Relicário de uma vida [Hiatus] escrita por Farfalla


Capítulo 3
Almas que se buscam


Notas iniciais do capítulo

Chegueeeei! Demorei, mas cheguei! Heueheuh no final falarei sobre minhas novas obras :v
Espero que gostem desse capítulo, e que não queiram me matar ou me xingar! É um capítulo pesado, mas também com um pouco de fofura - sobre a fofura, agradeçam à Deusa Baste, porque me senti inspirada para a cena final graças ao review dela :3
Até lá embaixo!



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— Pode ter sido pouco, Ulquiorra-kun, mas eu encontrei algo sobre você. Não foi uma coisa boa, mas sei que se eu continuar, serei capaz de encontrar o seu coração aqui na Terra.

Não.

Dessa vez, Ulquiorra ouvira nitidamente as palavras da humana, como se ela estivesse a seu lado. E tinha um mau pressentimento. De alguma forma, sabia que sua vida havia sido cercada de lixo humano — ele próprio não devia ter sido nada além disso —, e percebia que se, por algum motivo, a ruiva conseguisse chegar perto daquilo, seria sugada para uma morte terrível, dolorosa e certa.

Contraiu os músculos do braço direito e começou a puxá-lo para fora daquilo que o prendia. Sua pele começou a ser esticada, e ele sentiu parte dela se soltando de sua carne no processo para libertar-se. Trincou os dentes e apertou os olhos, liberando primeiro a mão, depois o antebraço, e, por fim, o resto do membro, até a base do ombro.

Manteve o braço levantado diante de si, sentindo o sangue gelado escorrer e pingar em seu rosto. Aquela dor não era nada comparada ao alívio de sentir-se livre do muco. Abriu e fechou a mão para testar os movimentos, causando uma dor fina e agonizante por toda a extensão do membro.

E então percebeu que tivera uma reação exagerada. Porque a voz da mulher devia ser só uma alucinação, e, mesmo que não fosse, ela não era problema dele. E mesmo que fosse, ela morreria algum dia de qualquer jeito. E mesmo que quisesse fazer algo, ainda demoraria para conseguir sair dali. E mesmo que saísse, estaria fraco demais para fazer qualquer coisa... E ele não se daria ao trabalho de fazer algo para um ser tão tolo.

“Por que estou tão preocupado com isso?”, questionou-se. Não obteve resposta, pois o cansaço o invadiu e o puxou para o estado de semiconsciência.


O pequeno Ulquiorra olhava com medo para um corredor escuro, embora não soubesse exatamente de quê. Já tinha nove anos, e o pai o repreenderia por aquele receio, com toda certeza.

O cheiro ruim — como Ulquiorra costumava pensar no odor de bebida alcoólica —, que sempre vinha de seu pai, preenchia o lugar, provavelmente vindo do quarto onde ele estava com sua mãe. Queria ir ao banheiro, mas permanecia parado.

E foi nesse instante que começou a ouvir as vozes.

— Saia daqui, Bart! Eu não vou fazer nada com você assim. E se continuar, nem agora e nem nunca mais. — Era a mãe de Ulquiorra quem falava.

— Acha que pode falar assim comigo, mulher? Eu sou seu marido, e sabe o que isso significa? Que você é minha. E se eu quero agora, você obedece e abre as pernas — Bart rebateu.

— Eu mandei sair. E dessa vez estou mandando ir embora dessa casa. Eu já tolerei além do que deveria os maus tratos que você direciona ao meu filho.

— Nosso filho, sua vadia. Eu só preparo ele para ser um homem de verdade quando crescer. Se depender de você, o garoto vai ser um bebê chorão para o resto da vida. Agora venha aqui.

Um grito feminino preencheu o corredor, e Ulquiorra avançou rapidamente, espiando pela porta do quarto dos pais, que estava aberta.

Sua mãe estava caída de costas na cama, e seu pai sentado sobre ela, com um joelho de cada lado dos quadris da mulher, segurando os pulsos unidos dela contra o colchão. Com a mão direita livre, Bart desabotoava a própria calça.

— Isso é estupro, seu bastardo! Você acha que vou ser a mulher obediente que você quer, como a nossa babá?

Bart parou de se mover por um instante, em seguida deslizando a mão livre pela barriga de Nora até seus seios.

— Oh, então você sabe. E sabe que ela é melhor que você. Até mesmo me deu um filho mais macho que o seu, sabia? Ainda assim, você tem sorte por eu preferir você na minha cama.

Ele abaixou o corpo para beijá-la, mas a mulher cuspiu em seu rosto. O homem, perdendo completamente o controle, apertou seu pescoço.

— Você não é nada além de lixo, mulher.

Ulquiorra não entendia o que estava acontecendo, mas viu a expressão de sua mãe mudar de irritada para assustada.

— Você não... — Ela parou de se debater, olhando para Bart com os olhos verdes arregalados.

O garotinho percebeu que havia algo de errado.

— Mamãe? — chamou baixinho.

Ambos olharam em sua direção. Nora abriu a boca sem emitir qualquer som, mesmo que Bart tivesse soltado sua garganta. Ela tentou empurrar o homem de cima de si para correr até o filho, mas ele apenas a segurou, abrindo um sorriso louco.

— Está vendo, meu filho? É assim que se trata uma mulher. Eu vou te mostrar para quê elas servem.

E dito isso, agarrou o decote do vestido de Nora e o puxou, rasgando-o. Ela alternou o olhar entre marido e filho, impotente. Ele estava quase sempre bêbado, dirigia palavras rudes ao filho, mas nunca havia feito algo como aquilo. O medo quase a paralisava.

— Saia daqui, Ul-chan. Deixe mamãe e papai sozinhos, está bem? — disse, com a voz trêmula.

Ulquiorra não se moveu. Seu coração estava disparado, e sabia, de alguma forma, que papai estava machucando a mamãe.

— Seu pai está mandando que fique aí quietinho e que mantenha o que vai ver como nosso segredo — Bart disse, terminando de abrir a calça e a retirando com movimentos do quadril e das pernas.

— Corra, Ul. — A mãe olhava para o filho em súplica. — Corra para a casa do vovô, que eu vou logo depois de você. Apenas deixe a mamãe conversar com o papai.

— Mamãe — ele chamou, ainda em dúvida.

O pai de Ulquiorra virou-se para ele, seus olhos demonstravam que estava fora de si.

— E, se me desobedecer, farei o mesmo com você.

Nora piscou os olhos quando percebeu que nada poderia fazer, e Ulquiorra viu lágrimas.

— Desculpe, Ulquiorra.



A garota acordou e fitou o rosto de Tatsuki, que a olhava de cima. Orihime tinha uma vaga percepção de que lágrimas estavam acumuladas em seus olhos e que sua melhor amiga parecia preocupada.

— Orihime...

— Eu estou bem. Só foi um... pesadelo — disse, meio confusa, embora não soubesse o que havia sido aquilo.

Tatsuki balançou a cabeça.

— Eu falei em dormir na sua casa essa noite porque achei que você podia só estar se sentindo sozinha, mas o que foi isso? Você estava murmurando, repetindo a frase "eu não quero ver isso", enquanto chorava, Orihime. Você some, e depois volta agindo de um jeito estranho, suspirando pelos cantos, e até tendo pesadelos? Mesmo quando seu irmão se foi você estava melhor que isso.

A ruiva não conseguiu se segurar, as cenas que acabara de ver ainda estavam nítidas em sua mente. Cedeu ao choro e se jogou nos braços da amiga.

— Tatsuki-chan! Eu... — Como explicar? Como explicar? — Eu não sei como explicar.

A morena esperou até que a outra diminuísse o choro e se acalmasse, enquanto a abraçava, afastando-a gentilmente em seguida.

— Tudo isso tem alguma coisa a ver com aqueles caras que apareceram na cratera, meses atrás?

Orihime enrijeceu o corpo automaticamente, surpresa por Tatsuki lembrar-se daquilo, visto que a morena estava tão mal depois de ter parte de sua alma absorvida por Yami. Mais surpresa ainda pela amiga ter visto os Arrancar.

— Que... que caras, Tatsuki-chan? — Soltou uma risada forçada. — E que cratera?

— Você continua péssima em mentir. Quando o grandalhão estava indo na minha direção, eu vi você e o Chad aparecerem. Eu vi o que vocês fizeram. E vejo Ichigo o tempo todo com aquele kimono preto, como naquele dia. Estava esperando que você se recuperasse de seja lá o que tenha acontecido, mas eu não aguento mais te ver assim e não poder ajudar. Nós não somos melhores amigas, Orihime?

Orihime engoliu em seco. Tatsuki havia visto tudo. Não queria incluir a amiga nesse caminho perigoso, e não podia tomar a decisão de revelar o segredo dos outros, mas a dor na voz da amiga a fez perceber que não podia deixar alguém tão importante de fora. Resolveu contar parte da verdade, pelo menos disso era capaz.

— Você acredita em vida após a morte, Tatsuki-chan?

A morena pareceu surpresa, mas algo na expressão de Orihime a fez não questionar. Limitou-se a confirmar com um movimento de cabeça.

— Eu conheci um... um espírito mau. Na verdade, ele parecia mau, mas era bom. Não bom, bom, mas menos mau que os outros maus. Ou pelo menos era mau e ficou menos mau, ou talvez tenha ficado bom, ou continua mau e eu estou só imaginando coisas.

— Orihime.

Inoue soltou uma risadinha em desculpa por começar a falar sem pensar.

— E ele meio que foi parar em algum lugar distante, e não podemos nos falar, mas eu queria fazer alguma coisa. Pensei em... em descobrir sobre a vida dele, coisas boas da vida dele quando ainda estava vivo. Quero fazer ele se lembrar de coisas que o deixem feliz, porque eu queria ver ele sorrir. Ele parecia sempre tão triste, o Ulquiorra-kun.

— Ulquiorra... — Tatsuki franziu o cenho, parecendo pensativa.

A ruiva virou a cabeça ligeiramente para o lado, observando Tatsuki. De repente, a morena arregalou os olhos e fitou as grandes íris acinzentadas de Orihime.

— Ulquiorra não era o cara do dia da cratera? O que estava mandando o gigante nos matar?

Orihime abriu um sorriso desconcertado."Você devia passar uma primeira impressão melhor às pessoas, Ulquiorra-kun."

— Isso era quando ele ainda era mau. Ou pensava que era mau. Ou ele sempre tenha sido mau e ainda seja. — Orihime percebeu que não tinha certeza do que dizia, embora algo dentro de si quisesse desesperadamente defender o ex-Espada.

Tatsuki levantou de uma só vez, com a expressão fechada.

— Você está tentando ajudar um cara como aquele, Orihime? O quão inconsequente você pode ser? Se não me prometer que não vai se meter em nada que tenha a ver com ele, eu vou contar o que você está tramando para o Ichigo. E posso apostar que aquele idiota vai dar um jeito de fazer esse tal Ulquiorra sumir de uma vez por todas.



Ulquiorra continuava seu processo de se libertar. Ao contrário de Orihime, que havia visto apenas uma parte da cena do passado do ex-Espada, ele próprio não havia tido chance de fugir da lembrança.

O garoto de nove anos havia corrido de medo, mas os gritos de sua mãe preencheram a casa. Aquela súplica aguda, que ecoava pelos corredores, entrava por seus ouvidos e parecia eletrizar seu cérebro. Aquilo o enfureceu. Deixou a criança de tal forma, que seu único pensamento era acabar com o sofrimento de sua mãe. Fazer aqueles gritos pararem.

Quando o menino voltou a si, já estava sentado sobre um cadáver ensanguentado. Suas mãos seguravam uma faca do conjunto especial de Bart cravada na nuca deste. Nora estava sob o corpo do homem morto, ofegando e olhando para o próprio filho, com medo.

"Você é um demônio, Ulquiorra", lembrou-se. Algumas coisas faziam mais sentido para o moreno agora. Bart e Nora eram dois fracos, dois lixos. Depois daquele dia, o Ulquiorra humano nunca voltaria a ser uma criança normal. Depois daquele dia, sua mãe se espantava apenas ao olhá-lo, e ele a via apenas como uma mulher ingrata. Depois daquele dia, Ulquiorra nunca mais sorriu.

O Arrancar olhou para as suas mãos, agora banhadas com seu próprio sangue. Pelo menos as trevas não se prendiam a ele novamente depois de soltas, ou aquilo não teria fim.

Com os braços livres, ele sentiu que o muco tinha uma textura sólida na superfície. Aproveitou-se disso para apoiar as mãos espalmadas. Então, usando toda a sua força que restava, começou a tentar livrar a cabeça e o tórax. Seus dentes rangiam no processo, e boa parte de sua face pálida foi deformada. Mais tarde ela viria a se reconstituir, mas naquele momento — tanto na aparência quanto na dor que Ulquiorra sentia — parecia que um animal gigantesco o usava para afiar suas garras.

Agora só faltavam as pernas.

Deixou-se tombar, ficando deitado sobre o negro chão sólido, sentindo as feridas em suas costas arderem. Dessa vez, não parecia que estava entrando em um sonho, mas que estava ficando leve, desprendendo-se daquele corpo que se encontrava inútil.

Fechou os olhos, e quando voltou a abri-los, estava de pé em um apartamento. Ficou confuso de imediato, pois aquela não era uma de suas lembranças, e, ao olhar para baixo, viu que estava em seu corpo de Arrancar.

Caminhou pelo lugar, entrando em um corredor, seguindo um instinto que não compreendia. Abriu uma porta, e então ficou paralisado.

Orihime estava deitada de frente para ele, adormecida. As mãos unidas sob sua bochecha. A boca levemente aberta, por onde respirava calmamente. Seu corpo movendo-se ao ritmo da respiração.

Ulquiorra não sabia o que fazer. O que era aquilo que estava sentindo? Alívio? A humana ainda estava viva, mas isso não tinha nada a ver com ele.

Seus olhos se arregalaram em espanto e confusão. Ele não podia estar ali, não fazia sentido. Era um sonho? Era realidade?

Aproximou-se sem emitir qualquer som e estendeu a mão, deixando-a pairar a centímetros do rosto da ruiva. Ela se mexeu, e as mãos de ambos se tocaram. Um choque percorreu o braço de Ulquiorra e ele puxou-o de volta, incomodado.

— Sorvete... — murmurou a garota, ainda dormindo.

O Arrancar inclinou a cabeça, tentando compreender. Voltou até a porta do quarto, onde acreditou que estaria seguro daquela sensação ruim, e recostou-se no batente.

Observou a garota dormir tranquilamente. Aquilo de certa forma o acalmava. Inconscientemente, começou a contar de quatro em quatro, no ritmo de sua respiração. Quatro... Oito... Doze... Dezesseis...

Os grandes olhos cinzentos se abriram e o encararam. Ulquiorra hesitou por um momento, mas acabou caminhando até ela. Orihime sorriu e estendeu a mão direita. Ele também estendeu a mão direita.

E então suas mãos — seus corações — finalmente se encontraram.

O vazio de Ulquiorra havia se ido.


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Notas finais do capítulo

Nhaaaaaaaaaa, my feels s2 tava doida pra escrever algo assim deles :v shahshsu
Teorias, críticas, elogios: mandem review :3

Bem, nesse meio tempo eu estava inventando história atrás de história shauhsua criei um perfil alternativo (Shooting Moon) só pra postar as história ~quentes~ shausbau

A Dama de Gelo, um pequeno conto do universo da minha fic original (A Princesa dos Elfos): http://fanfiction.com.br/historia/621055/A_Dama_de_Gelo/

A Outra Coraline, para os amantes dessa animação de suspense e terror: http://fanfiction.com.br/historia/620296/A_Outra_Coraline/

Vidas Submersas, original de romance, drama e slice of life: http://m.fanfiction.com.br/historia/620721/Vidas_Submersas/

O sino dobra por ti, one-shot de DeathNote, yaoi: http://fanfiction.com.br/historia/620577/O_sino_dobra_por_ti/

E até o próximo capítulo, amores ;*