Indeterminado escrita por Hont91


Capítulo 1
Capítulo 1, Uma arvore tenta me seduzir




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(POV Vincent)

Sabe aqueles momentos em que você olha em volta e tem a impressão de que perdeu alguma coisa muito importante, que obviamente todos sabem, e se recusam a te contar porque é algo tão simples que crianças sabem a resposta, e ainda assim você se sente perdido?
Pois então... Esse é um resumo da minha vida, sempre com a sensação de que eu perdi alguma coisa no meio do caminho, talvez minha alma tenha chegado atrasada pro vídeo de introdução à ‘como ser um ser humano perfeitamente comum, normal e entediante’, talvez seja só meu problema com TDDA (Transtorno de déficit de atenção) e dislexia, mas eu certamente não me sentia como um ser humano comum, normal, e de modo algum, entediante, ou seja, exatamente o oposto das outras pessoas a minha volta.
Acabei de notar, não me apresentei não é? Meu nome é Vincent Reed. Sim, nome estranho, eu sei, e já fui informado disso mais de uma vez, mas pelo menos combina com os meus cabelos, que de tão vermelhos parecem que estão pegando fogo quando eu estou sob o sol, apesar de que eu não gosto tanto assim de pegar sol.
Nesse exato momento você deve estar pensando que eu estou mudando de assunto radicalmente e de certo modo de uma maneira um tanto quanto caótica, correto? Desculpe, nada que eu possa fazer quanto a isso... De qualquer forma vamos ao começo da historia, tenho certeza de que vocês não querem me ouvir reclamando aleatoriamente...

Era verão em Nova York, as crianças ricas deviam estar em casas de verão na praia aproveitando piscinas particulares para não se misturarem com a classe inferior, as outras crianças provavelmente estavam passando os dias de suas férias de verão aproveitando ao máximo possível a palavra ‘férias’. E eu? Bem, eu estava no orfanato em que morava desde que tinha idade para me lembrar, olhando pela janela do quarto particular que ganhei esse ano, o que não é dizer muito já que esse quarto particular era o nosso sótão há um mês atrás e continuava com a aparência de sótão. A boa noticia, eu não precisava mais bater em cinco outros garotos para pegar a cama de cima do beliche, a má noticia? Eu não tinha um beliche para pegar a cama de cima.
Agora, porque eu estou em um orfanato desde que me lembro? Aparentemente meu pai era um caçador isolado nas montanhas, e morreu quando eu tinha apenas dois anos de idade, por mais esquisito que pareça, ninguém tem a mínima idéia de quem é minha mãe, meu pai vivia em reclusão há muito tempo e nunca recebia visitas... Bem, obviamente ele recebeu uma visita, e gostou tanto dela que teve um filho com ela, e isso nos leva até mim, o garoto de 15 anos, entrando na adolescência, com problemas para ler, se concentrar e ficar parado, com uma cabeleira vermelha que me torna motivo de piadas e preconceitos, e principalmente que me deixava impossibilitado de ser adotado, principalmente pelo fato de já ter passado da idade, o casal que quisesse me adotar agora teria de ser louco.
Chega de explicações sobre a minha vida, o fato era que eram férias de verão e normalmente ninguém quer ir a escola durante as férias de verão, mas nosso professor de estudos sociais inventou que seria uma boa oportunidade, para alguma coisa que eu não estava prestando atenção, se todos os alunos se comprometessem a cuidar de um jardim durante o verão, em pequenos grupos de 3 ou 4 alunos por semana, e ele também resolveu que o estado do jardim seriam as nossas notas na matéria dele, que por algum motivo misterioso, estúpido e maldoso é uma matéria que PODE nos reprovar mesmo sendo algo que nem o professor sabe explicar... Pelo menos eu não entendi nada da explicação dele.
Então, a lógica normal é que os alunos organizaram os grupos e toda semana um grupo mal-humorado desperdiça uma tarde preciosa de suas férias para cuidar de um jardim com o qual nem se importam. Bem, esse é um dos problemas com a minha vida: quando eu estou incluído, a lógica normal não se aplica. Então já que boa parte dos alunos esta de férias na praia e outra boa parte não esta nem ai para a nota, sobramos só eu e mais dois alunos para cuidar do jardim, nós pobres coitados que precisam da nota para passar.
Era o meu dia, eu estava pensando seriamente em deixar de lado essas plantas idiotas, mas depois me convenci que isso não era uma boa idéia, então pus meu jeans surrado e uma camisa aleatória e sai para o mundo, não sem antes esconder meu cabelo em baixo de um boné, odeio quando ficam me encarando como se eu fosse uma aberração... E de novo isso não é tão difícil já que eu tenho o habito de esquecer algumas coisas obvias, fazer perguntas estúpidas e vez por outra ver coisas que não deveriam estar ali, como chifres em guardas de transito, asas em motoqueiros e outras coisas que o psicólogo do orfanato diz ser por culpa da minha TDDA, eu ainda não tinha tanta certeza quanto a isso.
Desci as escadas de madeira tentando ser silencioso, mas não deu certo, já que a escada era tão absurdamente velha que todas as crianças do orfanato fizeram um bolão sobre quando ela iria cair a partir do momento que comecei a usar o quarto, no momento só 7 crianças continuavam no bolão, o resto já tinha perdido a aposta, por razões obvias, todas apostaram que não passaria do primeiro mês. Eu ganharia se ela caísse hoje ou amanhã, mas não estava me importando com isso.
“Hei! Não vale pisar com força pra derrubar a escada!” Uma cabeleira loira surgiu da porta logo ao lado da escada.
“Arthur, você tentou incendiar a escada e não deu certo, um pouquinho a mais de peso não vai derrubar ela”.
Hum? Ah claro, apresentações, o cara de 16 anos, camisa branca com os primeiros botões abertos, bronzeado, de óculos escuros mesmo estando do lado de dentro e com um sorriso quase cegante é um dos caras que moram aqui há mais tempo que eu, Arthur Kalib, o cara é legal, mas estranho, tem dislexia e TDDA assim como eu, mas parece que lida melhor com isso, e todo verão pelos últimos 3 anos ele tem ido a um acampamento estranho, foi mais ou menos nessa época que ele começou ficar mais encorpado, mesmo assim ainda empatamos quando lutamos.
“Eu não tentei incendiar, o fósforo pulou da minha mão!” Ele disse sorrindo, eu cerrei os olhos, gostava de Arthur, ele era legal, mas tinha algo nele que me irritava às vezes.
“E eu imagino que a gasolina se transportou magicamente para lá não é?” Me engana que eu gosto.
Os olhos dele brilharam.
“Exatamente isso! Você é tãooooo inteligente!”.
Eu segurei o impulso de socar a cara dele.
“Não esta indo para aquele acampamento esse ano?” Ele tocou aquele colar que tinha, passando a mão pelas contas, a mais nova tinha uma figura do Empire State e varias nomes, muito bem feita, eu devia dar parabéns a quem fez ela.
“Eu vou hoje, mais tarde, dependo do pessoal do acampamento para ir e esses anos têm muitos novatos, as coisas estão caóticas por lá”.
Eu nunca entendi como funcionava esse acampamento, você não se inscrevia, você era convidado, e mesmo que eles não pudessem dar conta de todos os campistas eles ainda estavam convidando eles.
“Suponho que mesmo convidando tanta gente nova eu ainda não posso ir certo?” Eu perguntei ano passado se podia ir, mas ele ficou nervoso e recusou como se fosse perigoso.
Ele sorriu um pouco envergonhado.
“A não ser que os responsáveis mandem um sinal...” Eu não tinha certeza, mas o modo como ele falou isso era estranho, como se ele esperasse um sinal para mim.
“Tudo bem” Eu disse. “Estou indo manter minha nota alta”
Ele fez uma careta.
“Como você agüenta aquela escola?”.
“Você não esta lá, então é fácil”.
Nós rimos enquanto eu continuei andando. De todas as crianças mais velhas no orfanato o Arthur era o único realmente legal, todos os outros eram encrenqueiros típicos, que assim que completassem dezoito anos iriam ser jogados no mundo pelo orfanato, que iria dar graças aos deuses por se livrarem deles, digo, deus, essa droga de habito do Arthur é fácil de pegar.

Era uma tarde abafada, do tipo que faz você respirar com mais força só pra ter certeza de que esta respirando, e do tipo que faz você odiar esse sol estúpido que gosta de passar dos limites. Eu segui a pé até o metrô, Arthur vive me dizendo para tomar cuidado debaixo da terra, às vezes eu acho ele meio doido.
Dentro do metrô, eu estava um pouco desconfortável, como se alguma coisa perto de mim estivesse me encarando. Olhei em volta, ninguém parecia estar prestando atenção em mim, mas era como se a minha pele estivesse coçando, reagindo a alguma coisa. Eu pensei que tinha finalmente enlouquecido de vez ou que as coisas que o Arthur dizia finalmente estavam me afetando.
Finalmente parou na minha estação, eu desci correndo, e já fui subindo as escadas, olhei para trás, ninguém estava correndo ou olhando para mim, mas eu tinha a sensação de estar sendo seguido. Dobrei a esquina e vi o meu colégio.

Se você viu a primeira parte da minha explicação da minha vida, você deve saber que meu pai não deixou nada para mim, o que significa que eu sou pobre pra caramba, sem falar que eu sou forte e gosto de puxar briga, essas duas condições me jogaram para fora de vários colégios nos últimos anos, mas milagrosamente, quando nenhuma escola me aceitaria mais, o colégio particular Saint Peter, um dos colégios particulares mais caros e mais cheios de riquinhos de toda Nova York, me convidou para me tornar aluno através de um sistema da prefeitura de incentivo ao estudo que obviamente, da um desconto nos impostos do colégio, razão pela qual eles me suportam e aceitam que eu ocasionalmente surre um de seus ilustríssimos alunos... Também é o porque eu sou um dos únicos alunos que depende de nota e não da influencia paterna para passar de ano.
De qualquer forma, ignorando a minha situação precária de notas e o fato de eu odiar todos os alunos e professores, eu gosto muito do colégio, porque, acredite quem quiser, o terreno é tão grande que em plena Nova York nós temos o luxo de uma pequena floresta, mais para um bosque dentro dos terrenos, e decididamente, é o melhor lugar para matar aula... Não estou dizendo que mato aula sempre, mas sabe... Quando agente esta de mau humor e tudo...
Diminui o passo enquanto ia na direção a entrada, mostrei meu passe ao porteiro e entrei, sim, isso mesmo, ‘passe’, porque eles não querem e misturar a ralé, ou seja, eu. Pelo menos uma coisa boa veio disso, assim que entrei a sensação de que estava sendo seguido diminuiu.
Fui direto ao ‘nosso’ quintal, constatei imediatamente que ninguém alem de mim estava desperdiçando as suas férias para cuidar desse jardim, todas as plantas estavam quase mortas e secas por causa do sol e da falta de água, dei uma olhada e cheguei à conclusão que essas flores, e conseqüentemente a minha nota, não tinham mais salvação.
“Ótimo, e agora o que eu faço?” Ela uma pergunta retórica, mas eu não esperava que alguém respondesse.
“Porque não da uma volta pelo bosque?” Era a voz de uma garota, e eu tinha certeza de que ainda não tinha ouvido essa voz, eu me virei e só vi a sombra de alguém correndo pelas arvores.
Pois bem, o ser humano comum, normal e entediante teria dado de ombros, chamado a garota de maluca e ido embora. Mas eu não fiz isso. Mais tarde cheguei à conclusão de que foi isso que começou tudo.
“Ooooiiii? Alguém?”.
Eu chamava enquanto andava devagar pelo nosso mini-bosque. E por mais estranho que pareça, eu estava completamente calmo procurando alguém que tinha desaparecido.
Foi então que eu notei que tinha chegado na parte mais escura do bosque, não que fosse muito escuro, aquele sol estúpido continuava forte como sei lá o que em cima de mim, como se fizesse de propósito.
Então eu ouvi uma risadinha.
“Você veio” A mesma voz feminina, eu tinha certeza de que não era uma garota do meu colégio, era a voz de uma adolescente, mas tinha algo de estranho no jeito dela falar, digo, no modo como eu ouvia a voz dela, parecia se misturar com os sons da floresta.
“Quem é? Não é desse colégio certo?”.
Silencio.
Eu estava começando a pensar que estava mostrando sinais de loucura.
“Eu não sou uma aluna, mas sou desse colégio”.
Ok, agora eu estava confuso.
“Isso é algum tipo de piada?” Eu achava que não.
“Claro que não querido...” E então ela apareceu.
Gostaria de dizer que minha primeira impressão dela foi ‘bonita’, mas não, minha primeira impressão foi ‘verde’.
Ela tinha olhos verdes brilhantes, usava um vestido branco, simples, curto e leve, do tipo que as garotas não usam hoje em dia, tinha a pele pálida, um pouquinho verde, provavelmente por causa da luz do sol passando entre as folhas das arvores, e tinha bonitos cabelos longos, sedosos e... Verdes.
Eu nunca fui conhecido por ser indiscreto quando olhava para garotas, mas meu queixo caiu e eu apenas fiquei olhando ela, algo no fundo da minha cabeça insistia em dizer que o cabelo dela não era pintado.
Ela sorriu, o rosto ficou ainda mais... Verde?!
“Se você me olhar assim eu fico com vergonha”
Eu disse a primeira coisa que veio na cabeça.
“Eh... Verde...” Obviamente nunca se deve dizer a primeira coisa que vem a cabeça.
Ela parecia sem graça, mas andou na minha direção, saiu da sombra das folhas, e eu esperei o tom de verde da pele dela desaparecer assim que ela veio direto no sol, mas não. Ela continuou com a pele daquela forma, um pouco mais brilhante apenas.
“Isso acontece quando as pessoas vêem Dríades pela primeira vez...” Ela fez uma pausa, ficando com uma expressão mais seria, ela moveu os lábios sem fazer som, mas eu consegui ler o que ela disse para si mesma “Ele vê...”.
“Desculpe... Você disse Dríade? Do tipo, espírito de arvores, mitologia e tudo o mais?”.
Eu estava quase chegando à conclusão de que era uma piada quando ela deu de ombros.
“Parece que você vê um pouquinho melhor pela nevoa do que eu esperava...” Ela não parecia preocupada, apenas continuou andando na minha direção, e apesar de todo o verde e da conversa estranha, não pude deixar de notar no corpo dela e... Nossa! Ela definitivamente era bonita.
“Às vezes eu me sinto tão sozinha aqui, então eu vou até a borda do bosque, e quando eu tenho sorte, encontro garotos como você...” Ela já estava tão perto que apenas metade do meu cérebro ainda estava se perguntando o que diabos ela estava dizendo, a outra metade apenas concordava com qualquer coisa que ela dissesse.
“Mas você é de longe o melhor: forte, bonito, confiante, e tem um jeito tão bom com as plantas...” Desde quando ter jeito com as plantas atrai garotas? Dizia ¼ do meu cérebro.
Ela sorriu, tão perto de mim que eu sentia nossos corpos se tocando, e eu me dei conta de que ela estava esperando alguma coisa.
“Err... Eu...” E fiquei nisso, porque no mesmo momento que eu ia falar alguma coisa na floresta rugiu, e quando digo rugiu, quero dizer um rugido tão alto que fez as árvores tremerem, a garota na minha frente se assustou.
“Corre!” Ela disse e então se transformou em uma arvore na minha frente.
Apesar de estar duvidando seriamente da minha sanidade eu não me demorei nem mais um segundo ali e sai correndo, e seja lá o que for que tinha rugido, estava me seguindo tão perto que os pelos da minha nuca se arrepiaram.
Outra coisa esquisita, enquanto eu corria, as arvores pareciam abrir um caminho na minha frente, e depois se fechavam bloqueando o que é que estivesse atrás de mim, quase como se quisessem me ajudar, eu ignorei o pensamento, estava louco, só podia ser isso.
Alcancei o muro no colégio, num ponto onde os alunos mais ricos e problemáticos gostavam de fugir, porque tinha uma arvore que tinha crescido de lado, bem fácil de andar pelo tronco por cima do muro e pular para a rua. Eu pulei.
Assim que toquei o chão de cimento, ouvi um estrondo, do tipo de alguma coisa muito pesada se batendo contra o muro, então outra batida, o muro começou a rachar.
“Merda!”.
Corri de novo, em direção à entrada do metrô mais próxima, eu não olhei para trás quando ouvi o som o muro caindo, não queria ver o que diabos estava atrás de mim.
Entrei no trem pulando, literalmente. A barra da minha camisa ficou presa na porta e as pessoas me encaravam como seu eu fosse louco, eu notei que minhas roupas estavam rasgadas e estava coberto de folhas, como é típico de alguém que estava em uma floresta, e eu tinha perdido o meu boné.
Eu estava sem ar e tinha chegando a uma única conclusão, eu definitivamente estava enlouquecendo de vez.
Minutos depois o trem parou e eu sai, ouvi aquele mesmo rugido, as pessoas a minha volta pareciam não ter ouvido, mas eu não parei pra pensar nisso, apenas corri.

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Notas finais do capítulo

Elogios? Insultos? Ameaças de morte?
Em qualquer um desses casos, reviews please xD



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