Um mês de desespero escrita por Leon Yorunaki


Capítulo 29
XXVIII: Fury Attack


Notas iniciais do capítulo

Primeiramente, o velho Kurono que consegue cumprir prazos voltou!
Nem mesmo os dias que fiquei sem poder digitar nada puderam me impedir de escrever mais este capítulo. E sim, três semanas, pelo tamanho considerável, como eu havia colocado antes.

Segundo, tenho muito a agradecer a vocês leitores. Neste período de final de 2016 e início de 2017 atingi três marcos históricos com essa fic:
— 2000 visualizações!
— A primeira recomendação, por Marco! (ainda estou com aquele frio na barriga até agora)
— A primeira fanart, por Allen Isolet! (que na verdade veio ainda em dezembro, mas esqueci de postar aqui na oportunidade anterior) -> http://i.imgur.com/TtMQnEw.png

Meus sinceros agradecimentos a eles e a todos, vocês não sabem o que isso significa para mim, de verdade!

E não sei o que acontece comigo... parece que eu desaprendi a fazer os capítulos "pequenos" como antes. Você que está lendo isso aqui, por favor me responda de que forma prefere (se o tamanho dos capítulos está bom ou se estão longos/cansativos demais). Se não quiser dizer em um review eu vou entender, mas me permita saber (pode mandar mensagem pelo nyah mesmo) se eu não estou desagradando a vocês pelas paredes de texto cada vez maiores. Só de perceber que no início eles tinham metade do tamanho já me dá arrepios.

No mais, não vou me estender muito por aqui. E vocês já sabem o motivo, caso se lembrem de como o capítulo passado terminou.



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— Fodeu. — Era a única palavra que a garota conseguia pronunciar.

— O que foi já? — perguntou Rejane.

— Estamos cercados.

— Parabéns, Kazu. — Nagrev comentou, sarcasticamente, batendo as patas uma contra a outra como um lento aplauso. — Você conseguiu irritar a colônia inteira!

— Quantos são, uns vinte? — perguntou ele, despreocupado. — A gente dá conta.

— Quem nos dera, Kazu… — Himiko respondeu. — Bem mais que isso, nem me atrevo a contar…

E de fato ela não o faria. Não havia tempo para isso e, mesmo que houvesse, ela tinha preocupações maiores do que estimar a quantidade de Pokémon que se aproximava. A princípio pensou serem talvez uns trinta ou quarenta pontos sinalizados no mapa, rodeando o grupo central que mostrava a localização dela e de seu time, mas cada vez que ela olhava o número parecia aumentar. Quando finalmente percebeu que o número de adversários não faria a menor diferença, momento em que guardou o PokéNav de volta na mochila, não duvidava que já fossem o dobro.

— Agora é aquela hora em que você diz que tá de zoeira, não é, Miko?

— Infelizmente não estou. Todos na defensiva, eles vão atacar a qualquer momento. — a treinadora dava as instruções. — Rejane, tente acertar o máximo deles com seu pó paralisante. Nagrev, solte uma bola de fogo pra cima ao meu sinal, espero que alguém veja pra nos ajudar… Depois você e Kazu se unam pra atacar os mais próximos.

— E você, Miko?

— Eu vou ficar bem, Kazu. — ela apertou a pokébola que retirara do cinto. Espero não precisar dele, pensou, tremendo com a possibilidade. — Eu tenho um plano, vou tirar a gente dessa.

A garota então fechou os olhos, tentando se concentrar nos ruídos que vinham dentre as árvores. Se era fato que ela poderia entender os Pokémon, e não apenas os seus, poderia tentar discernir os ruídos do grupo de adversários, que possivelmente coordenavam um ataque. Mesmo assim, não conseguia decifrar os guinchos. Indiferente se o problema estava com sua capacidade de compreender a fala ou se eles usavam uma linguagem rudimentar, Himiko analisou as possibilidades. Fugir era inútil, para não dizer impossível; o caminho era estreito demais, íngreme demais, tinha árvores demais.

A única defesa que tinha era o ataque.

— Agora! — gritou ela para Nagrev, talvez um segundo ou dois antes de perder a pouca cor que tinha no rosto.

Ela estava certa quando comentou que eram mais Pokémon do que podia contar. No primeiro instante, notou pelo menos vinte Mankey pulando simultaneamente em direção ao pequeno grupo liderado pela treinadora, tantos a ponto de tirarem dela a visão da bola de fogo lançada para os céus por Nagrev como sinal de emergência.

Mesmo os esporos lançados por Rejane não foram o suficiente para detê-los, contudo. Himiko viu-se obrigada a se abaixar, evitando que dois deles a atingissem, colidindo entre si; ela acabara por desviar ao mesmo tempo de um golpe elétrico usado por Kazu que atingiu a ambos. Mais ou menos ao mesmo tempo, uma segunda horda de Mankey já se aproximava pelo ar, quase que ignorando a fraca defesa que a treinadora havia montado.

Sem opção, ela levantou-se em um movimento brusco, acertando uma cotovelada na face de outro dos Pokémon que a atacava ao mesmo tempo em que atirava a pokébola de Futa, atingindo mais um Mankey enquanto o Pokémon psíquico era liberado, acordando de forma brusca.

A primeira reação de Futa, por motivos talvez óbvios, foi a surpresa. Para quem estava adormecido desde que saíra do centro pokémon, não pôde deixar de se assustar ao se ver subitamente em uma floresta, principalmente no meio de uma confusão tão grande como a que via.

— Ainda estou fraco, Himiko. — Ele imediatamente formou um campo de força em torno de si e da garota, agindo puramente por reflexo, expulsando com força um Pokémon que se encontrava entre eles. — Não tenho como aguentar muito tempo, me desculpe.

A jovem virou-se para trás, finalmente observando seu Pokémon depois de tudo o que acontecera em Verdanturf. Ele havia crescido consideravelmente, atingindo praticamente a mesma altura dela. A pele adquirira um tom mais escuro de cinza, tanto ao ponto de ocultar a cicatriz negra da qual crescia um apêndice avermelhado, também escurecido e de tamanho reduzido mesmo em comparação aos que tinha sobre a cabeça na forma anterior; estes haviam desaparecido, talvez ocultos sobre a pelagem verde que crescia não mais lisa sobre a cabeça, mas ondulada, formando uma espécie de ziguezague que se estendia até a altura do pescoço.

A característica mais inusitada em seu Pokémon, também a única que ela notou naquele tenso momento, eram os olhos púrpura, os quais ela fitava, notando sua exaustão.

— O que eu faço então? — perguntou ela.

— Eles são fracos, podemos vencer. Mas são muitos.

Os outros Pokémon continuavam em combate, fora do isolamento criado por Futa. Nagrev golpeava dois deles com suas garras, tentando sem sucesso acertar um terceiro com a cauda. Ikazuchi pulava para o alto, tentando se desvencilhar de um adversário mais persistente que se segurava em suas costas; acabou conseguindo se livrar dele com um golpe elétrico. Rejane, que logo percebeu que seria inútil insistir nos esporos, agora girava rapidamente, criando uma espécie de redemoinho de folhas. Os Mankey que atacavam em grupo eram mais resistentes que o primeiro, contudo; continuavam incomodando mesmo depois de atingidos.

— Não vou aguentar mais que isso. — gritou Futa, a voz já falhando. — Me chame de volta em 5, 4, 3…

Himiko ouviu um grito agudo quando a contagem chegou ao fim em um tom desesperado; o Gardevoir utilizava-se de suas últimas forças para atacar o maior número de Mankey que conseguiu com seu poder psíquico, viu talvez uma dezena deles caírem a sua frente antes de Futa desabar pela exaustão. Ela, atenta, conseguiu chamar seu Pokémon de volta rapidamente, evitando que algum outro adversário chegasse a tocar seu corpo desacordado; a pokébola piscando uma única vez em um tom avermelhado até que se apagasse. Futa estava desfalecido, porém não corria perigo.

Ao contrário dela, que se viu atingida por mais um Mankey na exato instante que a proteção se dissipara.

Bastou um grito da treinadora para que uma labareda voasse em sua direção, salvando-a de ser golpeada pelas garras afiadas em seu rosto. Sentiu o calor do ataque lhe incomodando, quase a ponto de feri-la, mas com certeza estava em um estado muito melhor que o Pokémon chamuscado que se juntava aos outros no chão, inconsciente.

O problema era, como Futa relembrara nos talvez dez segundos em que esteve fora de sua pokébola ajudando, a quantidade deles. Naquele momento, Himiko teve a certeza de que, considerando que não paravam de aparecer mais e mais Mankey saltando das árvores ao redor, passavam com folga de uma centena deles. Mesmo que Futa estivesse em perfeitas condições e pudesse continuar ajudando, eram mais do que poderiam aguentar.

A treinadora aproveitou a curta brecha para terminar de arrancar um galho partido da árvore mais próxima, robusto o suficiente para que ela pudesse usá-lo para se defender por conta própria, logo golpeando um dos Mankey com ele. Perguntava-se por quanto tempo poderiam aguentar naquelas condições. Talvez um minuto? Dois, com sorte. Não se atrevia a chamar por Gérson, não naquelas condições tão desfavoráveis a ele. Seria o último dos últimos recursos, considerando que ele sequer teria espaço para se mover por entre as árvores e os Pokémon ali presentes; acabaria por se tornar apenas um alvo, mais atrapalhando do que ajudando.

Foi nesse instante de hesitação que, em um brilho súbito, Nagrev desapareceu. A jovem sequer teria notado não fosse a forte luminescência que lhe ofuscava a visão tanto quanto a dos Mankey mais próximos.

Antes que pudesse piscar, no entanto, ela se viu puxada para cima. Alguma coisa lhe agarrava pelos ombros, duas garras alaranjadas fechando-se entre eles, literalmente pinçando a garota para os céus; sua única reação foi gritar, a voz esganiçada como consequência do susto.

— Me solta seu…

Himiko não conseguiu concluir a frase, percebendo ter sido atirada para o alto; o Pokémon que a içava soltando seus ombros. Não que ela tivesse medo de altura, mas o modo como havia sido tratada era o suficiente para que temesse pela própria vida. Cogitava estar em melhor situação se ainda estivesse no chão, sendo atacada pelos Mankey.

— Segura firme aí! — O Pokémon draconiano que resgatara a treinadora colocou-se por baixo dela, impedindo sua queda após tê-la arremessado para o alto.

— Nagrev? — perguntou a treinadora, surpresa, reconhecendo-o pelo timbre de voz.

— Fica tranquila, Himiko, vamos mostrar pra esses babacas quem manda aqui!

— Não! — gritou ela em resposta. — Tá ficando louco?

— Achei que queria se livrar deles!

— Vamos cair fora daqui enquanto é tempo, isso sim! Me deixe só chamar os outros!

A tarefa aparentemente simples de chamar os outros dois Pokémon de volta para as pokébolas se tornara algo arriscado nas condições em que ela se encontrava. Não apenas tinha que usar uma das mãos para segurar o áspero pescoço do recém-evoluído Charizard como o próprio voo desengonçado deste fazia com que a garota temesse deixar um dos orbes cair. E se isso ocorresse, seu plano de fuga iria para o chão.

— Dá pra não se mexer tanto? — perguntou ela.

— É a primeira vez que eu tou voando, queria o quê?

— Tá bom, desculpa! — respondeu ela, sem esconder a irritação. — Precisamos chegar mais perto, acha que consegue?

— Pode deixar, toma cuidado pra não se soltar! — Nagrev mergulhou, tão rápido que a garota gritou, enchendo-se outra vez de medo. — Anda logo com isso, Himiko!

Ikazuchi, mesmo à distância, conseguiu compreender o plano da treinadora, pulando para o alto em uma tentativa bem-sucedida de facilitar o seu resgate. Rejane, por outro lado, via-se em uma situação delicada, sofrendo para se livrar da grande quantidade de Mankey que se concentrava em cima dela, bloqueando as tentativas de acertá-la com o raio luminoso da pokébola.

— Desculpa por isso, Reggie! — Nagrev gritou para a Lombre antes de liberar uma grande labareda pela boca. O orbe de chamas, com toda a certeza, faria um estrago irremediável, matando sabe-se lá quantos Mankeys e incendiando a floresta. Rejane muito provavelmente seria também vitimada não fosse a agilidade de Himiko em chamá-la de volta, a pokébola piscando por longos segundos sinalizando o grave estado em que ela ficara após receber o golpe.

— Porra, Nagrev! — a treinadora berrou com o Charizard, a pokébola finalmente se apagando. Por muito pouco, uma mera fração de segundo, a Lombre não havia ido desta para uma melhor. — Você tentou salvar ou matar ela?

— Deu certo, não deu? — retrucou ele. — Então não reclama!

— E se não desse? — Himiko notava que as chamas criadas pelo dragão logo se apagavam, de modo que um incêndio seria improvável; a destruição na área atingida ainda marcante. — Você tem ideia do que podia ter acontecido?

— Eu sei o que eu faço. — resmungou ele. — E segura direito aí!

O Pokémon acelerou no ar, arrancando outro grito desesperado da treinadora; o voo persistia desengonçado, porém funcional. Não era veloz, tampouco confortável, porém Nagrev havia evitado uma catástrofe com sua súbita evolução. Mesmo pesando o estrago que a pele escamosa do dragão fazia com as mãos da garota, a fricção da pele acentuada pelo movimento irregular do Charizard, ela podia se considerar em grande vantagem em comparação. Melhor; caso conseguisse suportar a viagem naquelas condições, acabaria por chegar em Petalburg em talvez uma ou duas horas.

— Obrigada, Nagrev. — Himiko dava o braço a torcer, gritando por conta do vento forte que soprava, consequência da velocidade com que o Pokémon voava; ela mesma teve dificuldade em ouvir sua própria voz.

Por esse motivo, não estranhou o fato do Charizard não responder. Talvez ele não tivesse escutado, ou apenas se concentrasse exclusivamente no voo. Não era de seu feitio calar-se daquele modo, por mais orgulhoso que fosse. E, considerando que ele acabara de evoluir e que não tinha habilidade o bastante para locomover-se no ar, ainda mais carregando ela consigo, ela o perdoava pelas condições desconfortáveis. Desequilibrou-se mais de uma vez por conta de um ou outro movimento mais brusco; as mãos cada vez mais ardiam por conta do atrito, avermelhando-se, pedindo por uma trégua toda vez em que o dragão movia o pescoço, igualmente incomodado com as condições em que se encontrava.

Ela tentava distrair seus pensamentos, uma tentativa de ignorar a aflição que sentia por aquela viagem conturbada. Não faltava muito para que chegassem, afinal, o que faria toda a dor valer a pena. Mais alguns instantes e encontraria Norman no ginásio; pegaria ele desprevenido, ou pelo menos planejava isso, mesmo que o time inteiro precisasse de descanso. Mesmo que ela mesma desejasse por um pouco de repouso.

Infelizmente para ela, a viagem estava longe de acabar.

Sem aviso, Nagrev mergulhou, seu voo mais instável do que nunca. O dragão jogava seu corpo de um lado para o outro, sem qualquer consideração pela treinadora que se agarrava com todas as forças que tinha, esquecendo-se até mesmo da dor nas mãos por conta do medo de cair. Não voavam tão alto, mas Himiko jamais sobreviveria a uma queda mesmo assim.

Por um instante, assim que o Charizard arremeteu a talvez uns três metros do solo, passou pela cabeça da treinadora que ele estivesse fazendo o possível para derrubá-la. Não era exagero considerar essa hipótese, considerando que ele acabara de se virar com a barriga para cima.

Algo não estava certo.

Poucos segundos depois, o Pokémon tornou a descer, de fato atingindo o solo desta vez. Himiko soltou-se quando teve oportunidade, um único instante antes da colisão, rolando pela grama para reduzir o impacto pelos poucos metros de queda. O dragão se distanciava, arrastando-se pelo chão até atingir uma das poucas árvores que cresciam naquela área, em contraste com o bioma em que estavam antes.

Nagrev se mostrou tão irritado com o impacto quanto a treinadora, logo se levantando e avançando na direção dela.

— O que houve? — perguntou Himiko, certificando-se de que não havia quebrado nada com a queda. Ignorava as bolhas que se formavam na palma das mãos, a vermelhidão causada pelo atrito misturada com filetes de sangue que nela corriam. Não teve tempo de agradecer a si mesma por ter decidido usar calcas reforçadas naquele trecho de viagem; elas estavam destruídas, provavelmente pelo mesmo motivo que deixara as mãos naquele estado, o que era muito melhor do que se suas pernas estivessem em contato direto com a pele escamosa da criatura.

Ela tentava abrir a mochila, com certa dificuldade, arrependendo-se de ter guardado justamente a pokébola de Nagrev dentro dela e não em seu cinto, como fizera com as outras.

— Você… Humana… — o Charizard pronunciava com dificuldade; os rugidos se arrastavam. — Eu não gostar…

— Sou eu, Nagrev! — a garota gritou. — Himiko, sua treinadora!

— Eu… livre! — ele tornou a rugir.

Naquele momento, ela percebeu que seria inútil tentar colocar algum senso a cabeça do Pokémon. Logo viu que ele não a obedeceria, possivelmente sem se lembrar até mesmo de quem ele era. Somente o que a jovem poderia fazer era chamá-lo de volta antes que o Pokémon decidisse atacá-la.

— Merda! — urrou ela por conta da dor; as mãos inchadas tornavam a simples tarefa de abrir o zíper da mochila um martírio. Não poderia demorar muito a chamar Nagrev de volta para o encapsulamento, ou acabaria por escapar de morrer em uma queda para morrer queimada. — Kazu, me ajuda!

Tocando a pokébola do Manectric com as costas da mão, liberou-o; o Pokémon elétrico imediatamente correu até seu companheiro de time, tentando chamar sua atenção.

— E aí, bola de fogo! Tá esquentadinho hoje, é?

— Vai com calma, Kazu! — gritou Himiko.

O Charizard não respondeu, exceto por um urro que demonstrava sua fúria. E também pelo golpe que deu com a cauda, atirando o Manectric longe antes que ele pudesse se aproximar o suficiente.

— É guerra que você quer… — o canídeo respondeu. — então você vai ter!

— Não, Kazu!

Himiko, que enfim conseguira recuperar a pokébola de Nagrev na mochila, acabou ordenando tarde demais; o Manectric liberou uma rajada elétrica, atingindo em cheio o peito do dragão. Este gritou em resposta, finalmente se fazendo entender.

— Inferno! O que você está fazendo?

Aparentemente, o Charizard recobrara sua consciência e autocontrole, ao que foi respondido de imediato por Ikazuchi.

— Nada como um bom choque de realidade pra se acalmar…

— O que tá rolando aqui? — perguntou o dragão. — Por que essa cara feia?

Era a prova de que Himiko precisava para entender. Nagrev, por algum motivo, não se lembrava de nada do que acontecera. Sendo inútil tentar discutir naquelas condições, a treinadora decidiu apenas por chamá-lo de volta, sem pronunciar uma única palavra a respeito.

— Vem cá, Miko, o que você fez pra deixar ele assim? — perguntou Kazu.

— Eu estou tentando entender até agora… Nem sei como ainda estou viva…

Ela finalmente podia analisar o estado em que acabara com mais calma. Uma grande bolha tomava a maior parte de cada uma das palmas das mãos, a pele terrivelmente irritada e vermelha. Podia notar alguns cortes pequenos que cobriam o restante delas, em especial nas pontas dos dedos, praticamente em carne viva, consequência do contato direto com a pele quente e áspera de Nagrev. Apesar da aparência visual horrível, ela não sentia uma dor considerável, sentindo mais um incômodo. A menos que ela precisasse usar as extremidades para tocar em alguma coisa, como evidenciado pelas duas pokébolas ao chão, sujas de sangue e terra.

De fato, não foi tarefa das mais fáceis colocá-las de volta na mochila; sabia não ter a destreza necessária para encaixá-las no compartimento em seu cinto. Acabou fechando o zíper puxando-o com a boca enquanto segurava o objeto com os cotovelos, estes também feridos assim como o restante dos braços, porém em um estado muito mais apresentável. Foi com igual dificuldade que colocou a bolsa em suas costas. Kazu, obviamente, ficaria do lado de fora, sendo seu guia dali em diante, especialmente por ela não ter condições de segurar seu PokéNav para consultar sua localização.

— Vamos logo! — ordenou ela para o canídeo, rumando em direção ao declive desejando que seu senso de direção estivesse funcionando.

O Manectric a encarava, seu olhar desconfiado denunciando estar incomodado com a falta de explicação dada por Himiko. Ele confiava em sua treinadora, apesar de não se sentir bem considerando as condições em que viu Nagrev. Percebia que alguma coisa não estava bem entre os dois, mas considerou melhor não se estender no assunto, vendo as condições em que ela se encontrava; não pôde deixar de se preocupar, contudo.

Por esse motivo, a caminhada se decorreu de maneira silenciosa; Himiko realmente não se encontrava em um estado emocional que lhe permitisse ter algum tipo de conversa tranquila com o Pokémon, por mais que soubesse que ele se calara a contragosto. Não era apenas consequência do incômodo nas extremidades dela, aquela coceira angustiante. A garota se preocupava mais em digerir os acontecimentos recentes, pelos quais conseguira desviar da morte por três vezes nas últimas vinte e quatro horas. Perto disso, qualquer irritação, mesmo que fossem as mãos em carne viva ou a expressão de desconfiança de seu Pokémon, parecia pouco em comparação.

Ela nunca pensaria desta forma, mas a inquietação com seus ferimentos acabaria por lhe fazer mais bem do que mal. Concentrando-se apenas em tentar ignorar as sensações físicas, era mais fácil distrair-se da culpa por tudo o que acontecera. Foram as suas decisões, afinal, que colocavam tudo a perder. A fúria de Nagrev, o ataque da colônia de Mankeys, a vida de Futa — e a dela própria — por um fio como resultado daquela ferroada da Beedrill…

Himiko estaria muito melhor sem ter que pensar em tudo isso.

E após uns quarenta minutos de caminhada que pareciam se arrastar lentamente, ela enxergou as primeiras construções no horizonte. Algumas poucas casas ao final da ladeira íngreme contornavam um prédio simples de telhas avermelhadas bem características. Um centro Pokémon.

Definitivamente não estava chegando a Petalburg. Mas nas condições em que estava, não fazia a menor diferença.

— — —

Quase meia hora se passara; o sol desaparecia lentamente do céu sinalizando um final de tarde ameno. Somente então Himiko reconhecia já ter visitado o local em ocasião anterior. O vilarejo de Oldale havia sido sua primeira parada quando do início de sua jornada, menos de duas semanas antes.

Era até engraçado pensar em quanta coisa havia acontecido desde que ouvira a voz de Futa pela primeira vez, quando este era apenas um bebê Ralts; ela estava sentada em um banco exatamente como aquele em que se encontrava agora na ocasião, a insegurança daquele momento agora dissipada.

Não havia sido apenas ele quem se transformara completamente naqueles doze dias. Ela, também, jamais poderia negar o quanto havia amadurecido em tão pouco tempo.

Era incrível o poder da dor de transformar uma pessoa.

A jovem olhava outra vez para suas mãos, agora incapaz de vê-las por baixo do curativo. Tinha-as cobertas por uma grossa camada de gaze, sob a qual uma pomada fazia o seu trabalho em cicatrizar as feridas. O incômodo ainda existia, porém ínfimo perto do que sentiu quando teve de limpar o ferimento.

De modo semelhante, seus Pokémon necessitavam de cuidados. Futa e Rejane eram os que estavam em pior estado, sendo os que demandariam mais tempo para se recuperar. Nagrev, em contraponto, foi o primeiro a receber alta, aparentemente em perfeita condição. Com certa ênfase no advérbio, visto que a enfermeira não detectou nenhuma anormalidade que justificasse seu comportamento anterior.

— Se eu fosse dar um palpite, pode ter a ver com a evolução. — dizia ela. — Mas se fosse isso, imagino que esse impulso dele teria acontecido imediatamente. Digo, eu não entendo muito do assunto, confesso, em geral eu só atendo treinadores iniciantes e um ou outro morador da região…

— O que eu posso fazer por ele então? — perguntou a garota.

— Deixe-o na pokébola por enquanto. Ele está bem agora, mas eu no seu lugar não arriscaria. Em Petalburg deve haver alguém que entenda mais do assunto do que eu, imagino que esteja indo pra lá em breve… quer dizer, todo mundo que vem pra Oldale está apenas de passagem a caminho de lá…

Himiko não teve outra reação senão sorrir. Sentiu-se até mesmo culpada por estar tão ansiosa para partir; já o teria feito mesmo com as mãos enfaixadas, apenas os polegares ainda podiam se mover com certa dificuldade. Apenas continuava ali por estar aguardando pela recuperação dos dois Pokémon em estado mais grave. Ela sabia que Futa e Rejane precisariam de repouso além dos cuidados que haviam tido, bem como a energização das pokébolas efetuada por um computador central. No entanto, tinha a certeza de que não precisaria deles, no mínimo, até a manhã seguinte.

— Obrigada por tudo. — agradeceu a treinadora.

— Imagine… Aliás, temos uma cama livre aqui, não acha melhor esperar até amanhã para partir?

— Eu não sei… Estava planejando chegar a Petalburg ainda hoje…

— Tem certeza?

Himiko pressionou as mãos levemente contra o corpo, tentando medir o incômodo. Ainda doíam um pouco, porém não o bastante para detê-la; mesmo com os movimentos bastante limitados pelo curativo, conseguiria segurar uma pokébola caso algo desse errado no curto trajeto que a separava de Petalburg.

— Agradeço mais uma vez, mas prefiro partir logo.

— Oh… tudo bem… — a enfermeira comentou, cabisbaixa. Aparentemente sentiria falta da companhia, alguém com quem poderia conversar naquela cidade tão isolada. — Deixe-me lhe ajudar com isso, pelo menos…

A treinadora passou os minutos seguintes adicionando uma camada extra ao curativo nas mãos, uma espécie de luva emborrachada capaz de protegê-lo da chuva ou de outros imprevistos leves. Fora mais ou menos o mesmo tempo em que o equipamento que energizava as pokébolas sinalizou que a operação estava concluída.

— Por favor, não faça nenhuma besteira. — suspirou a enfermeira. — Você ainda não está recuperada, e nem eles.

— Pode deixar. — Himiko controlou-se ao dar essa resposta, sentindo uma grande vontade de cruzar os dedos antes da promessa; talvez o tivesse feito se assim pudesse. Contentou-se em liberar Ikazuchi por mais uma vez para que ele a acompanhasse naquela última caminhada.

Pois a garota não conseguia mais conter a ansiedade em seu peito. Não quando pouco mais de uma hora de caminhada a separava de Petalburg e, consequentemente, de Norman. Desta vez com as insígnias em mãos, não seria barrada por uma mera funcionária; ninguém poderia impedi-la de entrar na sala de seu pai, aonde tinha certeza de que o encontraria. E após isso, seria apenas uma questão de tempo até que encontrasse April.

Antes de desatar a correr pela silenciosa trilha, contudo, decidiu checar o PokéNav por segurança, evitando que pudesse ser surpreendida por algum Pokémon selvagem durante o percurso; sua cota de problemas já estava bem mais que extrapolada para um único dia.

A primeira coisa que notou, antes mesmo de iniciar o módulo geolocalizador, foi uma notificação de chamada perdida recebida menos de duas horas antes. Himiko não se surpreendeu ao ver que Rochard Stone tentara entrar em contato, não mais do que se culpava por não ter retornado à ligação para ele na ocasião anterior, como lembrou-se de ter prometido.

Decidiu então ligar ela mesma, recordando-se de como ele havia sido incisivo naquela ocasião.

— Boa tarde, Himiko! — disse ele ao atender, apesar de que a noite já começava a cair. — Como vai essa força?

— Boa tarde, Sr. Stone. Vou bem, apesar de que poderia estar melhor…

— Obrigado pela consideração, a propósito. Fiquei esperando sua ligação, sabe?

— Me desculpe, senhor. Não tive os melhores dos dias de lá pra cá…

— Imagino. Enfim, tenho informações que creio ser de seu interesse…

— Sobre o que exatamente?

— Tem a ver com aquele incidente de Mauville, algo que diz respeito a você.

— Como disse? — perguntou Himiko, surpresa. Não imaginava que aquele assunto poderia render mais alguma coisa.

— É uma longa história, precisamos conversar com calma. Aonde você está agora?

— Estou a caminho de Petalburg, devo chegar ainda hoje.

— Maravilha! Tenho uma reunião daqui a alguns minutos, mas posso lhe ver amanhã. Por favor, me encontre amanhã as oito na Praça Clemente, tudo bem?

— Sim. — Himiko hesitou. — É tão importante assim para você vir pessoalmente?

— Você vai entender amanhã. Mas agora preciso desligar. Abraços.

Rochard encerrou a chamada sem esperar resposta, deixando a treinadora mais ansiosa do que já estava. Estava consciente da retórica de sua última pergunta; com certeza era um assunto de muita relevância e sigilo para que ele fizesse questão de estar presente de tão imediato. Mais ainda; recordando-se de que a balsa matinal partia às oito e meia da manhã, teve a certeza de que ele utilizaria de algum meio mais urgente de locomoção para se encontrar com a garota.

De fato, ela tanto se perguntou qual seria o teor das revelações que sequer checou o mapa, andando apressadamente pelo caminho bem demarcado que levava a Petalburg. A única coisa que conseguia estimar era a respeito de ser um assunto do interesse dela a respeito de um incidente em Mauville. Logo lembrou-se do ginásio que fora atacado, aonde dois de seus Pokémon haviam morrido. Não eram lembranças agradáveis, verdade, o que acabou por agravar a curiosidade dela a respeito.

Presa nos pensamentos, sequer viu o tempo passar. Quando se deu conta de si, já podia visualizar as construções ao fundo, reconhecendo que finalmente chegava a Petalburg. Imediatamente chamou Ikazuchi de volta para a pokébola, prometendo lhe dar um bom descanso naquela noite, enquanto se aproximava do centro Pokémon local.

Seu destino, porém, era outro, pelo qual passou direto pela construção, rumando para o ginásio da cidade, o qual com sorte encontraria ainda aberto apesar de já ter anoitecido.

Ela não podia imaginar o tamanho de sua sorte. Não havia ninguém no local, apesar das luzes acesas. Reconheceu o saguão vazio, aonde conversara com Ravena na oportunidade de sua visita anterior. Ignorou a campainha que ficava sobre a mesa da recepção, não querendo chamar a atenção para sua chegada. Em vez disso, caminhou até a porta que lhe fora indicada da outra vez, reconhecendo aquela fechadura inusitada.

A treinadora pegou seu estojo com as insígnias, levando mais que um instante para as posicionar nos compartimentos devidos, finalmente destravando a porta com um leve ruído. Recolhendo os emblemas de volta ao local que as guardava, empurrou lentamente a porta para o lado, o coração batendo mais rápido do que nunca. O ruído que vinha do lado de dentro, contudo, fez com que ela interrompesse o movimento de imediato.

— O que você quer que eu faça?

A voz jocosa que ela ouvia, como que desdenhando da pessoa com quem conversava, não pertencia a Norman.

Mas sim a Ravena.


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Notas finais do capítulo

Eu já falei que estamos em um momento decisivo da história, não?
Segurem-se em suas cadeiras, pois a bola de neve já está descendo a montanha. E com toda a certeza o estrago tende a aumentar daqui em diante.

Espero que estejam tão ansiosos quanto eu pelo desfecho.


Notas do in-game: Preciso dizer alguma coisa além de que dei uma caprichada a mais no grind?
Ah, o Nagrev evoluiu no Lv.36 como é natural da espécie, só pra avisar. Eu colocava ele aqui não-evoluído apenas por motivos de continuidade da história. Da mesma forma que o time, na prática, tem um sexto pokémon que é irrelevante para a história (sim, eu uso HM Slave em Nuzlocke, me julgue)

Pokémon: 5
Futakosei (Gardevoir) Lv. 46; Bold, Synchronize.
Ikazuchi (Manectric), Lv.45, Serious, Lightning Rod
Nagrev (Charizard), Lv.46, Naive, Blaze
Gérson (Gyarados), Lv.45, Brave, Intimidate
Rejane (Lombre), Lv.46, Bold, Swift Swim

Mortes: 6 +0 = 6



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