Vollfeit - Interativa escrita por N Spar


Capítulo 14
Capítulo 13: Trovoada, Prae e Gori


Notas iniciais do capítulo

Hey, guys c:
Fiquei realmente contente em ver que ainda existem pessoas que lembram da história e voltaram aqui, *^* Muito obrigada, vocês são demais :3
É isso. Boa leitura e espero que estejam gostando do aparecimento do Eslin, c:



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/618264/chapter/14

— CAPÍTULO TREZE –

Trovoada, Prae e Gori


A luz da lua entrando pela grande janela de madeira contrastava com as áreas escuras de sombra do quarto espaçoso, mas quase vazio. Sentada no peitoril, Neri encarava o brilhante patrono de Ihene no alto, como se conversasse com o mesmo. O céu estava limpo e apresentava algumas estrelas, que pareciam brilhar menos hoje como uma resposta negativa para os pensamentos de Neri. “Fiz certo em aceitar mais essa missão?”. A volta de Eslin levantara diversos questionamentos sobre a situação de Vollfeit e, no meio disso, dúvidas sobre si mesma. A curiosidade que sentia por aquele garoto se tornara mais forte e incômoda. Era, afinal, um inimigo dos reinos que protegia desde pequena. Os ensinos passados para os espiões, em agir sempre racionalmente, não estavam se mostrando funcionais e isso a perturbava. Teorias sobre aquele rapaz, escolhido como um importante mensageiro entre seus chefes – quem quer que fossem - e seus aliados em Diellor, encharcavam sua mente junto com suposições de que estava perdendo o controle.

Em uma tentativa de esvaziar sua mente, fechou os olhos e respirou fundo até que conseguisse ouvir, fracamente, os lobos uivando a quilômetros dali, na Floresta Trocada. Conseguiu também localizar um grupo de raposas que pareciam rir enquanto brincavam umas com as outras, agora mais próximas aos portões do reino. Foi diminuindo as distâncias, encontrando correntes de água, corujas e lagartixas em sua viagem sonora, até chegar numa respiração humana em sua sala. Mesmo não tendo nada além de uma faixa preta como visão, foi capaz de enxergar mentalmente os cabelos claros que descansavam em seu sofá de pena de ganso.

Involuntariamente se lembrou de um mês atrás, quando viu aqueles olhos verdes e irônicos pela primeira vez. De alguma forma, a característica em comum entre os dois não ficava somente na vontade de lutar contra adversários potentes. A intriga que Neri sentia era mútua. Na primeira invasão após sua volta a Vollfeit, Eslin – embora não tivesse sua identidade ainda revelada – apresentara uma presença inerente, apesar de sua habilidade de se ocultar se apresentasse tão boa quanto a sua. Imaginava o que o tinha levado a voltar para os reinos. Se voltara apenas atrás do que imaginava ser um bom adversário, Neri tinha falhado ao segui-lo entre as sombras. Teria seu erro ocorrido durante seu encontro com os traidores de Diellor ou após a batalha nos campos de trigo? Eram inúmeras possibilidades e a incerteza só despertava mais confusão e receio. Se tivesse falhado como espiã, existiriam consequências que nem conheciam e, consequentemente, seu reino perderia qualquer vantagem.

Queria poder acordá-lo e contar tudo o que aconteceu, tentando recobrar a memória violentamente perdida dele. Sentia vontade de sanar todas as suas dúvidas e voltar a ficar em paz em relação a si mesma. Embora os reis e todas as suas equipes achassem que o aparecimento de Eslin fosse sobre ordens de um superior, Neri tinha a impressão de que essa era a menor das possibilidades. Agora, o que precisava fazer era apenas cuidar do rapaz, estudando-o da melhor forma possível, até que restabelecesse a memória ou Milicence chegasse.

Era como colocar um lobo e uma águia juntos. O resultado nem sempre é o aguardado.

(...)

Neri abriu os olhos após o que pareceu apenas uma hora. Sentando-se na cama, que estava desarrumada, percebeu que seu sono fora agitado - após anos de treinamento, era raro realizar algum movimento enquanto dormisse. Olhou para a janela em frente, que deixava um vento fresco entrar juntamente com o som dos pássaros cantantes que repousavam na floresta em que morava. Lentamente inspirou aquele ar leve matinal, tentando acalmar sua mente ainda cansada. Após poucos minutos, juntou forças para se levantar e continuar sua mais recente missão.

Passando para a sala esperando que encontrasse Eslin ainda dormindo, deparou-se com o sofá arrumado e vazio. Começara a imaginar os possíveis paradeiros do garoto quando o mesmo abriu a porta de madeira bruta do cômodo.

— Ah, bom dia – Eslin sorriu timidamente ao reparar em Neri, parada na frente da lareira apagada.

— Bom dia – Neri desviou o olhar para o garoto e retribuiu o sorriso. Reparando no balde preso entre as mãos masculinas, continuou. – Acordei mais tarde, peço desculpas por não ter buscado água antes – seu sorriso se contorceu levemente em culpa.

— Ah, não! – gesticulou com a mão rapidamente. – Eu que quis sair um pouco e sentir o ar da floresta. Desculpe-me se te assustei ou não deveria ter feito isso... – fitou qualquer coisa que estivesse distante dos olhos de Neri. – Essa floresta me chama um pouco...de atenção – tentou se explicar.

— Não há motivos para pedir desculpas – respondeu gentilmente. – E fico feliz que mais alguém goste daqui – sorriu. Antes que o silêncio tomasse o local, andou até o canto da sala, dedicado à cozinha. – Você gosta de frutas? – perguntou amistosamente enquanto escolhia as maçãs e mangas mais brilhantes de uma pequena cesta.

— Sem exceções – disse após balançar a cabeça positivamente. Então, seguindo-a, repousou a vasilha metálica no balcão. Livre, pegou uma faca exposta em um utensílio pequeno de madeira - Eu te ajudo.

— Obrigada - agradeceu com um sorriso caloroso.

E ali ficaram, em silêncio enquanto cortavam as frutas em tiras curtas, mas suculentas. Situações assim, ainda mais com desconhecidos, costumavam se apresentar desconfortáveis. Todavia, o que Neri sentia era parecido com uma tarde de folga com uma chuva calma, que a dava tempo para refletir. Era como se dividisse aquele momento com um irmão que nunca tivera. No entanto, aquilo não passou de um instante. Inesperadamente a espiã de Ihene levantou a cabeça e direcionou um olhar vazio para frente. 

— Eu já volto - disse segundos depois e abandonou a casa. 

Eslin ficou estático, observando os longos cabelos castanhos da garota se agitarem através da janela. Enquanto uma parte sua o forçava a se mexer e acompanhá-la, a restante o fazia continuar ali, imaginando o que acontecera e o que estava para ocorrer. O magnetismo presente entre ele e Neri o cogitava cada vez mais fortemente a sair em direção ao fundo da floresta. Ao mesmo tempo, aquele sentimento o enchia de incertezas assim como fazia com a espiã – mesmo não tendo ciência disso. Tinha dúvidas sobre quem era, sobre o que aconteceu para acabar em uma prisão e, depois, ser entregue nas mãos daquela doce garota, que levantava a maior parte de suas contestações mentais.

Fitou o objeto brilhante em sua mão ao lado de uma manga descascada. Mudou os olhos para o lado, vendo duas maçãs perfeitamente picadas numa vasilha esbranquiçada. Neri possuía uma habilidade realmente eficaz com facas. Acalmando sua curiosidade pela saída repentina da garota, voltou a cortar as frutas restantes. Terminando, juntou-as com as maçãs anteriores e olhou através da janela, com a expectativa de ver sua guardiã retornando. O que via, no entanto, era constituído apenas de troncos antigos e folhagem verde. Segurou um suspiro e, lentamente, direcionou-se ao sofá, que se tornara sua companhia durante todas as noites. Encarando a lareira de pedras claras, construída de frente para o móvel, deixou-se cerrar os olhos preguiçosamente a fim de relaxar. O efeito começou a surgir quando sentiu seus músculos se descontraírem gradualmente enquanto seus olhos pesavam cada vez mais. Encostando as costas nas almofadas volumosas, deixou-se aproveitar a luz fraca e amarelada que invadia o lugar, deixando-o ainda mais confortável, até que entrasse em um sono profundo.

Só foi despertar quando um ruído leve, porém suficientemente estranho, chegou até seus ouvidos. Ainda com os olhos fechados, percebeu que algo molhado e levemente áspero atingia, em intervalos curtos, os dedos de sua mão esquerda. Instintivamente a retraiu para si e, em seguida, ouviu um som parecido com um choro de cachorro, que o fez finalmente acordar. Olhou para o lado, em direção à mão, e descobriu um filhote marrom deitado, encarando-o atentamente.

— Ei... – cumprimentou-o desengonçado, coçando os olhos devido ao sono. Então esticou ambos os braços para acariciá-lo.

O filhote, de olhos escuros, quase semelhantes a um azul marinho, respondeu com ronronos baixos.

— Como você entrou aqui? – perguntou docemente e olhou para a porta, que estava fechada.

E, no canto da visão, descobriu a silhueta de outra pessoa, que parecia estar observando a cena há algum tempo. Neri estava sentada debaixo da janela próxima a cozinha e sorria como uma criança que se divertia com qualquer coisa.

— Ele gostou de você – pronunciou com gentileza enquanto brincava com outros dois filhotes, de tonalidade mais alaranjada.

Eslin sorriu ao ouvi-la.

— Dormi por muito tempo?

— Acredito que por uma hora e meia – respondeu após discordar com a cabeça. – Cheguei faz pouco tempo.

Assentiu com a cabeça. Sentiu vontade de perguntar o que acontecera para voltar com filhotes de cães, mas decidiu esquecer.

— Eles têm nome? – questionou enquanto o cachorrinho marrom pulava entre seus braços e voltava a lambê-lo.

— Não... – sorriu. – Mas você pode escolher o dele se quiser.

— Eles não têm dono? – disse em dúvida.

Neri riu inocentemente.

— Não, eles são filhotes de lobo.

— É sério? – seus olhos se arregalaram levemente, mas logo sorriu. – Bem, acho que “Trovoada” seria um bom nome – disse e olhou para a garota, que expressava confusão e divertimento ao mesmo tempo. – Estava sonhando com chuva.

Rindo, a espiã acatou a ideia.

— Então acho que esses dois – falou, olhando para ambos encostados tranquilamente em suas pernas. – Podem ser “Prae” e “Gori”.

— Acho que o Trovoada está triste por eu ter escolhido seu nome – sorriu para o lobinho brincalhão, fazendo piada com sua escolha de nome tosca. – Algum significado?

— Em latim “praesente” significa presente. Assim como uma língua nativa de uma aldeia em que estive anos atrás, “Gori” é uma abreviatura.

Eslin soltou um sorriso gracioso e sincero. Era um momento simples, porém o suficiente para deixar seu humor bom por dias. Lobos eram fascinantes.

— “Como uma alcateia de vinte lobos, uma floresta, uma visão...” – disse em voz alta sem perceber.

— “Nenhum leão” – Neri terminou. Encarou-o por alguns segundos antes de continuar. – Talvez sua memória esteja voltando – sorriu.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!