Mundo medonho escrita por Helen


Capítulo 7
"Pessoas misteriosas".




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Para alguns, ser Medroso apenas significa ter seus medos "recuperados", o que não chega a ser uma grande perda, se pensar bem. A realidade é que ser Medroso funciona como uma doença psicológica. A materialização dos Medos os tornou como bactérias, que não podem ser combatidas com um único remédio, já que cada uma funciona de forma diferente. Com isso em mente, deve-se imaginar um transtorno bipolar. O remédio utilizado contra esse transtorno evitaria que o paciente tivesse um surto psicótico. Encaixando essa mesma lógica nos Medrosos, eles precisariam estar constantemente tomando "remédios" (alguns cientistas dizem que são as baixas temperaturas, outros afirmam que é a distração da mente) para que não concebessem seus surtos. Mas não há pessoa que não acabe sofrendo algo no seu cotidiano que possa o afetar. E nesses momentos, há a possibilidade de haver uma possessão completa vinda do Medo.

Chamam isso de Surto. Os Surtos podem ser identificados pelos seguintes aspectos: pupilas dilatadas, eletrostática no cabelo, comunicação confusa, delírios, confusão na memória, ataques de emoções e falta de controle dos membros.

Por falar nisso, mesmo agora estamos tendo um caso de Surto, vindo de Hugo.

Ele não parece humano. Anda com a coluna entortada, os olhos esbugalhados, e deles saem pequenas ondas fracas de luz. Seus braços pendem de um lado para o outro, e seus pés andam quase se arrastando pelo chão. Sua fala é arrastada, em forma de sussurros, os quais não havia alma viva que entendesse. De sua cabeça, saíam dois braços escuros, que seguravam em seus ombros, o guiando. Aqueles braços pertenciam ao seu Medo.

O corredor escuro onde ele se encontrava fazia a cena parecer ter vindo diretamente de um filme de terror. Hugo se movia de forma morosa, e o Medo o guiava pela escuridão, obrigando-o delicadamente a procurar algo. Depois de entrarem no elevador vazio e despistar algumas pessoas Intrépidas, chegaram até a porta de saída. O hospedeiro moveu o braço de Hugo e o fez abrir a porta. Saindo do prédio, foram até a rua. Era noite de lua nova. A cidade parecia adormecida, e as únicas luzes ainda ligadas eram as dos postes. Os dois percorreram inúmeras ruas. O Medo não conhecia muito bem a cidade, mas vasculhando nas memórias de Hugo, encontrava um atlas ao seu dispor. Após um longo percurso, o hospedeiro pareceu encontrar o que tanto desejava. Hugo continuava em seu Surto, deixando o Medo agir como bem queria. Saindo de dentro da cabeça do homem, a criatura revelou sua aparência física para o bando de vários ninguém na rua.

O Medo que se hospedava em Hugo tinha uma aparência diferente dos outros. A sua esclera era escura, mas a íris continuava branca, com a pupila negra, como o normal. Entretanto, essas eram suas únicas diferenças físicas. Continuava com a pele escura e os membros inferior e superior finos, quase esqueléticos.

— Você é bonzinho, sr. Hugo. Obrigado por me levar até aqui.

Eles estavam parados em frente a um prédio importante. O Medo deixou o homem em um canto qualquer, escondido, e adentrou o lugar. Mais tarde, o Medo novamente entrou na mente de Hugo e o levou de volta ao apartamento. Como Medrosos nunca lembravam de seus Surtos, o outro dia passou com normalidade.

...

Quando Agatha perguntou à Detetive acerca do áudio que tinha descoberto, ele a informou que não era nenhuma ameaça a se preocupar. Sobre o doutor, Detetive afirmou que havia dado ordens a alguns Chapéus Brancos para investigá-lo. As notícias deixaram Agatha satisfeita. Ela voltou a sua mesa, e passou algum tempo navegando por alguns sites aleatórios. Não demorou muito até que alguém lhe desse um toque no ombro.

— Tem alguém te esperando lá na entrada. — disse o desconhecido, que logo voltou para sua divisória.

Sem preocupação alguma, Agatha se levantou da cadeira e foi até a entrada. Lá, encontrou Ronald, encostado na parede, demonstrando uma leve impaciência. Quando o cumprimentou, ele começou a falar sobre a nova "pessoa misteriosa" que havia encontrado.

— Mais uma daquelas suas leves obsessões por pessoas desconhecidas? — caçoou Agatha.

— Omita essa sua definição. Faz parecer que eu sou um doente.

— Tá, tá.

— Me ajuda?

— É alguém daqui?

— Um Medroso, especificamente.

— Caso se aproxime dele, você se torna um também. Sabe, né?

— Sei sim.

— Realmente o trata como uma "pessoa misteriosa"?

— Muito. Ele conhece um cara chamado Devit, que fez o Medo dele levitar. Parece um mago.

— Se é um amigo de um mago, ele pode ter uma capacidade maior, e com isso, mais força. Imagina se ele consegue mandar o Medo pra cima de tu?

— É isso que me fascina. Esse poder que ele está escondendo. Juro que senti uma força incomum nele, quando Ísis foi interrogá-lo. Ele não parecia só um prisioneiro!

— ... — Agatha suspirou, sabendo que não poderia impedi-lo — O que quer saber dele?

— O número da cela. Também preciso de uma senha pra entrar lá. Já pesquisei a geografia do local, falei com mais da metade do pessoal de lá, só que nenhum me deu informações muito úteis. E se eu pedir algo, eles omitem a verdade.

— Como sabe desse 'omitir'?

— Toda a vez que me refiro à Adler e sua cela, eles falam qualquer coisa depois de dez segundos, olhando rapidamente para a direita.

— Você presta atenção nisso?

— É o mínimo que eu posso fazer como aprendiz de interrogador.

Agatha disse algumas barreiras, mas Ronald pareceu não se importou com elas, e assim a moça foi convencida a aceitar as condições dele. Foi então que ele disse que ela viria junto, na "excursão" até a cela de Adler. Ela recusou, mas ele deu um argumento imbatível em forma de pergunta:

— Tem algo melhor pra fazer?

Ela bufou ao se ver derrotada pela pergunta de Ronald. Não, ela nunca tinha algo melhor pra fazer além do que lhe pediam. E mesmo se tivesse, não diria. Nada do que ele propunha era indigno, sujo ou capaz de acabar com a vida de ambos. Devia ser por isso que normalmente Agatha deixava ele vencê-la, para que pudesse ver o que aquela criatura estava maquinando novamente. Por sorte, nunca se arrependia.

Ronald se despediu dela e voltou para o departamento o qual pertencia. A hacker voltou à sua mesa, e como não havia peixe interessante no mar da internet, logo tratou de encontrar a informação que o aprendiz de interrogador havia pedido. Não demorou muito, e logo adquiriu a senha que dava acesso ao interior da cela (aliás, o número da cela era 26, pra quem estiver curioso). O único problema era que as celas que comportam Medrosos mudam seus sistemas de senhas quase todo o dia. Havia dias em que a senha era em números, outros dias que eram em letras (em inglês) e outros que eram letras e números. E nos casos de Medrosos mais perigosos, haviam dias que a senha era um anagrama.

"Parece que a palavra-chave neste contexto dos Medos é segurança." pensava Agatha, olhando o monte de abas com códigos e senhas possíveis. "Não há uma mísera coisa que não seja protegida de mais de uma forma. Os que batalham nessa guerra são extremamente cuidadosos com as informações."

— Agindo por conta própria?

A voz inesperada fez a moça pular na cadeira. Atrás de si estava Detetive, que segurou a risada quando a viu pular de susto.

— Não precisava do susto. — suspirou Agatha.

Okay. Me lembrarei da próxima vez. — Detetive sorriu, mas logo voltou à seriedade. — Está agindo por conta própria?

— Sim, senhor.

— Por que você se interessaria na codificação das celas dos Medrosos que temos right here?

— Conhecimento nunca é demais.

— Pode dizer. Todos já foram embora.

Intrigada com a frase, Agatha parou de prestar atenção no monitor do computador e olhou ao seu redor. Não havia alma viva além dela e de Detetive.

— Você ficou até tarde por quê? — perguntou ele.

— Um pedido de um amigo meu... — Agatha começou a se apressar, imaginando se Ronald estava esperando há muito tempo.

— Ah, aquele que apareceu mais cedo?

Por um instante, Agatha paralisou.

— Você... está deduzindo algo, né?

Yes, mas queria saber o motivo real.

— Tem certeza?

Go on.

— Quando o meu amigo vê pessoas que acha interessante, ele cria uma leve obsessão por elas e anseia descobrir mais sobre.

— Ele é doente?

— Não. — Agatha riu. — Ele as chama de "pessoas misteriosas". Não importa o que eu faça, ele sempre irá atrás delas e tentará conhecê-las de alguma forma. Bom, esse é um dos casos.

— Hum, got it. Espero que ele consiga o que deseja.

— Não vai me dar uma advertência por mexer em assuntos como senhas ou algo do tipo?

— Você é um Chapéu Cinza. Pode fazer those things. — Detetive sorriu e acenou, se despedindo.

Depois disso, Agatha foi para seu quarto, e lá encontrou Ronald. Trocaram informações, e organizaram a "excursão". Ela não precisou falar de Detetive, já que Ronald fez questão de dizer que se tornara amigo dele. Antes de dormir, Ronald perguntou se havia tido algum problema. Ela deitou na cama de baixo, negando.

— Então acho que amanhã eu finalmente vou conhecer o amigo do mago. — Ronald colocou as mãos na nuca, transformando-as em um segundo travesseiro.

— Não se anime tanto. É bem provável que ele tenha medo de você.

— Mas eu não terei. Isso é o suficiente.

Ao fim desta frase, ambos fecharam os olhos e dormiram, sem perceber uma movimentação fora do quarto, que logo desapareceu.


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Notas finais do capítulo

Right here: bem aqui.
Yes: sim.
Go on: Vai em frente.
Got it: Entendi.
Those things: essas coisas.



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