Mundo medonho escrita por Helen


Capítulo 5
Quem somos nós.




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Um homem corre em uma das ruas de uma vila afastada da cidade. Seus cabelos são ruivos, os olhos castanhos, e ele está usando uma longa capa escarlate escuro com um grande capuz, que esconde boa parte da roupa, mesmo enquanto corre. Nos seus braços, carrega um pacote. Sua correria não é para fugir de algo, mas para anunciar logo o que está naquele pacote. O homem corre confiante.

Sua rapidez o leva pelas ruas sem asfalto, e ele faz uma curva fechada, quase caindo. Continuando, ele começa a se sentir entediado, sabendo que ainda vai demorar um pouco para chegar ao seu destino. Em sua mente, começa a cantarolar uma espécie de manifesto. Ao lembrar de seus companheiros recitando, se animou.

"Eles dizem que somos loucos. É isso que nós queremos que eles pensem, pois, no fim, apontaremos para eles e riremos, dizendo..."

"Ora, e quem é o louco agora?"

"E vamos sorrir, e rir, e rir, e rir."

"Quem está com medo agora?"

Um sorriso maldoso se abriu. O homem é um Medroso, só que não como os outros. Ele faz parte de uma malta chamada Scrupulum (do latim, Escrúpulo. Consciência dotada de moral.) que é a favor da volta dos Medos. Aliás, estes últimos citados e a malta já fizeram uma aliança, e trabalham em conjunto. Todos os integrantes do grupo precisam ser, obrigatoriamente, Medrosos. Só que, em vez de os Medos os usarem como cobaias, apenas se hospedam, para que voltem a ser humanos "primitivos" — como diria a sociedade.

O homem viu seu destino no horizonte. Gradativamente ele começou a diminuir a velocidade, até que voltou a andar sem pressa. Chegou na construção todo suado, mas o pacote continuava intacto. Ele assoviou na porta, e um garoto a abriu. Ambos trocaram cumprimentos e Hugo deixou o garoto de lado e começou a andar pelos corredores quentes. Abaixou o capuz e segurou melhor o pacote. Chegando a uma porta de vidro, a abriu e entrou dentro de uma sala com ar condicionado. Nela, estavam mesas e algumas pessoas reunidas. Uma pessoa se destacava de todas as outras. É a líder dos Scrupulum. Não há necessidade de a descrever agora.

— Hugo. — ela parou de escrever no quadro brancos quando ouviu os passos apressados dele, e se virou para vê-lo. — Mais relatórios?

— Sim. Desta vez, são de um tal de Adler.

— Apenas quero saber se são úteis para alguma coisa. Estamos em guerra. Textos poéticos não ajudam em nada.

— São textos dissertativos argumentativos, e com ótimos argumentos. Com apenas um deles lapidado, teremos um ótimo avanço para convencer o governo de desistir da materialização do medo e os transformar novamente em sentimentos naturais.

— Sua existência me fascina, Hugo. Creio que se não fosse por sua habilidade em furtar coisas "inúteis" para os Intrépidos não estaríamos aqui.

— Seu terrorismo também contribui bastante. As várias mortes acarretadas devido à falta do medo de algo fizeram os corações dos governantes tremerem.

— Trabalhos que se completam. — sorriu.

Hugo entregou a caixa para ele, e foi dispensado. Sem muito o que fazer ali, o homem foi embora.

...

Mais tarde, Hugo estava novamente no telhado da construção dos Intrépidos, procurando uma falha na segurança para que pudesse novamente adquirir ainda mais relatórios descartados. Enquanto procurava, jogava conversa fora com o Medo que residia dentro de si.

— Está vendo alguma passagem? — perguntou o homem para o hospedeiro.

"Não... nenhuma."

— Aliás, você tem alguma habilidade para ver além das paredes?

"Eu sou um Medo, não um super herói."

— Talvez o governo tivesse criado vocês com poderes e foi por isso que vocês conseguiram despertar.

"Vocês, humanos, tratam qualquer coisa não real como se fosse suas ficções."

— Era só uma possibilidade.

"Que tipo de criatura viva daria super poderes pra uma criação? Se houvesse revolta, seria difícil combater."

— Faz sentido.

"Talvez seja por isso que não deram poderes à vocês. Imagine o estrago que vocês fariam se fossem mais poderosos."

— Bem inteligente o cara que não deixou isso acontecer. Seria horrível se algum idiota daqui tentasse algo.

"De qualquer forma, vocês nunca seriam páreo pra ele."

— Aliás, estamos falando de quem mesmo?

"Hum... sei lá. Acabamos entrando nisso sem querer."

— Nas nossas conversas sempre acabamos falando desse cara.

"Deve ser bom humor dele fazer com que tudo se volte pra ele dessa forma inconsciente."

— Ele deve ser bem humorado.

"Muito bem humorado."

Hugo não achou outra brecha, e acabou voltando para a malta de mãos vazias. Como já havia levado uma grande quantia de relatórios, foi perdoado. O homem voltou para seu apartamento, que era no sexto andar de um prédio que ficava perto da cidade. Pegou um pequeno caderno e rabiscou algumas coisas nele. Seu Medo parecia incomodado com a existência do objeto, mas a deixou passar. Hugo observou os carros passando, e entre eles, a polícia.

— É engraçado ver eles tentando nos achar no centro, sendo que estamos na área afastada. — comentou consigo mesmo. — Parece até que estão tentando nos afugentar.

Passou algum tempo naquela sacada. A lua jogava sua luz a qual era na verdade a do sol. Ele e seu Medo conversaram sobre variados assuntos, e parecia que a criatura sempre ganhava nas discussões.

— Me pergunto como Medos podem ser tão bons em oratória.

"Sentimentos são mais profundos do que parecem."

Hugo olhou por um longo tempo para a cidade, pensando no que seu hospedeiro havia acabado de dizer.

— Espero que eu não veja isso na prática.

"Se refere àquele sentimento que vocês humanos tem de falta?"

— Sim, senhor.

"Nah, nem se preocupe. Não vai demorar até que você o encontre frente a frente, de novo."

— Pare de jogar praga em mim!

O Medo riu, enquanto Hugo ficou emburrado. O homem virou as páginas do seu caderno e encontrou uma folha onde estavam desenhados dois olhos violeta. Mas antes que seu Medo percebesse, fechou o caderno e voltou a olhar para a cidade.


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