The Bastard Heir escrita por Soo Na Rae, Lady Ravena


Capítulo 18
Capítulo 14 - A Resposta Para Todas as Perguntas


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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Aaron Belshoff

“As esperanças são como estrelas: brilham, mas não trazem luz; lindas, mas ninguém alcança” – Coelho Neto

Aaron olhou pela janela, onde as pessoas caminhavam em direção a capela, para orar por seus mortos. Ele não acreditava muito naquilo, mas gostava de ver os pontos negros no meio da neve. O inverno começava lentamente e Overath iria se vestir com um denso casaco branco. Só notou que havia interrompido a leitura por tempo demais quando seus olhos começaram a cair e a cabeça doeu no ponto entre os olhos. Desde o acidente, não conseguira mais passar um segundo sequer com sua mente adormecida. Sempre que parava de pensar, ela começava a doer e seus olhos ardiam. Tinha de se manter ativo, e nada melhor que ler os inúmeros livros da biblioteca do castelo. Se soubesse que ela era tão grande, teria estado mais animado durante a viagem. Agora o meistre vinha visitá-lo todos os dias, e as criadas nunca o deixavam sem comer num intervalo de três horas. Penteavam seu cabelo, massageavam os travesseiros da cama. Era sufocante, principalmente porque elas faziam barulho demais e interrompiam sua leitura para absolutamente nada.

A dor continuou, até que pressionou as têmporas e abriu o livro em seu colo para a página em que havia parado. Memorizar as páginas era um bom exercício, isso o livrava de ter de confiar em um marcador que poderia eventualmente cair ou amassar as páginas dos livros antigos, que mereciam ser conservador.

Ouviu um ruído na porta e ela abriu-se lentamente, revelando a figura de Exal Dhall, o meistre que vinha lhe cuidando. A febre havia amenizado, as dores nos músculos também. Os hematomas diminuíram e conseguia dormir por horas inteiras com os chás de Exal, porém continuava com aquela convicção de que algo não estava certo. Havia um espinho na carne, uma pedra em seu sapato. E não saberia dizer o que era, mas tinha certeza de que não podia estar enganado. O vento soprava como alerta e o silêncio lhe gritava para correr.

– Como vai hoje, senhor Belshoff?

– Melhor que ontem, pior que amanhã. – respondeu, fechando novamente o livro, que mal lera até então.

– É assim que precisamos começar a pensar. – o sorriso de Exal era gentil, porém o homem não parecia uma pessoa muito confiável. Exal havia lhe dito sobre a concussão e que provavelmente não poderia descer até os salões ou mesmo sair daquele quarto. Ver a princesa? Jamais. A saúde da princesa seria velada contra todos os possíveis... Contagiantes. – Sentiu alguma dor hoje?

– O de sempre. Dores de cabeça.

– Isso passará logo, é apenas consequência da concussão. Descanse, mantenha-se em repouso, pois acelerará a cura.

– Quando mais me mantenho inerte, mais sinto necessidade de me movimentar.

– Um rapaz ativo. É comum na juventude. Mas tenho de insistir que não pode se esforçar muito. – ele balançou a mão. – É para seu próprio bem. Hoje é um dia triste para todos, a esposa de Otto era uma grande mulher, gentil e amável. Bem, quem fez isto tem de pagar. Quem mata uma mulher grávida? Ainda mais uma mulher sem envolvimento algum em política ou... – Exal suspirou – Mas temos de olhar para frente. Será uma semana difícil de luto para a família real, por isso você não precisa se preocupar com a princesa, provavelmente ela não irá se encontrar com os seus outros concorrentes neste tempo, e isso lhe dá o que precisa para se recuperar e competir por sua mão. – Exal sorriu, amavelmente. Mas Aaron não sentia realmente que em uma semana estaria bem. Na verdade não sentia que estaria bem ali, em Overath.

– Bom. – disse, apenas, virando o rosto para a janela. A dor recomeçou.

– Quer alguma solução para dores no peito ou para dormir?

– Dormir seria ótimo.

– Vou providenciar. – O meistre se levantou – Preciso cuidar de outras coisas no momento, mas não se preocupe, irei enviar uma surpresinha para você. Um agrado, para um rapaz acabado.

– Espero que não seja barulhento.

– Barulho, eu não sei. Mas ela adora rir.

º º º

A porta voltou a se abrir, infelizmente, mas desta vez já havia lido quase três páginas seguidas. Ergueu os olhos e deslumbrou uma dama de longo vestido azul escuro e tez morena. Alta, bonita e imponente. Era como uma torre de um forte, os exércitos se jogavam contra ela, mas nunca conseguiam derrubá-la. A analogia o fez suspirar um pouco, pois esforçou demais do cérebro e acabou ganhando uma dor aguda. Olhou para a pintura em sua parede e para a garota recém-chegada. Ambas as figuras eram diferentes, a mulher pintada tinha longos cabelos louros, com pele branca e olhos azuis confortáveis. Sorria de maneira adorável e tinha um vestido branco antigo, talvez de casamento. Mas elas tinham uma semelhança: eram as mulheres. A garota mostrou impaciência.

– Você é o tal de Aaron que Exal está tratando? – ela perguntou.

– Creio que sim. – fechou o livro e se sentou na ponta da poltrona. – E você é meu agrado?

– Agrado? – ela torceu o nariz, colocando o vidro com a solução para dormir de Exal sobre o criado mudo. – Acho que é só isto. – disse e virou as costas. Abandonou o quarto com a mesma velocidade que entrou. Isso não deixou Aaron triste, mas não feliz. Ela não era exatamente a garota “que adora rir” da qual Exal havia falado. Quando ele disse, pensou que realmente seria uma criada risonha e extrovertida. Algo irritante.

Voltou a olhar para o busto da pintura na parede. A jovem ali retratada era Phillipa Davery Dowlan, a dama de companhia e conselheira da Rainha Regina, a Louca. Phillipa morrera há mais de dez anos, porém seu rosto permanecia imortal na pintura. Esbelta, radiante como o Sol. Parecia uma jovem calorosa. Inteligente, geniosa. Conhecia poucas histórias verdadeiras sobre a antiga Corte de Overath. Muitas mudanças aconteceram de lá para cá. Tentou imaginar como seria se estivessem no passado. O rei vira todos aqueles rostos vivos, que agora apodreciam debaixo da terra ou no fundo do mar. Deveria ser estranho conhecer tantos mortos, em um tempo tão curto. Aaron não conhecia mais que três, e já tinha seus vinte anos. Em menos de quinze o rei Willian presenciou a morte de muitos condes, duques, a conselheira de sua esposa, sua esposa, sua filha mais nova e seu filho mais velho. E agora, a cunhada, junto com um futuro sobrinho. Quantas mais pessoas deveriam morrer na vida deste homem, até ele finalmente encontrar descanso nos céus? Quem sabe quantos passariam pela Corte e seriam vítimas de doenças, acidentes domésticos ou batalhas sangrentas?

Aaron voltou a olhar para o quadro.

Há tanta aflição nestas paredes

Quanto sal no mar.

Estrelas no céu.

Luz na escuridão.

Abriu os olhos, sentindo o peito chiar. A respiração diminuiu, junto dos batimentos cardíacos. Abriu a boca e tentou sugar uma golfada de oxigênio, em vão. A cada tentativa falha, sua caixa torácica comprimia mais e mais, até apertar os pulmões e o coração. Ergueu-se e correu para a janela, abrindo-a, porém a rajada de vento não foi suficiente para sua incapacidade de transportar o ar para os pulmões.

O pânico subia pela garganta, fechando-a mais e mais, enquanto o suor escorria o canto do rosto. Suas mãos, trêmulas, abandonaram o livro, correndo em direção ao criado mudo, mas não havia ali qualquer remédio além daquele que Exal enviara. Não podia dormir, não agora. A falta de ar subia até o cérebro e a dor no centro da testa recomeçou ainda mais intensa que a última. Havia uma resposta. Havia uma resposta. Havia.

Seus olhos congelaram diante da porta, aberta. Era isto. Havia uma resposta. Sempre soube disso, mas corria desta verdade. Tinha de persegui-la agora, ou morreria ali, naquele quarto. Como mais um dos inúmeros rostos das paredes. Era como se Phillipa lhe gritasse para correr. “Corra, seu idiota, corra!”. Sentiu-se ofendido com o vocabulário da mulher, mas não pôde deixar de acreditar nela. Correu. E, realmente, havia uma resposta. A luz na escuridão não era uma simples luz, era uma pergunta. E tinha de encontrar sua resposta, se quisesse viver.

Neste momento, a goela estava ardendo, a língua estava seca, seus olhos lacrimejavam e choravam. Suas pernas bambas mal conseguiam sustentá-lo pelo corredor, enquanto sentia as pontadas gélidas entre as costelas e as labaredas de fogo derretendo seus neurônios. Corra. Corra. Corra. Corra. Apenas corra, seu idiota! Disse a si mesmo, enquanto perseguia a resposta, oculta e metafórica.

Não podia ser coincidência, não podia ser mentira. A ilusão beirava a realidade, quão longe estava ele da loucura? Corra, corra. E correu, o máximo que pôde, enquanto suas pernas não falhavam, desceu escadas, saiu por portas, atravessou um jardim, até entrar na floresta. Densa, escura, fresca. Então, como uma criança que acaba de nascer, começou a respirar. E gritou. Chorou. Como se fosse a primeira vez.

Após se acalmar, Aaron ergueu a cabeça e olhou ao redor. Arbustos, árvores, relva. Um céu encoberto por copas robustas, um chão varrido de folhas. O ar entrava com rapidez tamanha que o cérebro não conseguia raciociná-lo e por isso teve de abaixar as golfadas e controlar a pulsação. Havia adrenalina no sangue, mas teria de combatê-la se quisesse viver.

– Luz na escuridão. – repetiu, os olhos brilhando como os de um garoto que descobriu que as maçãs caem das árvores. – Luz na escuridão – seus olhos se ergueram para os céus e então Aaron começou a caminhar, encarando o firmamento, sem se importar com árvores, arbustos ou o quê a floresta lhe trouxesse. Teve de contornar algumas rochas, mas quando finalmente entrou tão fundo entre as árvores que não conseguia enxergar o lugar por onde veio, as copas se abriram para o negro infinito da noite.

E, embora tímidas, as constelações se formavam. As Plêiades. A Ursa Maior, a Ursa Menor. O Caçador, a serpente, a caçarola... Seus olhos pararam por um segundo e então voltou para onde estava. Para o céu como um todo. Suas mãos tremeram ao notas que haviam nuvens inteiras de luz pairando ao redor dessas estrelas. E então viu a escuridão cair delas, as explosões, o esqueleto de um universo. E entendeu a resposta. “Como luz na escuridão”.

A luz atravessava a escuridão. A luz não era dos céus, a luz era dos astros, como o Sol, mas não exatamente deles. A luz pairava, existia em todos os lugares, ela explodia em raios coloridos, e jorrava a escuridão por onde passava. A espuma de luz da galáxia. As estrelas são sua própria luz, e elas estão em constante pulsar. E explodem.

– Impossível – sussurrou consigo mesmo. Pois se as estrelas explodiam, se a luz podia atravessar fronteiras de escuridão, então o céu não era um firmamento, e sim apenas um quadro pintado com uma profundidade que a simples tinta não podia reproduzir. O céu era ilusão. Havia um outro plano além dele.

– Não tão impossível.

Virou-se, abruptamente. Que raios! Viu-a parada ao lado de uma das árvores, também encarando o céu e a sua beleza de luzes e nuvens. Longos cachos caindo até a cintura, olhos castanhos e claros, emendados com verde-enevoado. Já a vira antes. Na biblioteca do castelo, em seu primeiro dia lá. Pensou que não a veria novamente, afinal o castelo é grande e após uma semana dentro do quarto tudo diminuíra.

– Um pouco impossível.

– Totalmente impossível.

– Mas é impossível ou não tão impossível? – ergueu uma sobrancelha.

– E isso importa? Sendo impossível, a intensidade não conta. – ela deu de ombros. – Vê? O mundo?

– Este?

– Aquele – ela apontou para uma das luzes – E aquele, e aquele. Muitos mundos, todos espalhados pelo nosso céu. Como as pessoas lá nos vêm?

– Você acredita que exista outras pessoas no céu?

– Todos vão para o “Céu”, certo? – ela perguntou, piscando os olhos, simplória.

– Acho que sim. – Aaron voltou a admirar os astros. – Queria vê-los mais de perto, se pudéssemos fazer algo que aumentasse nossa visão...

– Como óculos? – ela tocou as pálpebras. – Mas os óculos só ajudam na leitura. Teria de ser algo maior.

– Sim. Algo que pudesse comprimir a luz que entra pela lente e expandir o grau através dela. – Aaron pensou em tudo o que já conhecia, mas não sabia se era possível um instrumento destes. Queria poder explorar mais as estrelas, ver mais de seu fundo de luz, de suas nuvens e explosões. Aquilo era a comprovação de que não existia firmamento, nem um quadro estável com estrelas imóveis. Era possível ver que elas se moviam. E deveriam ter se movido há muitos e muitos anos, o que significa que nem sempre estiveram naquele lugar do céu.

– Daqui cem anos as pessoas poderão olhar para o céu e descobrir novos mundos. – ela disse, simples.

– Como tem certeza? – abaixou os olhos para ela.

– Não tenho. Mas tudo pode acontecer em cem anos. Imagine. 1608. Os homens podem já ter descoberto monstros marinhos ou novas terras. Quem sabe o Jardim do Paraíso.

– O Paraíso está na América. – Aaron deu de ombros – A América do Sul. Todos dizem isso.

– Mas você acredita em todos ou acredita na verdade?

– E se for a mesma coisa?

– E se não for? – ela piscou seus olhos de modo curioso. Aaron estava se sentindo intimidado com tanto questionamento.

– Não sei.

– Exatamente. Ninguém sabe. E é muito esperto admitir isso – e então ela voltou a olhar para o céu. – Como se chama?

– Aaron.

– Não, aquela ali. – ela apontou para algumas estrelas juntas.

– Não possuem nome. Elas não formam uma figura.

– Claro que formam. Olhe, são os cabelos de uma donzela. – ela circulou os pontos com os dedos. – Vou chamá-la de Donzela. E aquele é o cavalheiro. E o cavalheiro está procurando unhas nos cabelos da donzela.

– Unhas? – Aaron riu.

– Sim.

– Mas não existem unhas nos cabelos de ninguém.

– E não existem certezas em afirmações sem fundamento. Como pode dizer que não exista unhas nos cabelos de uma donzela? Você não pode passar a mão neles para procurar. – e com isso, ela passou os dedos nos próprios cabelos. – Assim como não pode dizer se o Paraíso foi descoberto ou se o céu é comprimido para apenas a Terra ou se é tão amplo que não possui começo, meio ou fim. Não pode dizer que a Terra é o centro de todas as coisas, se visivelmente as estrelas, a Lua e o Sol caminham para o mesmo lado. Seriam todos os astros contornando a Terra em uma mesma espiral, ou então a terra girando em um sentido?

Aaron pensou e pensou, e no fim só pôde dizer.

– Não sei.

– Exato. Quem sabe? – e ela sorriu. – Como chama?

– Qual?

– Estou falando de você.

– Ah. – ele engasgou – Aaron.

– Prazer em conhecê-lo, Aaron. Sou Dominique. E tenho de dizer que é altamente perigoso e nada recomendável permanecer no limite da floresta em uma noite tão escura quanto esta. Os ogros costumam engolir árvores e podem acabar confundindo-o com uma.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado. Bom, tenho de esclarecer algumas coisas: Eu e Sofia separamos os Selecionados entre as Donzelas da Corte (Hannelore, Cora, Dominique, Wanda e Edith), ou seja, os meninos estão pré-definidos, e sim, pode mudar. Sofia tem mais facilidade com personagens mais bonzinhos, por isso ela cuidará de Hannelore, Wanda e Edith, eu ficarei com Dominique e Cora. Com isso, os selecionados dessas duas garotas irão aparecer com mais frequência nos meus capítulos, nos da Sofia serão os outros. Como eu não fiquei com a história principal (que é a de Hannelore), irei cuidar também da parte de histórias extras, como as pequenas aventuras das crianças e os personagens fora da Corte.
Beijos da Meell!