empurrei para longe, como se o expulsasse de perto de mim tão rápido quanto tinha caído naquele momento.

Pare. Não podemos fazer isso, declarei, dessa vez tendo mais convicção de que estava falando.

Meu coração agora saltava com menor frequência e maior força, como se seu objetivo fosse esmagar meu cérebro e voltar a puxar Ethan para outro beijo.

O coração de Ethan não estava muito diferente do meu. Parecia estar correndo a maratona. Eu podia sentir. Minhas mãos ainda estavam pousadas no peito de Ethan, o mantendo na distância do meu braço de mim. Sua respiração também estava rápida, e uma parte de mim não conseguia parar de pensar no quão forte ele parecia ser, considerando seus treinos de basquete. Aquela mesma parte implorava para que eu apenas cedesse e o abraçasse, aninhando-me no peito dele e sentindo a segurança que ele parecia emanar.

Mas eu não podia parar agora. E eu podia ver que ele não entendia ainda.

Por que não podemos? Achei que você também sentia isso.

Ethan parecia desolado, mesmo que eu não tivesse respondido que não.

O problema não é esse…

Eu fiz um esforço e comecei a me afastar. Desejei estar em Greenbrier. Assim eu teria como fugir dele. Desejei até mesmo estar na varanda dele. Era só ir até o carro e me distanciar de Ethan.

Mas assim que notou que eu estava indo para longe, me fechando de novo, Ethan segurou meu pulso. Não foi um gesto agressivo ou intimidador, ele só não queria que eu fosse embora.

— Então qual é? — ele perguntou em voz alta.

Eu o encarei de volta. Fazia todo o possível para que meu Kelt não chegasse a ele. Não queria que ele percebesse que eu só estava com medo de perdê-lo.

— Sei que você acha que tenho escolha, que posso decidir o que vai acontecer comigo, mas eu não posso. O que Ridley fez não chega nem aos pés do poder real dela. Ela poderia ter te matado se eu não tivesse impedido. Sei que você pensa que tenho escolha sobre o que vai acontecer comigo, mas não tenho. E o que Ridley fez hoje não foi nada. Ela poderia ter matado você, e talvez tivesse matado se eu não tivesse impedido. — Eu respirei fundo. Minha angústia era tanta que eu dava tudo de mim para não chorar. — É esse monstro que posso me tornar, não importa se você acredita ou não.

Ele passou os braços ao meu redor, me abraçando e ignorando minhas palavras. Meu coração parecia amolecer com o gesto.

— Não quero me tornar esse monstro estando perto de você. Não quero que me veja desse jeito. — Minha voz falhou.

— Não me importo. — Ele beijou minha bochecha, e meu coração passou de maria-mole para gelo derretido.

Com um grande esforço emocional, deslizei por entre os braços dele e escapei do seu toque, exatamente como acontecia nos sonhos. Levantei da cama e fiquei de frente para ele.

— Você não entende. — Ergui minha mão, mostrando um número em caneta azul.

Cento e vinte e dois dias. Quando ele ia entender que aquilo era tudo o que tínhamos? Menos de cinco meses!

— Entendo sim. Você está assustada, mas nós pensaremos em alguma coisa. Os sonhos já me disseram. Estamos destinados a ficarmos juntos. — disse, como se fosse a coisa mais simples do mundo.

— Não estamos. Você é Mortal, e eu sou uma Duchannes! Você viu o que aconteceu com aquele Ethan. Não quero que você se machuque também, e é isso que vai acontecer se ficar próximo de mim, se criar algum vínculo comigo! — Eu já me sentia desesperada. Queria implorar para que ele se afastasse de mim, desistisse daquilo.

— Tarde demais.

Não importava o que eu dizia, Ethan ouvindo ou não, ele persistia naquilo. Eu não conseguia não pensar no que Ridley havia feito com ele e talvez eu mesma fizesse pior. Suspirei. Não me adiantava insistir. Ethan já havia caído do penhasco.

E acho que eu também.

 


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Notas finais do capítulo

Lena Beana¹: "Bean" é "Feijão" em inglês. Este é, na verdade, um apelido da Lena nos livros em inglês, pois é como um trocadilho com o nome dela, onde a pronúncia é "Lina" e a pronúncia de "Beana" é "Bina". Lena Beana. Lina Bina. Eu achei necessário colocar porque eu gosto de colocar o significado das coisas, e o livro traduzido para o português do Brasil não tem isso.

Sotaque do sul, pronúncia do G, etc²: Ok, outra coisa que obviamente não está visível nos livros traduzidos e eu tenho de dizer que não há como traduzir algo assim. A maioria dos personagens que moram em Gatlin, o que inclui até mesmo Macon, tem sotaque sulista, o que andei observando e é, em sua maior parte, a pronúncia do G no final das palavras. Por exemplo, Amma em certa cena do livro fala "following", que é o verbo "seguir" na forma gerúndio. Mas ela não fala "following", ela fala "followin". O Ethan provavelmente ganhava moedas sempre que pronunciava esse G certo, pelo que é explicado nos livros, mas nada realmente importante, para ser sincera, então não teria razão para fazerem um esforço e manterem isso fiel de alguma forma na tradução.

De novo peço perdão pela demora em postar. Eu perdi o rascunho do capítulo em certo momento e ainda fiquei bastante focada na outra fanfic, me fazendo esquecer desta um pouco. Mas sempre que eu puder prometo voltar com um capítulo novo.
Comentem! Não precisam ter vergonha, eu não vou morder. Comentem se houver algum erro, se tiverem dúvidas, sugestões, etc.
E obrigada a todos que comentaram até aqui!
Até mais!



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