The Bastard Heir escrita por Soo Na Rae, Lady Ravena


Capítulo 3
Capitulo 3 - A nova herdeira.


Notas iniciais do capítulo

✿Olá princesas, aqui é a Ravena com mais um capitulo.
✿ Quem começou fui eu e quem o terminou foi a Meell.
✿Capitulo betado pela diva Kills do Runaway Design e Banner feito pela linda B. Angel.

Informações históricas extras.
✿No capitulo passado, vocês leram que a Hannelore viajou até Overath em um coche. Para quem não sabe, coche era a carruagem mais usada na época. Surgiu na Hungria em meados de 1400 e depois de espalhou pela Europa.

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✿ Apesar da linguagem mais normal, uma coisa que eu não abrirei mão, é usar a moda da época. Sou apaixonada pela moda e arte renascentista, principalmente a inglesa, espanhola e germânica. Quanto a música, uma hora vai ser música de época, outra hora música moderna, no quesito música, para mim tanto faz, desde que combine com o capitulo.

✿Enfim, boa leitura princesas.



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Capitulo 3.

A nova herdeira.

A vingança nos torna igual ao inimigo, o perdão nos torna superior a ele. - Francis Bacon.

Child of light - Aurora Theme

Turbou-se no coração de Hannelore uma felicidade nunca antes sentida, ou pelo menos rara de se passar, pois pela primeira vez em sua vida estava tendo a atenção carinhosa na qual sempre sonhou. Incrível como o mundo consegue dar voltas e este fato apenas aumentou na mente de Hannelore, o fato de que quando fazemos coisas boas, elas retornam logo para nós, mesmo que isso demorasse um pouco.

“Minha mente ainda está confusa, é complicado acreditar que depois de tantos anos eu passei de Senhorita à Princesa”.

Pensou a moça enquanto desvencilhava-se dos braços de seu tio. Era um homem bonito e robusto que aparentava estar na casa dos trinta anos. Seus cabelos eram negros e espessos, sem contar o par de olhos azuis claríssimos que ele tinha em posse, assim como Genova. Talvez os cabelos negros e olhos azuis fossem traços típicos daquela dinastia real, que pelo o que Hannelore aprendera com Genova durante a viagem, chama-se Von Strauber e agora ela era uma.

— Oh, perdão pela deselegância, Vossa Graça... — antes que Hannelore inclinasse sua cabeça em sinal de reverência, foi impedida pelo homem que segurou devagar em seus ombros.

— Por favor, não faça isso minha querida. Você não é inferior a mim, pelo contrário — tais palavras fizeram Hanne corar um pouco, realmente ainda não estava acostumada com aquele tipo de tratamento, por isso sorrir foi sua única alternativa naquele momento.

—Meu pai, você terá a vida toda para conhecê-la, agora deixe a princesa tomar um ar fresco e ainda precisamos mostrar o castelo para ela! — disse a jovem Edith colocando as mãos no ombro de Hanne, a mesma notou que se eles eram pai e filha, não tinham nada em semelhante, pois Edith tinha cabelos loiros e olhos castanhos.

— Isso! Façam o trabalho de vocês senhoritas, eu apenas vim aqui para receber minha sobrinha que por sinal é mais bonita do que todos nós pensávamos. Não é mesmo Genova?

— Muito linda, ela também é um amor de moça, meu primo. Conversar com ela é algo muito agradável! — afirmou Genova. — Pois bem, vou para os meus aposentos, estou exausta. Até mais tarde! — a mulher então se retirou daquele circulo e caminhou para dentro do castelo.

— Vamos logo, temos muitos lugares para mostrar a Vossa Alteza! — falou uma jovem baixa de cabelos castanhos encaracolados e olhos azuis, pelo o que Hannelore havia decorado, seu nome era Dominique.

— Mas vamos bem devagar, pois se não Dominique se perde no meio do caminho...

— Você poderia disfarçar enquanto estou por perto, Wanda.

Wanda, Dominique e Edith, essas eram as damas que haviam mais falado até agora e assim foram tagarelando enquanto caminhavam para mostrar a sua nova princesa, sua nova morada. Apenas Cora se manteve calada desde o inicio.

— Como é a Áustria, Vossa Alteza? — Perguntou Edith abrindo com delicadeza seu leque rosa, que combinava perfeitamente com o vestido que estava usando.

— Grande, bonita... E calma! Eu não costumava sair muito do castelo. — respondeu Hannelore, ainda tentando processar em sua mente que a partir do momento que pisara naquele castelo ouvir o tratamento de “Vossa Alteza” seria algo comum e ela tinha que se acostumar com isso.

— E os rapazes? São tão charmosos quanto os franceses? — perguntou Wanda.

— Não suporto os franceses!  — disse Dominique expressando o desdém em seu rosto.

— Bem, acho que Vossa Alteza, já conhece muito dos jardins e o lado externo do nosso grande castelo — a atenção de Hannelore voltou-se para Cora. — Chegou a hora de mostrarmos o castelo por dentro para nossa princesa. Tenho certeza de que ela vai adorar a decoração encomendada especialmente para o quarto dela, o rei quer que a senhorita fique familiarizada com sua nova terra, por isso mandou decorarem seu quarto ao estilo overatiano. Azul e vermelho, pérolas nas roupas, tecidos de veludo e margaridas nas janelas.

— Margaridas... Nós, os overatianos, somos apaixonados por esta flor, ela simboliza a inocência, é considerada a flor das donzelas. Ela é a flor símbolo deste país, pois Helmine, nossa primeira rainha, que Deus a tenha, era uma verdadeira donzela. Apesar de ter sido casada e mãe, seu coração sempre se manteve puro para com todos ao seu redor. Não é a toa que ela ficava dias rezando pelo sofrimento que seu coração sentia quando se via obrigada a revidar os ataques comandados pela sua irmã a malvada Leona, a rainha de Hessen... É melhor mostramos logo o castelo para a princesa, pois este assunto é triste! — afirmou Edith.

Hannelore tinha ouvido de Genova, sobre o país, o povo e algumas tradições, mas Genova não comentou nada sobre a história das duas irmãs e rainhas. Claro que assim como toda a Europa, ela tinha conhecimento de uma guerra entre esses dois países, Overath e Hessen, porém não estava muito familiarizada com o assunto.

O castelo tinha três entradas: a principal, normalmente utilizada pelos nobres e por convidados, tinha degraus largos e de pedra muito bem esculpida, com apoios para as mãos de ambos os lados, vasos caros pintados de vermelho e azul, em um pôr do Sol cheio de flores brancas. Pilares de pedra fortificavam a ampla varanda logo acima, servindo como um abrigo para a chuva. As portas duplas de madeira escura tinham quase dois metros de altura, ou seriam três? Hannelore nunca vira algo tão alto. Sentiu-se como uma formiga atravessando o batente e admirando-se com o piso de mármore negro. Ao fundo da sala do trono, onde duas cadeiras cuidadosamente erguidas em um palco de pedra eram confortavelmente aconchegadas em tapeçarias com desenhos de leões, os brasões de armas e comércio, a moeda e principalmente o busto de Helmine a rainha-mãe de Overath. Velas iluminavam os cantos mais escuros da sala, embora as janelas fossem grandes e deixassem longos feixes de luz solar adentrarem e aquecerem o lugar. Através da luz, Hannelore viu os pontinhos de poeira que voavam pelo espaço. O que mais a impressionou, porém, foi o silêncio. Criados circulavam como fantasmas de um lado ao outro, carregando trouxas de roupas, bandejas prateadas com jogos de xícaras muito caros. Viu quando alguns desapareceram pelas portas aleatórias e camufladas do castelo, percorrendo os corredores particulares dos criados, para que não fossem vistos por pessoas importantes demais. Outros, entretanto, carregavam as armas pesadas e as fardas da guarda real e menearam suas cabeças para as damas, antes de fazer uma pequena mesura a Hannelore e enfim seguir seu caminho.

O silêncio não foi quebrado por sons de sapatos contra o mármore, nem dos murmúrios das quatro garotas que puxavam Hannelore e apontavam para as escadas que levavam ao segundo andar do castelo. O silêncio era desconfortável, como se, por acaso, alguém falasse ou andasse alto demais poderia causar uma guerra. Quando chegaram aos quartos de hospedes, Wanda e Edith falavam sobre suas cores favoritas e como adoravam seus quartos, Dominique aos poucos silenciou até que apenas estivesse meneando a cabeça quando alguém falava algo com o qual concordava. Hannelore também notou como Cora observava os criados, como se procurasse por alguém entre eles.

— Eu particularmente adoro as camas! São tão macias. Já experimentou pular sobre elas? — Wanda perguntou a Edith, que balançou a cabeça negativamente — Você não sabe o que está perdendo. — ela de repente se lembrou de Hannelore e sorriu. — Mas é claro que a cama de Hanne será duas vezes mais macia que as de todo o castelo!

— Não me importo muito com isso. — Disse Hanne, lembrando-se da cama que tinha no quarto do castelo dos duques que a criaram. O lugar ainda lhe trazia lembranças de invernos frios e verões abafados, afinal até ontem ela dormiu nele.

Wanda deu de ombros, continuando sua exibição sobre o castelo. Os corredores eram largos e havia uma regra básica para circular neles: nobres à direita, criados a esquerda. Assim ninguém se esbarrava. Em Overath a maioria dos criados eram pessoas pobres do povo que não tinham condições ou não queria trabalhar na cidade, assim se mudavam para o castelo, em busca de melhores condições. Outros nasciam já ali e eram conhecidos por todos. Edith também contou que os quartos dos monarcas e da família real ficavam próximos, entretanto o quarto de Hanne era uma das torres do castelo, um quarto tão grande quanto à sala do trono, onde ela poderia passar todos os dias, lendo, tocando ou rindo que ninguém ouviria.

— Talvez o rei tenha achado que você gostaria de privacidade, já que tudo isso ainda é novo para você. — Wanda meneou a cabeça.

— Talvez o rei não quisesse ouvir sua voz ou vê-la sempre que saísse do quarto pela manhã. — Dominique deu de ombros.

Os olhares reprovadores de Wanda e Edith, assim como Cora (um pouco mais sarcástica e com um leve sorriso brincando os lábios) se voltaram para a pequena, Dominique logo entendeu que suas palavras foram indelicadas demais e ruborizou as bochechas tornando-se vermelhas assim como seus lábios. Hannelore apenas riu, divertindo-se com suas novas amigas. Cada uma parecia particularmente interessante. Edith com seus comentários inteligentes e detalhes importantes, Wanda e sua mania por falar e ser ouvida, Cora e o silêncio que a dominava, incluindo seus sorrisos furtivos e sarcásticos. E Dominique, que oscilava entre erguer a cabeça e mantê-la abaixada, falar e calar.

— Não se preocupe com Dom, ela normalmente fala qualquer coisa que lhe venha à mente. Na verdade está precisando de boas aulas de filosofia. Aprender a pensar antes de agir é sempre bom. — os olhos de Edith reviraram nas órbitas, o que fez Hannelore rir ainda mais, quebrando aquele silêncio monótono.

Um leve toque em seu ombro direito a fez se arrepiar e arquear as costas, virando-se pálida para a figura alta e de sobrancelhas arqueadas. O homem passou os olhos sobre as damas e voltou-se para Hannelore, um tanto mais suavemente, sem censura ou irritação, apenas uma cortês mesura.

— Princesa Hannelore, muito prazer. — ele sorriu, gentilmente, como todos em Overath sabiam fazer. — Suponho que suas aias estejam lhe mostrando todo o castelo. Quero apenas informar que, como a viagem foi longa, sua tia, a Duquesa Genova, mandou que preparassem seu banho e logo mais trarei pessoalmente uma bandeja de frutas tropicais.

— Oh, frutas tropicais! — exclamou Dominique — Da América!

O homem sorriu, animado com a animação das damas, mas logo se voltou para a princesa de Overath, que até então estava tentando se acostumar com toda aquela atenção.

— Perdoe-me, Vossa Alteza, mas imagino que precise ir agora. Tenho alguns cavalos para mandar a Aragão. — Hannelore assentiu e agradeceu pela informação.

— Poderia enviar isso também. — Dominique tirou de sua luva uma carta dobrada em quatro partes. O homem assentiu sorridente e beijou-lhe a mão com doçura. Quando finalmente se foi, Dominique soltou um suspiro tristonho. — Catarina não me responde há meses...

— Ela está ocupada. Sabe como é: filhos. — piscou Wanda, porém Dominique lhe deu um olhar atravessado que Hannelore imaginou ser o máximo que a pequena conseguia chegar de irritação. Wanda deu de ombros, fingindo inocência.

— Quem é Catarina?

— Ora, como assim? — Edith ergueu uma sobrancelha — Rainha Catarina da Inglaterra, Transtamâra de nascimento e Tudor por casamento. Nunca a viu? Ela praticamente já passeou por toda a Península e recentemente visitou Hessen. Dominique foi criada com ela, como protegida dos Reis Católicos. Como nunca ouviu falar de Catarina de Aragão? A viúva de quinze anos! Aquela que após seis meses de casada não foi para a cama com o marido.

— Ela não foi! — Dominique de repente assumiu uma expressão severa, ficou com as bochechas ainda mais avermelhadas que quando se constrangeu. — Ele estava doente...

— Claro, como queira. – Wanda deu de ombros. — Dominique está tentando falar com sua amiguinha virgem há alguns meses, mas ela ainda não respondeu. Parece que está com dificuldade de ter filhos. Mas nada que o Tudor não possa fazer. — riu. — Vamos parar de falar sobre filhos e reis, virgens e... Tudo isso. Odeio quando o assunto fica tão sério. — Wanda balançou a cabeça. — Ah, lembrei! A biblioteca! Temos de mostrá-la a você!

Edith concordou, entusiasmada, e Dominique deixou toda a irritação de lado, assumindo uma expressão sonhadora e perdida no espaço-tempo. Cora, que por todo esse tempo permanecia ouvindo as demais, sorriu e acenou afirmativamente a cabeça. Hannelore apenas se deixou levar por muitas escadas, até um dos andares próximos da sala de reunião e da varanda que havia visto em frente ao castelo. Edith explicou que a Sala das Lareiras possuía trinta lareiras e era lá que jantavam no inverno. A Sala dos Quadros era onde se apreciava a arte, principalmente quando algum músico de fora vinha visitar o rei. A Sala Empoeirada, ou a Biblioteca, era onde Edith e Dominique passavam a maior parte do tempo. Edith absorvendo conhecimento, Dominique apreciando o ótimo lugar para dormir durante a tarde e fugir de sua criada. A Sala Dourada era onde os nobres jantavam e seus convidados usavam a Sala das Cem Velas, onde mesas compridas eram iluminadas por diversos candelabros e lustres, todos com velas. Embora o número de velas ultrapassasse cem, todos chamavam o lugar de Sala das Cem Velas. O Quarto de Dormir de Hannelore ficava ao lado de seu Quarto de Vestir e o Quarto de Estudos. Nunca imaginou que teria três quartos inteiros para si, sem contar o Quarto de Lavar, onde tomaria luxuosos banhos em banheiras douradas e de porcelana, com espuma, sais e óleos, com criadas para esfregar suas costas e massageá-la.

Da Biblioteca era possível ver o Portão das Estalagens, onde um aglomerado de estalagens servia de abrigo para músicos, pintores e toda a sorte de pessoas comuns que quisessem visitar o rei. Havia mais três portões: O Portão das Flores, diante do jardim do castelo, por onde a Estrada do Rei passava e por onde Hannelore havia entrado no castelo. O Portão das Conchas, que servia como um forte para a guerra, caso alguma florescesse em Overath, ficava ao lado da encosta de um rochedo, donde o castelo se protegia de ataques pelo mar. E por fim, quase além dos limites da visão da mais alta torre do castelo, atrás do boques, o Portão do Nunca Cruzar. Na verdade seu nome era Portão de Madeira, pois era apenas um cercado para os cavalos e ovelhas não tentarem atravessar os limites, porém Wanda o chamava de Nunca Cruzar, pois realmente nunca se devia cruzar aquele portão.

— Diz à lenda que quem vai para além do bosque e se aventura na floresta, jamais volta. Povos não católicos e primitivos estão acampando por lá, em busca de sacrifícios humanos. — comentou Edith.

— São ogros. — corrigiu Dominique.

Edith revirou os olhos e Wanda soltou uma risada contida, enquanto continuava falando sobre tudo o que conseguiam ver pelas janelas da biblioteca, que eram poucas. A iluminação vinha essencialmente do teto, de onde o telhado era feito de vidro temperado e formava arco-íris sempre que os raios o atravessavam.

— Mas e durante a noite? Vocês usam velas? — perguntou Hannelore, curiosa.

— Velas? Quer colocar fogo em tudo isso? — Wanda ergueu as sobrancelhas, perplexa.

— Usamos candeeiros. — corrigiu Edith, com mais paciência. — São pedaços de tecido que banhamos em óleo e incendiamos. Você verá. Há um ao lado da cabeceira de sua cama. O bom de usar eles é que se pode controlar a intensidade da luz. — comentou Cora, cortando seu silêncio pacífico. — Assim não machuca os olhos na hora de ler.

— Sim. — concordou Edith. — Mas eu ainda prefiro ler ao ar livre.

— Com insetos asquerosos para picá-la! — Wanda saltou sobre Edith, fazendo-lhe cócegas por todo o corpo. Edith se contraiu, de repente, gritando baixinho o máximo que conseguia, tentando manter a ordem da Biblioteca de não fazer barulho. Cora sorriu, sem se importar com aquilo. Hannelore pensou em separar as duas, porém Dominique batia as mãos animada e Wanda não estava machucando Edith. Por fim, elas se cansaram. Os cabelos de Edith estavam desalinhados, assim como as mangas de seu vestido, mas ela sorria.

— Eu odeio insetos! — exclamou Dominique, ignorando a altura de sua voz.

— Eu amo insetos! — Wanda riu. — Vou lhe mostrar minha coleção.

— Depois, meninas. Devemos agora levar a princesa para seu quarto. — Cora cortou ambas — Afinal o banho já foi preparado. Não queremos que a princesa se banhe em águas frias, certo? — Todas assentiram e deste modo levaram Hannelore para mais escadas.

Já estava começando a se perguntar por que tantas escadas, quando uma espiral surgiu, o que indicava que aquela era a torre de seu quarto. “Uma princesa na torre”, pensou, lembrando-se das histórias de princesa que sempre ouvira. Até parecia que seu pai a queria trancafiar ali. Aquilo a assustou. Wanda abriu a porta que dava para o primeiro quarto de Hannelore. Mesas, vasos, flores, tapeçarias e principalmente as estantes recheadas de livros. As tapeçarias pareciam caras e as flores eram como Wanda dissera antes, margaridas. Edith e Dominique saltitaram até portas duplas dos lados opostos do Quarto de Estudos, e quando abriram, Hannelore segurou o queixo para não cair. A leste, o banheiro era brilhante e realmente recheado de porcelana e... Ouro? Não sabia. A oeste, sua cama preenchia o centro do quarto, com um véu na cabeceira e o dossel caindo em uma cortina transparente.

— Um quarto à moda overatiana. — sorriu Wanda. — Vamos, tire as roupas sujas!

— Mas... — Hanne tentou impor, porém Wanda a calou, colocando um dedo em frente a seus lábios, sorrindo sedutoramente. Wanda parecia ter fogo dentro de si, um calor confortável, mas ao mesmo tempo perigoso. Ela era energética e muito mais ousada que as outras. Era o tipo de pessoa que não deixaria que alguém se entristecesse ao seu lado.

— Nada de, mas, senhorita. Tire sozinha, ou teremos de fazê-lo por você. Todos sabem que as damas de companhia ajudam sua princesa em tudo.

— Estou louca para cortar as pontas duplas de seu cabelo. — concordou Edith, desabotoando as costas de seu vestido e deixando-o cair. — Sempre cortei os cabelos sozinha. — balançou suas lindas madeixas brilhantes e Hannelore teve de concordar. — Não se preocupe, é cultura em Overath o banho comunitário. Como você ainda é nova, somente nós tomaremos banho. E não se intimide, ficaremos enroladas em toalhas.

— Tudo bem. — Hanne concordou, abaixando as mangas e se esforçando para desabotoar o vestido, em vão. Mãos frias e de dedos longos lhe empurraram levemente e começaram a desabotoar o vestido por ela. Ergueu os olhos para ver Cora. — Obrigada. — agradeceu.

— Por nada. — Cora terminou e sorriu, despindo-se também.

Hannelore nunca tinha tomado um banho dentro de uma banheira com espaço para cinco pessoas, especialmente, pois os duques exigiam que ela tomasse banho apenas após o horário de todos usarem a água quente. Quando entrou na espuma, com a toalha ao redor do corpo grudando-se suavemente, notou o quanto era relaxante. Wanda chamou algumas criadas para lhes lavar os cabelos, enquanto conversavam sobre coisas banais e principalmente sobre os príncipes solteiros dos reinos vizinhos.

— O mundo está em escassez de príncipes. — reclamou Wanda. — Todos se casam logo cedo, ou já estão comprometidos...

— Quem precisa de príncipes? Há muitos lavradores que são mais amáveis que nobres esnobes. — Edith bufou. — Uma vez um lorde se atreveu a passar a mão em minha perna. Na frente de meus irmãos! Ainda bem que mamãe os levou para serem educados em Cracóvia. — Wanda abanou a cabeça, rigorosamente. Cora apenas revirou os olhos e falou.

— E quando um trovador cantou Os Montes da Vitória para mim? — comentou, mordiscando a cutícula. — Fiquei horrorizada.

— Montes da Vitória? — Hanne ergueu as sobrancelhas.

— Nunca ouviu a música mais... Desmusicalizada de todas? — Edith perguntou.

— Existe esta palavra “desmusicalizada”? — Wanda riu.

— Não sei se existe, mas se existisse seria a definição perfeita para Montes da Vitória. É uma música satírica da Itália. A princípio parece falar sobre uma guerra sobre Montes, onde um reino conseguiu vitória, porém logo notamos que na verdade fala dos seios de uma mulher chamada Vitória. Os homens adoram! Este cantor teve a língua cortada, não? — de repente Edith se virou para Cora.

— Que nada! — Cora torceu o nariz — Meu pai mandou quebrarem seu alaúde e o manteve preso por uma quinzena. Soltou o infeliz quando sua esposa reclamou que tinha três filhos para sustentar sozinha. — Edith e Wanda resmungaram algumas coisas que Hannelore imaginou ser francês ou inglês. O máximo que sabia dessas línguas.

Mais tarde como Wanda havia sugerido, saltou sobre a cama, passando a mão pelos lençóis felpudos. Realmente fazia frio em Overath, mesmo que de manhã cedo como agora. As meninas se despediram após o banho e Hannelore teve tempo para colocar tudo em ordem. O castelo era grande o suficiente para se perder, mas não um labirinto. Após terminar com os biscoitos e a xícara de chá que o homem que a cumprimentara e se apresentara como “Hans” lhe trouxera, tomou coragem para explorar o quarto. Os livros eram todos sobre assuntos que ela deveria saber: postura, a costura, a dança, a música, genealogia, as casas de Overath, a Bíblia...

O som de três toques na porta a fez estancar no próximo passo. Hannelore congelou, observando o que vestia: uma camisola de linho branco que pensou servir para dormir. Correu até a cama e se enfiou debaixo dos cobertores. Enquanto isso, os três toques voltaram a soar.

— Entre — disse e a porta se abriu. Por incrível que pareça, uma criatura de não mais um metro e trinta estava entre as portas duplas de madeira escura e quase três metros de altura. — Em que posso ajudá-la?

— O rei Willian a chama, milady. – ela disse, sem mesuras ou gentileza. Hannelore ouviu alguém atrás da garota murmurar “É Vossa Alteza, Dafne”. Hanne abriu um sorriso, a menina deu de ombros. Tinha cabelos louro-acinzentados e lindos olhos azuis cristalinos. — Que tipo de Vossa Alteza dorme em uma torre abandonada? — respondeu Dafne olhando para trás.

Hannelore se moveu até o guarda-roupa, escolhendo um vestido simples de vestir, o que seria mais rápido. Quando terminou, agradeceu a Dafne, que deu de ombros, sem se importar e fechou a porta do quarto. Hanne não sabia exatamente como chegar até o gabinete do rei, na verdade tinha esperança de que Dafne lhe mostrasse por aonde ir, porém a menina saiu correndo pelo corredor. Quando abriu a porta, encontrou apenas um garoto de pele amorenada e olhos grandes.

— Vou levá-la, Vossa Alteza. — ele fez a mesura meio desajeitada, porém mais delicada que Dafne.

— Obrigada. Seu nome...?

— Abernadh. — ele disse, virando-lhe as costas e começando a andar pelo corredor. Hannelore se apressou em segui-lo. Desceram escadas e passaram em frente à Biblioteca, parando na porta da Sala de Reuniões. Abernadh hesitou um pouco, mas lhe deu uma segunda mesura, mais equilibrada que a primeira. — Espero encontrá-la outra vez, princesa.

— Igualmente, Abernadh.

Ele virou as costas e assim como Dafne, saiu correndo, desaparecendo atrás de uma porta de criados. “Deve ser o filho de algum criado”, pensou Hannelore, batendo três vezes na porta, antes de ouvir alguém resmungar para que entrasse. Alisou o vestido, arrumou os cabelos que Edith havia cortado simetricamente. Respirou duas vezes e abriu a porta.

Atrás da grande mesa de mogno, um homem pálido de largos ombros e cabelos negros com alguns fios brancos observava um mapa. Hanne fechou a porta delicadamente e permaneceu parada, sem saber exatamente o que fazer. Ela apertava as mãos e mordia os lábios, o homem observou mais um pouco a mesa, até erguer os olhos revelando uma cor azul acinzentada. Ele por fim, suspirou.

— Hannelore? — perguntou sem muita emoção.

— Sim — ela assentiu. Aquele não podia ser o rei William. Não usava a coroa e muito menos se parecia com um rei. Era mais como o mestre de armas, observando um mapa de guerra. Sentiu alívio ao concluir isso.

— Mas é claro que é Hannelore — ele revirou os olhos. — É idêntica a sua mãe... — o mesmo parou por um instante e ficou com uma expressão pensativa que Hannelore acabou não percebendo, pois estava evitando encarar o homem diretamente nos olhos e fugia sua atenção para o mapa.

“Mas é claro que é Hannelore”, piscou os olhos, atônita. “É idêntica a sua mãe”. Quando já estava formulando a primeira pergunta, o homem soltou outro suspiro e arrumou a coluna.

— Bem vinda a Overath — disse. — Espero que sua viagem tenha sido boa, sem perigos na estrada ou...

— Perdão, senhor. Mas meu pai, o rei Willian, me chamou e receio que não possa deixá-lo esperando. Onde o encontro?

O homem levou alguns segundos para compreender o que ela havia dito e por fim arriou-se na cadeira. Ele abriu um sorriso pequeno, quase imperceptível e pressionou as têmporas. Hannelore notou as olheiras em seu rosto, o modo como agia lentamente, como esfregava os dedos nas pálpebras. Ele estava usando todas as suas forças para permanecer acordado. Estava mais que cansado. Completamente acabado.

— Acho que começamos com o pé errado. A culpa é minha. Desculpe-me não ter me apresentado antes. Sou Willian, o rei deste país, como queira. Sou seu pai. – ele ergueu os olhos, com expectativa.

Hannelore moveu as mãos ao lado do corpo, como uma criança quando está impressionada. Os ombros caíram um pouco e quase deixou o queixo cair, contudo ao invés de sorrir como queria, deixou-se tomar por um pequeno e repentino desconforto, mas para não faltar com respeito inclinou sua cabeça e disse em um tom tímido.

— É bom conhecê-lo, Majestade.

O rei apenas meneou a cabeça e voltou a pressionar as têmporas, visivelmente entediado com as apresentações de praxe.

— Pois bem, vá! Pode retornar a seus aposentos.


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Notas finais do capítulo

✿O próximo capitulo será postado na terça.
✿ Esperamos que tenham gostado minhas princesas, até a próxima.